CFest: Balanço final

, por Alexandre Matias

O C6Fest terminou neste domingo estabelecendo um novo padrão de realizar festivais de música em São Paulo. Conseguiu provar que é possível fazer um bom festival com boa estrutura e curadoria equilibrando-se entre o comercial e o pouco previsível trazendo tanto artistas novos e relevantes quanto nomes consagrados – e, principalmente, dissociar a ideia de festival de música estar atrelada a dia de perrengue, como o que fizeram os festivais realizados em São Paulo na última década. Obviamente a questão do preço extorsivo do ingresso é um ponto central nos poucos contras do evento: não bastasse ser caro pra cacete, só era permitido que se frequentasse um dos três palcos em que se realizavam os shows, algo que é uma irrealidade longe da vida de qualquer fã de música que não nasceu em berço de ouro. Eu mesmo já estava conformado em não ir caso não estivesse credenciado. Mas falo disso abaixo.

Antes, reforço o apreço pela ocupação do Parque do Ibirapuera como palco para esse tipo de evento. Se a área externa do Auditório já havia funcionado à noite, no dia anterior, de dia então, estava uma maravilha. Um domingo no parque em dia de outono – sol estalando, céu azul turquesa, baixa temperatura – que funcionou lindamente com os shows escalados para o dia. O primeiro foi o show que Juçara Marçal e Kiko Dinucci fizeram para reverenciar discos brasileiros de 1973. A banda-base foi a mesma com o qual os dois fazem o show do implacável Delta Estácio Blues (Marcelo Cabral no baixo e Alana Ananias na batera), acrescida de dois jovens mestres (o guitarrista Lello Bezerra e a percussionista Sthe Araujo) que convidou diferentes intérpretes para varar tal cancioneiro, como Jadsa, Giovani Cidreira, Linn da Quebrada, entre outros. Cheguei no meio do show, mas deu para ver grandes momentos, como as ótimas versões com Tulipa Ruiz e Arnaldo Antunes e a reverência final à Rita Lee, com “Mamãe Natureza”, tudo temperado pelo samba pós-punk paulistano característico daquela reunião de músicos.

Depois Tim Bernardes abriu mais um puxadinho de seu Recomeçar, desta vez dedicado às canções eternizadas por Gal Costa. No mesmo formato voz e violão (mas sem piano ou guitarra) com que viaja há cinco anos, fez boas versões hits imbatíveis, como “Baby”, “Vapor Barato” e “Negro Amor”, contendo também seu falsete que, temi, pudesse tentar competir com os da baiana homenageada. Caetano Veloso encerrou as apresentações neste palco fazendo chover hits entre músicas novas de seu disco mais recente, Meu Coco. Tocou todos os presentes quando reforçou a pronúncia do nome de Rita Lee em “Sampa”, em um show com pouco movimento de palco e banda comedida. Mas não vi tudo porque queria ver a Weyes Blood.

Perdi, portanto, o show do Black Country New Road, que, pelo que soube, foi uma catarse – uma espécie de Arcade Fire inglês. Já a apresentação de Natalie Mering, que esperava assistir desde que ela lançou o soberbo Titanic Rising, não foi um show, foi um sonho. Toda de branco, ela misturava auras de anjo, santa e fada seja rodopiando no palco, ao piano ou ao violão, encantando a plateia – que sabia todas as músicas – com sua voz maravilhosa e canções misturam sofrimento e êxtase. Foi o melhor show do festival dos que vi. Depois entrou o War on Drugs, afiadíssimo e igualmente conectado com o público, mas assisti-los depois da Weyes Blood me passou uma sensação de ver o Dire Straits tocando krautrock em diferentes BPM. Não pude ver os shows no Auditório pois não estava credenciado, então só posso confiar nos relatos dos amigos que tudo funcionou bem – apesar dos atrasos, raros no festival.

O saldo geral é o que expliquei no início do texto: um ótimo evento em todos os sentidos, à exceção do preço do ingresso e de este não permitir a circulação do público por todos os palcos, como se espera em um festival. Entendo que as restrições de acesso poderiam caber no caso do Auditório, que tem uma capacidade bem menor que os outros palcos, mas tanto as edições catalã quanto a paulistana do Primavera Sound, por exemplo, contam com um palco deste tipo e entra quem estiver primeiro na fila. Mas não faz sentido repassar o custo do ingresso para o público. O ideal é que parte desse valor extorsivo estivesse embutido na parceria com o patrocinador, que ganharia créditos inclusive por permitir a queda de preços – e o comentário que se ouvia era justamente o contrário disso, que o preço servia apenas para elitizar o público. Pode não ter sido essa intenção, mas era isso que se via – e em muitos casos, pessoas sem o mínimo de interesse na música e sim no famigerado ver-e-ser-visto, ainda mais num evento tão caro. Mesmo sem isso, o C6Fest já é um dos melhores eventos produzidos por aqui neste século. Uma pena é que a proposta artística diverge tão drasticamente da acessibilidade ao público. Vamos ver se isso é corrigido nas próximas edições.

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