Um Inferninho celestial

, por Alexandre Matias

A maior edição do Inferninho Trabalho Sujo, que aconteceu nesta quinta-feira, também foi uma experiência auditiva. Se nas outras edições privilegiávamos o calor humano de um espaço pequeno em que bandas poderiam aquecer ainda mais a noite com o volume de seu som, desta vez trazendo para o palco de pé direito alto da Casa Rockambole optamos por uma edição celestial em que a sensibilidade e a delicadeza estivessem em primeiro plano, sem que isso diminuísse a temperatura da noite. E o crescendo musical e energético que começou com voz e violão e acabou com uma banda de rock fez o público subir a expectativa cada vez a cada nova apresentação, devidamente saciada após cada um dos shows.

Assista abaixo:

A noite começou com Luiza Villa mostrando seu show mais autoral até aqui, exercitando seu violão preciso e sua bela voz em diferentes praias ao mostrar parcerias inéditas, poucas versões alheias (como “Menina do Sonho” de Gilberto Gil, “Terra” de Caetano Veloso e “Noite Sem Luar”, de Godofredo Guedes, bisavô da Júlia que se apresentaria em seguida) e músicas próprias novíssimas como “Meditations” (inspirada em sua paixão por Joni Mitchell) e a linda “Feminina Lei”, recém-composta.

Depois foi a vez de Tori e Júlia Guedes mostrarem o show em dupla que estrearam há pouco em Belo Horizonte, numa apresentação que marcou a estreia de Júlia nos palcos em Sâo Paulo. Passeando pelo repertório dos próximos discos das duas – com a mineira ao piano e a sergipana ao violão -, que coincidentemente trouxe músicas que ambas fizeram para os respectivos avós, o show ainda contou com versões maravilhosas de clássicos da música mineira, como “Mistérios”, “Canção Postal” e “Um Gosto de Fruta”, estas duas últimas cantadas ao lado de Luiza Villa, que dividiu o palco com as duas inclusive no bis, quando tocou ao lado delas a única composição feita pelas duas, no bis.

Depois a alagoana Marina Nemesio subiu sozinha ao palco com seu violão, tocando músicas que farão parte do repertório de seu primeiro álbum, que começa a gravar ainda este ano para ser lançado no início do ano que vem. Com um violão delicado como sua voz cristalina, ela passeou por canções de sonho compostas por si mesma ou ao lado de seus conterrâneos João Menezes e Nyron Higor, colegas que fez questão de mencionar como gratidão e parceria. Encerrou a noite com a belíssima “Nuvem Vermelha”, eternizada por Ana Frango Elétrico – que deve participar do disco de estreia de Marina – em seu disco mais recente.

Seguindo a escalada sonora da noite, foi a vez de Sessa apresentar-se como um trio mostrando músicas de seu disco mais recente, Estrela Acesa, acompanhado apenas da baixista Helena Cruz e do baterista Biel Basile. E precisa mais? O trio paulistano passeia por diferentes nuances da cultura brasileira, visitando musicalmente São Paulo, o Rio de Janeiro e a Bahia em canções que inspiram conforto e preguiça ao mesmo tempo em que evocam diferentes cânones de nossa música. O encontro do violão meio bossanovista meio jazz de Sessa com o baixo jazz funk de Helena e a precisão rítmica de Biel (que por vezes samba macio como um Wilson das Neves, por outra pega pesado descendo a mão no couro da percussão) cria uma musicalidade idílica que fez o público flutuar – bem como o dueto entre o vocal informal de Sessa e a doçura da voz de Helena, que está cantando muito. Showzaço.

A noite terminou com a Tangolo Mangos enfiando os dedos na tomada e trazendo o espírito endiabrado original da festa para fechar a série daquela noite. É nítido ver como uma turnê intensa – o quinteto baiano fez quatorze shows em menos de um mês, passando por três regiões do país – mexe no calor da troca entre os músicos e se a química entre os integrantes já era quente, mesmo exaustos depois de tantos shows ainda seguia febril. A apresentação do grupo solta faíscas e eles sequer precisam trocar olhares para mudar de uma música para outra, em muitos casos grudadas entre si e a energia trocada pelos cinco traz diferentes gerações do rock nordestino para a mesma arena, quando ecoam as guitarras dos Novos Baianos, o pulso do Ave Sangria, a intensidade do Camisa de Vênus e a eletricidade do BaianaSystem dentro de uma adaptação à brasileira da formação de rock clássico que reúne duas guitarras (o carismático vocalista Felipe Vaqueiro e o novato Theo Kiono, ambos já interligados entre si), um baixo (toda a força e magnetismo do segundo vocalista, João Denovaro), uma batera (o preciso João Antônio Dourado) e percussão (Bruno Fecchine, que por vezes também assume o vocal). E além de mostrar versões turbo das canções de seu primeiro álbum, Garatujas, lançado no fim do ano passado, e músicas que estarão em seu próximo disco, o grupo ainda recebeu a participações dos compadres paulistas Thalin e Caio Colasante, do grupo os Fonsecas. Mas a participação não dizia respeito ao grupo de art rock dos dois, embora Caio tenha pego a guitarra (instrumento que tocou com o grupo baiano em sua penúltima passagem por São Paulo, quando ainda não tinham definido quem seria o guitarrista que substituiria Pedro Viana, que deixou o grupo no início do ano) – mas o momento foi de trazer um trecho do incensado disco que o baterista dos Fonsecas, que também faz as vezes de MC, acabou de lançar, o ótimo disco de rap Maria Esmeralda. E assim a elétrica “McCoy Tyner” e uma versão furiosa para “Poliesportiva” estrearam no palco duas semanas antes do show de lançamento do Maria Esmeralda, que acontecerá dia 19 no Sesc Pompeia, acompanhadas pela banda baiana. Um final apoteótico para uma noite de sonho.

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