Jornalismo

Do nada, Donald Glover não apenas retirou o disco mais recente que lançou com seu pseudônimo musical Childish Gambino – 3.15.20, lançado no início da pandemia – das plataformas de streaming como o substituiu pelo disco Atavista, que anunciou no Twitter como sendo uma versão melhor acabada daquele disco. E além de anunciar que o disco terá uma versão em vinil (já à venda) e que todas as músicas terão versões audiovisuais, ele também disse que ainda no verão lançará músicas novas sob sua alcunha de rapper. Não bastasse isso, ele inaugurou essa nova fase com uma música inédita, a irresistível “Little Foot Big Foot”, em que apresenta-se como um grupo vocal dos anos 50 em um clipe em preto e branco, com direito a coreografia que, se cair no TikTok, pode ampliar ainda mais seu alcance. O vídeo conta com a participação do rapper Young Nudy, que canta a parte final da música, e tem a direção do velho colaborador de Glover, Hiro Murai, seu parceiro na série Atlanta e em vários outros projetos audiovisuais, como o filme Guava Island (que lançou em 2019 em parceria com Rihanna) e o polêmico clipe “This is America“. Veja o clipe abaixo: Continue

A vida de excessos do genial Paulo César Pereio chegou ao fim na tarde deste domingo, quando esse ícone do cinema brasileiro cedeu à complicações hepáticas que lhe levaram às pressas para o hospital neste fim de semana. Morando desde o início da pandemia no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, entidade gerida pelo amigo Stepan Nercessian, ele andava mais recluso e bem distante da imagem pública de boêmio incansável que o eternizou. “Construo este mito para ser pouco incomodado”, ele contou ao jornalista Geneton Moraes Neto em entrevista em 2010. É uma espécie de self-art. Pereio, na terceira pessoa, é obra minha. Posso ser considerado no Brasil uma celebridade. As pessoas me reconhecem na rua. Mas posso me dar ao direito de sair sozinho por aí, subir morro, andar na banda podre e na baixa sociedade, tranquilamente. Sei como não ser vítima disso. Conheço atores brasileiros que têm de fingir que são outra pessoa para sair na rua”.

Nascido em Porto Alegre, ele mudou-se para o Rio nos anos 50, onde participou de algumas montagens de teatro moderno (como Esperando Godot em 1958 e a clássica versão de Zé Celso Martinez Corrêa para a Roda Viva de Chico Buarque em 1968) e logo foi puxado para o cinema. Estreou em 1964 no filme Os Fuzis de Ruy Guerra e fez uma participação breve Terra em Transe de Glauber Rocha, em 1967. A partir dessa época e pelos anos 70, tornou-se uma constante em filmes brasileiros, atuando em produções como Os Marginais, O Homem Que Comprou o Mundo, A Lira do Delírio, Chuvas de Verão, Os Inconfidentes, Bang Bang, A Dama do Lotação, Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia, Rio Babilônia e Toda Nudez Será Castigada, entre dezenas de outros – foram quase 60 filmes.

Misto de Humprey Bogart com Jean Paul Belmondo, Pereio fazia personagens que se confundiam com sua persona pública, um galã da pesada, sensível e truculento, que criava problemas e despertava paixões por onde passava. Trabalhou com os maiores nomes de nosso cinema (Cacá Diegues, Andrea Tonacci, Hector Babenco, Neville de Almeida, Joaquim Pedro de Andrade e Arnaldo Jabor), além de circular tanto pela turma do Cinema Novo quanto da pornochanchada com a mesma desenvoltura. Também fez carreira na publicidade (com sua voz grave tornando-se sinônimo de algumas marcas) e na TV, quando trabalhou em produções da Globo como Gabriela, Roque Santeiro, Anos Dourados, A Viagem, Presença de Anita e Carga Pesada. Foi amigo pessoal de Nelson Rodrigues e dirigiu sua penúltima peça (O Anti-Nelson Rodrigues, 1974), além de ter sido o foco do documentário Peréio, Eu Te Odeio, dirigido por Allan Sieber e Tasso Dourado em 2013. Viveu como quis, morreu como pode. Um bastião da nossa cultura e também o retrato de uma época.

Não sou propriamente fã do saudoso Pereio, mas é inevitável reconhecer seu talento. Sua atuação intensa e indomável transforma qualquer cena em que ele atue num épico dramático de proporções simultaneamente caricatas e gigantescas – esteja em um filme clássico brasileiro ou batendo boca em um boteco qualquer. E em nenhum filme ele está tão bem quanto no clássico Bang Bang, que Andrea Tonnaci dirigiu em 1971, que figura entre os melhores filmes brasileiros na minha opinião. Só a cena de abertura, um clássico em si mesma, em que ele discute com um taxista de forma completamente improvisada, já vale o filme inteiro e funciona como uma analogia do que Tonnaci – e o próprio Pereio – estava fazendo no cinema (a anarquia completa do personagem principal) em relação à formalidade da linguagem no Brasil (o monte de explicações dadas pelo coadjuvante para não conseguir fazer o que está sendo pedido). Um momento único da sétima arte, puro delírio. Obrigado, Pereio.

Assista à íntegra de Bang Bang abaixo: Continue

Duas horas de trechos de discos clássicos gravados pelo mestre.

Ouça abaixo: Continue

Morreu um pilar do cinema moderno. Roger Corman foi conhecido como o grande nome dos filmes B, produções de baixo orçamento que serviam tanto para manter o público nos cinema quando a TV começou a crescer na virada dos anos 50 e 60 quanto para explorar novas possibilidades artísticas, que às vezes convergiam com a questão comercial, às vezes não. E assim ele fazia seus filmes compulsivanmente, realizando quase 400 produções entre 1954 e 2008, quando resolveu aposentar-se. Ao fazer filmes baratos, trabalhava fora do sistema de Hollywood e tornou-se um dos principais nomes do cinema independente do mundo. Fazendo filmes baratos em gêneros considerados de segundo escalão (como horror, ficção científica e aventura), ele também foi o responsável por distribuir uma nova geração de diretores estrangeiros nos EUA, o que também ajudou a moldar a cara da nova Hollywood, a partir dos anos 70, quando conseguiu os direitos para distribuir filmes de Fellini, Bergman, Truffaut e Kurosawa, entre outros. O epíteto “papa do cinema pop” que batiza um documentário de 2011 sobre sua carreira acaba limitando sua importância. Mais do que o progenitor do cinema norte-americano como o conhecemos hoje, ele o fez que, ao contrário do cinema industrial de Hollywood na época, a linguagem cinematográfica de seu tempo – a nouvelle vague francesa, o neorrealismo italiano e o cinema japonês, para ficar em alguns exemplos – conseguisse atingir uma geração de atores e diretores que mudariam a cara do cinema como o conhecemos. Abriu as portas para novos profissionais, oferecendo as primeiras oportunidades no cinema para diretores como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Jonathan Demme, James Cameron, Peter Bogdanovich, Ron Howard e Joe Dante e atores como Peter Fonda, Robert DeNiro, Jack Nicholson, William Shatner, Dennis Hopper, Bruce Dern e Diane Ladd, além de colocar mulheres em empregos executivos no cinema quando este era uma indústria formada apenas por homens. Morreu com quase cem anos, em sua própria casa, cercado pela família, que emitiu um comunicado explicando que perguntou como ele gostaria de ser lembrado: “Fui um cineasta, só isso”, contou.

Sábado é dia de continuar com essa vibe boa, quando eu, Clarice, Camila e Claudinho nos reunimos mais uma vez para transformar o Bubu em nossa querida pista de dança. Você conhece o riscado: a festa começa cedo e termina cedo pra que possamos aproveitar tanto o sábado se acabando de dançar quanto o domingo, seja emendando com outra madrugada adentro, seja dormindo cedo pra curtir o dia seguinte desde a manhã. No som, aquela mistura boa de músicas atuais que você conhece com músicas antigas que você nem lembrava da existência, sempre chacoalhando quadris e corações desde o início. O Bubu fica na Praça Charles Miller s/n° (no estádio do Pacaembu) e a festa começa a partir das sete da noite – e termina meia-noite. Vem dançar com a gente!

Pop delicado

Yma está nos devendo seu segundo disco há tempos, mas enquanto isso vai afiando ainda mais sua apresentação ao vivo. Nessa sexta-feira ela apresentou-se no MIS e mostrou como tem tratado seu pop delicado e melancólico cada vez mais à vontade no palco ao mesmo tempo em que está completamente entrosada à sua banda, formada por Uiu Lopes (baixo), Leon Perez (teclados), André Luiz (guitarra), Marco Trintinalha (bateria) e Vinícius Rodrigues (sax). Foi o primeiro show dela desde sua apresentação no Lollapalooza e, embora ainda calcado no disco de estreia Par de Olhos, já trouxe músicas de sua fase de transição, como “Aquário” e “Meredith Monk”, que gravou com Jadsa em seu projeto paralelo Zelena, além de uma música inédita, composta em francês. A apresentação terminou com uma homenagem a uma amiga gaúcha que não pode comparecer ao show pela tragédia que aconteceu no Rio Grande do Sul, a quem a cantora dedicou a bela e triste “Pequenos Rios”. Foi bem bonito.

Assista a um trecho aqui.

#yma #mis_sp #trabalhosujo2024shows 90

Morreu o último integrante do MC5. O baterista Dennis Thompson, apelidado de “Machine Gun” (metralhadora), não se recuperou de um ataque cardíaco e faleceu nesta quinta-feira. Era o último integrante vivo do clássico grupo protopunk e morreu meses após a passagem de seu integrante mais emblemático, o mestre Wayne Kramer, em fevereiro deste ano. Morreu novo, com apenas 75 anos.

Nessa sexta-feira tem mais uma Trabalho Sujo All-Stars, aquela festa em que convido amigos pra discotecar comigo noite adentro. Mais uma vez ela acontece no Bar Alto e mantemos a entrada gratuita, só que dessa vez tenho algumas novidades: a festa vai até às quatro da manhã e vou encarar um long set como há tempos não faço – acho que desde antes da pandemia não toco sozinho uma noite inteira. Quer dizer, pode ser que convidados surjam no meio da noite, sem aviso, vai saber… O Bar Alto fica no número 194 da rua Aspicuelta, na Vila Madalena, e abre a partir das sete da noite, mas a festa começa mesmo das dez em diante… Vamo?

Noite histórica com o Tortoise nesta quinta-feira, quando o sexteto de Chicago subiu no palco do Cine Joia para tocar a íntegra de seu clássico disco TNT. Só o anúncio deste evento já foi o suficiente para mobilizar toda uma safra de fãs do grupo que entupiu a casa de shows da Liberdade com a maior concentração de indies do século passado vista reunida num evento pós-pandemia (e justamente na semana em que outra concentração histórica dessa comunidade, o famoso show dos Pixies em Curitiba, , completa 20 anos). Como aconteceu com boa parte das bandas indie daquele período, o Tortoise melhorou ainda mais com o tempo e vê-los executando com detalhismo e sutileza todas as nuances de seu clássico de um quarto de século foi uma viagem musical, artística e, claro, sentimental. E mesmo começando pesado – com duas bateras frente a frente no primeiro plano do palco -, mostraram que as coisas estavam sérias de verdade no primeiro momento sem este instrumento, quando hipnotizaram o público com o andamento contínuo de “Ten-Day Interval”, logo no início do show. Vê-los trocando de instrumentos constantemente – do xilofone pra guitarra pro teclado pra bateria pro baixo pro synth pra pedal-steel – e ouvindo-os fluir do jazz atonal ao krautrock, passando pelo dub profundo, eletrônica purinha, indie rock clássico (com direito a sopros e cello) e trocas de andamentos até no meio do improviso reforça a ideia original de pós-rock – um grupo originalmente de rock que não respeita barreiras musicais e explora todas as possibilidades que surgem no caminho -, embora os seis torçam o nariz para o rótulo. Findo o disco na íntegra (numa execução impecável), o grupo ainda voltou ao palco no bis para tocar “Along the Banks of Rivers” (do primeiro disco da banda, Millions of Now Living Will Never Die) e “Crest” (do disco que lançaram há vinte anos, It’s All Around You), encerrando uma das apresentações mais intensas – e quentes! – que eu vi do grupo. Mágico.

Assista a um trecho aqui.

#tortoise #tnt #tortoisetnt #cinejoia #trabalhosujo2024shows 89

Com a passagem do Steve Albini, recuperaram a carta que ele enviou ao Nirvana antes de assumir a gravação do In Utero e ela funciona como um tratado sobre sua ética de trabalho. O derradeiro disco do Nirvana também é o disco mais importante da carreira de Albini, afinal foi a partir deste que milhões de fãs puderam conhecer sua obra até então – e alguns deles inclusive o chamaram para trabalhar em seus discos a partir deste álbum. Como sabemos, o Nirvana não apenas topou trabalhar com Steve quanto aceitou suas condições (inclusive a sugestão de estúdio e a presença de seu braço direito Bob Westob, que aparece na foto ao lado do trio, de Steve e da filha de Kurt Cobain, Frances Bean). Traduzi a íntegra da carta, logo após sua reprodução abaixo: Continue