Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Um devaneio físico coletivo

Sempre que Negro Leo se propõe a levar um disco para o palco, seu desafio não é simplesmente soar parecido ou reproduzir os fonogramas com a força da música tocada ao vivo, mas transformar uma obra sonora em um espetáculo vivo em que a participação do público possa ser menos que passiva e a interação entre audiência e artista capture a essência conceitual da peça musical registrada em disco. E assim foi feito quando levou o ótimo Rela – seu primeiro disco pós-pandêmico – para o palco do Sesc Pompeia neste sábado. Disco eletrônico composto sobre bases rítmicas do boi maranhense (de sua terra-natal – apesar de carioquíssimo, Leo nasceu na pequena Pindaré-Mirim, no estado mais nortista do nordeste brasileiro), Rela trata das novas formas de lidar com o amor e o sexo a partir da interação humana feita pelas plataformas digitais. Se apenas transposto para o palco, essa faixa sonora bebe tanto no trap, no R&B e na música eletrônica experimental, mas não limita-se ao som, indo desde o figurino do artista (blazer de lantejoulas sobre o torso nu) às paisagens geradas por inteligência artificial nos telões. E por mais que a presença dos produtores musicais Vasconcelos Sentimento, Eduardo Manso, Lcuas Pires e do diretor do show e técnico de som da noite Renato Godoy tenham sido cruciais para mexer com o público, a chave da noite era o próprio corpo de Leo, entregue a uma performance em escala gigantesca. Logo na segunda música, ele já havia se jogado na plateia e aberto uma roda no meio do povo para puxar pessoas aleatórias (ou não) para dançar a dois no meio do público, trouxe sua companheira Ava Rocha para dominá-lo e chicoteá-lo no palco, puxou primeiro uma coreografia no fundo do palco (convidando todos para “o maior flash mob que o Sesc Pompeia já viu”), depois um trenzinho que fez todos circularem pela comemoria para terminar rastejando pelo chão até o backstage. Uma aparição intensa e um espetáculo pós-moderno que não bastasse transpor a sensação de bailão do disco de uma forma extrassonora, ainda terminou trazendo Twin Peaks para o norte do Brasil, transformando o tema da série de David Lynch em um pagodão eletrônico e colocando a própria Laura Palmer (mais uma vez uma criação de inteligência artificial) dançando como se fosse uma bailarina de música pop nordestina, num remix inacreditável para a mais inesquecível melodia de Angelo Badalamenti rebatizada como “Davi do Lins”. Um devaneio físico coletivo memorável.

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Vem com a Clairo

Já a apresentação de Clairo no segundo fim de semana do festival Coachella foi idêntica à primeira, à exceção da participação do político Bernie Sanders. Mas isso não é um problema, uma vez que seu show está cada vez mais redondo e ela cada vez mais à vontade frente às multidões, não deixando que a larga escala interfira na atmosfera intimista de seu disco Charm, base de suas atuais apresentações ao vivo. Mas a transmissão online do festival proporcionou um momento inusitada e magicamente sincronizado, quando transmitiu a apresentação da boy band de k-pop Enhypen quando Clairo cantava seu hit “Bags”, causando uma breve pane mental em quem assistia o show ao vivo pela web provavelmente elucidada com um sorriso.

Assista abaixo::  

Viva o verão!

Em sua aparição no segundo fim de semana do festival Coachella, nos Estados Unidos, Charli XCX repetiu o show da semana passada, só que com menos atrações – saíram Lorde, Billie Eilish e Troyan Sivan para a entrada de Addison Rae (que acabou de lançar seu novo single, “Headphones On”) como participação em “Von Dutch”. Mas a principal diferença ficou para o final, quando ela voltou a falar – pelos telões – sobre um fim iminente para seu verão Brat saudando seus pares – tanto da música quanto do cinema (não esqueça que ela está fazendo um filme com o estúdio A24 e teve seu Letterboxd revelado no fim do ano passado) – que estão prestes a lançar novos trabalhos, evocando um verão dedicado a Addison Rae, PinkPantheress, Haim, Pulp, Aidan Zamari, Yung Lean, Ethel Cain, David Cronenberg, Kali Uchis, Perfume Genius, Sean Price Williams, Rosalia, Ari Aster, Kogonada, Caroline Polachek, Paul Thomas Anderson, Joachim Trier, These New Puritans, Hailey Benton Gates, Turnstile, A$AP Rocky, Darren Aronofsky, Blood Orange, Bon Iver e Celine Song. Ela ao mesmo tempo deu uma das chaves da fórmula de seu sucesso do ano passado (dedicando uma estação inteira a um álbum – e podendo esticá-la se desse certo) quanto acenou para possíveis colaborações em projetos futuros. Muito gênia.

Assista abaixo:  

Os 20 discos mais importantes desde 2020

Meu camarada Carlos Albuquerque, o bom e velho Calbuque, está na equipe da recém-lançada edição brasileira da clássica revista norte-americana Esquire, que chega impressa ao Brasil em edições especiais. E no primeiro número, ele organizou uma enquete com um júri da pesada incluindo jornalistas, executivos da indústria e artistas (este que vos escreve incluso) para descobrir quais são os 20 discos mais importantes desde 2020 até hoje e o resultado (que pode ser visto abaixo) está nas bancas com um texto de apresentação do próprio Calbuque.

Veja abaixo:  

E pode ser que o Cure ressurja mais uma vez nesta segunda-feira…

Como quem nao quer nada, o Cure soltou, nessa sexta-feira, um tweet com três imagens: duas fotos com um iPod contendo nomes de músicas de seu disco mais recente, o excelente Songs of a Lost World, grafados como se fossem arquivos de gravação (transformando nomes de músicas em siglas e anotando as diferenças entre os arquivos de áudio), e com suas costas com um adesivo escrito CURE MOALW, que levou muitos fãs a tentar decifrar a segunda palavra como outra sigla, fazendo referência ao disco lançado no fim do ano passado, mas com uma mudança na primeira palavra. O que tudo leva a crer é que o M no início da sigla seja de Mixes of a Lost World, em que o grupo relê canções do disco de 2024 em novas versões. Fãs mais devotos conseguiram inclusive captura uma tela na busca do Google que mostrava que um disco com esse nome já estava à venda na versão online da loja Fnac, indicando inclusive que o álbum teria TRÊS VOLUMES. A terceira imagem do tweet trazia uma imagem colorida como um mosaico eletrônico de baixa resolução ao som ambient que mistura texturas digitais e cordas, o que reforça que o projeto seja um disco de remixes – ou que pelo menos vá para essa praia, tão cara à própria carreira do Cure. E como fez antes do lançamento do disco do ano passado, o tweet em questão anunciava uma data em algoritmos romanos: IV-XXI-MMXXV, o que apontaria para o dia 21 de abril deste ano, que também coincide com o aniversário do líder da banda, Robert Smith. O próprio Smith não disfarça ao contar em entrevistas desde o ano passado que já tem material não apenas para um novo álbum, mas para inclusive um terceiro, que avançaria ainda mais nesta seara da ambient music e do noise. Que venha!

Veja mais abaixo:  

Fotos inéditas tiradas por Paul McCartney no auge da Beatlemania

Paul McCartney descobriu mais fotos que fez com sua Pentax 35 mm no auge da Beatlemania, entre dezembro de 1963 e fevereiro de 1964 e elas serão exibidas pela primeira vez em uma exposição que abre no próximo fim de semana na galeria norte-americana Gagosian, em Los Angeles. Rearview Mirror: Photographs, December 1963–February 1964 reúne 36 fotos inéditas e abre logo após ele ter lançado o livro e a exposição itinerante Eyes Of The Storm, em 2023, que também traz fotos feitas pelo beatle naquele mesmo período. A exposição fica em cartaz até junho e não há previsão que torne-se outro livro ou que irá para outra galeria – até agora.

Veja algumas fotos abaixo, bem como um vídeo feito pela galeria que mostra o beatle comentando (e autografando) suas fotos, ampliadas em tamanhos que ele nunca havia imaginado:  

Um documentário sobre o festival Cecília Viva

Já está no ar o registro em vídeo do festival Cecília Viva, que aconteceu no Cine Joia em fevereiro deste ano, reunindo shows de artistas como Boogarins, Crizin da Z.O., Kiko Dinucci, Test, DJ Nuts e a primeira apresentação ao vivo das Rakta desde a pandemia para arrecadar grana para ressuscitar a Associação Cecília, clássico ninho de projetos experimentais musicais em São Paulo que sucumbiu à violência paulistana no começo do ano passado. O filme, feito pela dupla Azideia Filmes (formada por Carlos Motta e Priscilla Fernandes), reúne os melhores momentos dessa histórica noite e capta bem o espírito de agradecimento espalhado entre público e artistas (além de várias aparições minhas no canto, sempre filmando tudo). E não é o último evento: a Associação promete novos eventos de diferentes portes ainda esse ano, o próximo deles acontecendo no dia 15 de maio no Porta, com atrações que serão reveladas em breve.

Assista abaixo:  

Outra música nova da Lana Del Rey

Ela prometeu e eis mais uma música nova de Lana Del Rey, outra balada, desta vez chamada “Bluebird”. A música nova começa acompanhada por um violão dedilhado e apesar das ótimas estrofes características da caneta de Lana e do belo solo gaita acompanhado por cordas, derrapa ao começar por um refrão adocicado demais, que faz a faixa perder a força de saída, recuperada lentamente no decorrer de seus versos, deixando-a aquém da recém-lançada “Henry, Come On”, esta sim já um clássico da cantora.

Ouça abaixo:  

Criando uma tradição

Eu e Arthur Amaral, o capo da Porta Maldita, estamos criando uma pequena tradição nas edições do Inferninho Trabalho Sujo que realizamos naquele segundo andar da rua em frente ao Cemitério São Paulo, ao reunir bandas de diferentes públicos e sonoridades para trazer gente diferente, legal e interessada nos nomes que estão surgindo nesta década que, apesar de na metade, ainda tem cara de nova devido aos seus primeiros e terríveis anos. A noite desta quinta-feira começou com o trio Polly Noise & The Cracks, banda paralela do núcleo Der Baum, já clássica banda new wave synthpop do ABC paulista, desta vez liderada pela guitarrista Fernanda Gamarano, que deu a cara sem rosto ao grupo, que mergulha nos oceanos da melancolia gótica de Robert Smith. É o primeiro projeto paralelo do Der Baum, que vai preparando seu próximo álbum enquanto os outros integrantes da banda vão soltando seus novos trabalhos, como me disse Ian Veiga, que, como Fernanda, é fundador do Der Baum e que toca bateria como um dos Cracks, e que ainda conta com a videomaker Priscilla Fernandes no baixo gallupiano. Show curto, mas eficaz.

Depois foi a vez de Lauiz subir ao palco com a cozinha do grupo Celacanto num formato banda de rock, longe dos experimentos eletrônicos pop que caracterizam sua discografia – o que pode marcar o início de uma nova fase de seu trabalho, por assim dizer um “Lauiz rock”. Com Matheus Costa no baixo e Giovanni Lenti na bateria, ambos celebrando o lançamento do primeiro disco de sua banda em clima da farra na Porta Maldita, a nova formação do show de Lauiz ganhou inevitáveis peso e força, liberando inclusive seu comparsa Marcos M7i9 para soltar sua faceta guitarrística, chegando ao auge quando, depois de passar versões pesadas das músicas de seu Perigo Imediato e uma inédita, Lauiz – vestido com uma camiseta Pepsi Gangster – convidou o guitarrista Vicente Tassara, compadre tanto na banda Pelados quando no projeto de plunderfonia YouTube Shorts – para três músicas, duas delas versões de clássicos do indie rock com W maiúsculo: “Undone (The Sweater Song)” do Weezer e uma inacreditável versão para “Roses Are Free’, do Ween. E se o Lauiz antecipou a vibe country do Cowboy Carter de Beyoncé em seu último disco, talvez possa antecipar a fase rock da diva no próximo trabalho. A ver.

A noite fechou com um show inacreditável do Tutu Naná, banda de Chapecó baseada em São Paulo, cuja química mistura noise, shoegaze, free jazz, dream pop rock e até bossa nova numa formação precisa, com os vocalistas e guitarristas Akira Fukai e Jivago Del Claro (que reveza-se entre o baixo e a guitarra), a bateria à Keith Moon do impressionante Fernando Paludo e a flauta transversal da esplendorosa vocalista Carou Acaiah, que equilibram-se em linhas instrumentais que vão do esporro ao sussurro hipnotizando todos os presentes. A banda, que mora no mesmo lugar há um ano, é um segredo bem guardado da cena indie brasileira que deve começar a ser conhecido neste ano, quando possivelmente lançam dois (!) discos. Muito foda.

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Inferninho Trabalho Sujo apresenta Tutu Naná, Polly Noise & The Cracks e Lauiz @ Porta Maldita (17.4)

A próxima edição do Inferninho Trabalho Sujo acontece na véspera da sexta-feira da paixão, quando mais uma vez reúno na Porta Maldita três artistas de sonoridades díspares mas dentro de uma mesma lógica estética e geracional. Lauiz abre os trabalhos começando a despedir-se do disco do ano passado, Perigo Imediato, ao mesmo tempo em que aponta para novos rumos musicais, contando com possíveis participações especiais. A banda sem rosto Polly Noise & The Cracks vem em seguida mostrando sua sonoridade melódica e ruidosa para, no final, recebermos a presença do quarteto Tutu Naná, um dos nomes em ascensão da cena indie brasileira desta década. E entre os shows, toco umas músicas pra mexer com os quadris dos presentes. A Porta Maldita fica no número 400 da rua Luiz Murat, entre os bairros de Pinheiros e Vila Madalena. E comprando ingressos antecipadamente sai mais barato.