Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

O último show de Gilberto Gil em São Paulo foi o mais emocionante

Ainda impactado pela maravilha que foi o segundo show da turnê Tempo Rei que Gilberto Gil faz para despedir-se dos palcos. Ciente do assombro inicial que tive no primeiro show que vi, o primeiro dessa excursão que fez em São Paulo, pude assistir À passagem da tour pela cidade em sua última vinda com um olho mais clínico, uma vez que não havia mais a surpresa. Mal sabia que seria a noite se tornaria a mais emocionante da turnê quando Gil trouxe, depois de chamar Nando Reis para o palco como primeiro convidado da noite (com o qual dividiu “A Gente Precisa Ver o Luar”), mais uma filha para o palco – e ninguém menos que Preta Gil. A aparição improvável da filha mais conhecida do clã tinha essa característica pois ela atravessa a fase mais grave do câncer que descobriu há dois anos e esteve hospitalizada há pouquíssimo tempo. E embora tenha chegado amparada pela irmã Nara Gil e pela cunhada Mariá Pinkusfeld (“a Nara e a nora”, como brincou depois o próprio Gil mais tarde), ela perdeu a aparente fragilidade ao sentar-se ao lado do pai e cantar uma versão emocionante para “Drão”, música que seu pai compôs ao separar-se de sua mãe, Sandra Gadelha, a quem preta dedicou a canção. Um momento único, central, que conseguiu arrebatar ainda mais a emoção da noite, igualmente intensa à outra que assisti. Como no primeiro show, Gil também atravessou duas horas e meia sem parar no palco, desfilando a mesma sequência de hits com a mesma precisão (e mesmíssimo roteiro) e disposição que nos shows anteriores. E é tão bom vê-lo fazendo isso sem apelar para o peso da idade ou gabar-se da sabedoria e da experiência – Gil prefere fazer do que falar (embora adore falar). Entendo a decisão do mestre de despedir-se dos palcos nessa escala, de shows contínuos apresentados em estádios, ainda mais com a idade passando dos 80, mas duvido muito que ele aposente-se dos palcos definitivamente. É uma desconfiança que parte de sua destreza e familiaridade com o palco e, claro, uma torcida, para que possamos nos reencontrar com Gil muitas outras vezes..

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O adeus de Sá & Guarabyra

“O fato de morarmos há bastante tempo em cidades e estados diferentes acabou por nos fazer criar raízes diversas com outros parceiros mais frequentes e próximos” – assim uma das duplas mais importantes (e longevas) da música brasileira anunciou sua separação neste sábado, num post em suas redes sociais. Juntos há 53 anos (se contarmos os quatro anos iniciais em que a dupla era um trio, com a presença do saudoso Zé Rodrix), o carioca Luiz Carlos Pereira de Sá e o baiano Guttemberg Nery Guarabyra se tornaram um dos principais expoentes de um gênero dos anos 70 conhecido como rock rural, que bebia tanto nas tradições sertanejas do país quanto na genealogia do rock tanto brasileiras quanto estrangeiras dos anos 60 e 70, assinando canções que são clássicos do cancioneiro popular brasileiro, como “Dona” (eternizada pelo grupo Roupa Nova), “Espanhola” (consagrada por Flávio Venturini) e “Verdades e Mentiras”, uma das canções que a dupla compôs para a trilha sonora da novela Roque Santeiro (além do tema do protagonista da saga, vivido por José Wilker). Em seu post de despedida, a dupla no entanto reforça que cumprirá os quatro shows já marcados, em São Paulo (dia 31 de maio), São Bernardo do Campo (dia 14 de junho), Belo Horizonte (dia 12 de julho) e Itajaí (dia 25 de setembro). Eu não duvido nada que o anúncio do fim da dupla possa inclusive aumentar seu número de shows nos próximos meses. Tomara: afinal eles merecem uma despedida em grande escala e o público também poderá vê-los antes de partirem para os chamados novos desafios.

Leia o comunicado abaixo:  

Arnaldo reconhecendo território

Arnaldo Antunes apresentou seu Novo Mundo em São Paulo neste fim de semana, quando esteve na choperia do Sesc Pompeia acompanhado de quase a mesma bandaça que o ajudou a erigir seu novo disco – além de Kiko Dinucci na guitarra, Vitor Araújo nos teclados e synths e Betão Aguiar no baixo, o novo grupo tinha Curumin na bateria (em vez do produtor do álbum, Pupillo) e Chico Salem ao violão e guitarras. Mas talvez por ter visto o primeiro dos três shows do fim de semana, na sexta-feira, tenha pego um momento em que eles ainda estavam tateando o novo show, o que fez a noite aquecer do meio pro fim. Com o foco no repertório do novo álbum (mas sem participações especiais – podiam ter chamado Ana Frango Elétrico ou Vandall para participar de uma das músicas), Arnaldo também passeou por outros momentos de sua carreira, visitando tanto Titãs (“O Pulso” e “Comida”, que apareceu no bis) quanto Tribalistas (quando engatou “Já Sei Namorar” logo no começo e “Passe em Casa” antes de terminar a primeira parte) quanto hits de sua carreira solo, mas o show engrenou bonito quando pinçou uma nova (“Tire Seu Passado da Frente”) e emendou com uma versão para o reggaeinho “Cultura”, que, ao deixar na mão dessa banda, virou uma dubzeira cabulosa e o primeiro grande momento desse grupo cinco estrelas soando como uma unidade em si, em vez de mera cama sonora para as canções de Arnaldo. Autor e banda ainda estão se reconhecendo no palco e é inevitável que aos poucos todos soarão como uma só força, mesmo com os holofotes voltados para o poeta.

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Paulãozão da Viola

“Uma das melhores homenagens que tive na minha vida”, confessou emocionado Paulinho da Viola ao receber, no Recife, a presença do boneco carnavalesco gigante de Olinda feito em sua homenagem. O “Paulozão da Viola” foi feito por Guilherme Paz, escultor da Embaixada dos Bonecos Gigantes de Recife e foi uma surpresa para o cantor carioca que o escultor combinou com a esposa do homenageado, Lila Rabello. Paulinho chorou ao ver a célebre homenagem, que aconteceu quando sua turnê Quando o Samba Chama passou pelo teatro Classic Hall, na sexta passada.

Assista abaixo:  

Clara Crocodilo ainda no laboratório

Depois de uma estreia de tirar o fòlego em 2023 (com nada menos que o show que João Gilberto fez na inauguração do Sesc Vila Mariana, em 1998), a coleção Relicário, que reúne gravações ao vivo realizados em apresentações musicais nas unidades paulistanas do Serviço Social do Comércio, vem reunindo uma coleção de joias de diferentes épocas e escolas musicais que além de fazer jus ao seu título, também são amostras da importância que o serviço tem na cultura brasileira da virada do século 20 para o século 21. E depois de números com Dona Ivone Lara (também no Vila Mariana, em 1999), João Bosco, Renato Teixeira (ambos em shows próprios no Consolação, em 1978), Adoniran Barbosa (também no Consolação, em 1980) e Zélia Duncan (no Sesc Pompeia, em 1997), o Selo Sesc traz não apenas um registro de um grande nome da música brasileira, mas um momento anterior ao nascimento fonográfico desse ícone, quando ouvimos Arrigo Barnabé reger sua banda com a ópera dodecafônica que lançou sua carreira meses antes de ela ser lançada em disco, provando que sua maturidade musical havia começado antes mesmo de sua discografia. Relicário: Arrigo Barnabé & Banda Sabor de Veneno (ao vivo no Sesc 1980) traz Clara Crocodilo tocada quase idêntica no dia 29 de junho de 1980 no Sesc Consolação, quase um semestre antes de seu lançamento em novembro daquele mesmo ano. A principal mudança é a faixa de abertura, a quase instrumental “Lástima”, que não entrou no disco, substituída por “Acapulco Drive-In”, algumas mudanças na letra de “Diversões Eletrônicas” e a ausência do trombonista Ronei Stella, o responsável pelo figurino da banda, que vestia-se de presidiários a partir de um bloco de carnaval que o músico conseguiu com amigos. O resto da obra é idêntica tanto ao disco lançado em seguida, quanto às apresentações que Arrigo faz até hoje, provando que a saga que assiste a desilusão de um office-boy na cidade grande transformar-se em um monstro mutante inventado num laboratório foi visionária ao antever um futuro alegórico muito parecido com o mundo em que vivemos hoje, sua narrativa picotada que mistura quadrinhos e rádio-jornal muito próxima ao excesso de informações que vivemos via redes sociais. A banda Sabor de Veneno reunida para este show era praticamente a mesma que gravou o disco. Além de Arrigo no vocal principal e no piano, a banda ainda tinha Bozo Barretti (sintetizador e teclados), Chico Guedes (sax tenor), Felix Wagner (clarinete), Gilson Gibson (guitarra), Mané Silveira (sax soprano), o irmão de Arrigo, Paulo Barnabé (bateria), Regina Porto (piano elétrico), Rogério Benatti (percussão), Suzana Salles e Vânia Bastos (vozes), Tavinho Fialho (baixo) e Ubaldo Versolato (sax alto). As únicas ausências que não estão neste show e só apenas no disco são os vocais convidados de Tetê Espíndola, Eliana Estevão, Passoca e Gilberto Mifune, o clarinete de Marcelo Galberti e o cello de Mario Manga. O disco é uma joia irrepreensível, que mostra tanto a importância do Sesc para a realização de apresentações deste tipo quanto a genialidade precoce do autor paranaense, com uma obra intacta como se tivesse sido composta 45 anos depois, em 2025. Muito foda.

Ouça abaixo:  

Fiona Apple ♥ Neil Young

Fiona Apple tem andado muito agitada (pros seus padrões) nos últimos meses. Há cinco anos sem lançar nada novo (quando pegou todo mundo de surpresa com o arrebatador Fetch the Bolt Cutters em plena primeira temporada da pandemia), ela tem soltado sua voz em diferentes gravações de autores diferentes. Agora é a vez de ouvi-la cantando o mestre Neil Young, pérola registrada a partir da coletânea Heart Of Gold: The Songs Of Neil Young Volume I, da qual já havia comentado ao falar das participações de Courtney Barnett e Eddie Vedder, e que ainda traz as presenças de Sharon Van Etten, Doobie Brothers com Allison Russell, Lumineers, entre outros. O tributo foi lançado nessa sexta, trazendo a versão que Fiona fez para a imortal faixa que batiza a compilação, sem mexer em nada nos arranjos, apenas trazendo cordas, baixo e bateria para acompanhá-la na voz e piano, sempre impecáveis. Fiona vem se mexendo mais do que o comum há um ano, quando gravou uma música com os Iron & Wine e no final do ano passado participou do tributo ao baterista e compositor Don Heffington. Este ano participou de uma música do disco novo dos Waterboys e agora vem com essa linda versão para o bardo canadense. Sei que é cedo pra tentar se empolgar com um possível disco novo, mas os sinais estão aí… Fiona quer falar.

Ouça abaixo:  

Catarse de um homem só!

Apesar da chuva, do frio e da quinta-feira, tivemos uma edição quente do Inferninho Trabalho Sujo no Picles com duas catarses lideradas por um homem só. A priimeira aconteceu na volta ensandecida de Monch Monch para o Brasil. Depois de uma temporada em Portugal, o frontman endiabrado Lucas Monch reuniu seu bando mais uma vez para tirar a poeira de músicas antigas e mostrar algumas novas que estarão em seu próximo disco, programado para sair ainda este semestre. O furacão elétrico de noise, rock e loucura contou com participações espontâneas, incluindo sax free jazz e gaita (esta tocada por ninguém menos que o tangolo mango Felipe Vaqueiro), e hits instantâneos como “Merda” e “Jeff Bezos Me Paga Um Pão de Queijo”. Como ele mesmo diz: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAH!”

Depois foi a vez de Jair Naves fazer sua estreia (!) no Picles e apesar do tom grave e sério que começou sua apresentação (tocando violão), logo logo o cantor e compositor entrou no clima da noite e se jogou pra cima do público, transformando seu show naquela missa catártica e elétrica que quem acompanha sua carreira bem conhece. O público cantava de cor suas letras densas e quilométricas enquanto ele aproveitou para comemorar a inusitada (atrasada e obviamente festejável) prisão de Fernando Collor, pedindo pra que ela abrisse caminho pra que seu xará também chegasse à cadeia. Uma noite e tanto!

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Inferninho Trabalho Sujo apresenta Jair Naves e Monch Monch @ Picles (24.4)

O próximo Inferninho Trabalho Sujo acontece numa quinta-feira, dia 24 de abril, no clássico Picles, quando reunimos dois bardos de gerações diferentes que se entregam para o público em catarses apoteóticas. Abrindo a noite temos o jovem Lucas Monch, que, depois de uma temporada em Portugal, reúne um monte de gente boa para colocar seu projeto solo pela segunda vez no palco do clássico sobrado de Pinheiros. Depois é a vez do mestre Jair Naves trazer suas baladas intensas e rock cru para adensar ainda mais a noite, que vira uma pista de dança logo em seguida, quando eu e a Fran entramos com os hits que transformam a noite em uma pista de dança interminaável. Oa ingressos já estão à venda – e se liga que agilizando essa compra até um dia antes da festa, dá pra deixar seu nome numa lista que permite a entrada de graça antes das 21h. Vamo nessa!

Haim caindo fora

Depois da Lorde, as Haim também resolveram adiantar o lançamento de seu novo single e o grave “Down to Be Wrong”, que sairia na sexta, foi disparado já nesta quinta-feira – e é a música mais interessante deste bloco de três músicas que as irmãs lançaram para aquecer antes do disco novo, cujo título foi revelado em um show que as irmãs fizeram em Los Angeles nesta quarta, quando também revelaram mais uma música nova (a balada blues “Blood on the Streets”, que contou com a participação da novata onipresente Addison Rae). O quarto disco da banda será chamado de I Quit, teve sua capa (acima) fotografada pelo amigo diretor Paul Thomas Anderson e será lançado no dia 20 de junho. Ouça as músicas novas abaixo:  

Lorde 2025: “This is the best cigarette of my life”

Não é só (bom) marketing: “What Was That”, a nova música que Lorde adiantou para esta quinta-feira, não apenas retoma musicalmente as angústias de seus dois primeiros discos (deixando Solar Power, de 2021, isolado como um delírio pós-pandêmico), como cria um clima de catarse próprio para um renascimento – e que se o clipe, aparentemente filmado todo nesta quarta-feira, não deixa isso subtendido, ela faz questão de reforçar em um áudio que divulgou ainda na quarta. Um senhor recomeço, com Lorde voltando à boa forma. Assista abaixo: