Jornalismo

E a Charlie XCX que, às vésperas de lançar seu disco novo, anunciou nesta segunda-feira que incluiu São Paulo como uma das sete cidades que visitará no próximo mês de junho? Brat, que ela vem antecipando nas redes sociais como seu disco de boate, ainda não tem data de lançamento anunciada, mas é bem provável que ela já passe por Barcelona, Londres, Nova York, Chicago, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo no fim do semestre desfilando músicas de um disco recém-lançado. A diferença entre as apresentações é que na Espanha e nos EUA ela fará shows, enquanto na Inglaterra, no México e no Brasil apenas discotecará em noites que ela se refere como “partygirl”. A apresentação na metrópole brasileira acontecerá no clube Zig, na Barra Funda, e o link para comprar os ingressos é esse (se é que ainda há algum). Não me empolguei com o primeiro single do disco, “Von Dutch”, muito aquém da média de seu disco anterior, o irresistível Crash, mas sempre é bom ver a noite paulistana sendo reconhecida em escala mundial. O que não falta é gringo falando que a vida noturna daqui tem dado de goleada nas tradicionais capitais da noite mundial.

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Dos maiores nomes da música preta brasileira (e ela mesma responsável por criar esse rótulo, no disco ao vivo de mesmo nome lançado há vinte anos), Sandra Sá arrasou como de praxe na segunda de suas duas apresentações que fez neste fim de semana no Sesc Vila Mariana. Acompanhada de uma banda enxuta e pesada (Junior Macedo na guitarra, Misael Castro no baixo, Maikon Pereira na batera e Bebeto Sorriso na percussão), ela atravessou pouco mais de uma hora de show reunindo um rosário de hits invejável. Ela abriu a noite pesando seu “Soul de Verão” (sua versão para a música-tema do filme Fama, de 1980) passou por “Demônio Colorido” e depois emendou baladas irresistíveis como a imortal “Retratos e Canções”, “Sozinho”, “Solidão” e “Certas Coisas” (de Lulu Santos, que a levou às lágrimas). Depois passeou por sucessos alheios ao citar dois exemplos de música preta brasileira que transcendem a cor da pele ao emendar uma música “de um neguinho do interior das Alagoas” (“Flor de Lis” de Djavan) com outra de “um branquelo playba, carica e universitário” (“Madalena” de Ivan Lins), puxando depois um Sérgio Sampaio (a clássica “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”), um Cazuza (“Blues da Piedade”, em que fez referência à prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, “já começou…”) e uma Marina Lima (“Uma Noite e Meia” calibrada no samba). Na segunda metade da noite, voltou ao seu próprio repertório, passando pela gigante “Bye Bye Tristeza” (definida por ela mesma como “uma oração”, quando regeu o público dividindo-o em dois corais durante o refrão), “Dançando com a Vida”, “Boralá” e encerrando com seu primeiro grande sucesso, a irresistível “Olhos Coloridos”. E como essa mulher segue cantando pacas: além de rimar raps em várias músicas, também declamou poemas novos sobre velhas canções e soltou sua voz mostrando-a intacta em vários momentos. Se tiver a oportunidade de assistir a um show da mestra, não titubeie: Sandra Sá – que tirou mais uma vez o “de” do meio de seu nome artístico – ao vivo faz jus ao seu legado e não deixa ninguém parado, seja fazendo dançar ou rolar lágrimas. Uma divindade da música que nos move com seus pulmões.

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Laceando o retorno

Fui no segundo show que O Terno fez no Espaço das Américas em sua turnê de retorno e a apresentação manteve o riscado da noite de estreia, só que conseguiram ser mais compactos sem necessariamente sacrificar o conjunto da obra. Foram 29 canções distribuídas duas hora e vinte minutos, dez a menos que da noite anterior, e só uma mudança no repertório, quando “Bote ao Contrário” entrou no lugar de “Vamos Assumir”. E, como na primeira apresentação, o momento de ouro é quando os metais deixam o palco, mostrando que o entrosamento entre Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile é mais que musical e não apenas roqueiro, como dá para perceber, por exemplo, na versão ao vivo para “Eu Vou” – e isso era palpável ao cumprimentá-los após o show, quando mostravam-se realmente empolgados com a volta e com os próximos shows. Oxalá os inspire a compor um novo álbum, reforçando a tensão criativa entre os três. Voa Terno!

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Você já deve ter visto as cenas: Paulinho da Viola e Maria Bethania novinhos de tudo, cantando sambas numa mesa de bar ou a própria Bethania irradiando juventude em versões inacreditáveis para “Baby”, “Pra Dizer Adeus” e “Alegria Alegria”, esta última acompanhada apenas pelo piano de Luís Carlos Vinhas e pelo trombone de Raul de Souza; João da Bahiana sambando duro com seus sapatos impecáveis ou Pixinguinha, também numa mesa de bar, lembrando da passagem dos Oito Batutas em Paris. O filme Saravah, que há tempos espalhou-se aos pedaços pela internet – além de estar na íntegra no YouTube – assista abaixo), finalmente será lançados nos cinemas no Brasil. Em entrevista ao Estadão, Benjamin Barouh, filho do ator francês que transformou-se em cineasta Pierre Barouh a partir deste projeto, anunciou que o filme está sendo restaurado, tanto visualmente quando em termos de áudio, e que chega aos cinemas após ter sido lançado apenas em DVD. Apaixonado pela cultura brasileira, Pierre Barouh veio algumas vezes ao Brasil e é o responsável pela inclusão de “Samba da Benção” no filme Un Homme et une Femme, de Claude Lelouch, clássico da nouvelle vague em que ele, que a partir de sua amizade com Baden Powell e Vinícius de Moraes fez a versão em francês para a letra da música, também atuava como protagonista. O violonista Powell é o guia de Pierre pelo Brasil, que registra o país em cores em fevereiro de 1969, auge da ditadura empresarial-militar daquele período. O resultado é um documentário quase amador, mas que vale por registrar personagens e hábitos de nossa cultura em estado latente, gravado sem grandes produções, cru como deve ser. Tomara que haja cenas inéditas.

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Química intacta

Valendo! Começou nessa sexta-feira a turnê de retorno do grupo O Terno, que encerra a série de shows de seu quarto disco, Atrás/Além, interrompida pela pandemia há quatro anos. Mas mesmo com tanto tempo sem tocar juntos, é recompensador ter a certeza de que a química entre Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile segue intacta – talvez ainda mais afiada. Os três se entendem musicalmente sem precisar olhar na cara um do outro – e quando o fazem percebem a certeza do som que estão fazendo, e a excitação de ter lotado o Espaço das Américas ajudava muito nisso. Por isso que meu momento preferido nas duas horas e meia de apresentação tenha sido quando o naipe de metais quase onipresente deixa o palco e os três podem fazer o som que é sua assinatura musical, nem que por apenas três canções (“Pra Sempre Será”, “Eu Vou” e “O Cinza”, esta última épica!). É óbvio que cordas, metais e mesmo o piano de cauda funcionam com a sonoridade do grupo, mas quando Tim rasga a guitarra solando, Peixe torna seu baixo uma âncora que sola (uma aparente contraditória mistura de John Entwistle com Peter Hook) e Biel trafega por seu set com graça e peso ao mesmo tempo a essência do grupo torna-se evidente – e suas auras brilham com a mesma intensidade – algo que era sublinhado visualmente com a ótima luz de Olívia Munhoz, que age como se fosse integrante do trio. A ênfase no disco mais recente (um irmão caçula do 4 do Los Hermanos, que insiste no percurso mais dócil da mistura de indie rock com MPB) acaba por tirar peso e eletricidade da apresentação, aproximando-a da sonoridade da carreira solo de Tim, o que reflete-se na escolha da única versão da noite, “O Sonhador”, de Leandro e Leonardo. E o que poderia ser um show de grandes sucessos da banda (afinal, os quatro anos sem subir no palco pediam) acabou pesando para a segunda metade da história da banda: foram 23 músicas do terceiro e quarto disco contra apenas cinco dos dois primeiros. Felizmente fecharam com “66”, primeiro hit do primeiro disco, que justamente colocou o dedo do grupo de volta na tomada, eletrizando a plateia ao final. E isso que só foi o primeiro da turnê…

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Depois de Neil Young, é a vez de Joni Mitchell trazer todo seu catálogo de volta ao Spotify. Ave Joni!

Estudando o samba

Na terceira aula de nosso curso Bibliografia da Música Brasileira, que aconteceu nesta quinta-feira no Sesc Avenida Paulista, eu e Pérola nos debruçamos sobre o samba, contando a história de como ele deixou de ser sinônimo de arruaça e tornou-se um dos símbolos de identidade nacional, que chega até o século 21 se transformando constantemente. A partir de obras de Lira Neto, Hermano Vianna, Muniz Sodré, Almirante e José Ramos Tinhorão, entre outros, mostramos como o gênero foi usado por questões políticas, em momentos de ditadura durante o século 20, para justificar a coesão cultural de um país continental ao mesmo tempo em que sempre se reinventou a partir de inovações sônicas e graças a algumas personalidades, que o conectaram com o resto do país. Na próxima aula falaremos sobre a sigla MPB.

Nascida no Mato Grosso do Sul e morando em São Paulo, a cantora Nina Camillo está prestes a dar o próximo passo em sua carreira. Lançando “Bem Te Vi”, seu terceiro single e clipe nesta sexta-feira, que ela antecipa em primeira mão para o Trabalho Sujo, ela sente que encerra um ciclo ao lançar uma das primeiras músicas que compôs ao piano, produzida, como as anteriores (“Flor da Pele” e “Vem pro Céu”), por Tiago Frúgoli, que coproduz a faixa com Nina, além de tocar piano elétrico. “Sinto que essas faixas me fortaleceram muito, me dando confiança musical e artística”, explica a cantora e compositora, que é influenciada por Hiatus Kaiyote e Erykah Badu e inúmeros nomes da música brasileira, e que até outro dia não sentia segurança em assumir-se como artista. Mas dá pra ver que essa página foi virada e ela explica que parte dessa ficha caiu durante a gravação do clipe, quando teve que contracenar com seu próprio reflexo num espelho quebrado. Assista abaixo: Continue

Que maravilha isso tudo: Rafael Castro está de volta! Desde que se estabeleceu como empresário da noite paulistana, a usina de ideias musicais do músico e compositor de Lençóis Paulista ficou em segundo plano. Ele põe a culpa na pandemia: “Rapaz, negócio de transtorno mental mesmo”, me explica o idealizador do Picles, coração pulsante da vida noturna da zona oeste de São Paulo. “Pandemia bugou a cabeça, era crise de ansiedade e pânico o tempo inteiro. Tentei fazer uns showzinho quando as casas voltaram a funcionar e tive que parar no meio. Parecia que ia morrer, desmaiar, sei lá. Era horrível. Aí até tentei inventar que não queria mais, que não tinha tempo, que estava enjoado, mas foi só tomar uns remédios e fazer uma terapiazinha que tudo voltou a ser possível. Viva a medicina!”.

Assim, Rafa volta a tocar sua extensa discografia, que foi interrompida ainda na década passada, nesta sexta-feira, quando lança Vaidosos Demais, cuja capa ele antecipa em primeira mão para o Trabalho Sujo, bem como a faixa que abre o disco, a sensacional “Bar e Lanches” (prima-irmã de “Restaurante Lótus”, do gaúcho Pedro Pastoriz). Gravado ao lado de alguns de seus comparsas de sempre (como o baixista Fabiano Boldo e o baterista Arthur Kunz), Vaidosos Demais começou a ser gravado no fim do ano passado, mas começou a tornar-se disco no último fevereiro. “Encafifei que o show da Paixão de Castro ia ter que ser com música nova e fiz o resto tudo esse mês”, contou.

O disco ainda tem dois duetos, um com Vanessa Bumagny (“O Algoritmo Te Escolheu”) e André Mourão (“Quando Essas Canções Não Existirem Mais”), além de faixas que conseguem ser ainda melhores que seus títulos fazem parecer, como “Fiscal de Foda”, “Pessoal da Claro”, “A Esquerda Errou Nesse Sentido” e “Nunca Em Nome de Satã”. E o melhor de tudo, pra mim, é que Rafael Castro volta aos palcos na próxima sexta, dia 29, quando será a principal atração da minha noite Inferninho Trabalho Sujo que faço em sua casa de shows e com abertura da querida Manuella Julian. Vai ser lindo e os ingressos já estão à venda neste link.

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Felicidade saber que Adriano Cintra está trazendo seu projeto Ultrasom para a realidade digital de 2024, quando lança seu Ultrasom a partir desta sexta-feira nas plataformas digitais. Herói do underground paulistano dos tempos em que este tinha asco da publicidade, no século passado, Adriano lançava discos e bandas como se não houvesse amanhã, gravando fitas demo e CDRs com seus inúmeros projetos (que iam do Thee Butchers’ Orchestra até, finalmente, o Cansei de Ser Sexy), mas sempre voltava suas dores e dramas em seu projeto solo Ultrasom. My So Called Wild Life é o terceiro lançamento sob este nome e o que motivou Adriano a retornar a esse disco foi sua insatisfação com a sonoridade original, mais de vinte anos depois, e com a formação com a qual gravou na época. “Resolvi regravar esse disco porque eu gosto muito dele, mas não gosto de ouvir essas músicas porque tem pessoas que tocam nesse disco que não são mais minhas amigas”, me contou como sempre sem ressalvas, “é um disco que eu amo, mas não consigo ouvir porque me incomoda”. O Ultrasom começou com duas fitas demo (Settle Down, lançada em 1997, e Set on Fire, no ano seguinte) com Adriano gravando todos os instrumentos, mas tornou-se uma banda com a virada do século com o lançamento do disco que relança essa semana. São músicas compostas entre 1998 e 2000 e que se materializaram em CDRs vendidos em lojas de discos independentes de São Paulo em 2001. O reencontro com o projeto esbarrou no disco que ele vem gravando com seu próprio nome, a ponto de repensá-lo do zero. A empolgação com essas regravações o motivaram também a lançar as duas primeiras demos como um disco só, que deve chegar às plataformas nos próximos meses. Pedi pra ele antecipar uma música pro Trabalho Sujo e ele descolou a bela “Run, Ana, Run”, que você ouve abaixo, além de ver a capa do disco: Continue