Expandindo a pal(h)eta

Ao lançar um dos melhores discos de 2024 num espaço pequeno como o Auditório do Sesc Pinheiros, nesta quarta-feira, Thiago França sublinhou que seu novo disco (trinta e quantos?) é reservado para audições menores e mais intimistas, mas sem isso se confunda com mais leve ou mais delicado. Logicamente que há momentos de sutileza e sentimento, mas o forte da apresentação tinha peso, força e intensidade, especificamente por Thiago ter escolhido o formato de trio de jazz para conduzir o repertório da vez. E ao lado dos velhos comparsas Welington “Pimpa” Moreira e Marcelo Cabral, ele aproveitou para explorar todos o espectro possível daquela formação em cima dos temas registrados no novo disco. Uns deles (como “Luango” ou a faixa-título do disco, “Canhoto de Pé”) são velhos conhecidos de quem acompanha o trabalho do saxofonista e pontos de partidas para verdadeiras tours-de-force instrumentais, seja coletivamente ou em hipnóticos momentos solo. Mas no terço final do show, Thiago expandiu ainda mais sua paleta sonora, ao começar pelo “Bolero do Desterro”, faixa do segundo disco de seu projeto Sambanzo, que transformou-se num momento solo em que Pimpa e Cabral o deixaram só no palco, quando mostrou o motocontínuo de sua respiração circular, antes de receber Juçara Marçal para a versão dilaceradora que os dois registraram no novo disco de Thiago, quando visitaram, sax e voz, a preciosa “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção. Aproveitando a presença de Juçara, encerrou o show com uma mistura (ou “um remix analógico e orgânico”, como ele mesmo brincou) de “Fear of the Bate Bola” do disco da vez com “Bará” que Juçara compôs quando o grupo Metá Metá foi convidado para fazer a trilha sonora de um espetáculo do grupo Corpo. O público pediu bis e Thiago encerrou a noite com a imortal “Cabecinha no Ombro”, de Paulo Borges, tocando sozinho e pedindo pro público cantar o eterno acalanto junto com seu sax. Que noite!

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Driblando o ouvido


(Foto: Sebastina Scauvet/Divulgação)

“‘Canhoto de pé’, diz a mística do futebol, que são os jogadores mais habilidosos, de dribles desconcertantes, enigmáticos”, explica Thiago França sobre o título de seu quinto disco solo, que lança nessa próxima sexta-feira. Quase todo instrumental, o disco foi iniciado em plena pandemia e conta com participações de Juçara Marçal (que canta a única letra do disco, numa versão tocante para “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção), dos comparsas que fecham seu trio (Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) e de dois integrantes do grupo Aguidavi do Jêje. Ele segue explicando o título do disco a partir das escalas que usou na gravação. “Daí a viagem: essa música usa uma escala próxima ao blues, que tem a terça maior e a menor e fica variando entre elas, driblando e enganado o ouvido. Acho que nesse disco eu tô tocando dum jeito mais ‘habilidoso’, diferente do Sambanzo e até do MetaL MetaL, onde tudo soa bem forte, explosivo. O fato de eu ser canhoto de pé não influencia nem ajuda em absolutamente nada meu jeito de tocar, e no meu caso, também não me ajudou nada com a bola”, brinca.

O disco, cujo show de lançamento acontece no dia 4 de setembro, no Sesc Pinheiros, surgiu durante o período pandêmico e, segundo o saxofonista mineiro “foi o disco menos planejado que já fiz”. “Ele foi acontecendo lentamente, ao contrário do que eu sempre faço, que é pegar uma idéia e desenvolvê-la ao redor de uma banda fechada que vai tocar tudo”, continua, fazendo referência aos processos tanto a seus projetos coletivos, como o Metá Metá, a Charanga do França, a Space Charanga, os Marginals e o Sambanzo, como a seus outros discos solo. “Eu tava fazendo backup dos arquivos do Logic ouvindo coisas que ficaram de fora do Bodiado (de 2021) e achei que tinha assunto ali pra continuar trabalhando”, contando que começou pelas faixas “Download de Paranóia” (cujo título surgiu num papo com André Abujamra), “Cabecinha no Ombro” (o clássico acalanto de Paulo Borges, gravada com quatro saxes, gravada no aniversário de seu avô) e “Ajuntó de Xangô”, que caíram fora de Bodiado por diferentes motivos e ressurgiram neste disco novo. “Eu não queria repetir a fórmula do disco anterior e elas ficaram guardadas, a vida foi seguindo, pandemia acabando, eleição de 22 que foi aquele caos…”

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Vida Fodona #817: Não dá pra ficar parado

Até dá, mas você entendeu.

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Pura magia

Mais uma apresentação de tirar o fôlego conduzida por Juçara Marçal no Centro da Terra. Na segunda noite em que trouxe seu Encarnado em versão acústica este ano para o palco do Sumaré, a maior cantora do Brasil hoje não só fechou esta pequena temporada com uma apresentação ainda mais intensa que a da terça anterior, como encerrou outro ciclo, ainda maior, aberto quando realizou a primeira data de uma temporada interrompida no fatídico março de 2020 da pandemia. Acompanhada dos cúmplices de sempre – Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, todos eles empunhando instrumentos sem eletricidade -, ela transformou mais uma vez seu disco de estreia no véiculo perfeito para a expor a intensidade de sua performance ao vivo, quando transforma sua voz e presença de palco em uma passagem para entidades, cada uma em uma canção. E assim ela foi enfileirando sambas de Siba e Paulinho da Viola, Itamar Assumpção e Gui Amabis, Romulo Froes e Chico Buarque, Tom Zè e Douglas Germano cujas histórias e letras misturam causos do cotidiano com casos de polícia, dramas pessoais com traumas íntimos, rezas e cânticos, sempre amparada pela complexa trama formada pelo entrelaçamento ímpar das cordas de Kiko e Rodrigo e coberta pela lânguida rabeca de Thomas. Uma noite que não apenas tirou o fòlego como livrou o encosto dos traumas dos anos recentes. Pura magia.

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“Encarnando em 3, 2, 1…”

Encarnado e desencantado! Como Juçara falou logo no começo da primeira das duas apresentações que está fazendo no Centro da Terra neste começo de mês, retomar seu primeiro disco solo em formato acústico fecha a tampa de um alçapão que nos foi aberto bem quando ela começava uma temporada de shows no teatro revisitando seu primeiro disco (que naquele março de 2020, que viu o começo da pandemia, completava seis anos) sem instrumentos elétricos – e sem microfones ou amplificadores, só no gogó e na unha, como ela mesma disse. A nova versão acústica de seu Encarnado, que agora completa 10 anos, foi diferente daquela antes de entrarmos na tragédia pandêmica, pois além de microfone e instrumentos plugados também contava com a iluminação de Olívia Munhoz, que já havia feito no primeiro aniversário do disco esse ano, no Sesc Vila Mariana. Ao seu lado, os suspeitos de sempre (Kiko Dinucci, pela primeira vez tocando violão com cordas de aço num show, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer) a ajudavam a conduzir-nos a um território cru e direto, sem meios termos passando por novos (“A Velha da Capa Preta” de Siba, “Ciranda do Aborto” – o momento mais intenso do disco e do show – e “João Caranca” de Kiko, “Pena Mais Que Perfeita” de Gui Amabis, “Velho Amarelo” de Rodrigo, “Presente de Casamento” de Romulo Froes e Thiago França e “Canção Pra Ninar o Oxum” de Douglas Germano, entre outras) e velhos (“E o Quico?” de Itamar Assumpção e “Não Tenha Ódio no Verão” de Tom Zé) clássicos da música brasileira. Dois destes últimos surgiram nessa versão ao vivo, primeiro “Xote de Navegação”, de Chico Buarque (em que Juçara foi acompanhada apenas por Rohrer tocando um fuê!), e depois “Comprimido” de Paulinho da Viola (em que trocou “um samba do Chico” por “um samba do Kiko”). Com a luz de Olívia perseguindo os silêncios e esporros do som (indo da penumbra quase completa aos faróis na cara do público), a apresentação terminou com um bis intenso, quando ela voltou a música do Tom Zé e pediu para que o público a acompanhasse seus gritos do refrão, fazendo com que todos exorcisassem, aos berros, o pesadelo dos últimos quatro anos, transformando o teatro numa câmara de descompressão de frustrações do período pandêmico. Irretocável. E terça que vem tem mais.

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Juçara Marçal: Encarnado 10 Anos – Acústico

Em março de 2020, Juçara Marçal começou uma temporada no Centro da Terra em que visitava seu primeiro disco solo, Encarnado, num formato diferente – colocando seus chapas Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, que marcaram presença no disco, para tocar instrumentos acústicos, dando uma outra roupagem às canções. Mas o mês desta temporada também foi o mesmo em que afundamos naquele pesadelo chamado pandemia do coronavírus e inevitavelmente a série de apresentações foi suspensa após a primeira noite. Mas sempre conversava com ela sobre a possibilidade de retomarmos aqueles shows. Eis que finalmente conseguimos realizá-los novamente agora neste início de junho, com duas apresentações, que além de ter Kiko tocando violão de aço, Rodrigo no violão e cavaquinho e Thomas na rabeca, ainda traz a luz da Olívia Munhoz, que iluminou o show de aniversário do disco, que completa 10 anos em 2024, agora no início do ano. Serão duas apresentações em duas terças, 4 e 11, e a primeira delas já está com ingressos esgotados.

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Centro da Terra: Junho de 2024

Maio não terminou mas a queda na temperatura já anuncia a chegada de junho – e assim podemos anunciar a programação de música no Centro da Terra, que começa já na semana que vem. Quem toma conta das segundas-feiras é a dupla de noise extremo Test, que em cada uma das quatro noites, convida diferentes músicos para releituras ainda mais experimentais das faixas de seu álbum mais recente, Disco Normal, numa temporada que estão chamando de Curadoria do Medo. Nas duas primeiras terças-feiras do mês, dias 4 e 11, Juçara Marçal retoma as apresentações que tínhamos começado a fazer no infame março de 2020, quando ela iria fazer apresentações tocando seu primeiro disco solo, Encarnado, em versão completamente acústico, cuja única eletricidade da apresentação seriam as luzes – acompanhada de Kiko Dinucci (violão), Rodrigo Campos (cavaquinho) e Thomas Rohrer (rabeca), ela percorre o disco que agora completa 10 anos sem microfones nem amplificadores. Na terceira terça do mês, dia 18, é a vez do brasiliense Paulo Ohana fazer a transição entre seu disco mais recente e o que está prestes a lançar num espetáculo que mistura os dois títulos, O Que Aprendi Com a Língua dos Homens na Minha Orelha, ao lado dos músicos Fernando Sagawa (saxofone e flauta), Ivan Gomes (baixo), Ivan Santarém (guitarra), Bianca Godoi (bateria) e Gabriel Milliet. O mês termina na terça 25 com a apresentação conjunta do casal mineiro Clara Castro e Nathan Itaborahy que mostram seus respectivos trabalhos solo na apresentação dupla Prefixo Quase. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos já estão à venda na bilheteria e no site do Centro da Terra.

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Na beirinha

Chegou ao fim nesta segunda-feira a jornada que Thiago França, Rômulo Froes e Rodrigo Campos se propuseram ao encarar a temporada 3 na Ribanceira que tomou conta das segundas de abril no Centro da Terra – e a quarta noite foi de pura celebração, com os três lembrando diferentes momentos de suas carreiras ao mesmo tempo em que recebiam dois cúmplices de encruza, ninguém menos que Juçara Marçal e Marcelo Cabral. A apresentação começou com Thiago segurando a respiração do público com seu mantra de fôlego circular no saxofone, abrindo caminho primeiro para Rômulo (com sua “Pra Comer”), depois para Rodrigo (que entrou com sua “Meu Samba Quer Se Dissolver”) e os três tocaram a marchinha “Adeus Saudade”, feita para um dos primeiros desfiles da Charanga do França. Depois entrou Cabral, tocando baixo elétrico, para acompanhá-los primeiro numa versão pagode para “Muro”, de Rômulo, e depois com a faixa-título do primeiro disco do baixista, Motor, esta já com a presença da segunda convidada, Juçara. Juntos os cinco, passaram por “Três Amigos” (do Metá Metá), “Ladeira” (do trio Sambas do Absurdo), “Queimando a Língua” (do primeiro disco da Juçara), “Presente de Casamento” e “Espera” (de Rômulo), “Califórnia Azul” e “Velho Amarelo” (de Rodrigo). A ausência da noite foi Kiko Dinucci, que não pode comparecer por questões pessoais e foi lembrado quando tocaram a bela “São Paulo de Noite”, do Thiago – ou “Dinucci”, como brincaram. Também foi sentida a ausência de qualquer canção do grupo Passo Torto, que tinha 3/4 de sua formação no palco. Entre as músicas o tom era de conversa de bar, com Thiago brincando que Juçara tinha o colocado no time dos saxofonistas compositores ao lado de Milton Guedes e Jorge Israel enquanto Rômulo fazia a genealogia de cada uma das canções. Ele ainda brincou que estava chegando na beira da ribanceira, “olhando o precipício e ele olhando de volta” pouco antes de um deslize de memória (quem viu viu) que veio antes do encerramento da noite e da temporada, quando emendaram “Fim de Cidade” e “Mulher do Fim do Mundo”. Uma noite especial – e Juçara ainda soltou um spoiler do que vem por aí…

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Camadas de referência

Bastou o momento em que Juçara Marçal e Alzira E dividirem o palco na noite deste domingo pra valer o 2024 todo até aqui. Mas o encontro destas duas não aconteceu só no momento em que as duas diviram a emblemática “Tristeza Não”, pois reunir o show das duas numa mesma ocasião foi uma bela sacada da Casa Natura Musical. Alzira começou os trabalhos com seu Corte, banda formada por Marcelo Dworecki (baixo e guitarra), Cuca Ferreira (sax), Daniel Gralha (trumpete) e Fernando Thomaz (bateria), mostrando músicas do ótimo Mata Grossa, lançado no ano passado, além de passar por canções do disco de estreia do grupo, de 2017. O entrosamento entre todos está tinindo e elevam a vocalista e baixista do pantanal à sua natural posição majestática, onde, seja bradando o microfone ou empunhando seu baixo, que por vezes encontrou-se com o de Dworecki, deixando o peso da banda ainda mais evidente – algo bem realçado pelo Berna, que estava tomando conta do som.

Quando Juçara subiu depois, todo o peso de seu Delta Estácio Blues – cada vez mais implacável a cada nova apresentação – foi elevado. Primeiro pela liga quase metálica entre ela, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Alana Ananias. Depois ao temperar o show com citações do disco de seu remixes que acabou de ser lançado – e que Juçara anunciou que irá se transformar em festa no porão da Casa de Francisca, com discotecagem do Mbé, nos dias 16 e 17 de maio – imperdível! Depois com a participação da mestra que abriu o show, Alzira E. A citada “Tristeza Não”, de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, já eternizada pelo Metá Metá, ganhou um força e uma energia ainda mais intensa com a presença de Alzira e, como conversei com o Cuca logo na saída do show, aquele encontro das duas abriu camadas e camadas de referência, mostrando como a cena nascida no Lira Paulistana segue firme e forte na atual cena independente paulistana. Que momento!

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Itamar Assumpção vivo no Porão da Casa de Francisca

Finalmente conheci o recém inaugurado porão da Casa de Francisca – e não podia ser com uma atração melhor, quando, mais uma vez, Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Suzana Salles se juntaram para celebrar Itamar Assumpção apenas com violão e vozes. A entrada para o novo palco do Palacete Tereza fica na porta ao lado do acesso original da casa e o público desce por uma rampa abaixo de uma placa que nos recepciona para o “Cine Teatro – Espaço Imaginário e Recreativo”, que já dá a medida das possibilidades do novo espaço. O show desta quarta foi para um público sentado em poltronas ao redor do palco, que fica num tablado circular no centro do porão, mas o espaço permite várias modalidades de apresentação, inclusive além de atrações musicais, como deixa explícita a placa na entrada. A apresentação intimista pediu uma luz mais comedida e a sensibilidade dos três intérpretes nos deixava ainda mais próximos do palco. Todos de preto e óculos escuros passavam um repertório não tão óbvio das canções do mestre Ita e alternavam momentos de frágil delicadeza com espasmos de som liberados pelo violão de Kiko e acompanhado por berros de Suzana e Juçara. E tão bom quanto a apresentação da noite foi descobrir que a movimentação à entrada do Palacete, ocupando a rua em frente a outra nova área da Francisca, um bar e restaurante na parte térrea, seguia noite adentro, mesmo depois do DJ do dia, o grande Rodrigo Caçapa, que estava tocando desde o começo da noite até a hora do show começar, ter parado de tocar. Muito bom ver a Francisca tomando conta da rua e ampliando as possibilidades artísticas e culturais em uma região que, dez anos atrás, estava completamente largada. Viva a Casa de Francisca!

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