Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Estreia de tirar o fôlego

Soberba a apresentação de estreia que Nina Maia fez de seu recém-lançado disco Inteira no Sesc Avenida Paulista, quando trouxe uma versão de gala do formato que vem mostrando desde o início do ano: além de seu teclado teve um piano de cauda, além da viola de Thales Hashiguti, contou com a voz e o violoncelo da amiga e parceira Francisca Barreto e aproveitou ter a cozinha do grupo Os Fonsecas – Valentim Frateschi no baixo e Thalin na bateria – para trazer uma das canções deste último para o palco. Ela foi mostrando o disco lentamente, primeiro sozinha em primeiro plano acompanhada apenas de efeitos sonoros, depois tocando o teclado no centro do palco enquanto os outros músicos faziam suas entradas, deixando suas canções, que soam clássicas e modernas ao mesmo tempo, com um peso físico que no disco é filtrado por timbres eletrônicos. Com vídeos em P&B em alto contraste no telão pilotado por Danilo Sansão e com as luzes finas tocadas pela dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez), o show teve seu ponto alto quando Nina emendou sua épica “Salto de Fé” com “Todo Tempo do Mundo” do disco Maria Esmeralda, quando o baterusta autor da canção original soltou sua voz na frente do palco para cantar uma versão inacreditável do hit. Uma estreia de tirar o fôlego.

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St. Vincent à sombra de Goya

“Me lembro de passar por essa sala com um grande amigo, o artista Alex da Corte”, explica a cantora e compositora St. Vincent, falando sobre quando a inspiração para seu disco mais recente, o ótimo All Born Screaming, lhe encontrou na sala de número 67 do Museo Nacional del Prado, em Madri, na Espanha. “Entramos e nosso sangue congelou. O primeiro que foram os olhos de Saturno Devorando Um Filho; nos olhamos e dissemos: ‘Isso resume tudo'” A referida sala é o lar das famosas Pinturas Negras que o clássico pintor espanhol Francisco de Goya criou entre 1819 e 1823, quando chegou à fase final de sua vida, traduzindo em quadros ermos e desesperançosos a desilusão com a humanidade após ter visto horrores entre o final da Santa Inquisição e a Guerra Peninsular entre o Reino Unido, Espanha e Portugal no início do século 19. Para fechar o ciclo iniciado com a primeira visita da artista norte-americana àquela sala, a Radio 3 estatal espanhola a convidou para apresentar-se exatamente naquele mesmo lugar, trazendo vida às músicas criadas a partir do encontro com a desilusão de Goya com a humanidade. “Muito nessa sala me lembra da condição humana, que tem muito sofrimento, confusão, caos e violência, mas eu também acho que há muita esperança, por isso é muito emocionante está aqui no meio destas telas tocando estas músicas”. Além de três músicas do novo disco (“Hell is Near”, “Flea” e “Violent Times”, ela também tocou “Somebody Like Me”, do disco Daddy’s Home, e “New York”, do disco Masseducation. Assista abaixo:  

Songs Of A Lost World ao vivo na íntegra

E o Cure não só lançou um discaço nessa sexta-feira como o lançou em grande estilo – e em grande estilo Cure – ao apresentá-lo na íntegra ao vivo em uma transmissão que o próprio grupo fez pela internet no mesmíssimo dia, tocando-o na íntegra em uma apresentação realizada na casa de shows Troxy, em Londres, no Reino Unido – e deixando online para quem não pudesse assisti-la ao vivo (veja abaixo). E além de mostrar todo o novo disco com as faixas exatamente na ordem do álbum (incluindo as estreias de “Warsong”, “Drone:Nodrone” e “All I Ever Am”, Robert Smith e sua gangue ainda tocaram por mais de duas horas, enfileirando músicas antigas que vão na mesma vibe do novo disco (várias delas do irmão mais velho deste, o pilar fundamental da banda Disintegration), um bis dedicado ao disco Seventeen Seconds, que está completando 45 anos e um bis com os hits mais conhecidos da banda, como “Lullaby”, “The Walk”, “Friday I’m Love”, “Close to Me” e “Boys Don’t Cry”. O Cure nunca decepciona.

Assista abaixo à ínegra do show e veja o setlist logo depois:  

Outro solo

Luiza Villa começou uma nova fase com estilo, força e delicadeza ao apresemtar=se neste sábado dentro da programação Ágora Zumbido, realizada pelo músico Valentim Frateschi no pequeno teatro Ágora no Bixiga. Ao encher a casa para mostrar suas canções pela primeira vez sem estar sozinha no palco, a cantora e compositora convidou as instrumentistas Marcella Vasconcellos e Yasmin Monique para acompanhá-la em quase uma hora de canções que batizou de Cartas e Segredos, título de uma de suas próprias composições que escolheu para abrir a noite, que ainda teve uma mistura de “Água” do Djavan com “Ten Years Gone” do Led Zeppelin, uma canção da baixista e tecladista Marcella (que foi para o violão e deixou Luiza assumir o baixo) e uma versão deslumbrante para “Ponta de Areia”, do Milton Nascimento, quando recebeu a violoncelista Francisca Barreto para acompanhá-la no final do show, que trouxe outra composição de Luiza, esta em inglês (chamada “These Old Chords”), na hora em que o público pediu bis. A apresentação, que dirigi ao lado da própria Villa, terminou com um coro de “Parabéns a Você” cantado para Marcella, que aniversariava naquele mesmo sábado. Uma noite feliz.

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Luiza Villa: Cartas e Segredos

Neste sábado, às 19h, Luiza Villa começa a dar um novo passo em sua carreira solo ao lado de três instrumentistas incríveis: a arrajandora e multiinstrumentista (e aniversariante do dia) Marcella Vasconcellos, a percussionista Yasmin Monique e a violoncelista Francisca Barreto. Dei meus pitacos na direção que elas conceberam e, além de músicas novas autorais da Luiza, elas ainda mostram versões lindas de canções alheias. O espetáculo Cartas e Segredos faz parte da programação Ágora Zumbido, que acontece no Ágora Teatro, na Bela Vista. Corre e garante seu ingresso neste link, que eles estão no fim.

Numa outra dimensão

Saldei uma dívida deste ano: não tinha visto ao vivo ainda a dupla Kim e Dramma, formada pelo vocalista Kim Cortada e pelo baterista Quico Dramma, que lançaram um bom disco de estreia (No Ombro dos Outros) e consegui resolver isso nesta sexta-feira, no Porta Maldita, quando fizeram o segundo show desde o lançamento do álbum – e que bela surpresa. Não bastasse a ferocidade vocal e presença de palco do vocalista e os tempos quebrados e pulso firme do batera, eles ainda contam com um trio de músicos conhecido da noite paulistana que ajudaram a encorpar ainda mais o som da dupla – metade d’Os Fonsecas – o baixista Valentim Frateschi e o guitarrista Caio Colasante – e o tecladista Eduardo Barco, que dão ainda mais força pro som da dupla, levando-os para outra dimensão ao vivo. Muito bom.

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Intimista e intenso

Corro dali a tempo de chegar no início da segunda sessão do dia da suíte a quatro mãos que Arrigo Barnabé e seu fiel escudeiro Paulo Braga fizeram no Tavares Club, pequeno recanto na parte superior da ótima Casa Tavares, na Vila Madalena, que recebeu o mestre dodecafônico para destrinchar sua magnus opus Clara Crocodilo em dois pianos. E entre explicações sobre a música serialista e uma recitação do primeiro canto do Inferno de Dante Alighieri traduzido por Augusto de Campos, Arrigo passeou por seu grande disco em uma sessão ao mesmo tempo intimista e intensa.

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Contrapangeia em grande estilo

Lindo o show que Gui Amabis fez nesta quinta-feira no Sesc Pompeia para mostrar, em grande estilo, o seu ótimo quinto disco, lançado no primeiro semestre deste ano, Contrapangeia. Escudado por dois velhos compadres cada um a seu um lado no palco – o violonista Regis Damasceno e o tecladista Zé Ruivo – ele foi acompanhado por um orquestra de câmara de 18 músicos e transpôs ao vivo o disco na íntegra, incluindo as participações de Manu Julian e Juçara Marçal, que encerrou a apresentação com a bela “Nesse Meio Tempo”, que também encerra o disco. Gui aproveitou a oportunidade única para reler naquela formação algumas músicas de discos anteriores (como “O Deus Que Mata Também Cura” de seu disco de estreia, Memórias Luso-Africanas, de 2011; e “Pena Mais Que Perfeita”, esta com Juçara, que a regravou em seu disco de estreia, e “Merece Quem Aceita”, do disco seguinte, Trabalhos Carnívoros, de 2012) e encerrou com um bis com uma versão deslumbrante para “Graxa e Sal”, de seu terceiro álbum, Ruivo em Sangue, de 2015, e fez todo mundo sair flutuando..

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Plena e minimalista

Atenção que Nina Maia acaba de lançar um dos melhores discos de 2024. Inteira resume sua pesquisa musical, entre experimentos sônicos, disciplina erudita e alma brasileira, e sua autoanálise artística, mergulhando em sentimentos, incertezas e inquietações num disco conciso e enxuto, que conversa tanto com os singles que já havia lançado quanto com um espaço musical pleno e minimalista, que faz surgir em seu álbum de estreia. E o show de lançamento acontece neste domingo no Sesc Avenida Paulista e tem tudo para estar à altura do disco.

Ouça abaixo:  

Voa, Chica!

Eu sabia que ia ser bom, mas não estava preparado pra tanto. Desde a primeira vez que vi Chica – que agora assina Francisca Barreto – tocar seu violoncelo e soltar sua voz, sabia que ela tinha tudo que precisava para ser uma cantora forte e intensa, mesmo que, pessoalmente, seu jeito meio tímido e inseguro, a forma como acompanha as conversas com o olhar e a hora improvável que solta piadas inusitadas, desse uma ideia de alguém que ainda está tateando seu rumo artístico – e de alguma forma, ela ainda está, afinal acabou de fazer seu primeiro show solo da vida nesta terça-feira. Mas há uma luz, uma certeza, uma força tanto na forma como apresenta as canções, como na entrega que se joga nos instrumentos que toca que mostram que ela está segura num degrau acima, com a consciência de sua presença artística, mas ainda desacreditada de onde seu potencial pode levá-la. Nos últimos anos, ela tomou um choque de realidade que mostrou que ela está pronta para dar saltos mais ousados, ao ser descoberta pelo irlandês Demian Rice, conhecido por tocar sozinho nos palcos pelo mundo, não pestanejou a dividir os holofotes com o músico solitário. Em turnês por diferentes partes do planeta, ela ganhou confiança suficiente para topar algo que propunha a ela há tempos, mas que ela titubeava em saber se era a hora certa, mas na hora em que subiu no palco sozinha para mostrar sua faceta artística sem estar em dupla ou num grupo, o palco era dela. Começou a noite com a mesma resposta que deu ao próprio Rice quando ele a colocou para começar seus shows antes de sua entrada, entregando seu cello e voz a uma das canções mais emblemáticas de Milton Nascimento, “Ponta de Areia”. Dali em diante, ela estava em pleno voo, seja defendendo suas próprias canções ao lado de músicos com quem vem tocando há pouco tempo (como o guitarrista Victor Kroner, o violinista Thalis Hashiguti e a baterista Bianca Godoi), seja tocando cello, violão ou piano. seja dividindo canções com suas irmãs de palco Sophia Ardessore (em “Copo D’Água”) e Nina Maia (em “Gosto Meio Doce”) ou fazendo todos se arrepiar com uma versão de “Little Green” de Joni Mitchell. Mas o ápice da noite foi o final do show, quando fez uma versão inacreditável para “Teardrop” do Massive Attack com sua banda, deixando sua voz soar plena, como deve ser, num momento único de 2024 que quem viveu sabe. O bis veio com a mesma formação e com as presenças de Nina e Sophia numa versão linda e intensa para “Habana” de seu professor de cello, Yaniel Matos. Obrigado por essa noite mágica, mulher – e você pode assinar seu nome completo, mas vou estar aqui como desde o início aplaudindo e pilhando: voa Chica!

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