Se o show do Alto da Maravilha passar perto de você, não pense duas vezes: vá. O acontecimento que é o encontro do segundo disco solo de Russo Passapusso com a triunfal volta da dupla Antonio Carlos e Jocafi já havia causado abalos sísmicos emocionados ao ser capturado em disco num dos registros mais impressionantes do ano passado, mas ganha outra camada no palco. A começar pela banda, que era capitaneada pelo trio de produtores do disco, todos lá: Curumin na bateria, Lucas Martins no baixo e Zé Nigro nos teclados e synths. Ao redor dos três, o ás da guitarra Saulo Duarte, uma dupla de metais de tirar o fôlego – Edy Trombone e Estefane Santos -, a percussionista Loiá Fernandes e o maestro Ubiratan Marques (da Orquestra Afrosinfônica) no teclado elétrico. Só essa banda era o suficiente para fazer qualquer casa cair.
Mas à frente desta vinha esse trio maravilhoso e, não menos importante, alto astral. O encontro de Russo Passapusso com seus mestres Antonio Carlos e Jocafi é uma injeção de otimismo mútua e as três partes são imediatamente contagiadas por essa força conjunta, uma vibração positiva que espalhou-se pelo teatro do Sesc Pinheiros como rastilho de pólvora e antes que a primeira música, “Aperta o Pé”, terminasse o público já estava de pé sacudindo os quadris e batendo palmas sem que nenhum dos três chamasse por isso. O cenário espertamente coloca os três em uma mesa de bar, sublinhando a naturalidade do encontro ao mesmo tempo que funciona como base para a dupla que, só de carreira, tem mais de meio século: Antonio Carlos está com 85 anos e Jocafi com 79. Mas a idade não é um problema para os dois que constantemente levantam-se da mesa para cantar e dançar junto ao público.
À frente dos dois, feliz feito pinto no lixo, está Russo Passapusso. O carisma e empolgação do vocalista do BaianaSystem talvez sejam suas principais características no palco, mas ao lado dos ídolos, elas se potencializam ao cubo. E Russo, completamente extasiado ao colocar suas canções em movimento, transmite essa energia para os outros no palco e para todo o público, funcionando como norte emocional de toda a noite. E não bastassem suas qualidades de showman, ele esmerilha na condução da meteorologia sentimental da noite, regendo todo o Sesc Pinheiros para o lado que lhe interessa – por vezes, deixa todos em ponto de bala, por outras, aciona a melancolia ou deixa a doçura tomar conta, mostrando como, não bastasse tudo isso, ele ainda é um cantor emocionante e um compositor preciso. E ainda estica o tapete vermelho não só para a dupla de veteranos como para cada um dos músicos da banda – todos têm seu momento para brilhar sozinhos. Ele mal cumprimentou formalmente o público, mas estava em constante comunicação, explicando cada detalhe daquele encontro – e frisando a conexão entre o urbano e o sertanejo como duas matrizes baianas importante tanto para sua própria formação musical como a de seus convidados.
E assim passeamos não só pelo acachapante repertório do disco Alto da Maravilha (“Mirê Mirê” composta com Gilberto Gil, “Pitanga”, “Catendê” e minhas favoritas “Vapor de Cachoeira” e “Veneno”) como canções das duas metades desse encontro (“Você Abusou” e “Kabaluerê”, da dupla de baianos, e músicas do primeiro disco de Russo). Entre estas “Paraquedas” foi a escolhida para encerrar a noite, que não teve bis, e estendeu-se por quase quinze minutos, quando Russo guiou a todos por uma versão inacreditável de seu primeiro single, fechando, mentalmente, um ciclo pessoal. Veio, viu e venceu – pra nossa felicidade. Um dos shows mais impactantes que vi nos últimos anos – e que tem que rodar o Brasil inteiro. É a dose de energia positiva que 2023 precisa para seguir seu árduo caminho pela frente.
Anelis Assumpção lançou seu Sal em três noites esgotadas no Sesc Pinheiros – fui na de domingo, quando ela chamou a amiga Thalma de Freitas para dividir vocais em algumas canções. Quase sem conversar com o público, deixando as canções falarem por si, ela subiu um patamar nesse show, ao mostrar que mais do que uma cantora, compositora e intérprete de primeira, ela é uma estrela. Não que não soubéssemos disso, mas nessa nova apresentação ela deixou sua luz brilhar magicamente, contando com uma banda ainda mais azeitada que a que acompanhava nos anos anteriores e com um palco deslumbrante: tudo funcionando para que ela deslizasse sua voz e seu corpo acima de todos nós, tirando o fôlego do público em vários momentos. Quero ver mais!
Em dois anos, o mestre João Donato comemora suas nove décadas de vida, quase oito delas dedicadas à música. O buda acreano é um dos mitos da criação da música contemporânea brasileira e já apresentava-se ao vivo no início da adolescência, antes de toda a geração que veio a influenciar – e criar a bossa nova – começasse a se envolver profissionalmente com música. E mesmo prestes a cruzar a barreira nonagenária, exibe a desenvoltura mágica que o consagrou décadas atrás, tão à vontade quanto em seus discos mais clássicos. Defendendo o ótimo Serotonina, que lançou no ano passado, numa apresentação que fez no teatro do Sesc Pinheiros neste domingo, ele fez piada com o nome do disco e celebrou todas as parcerias que fez neste trabalho ao apresentar cada uma delas (mencionando nominalmente seus novos parceiros – Maurício Pereira, Felipe Cordeiro, Rodrigo Amarante, Céu – no primeiro disco de faixas inéditas em 20 anos), mas quando começava a tocar, tornava-se pleno. Acompanhado de uma banda luxuosa e mínima – Fábio Sá no baixo elétrico, Sergio Machado na bateria, Anaïs Sylla nos vocais de apoio e Marcelo Monteiro, entre a flauta e o sax -, ele foi além do repertório do disco novo e visitou clássicos de outros tempos, como “Emoriô”, “Bananeira” e “Nasci para Bailar”, sempre à vontade com seu instrumento, sua voz e seus parceiros. Que sorte podermos conviver com um mestre destes.
O Carnaval da Céu está acontecendo no Sesc Pinheiros, quando ela estreia o espetáculo Fênix do Amor, em que organiza seu repertório numa apresentação que não prioriza um determinado disco para repassar seus hits. Ela segue com a banda que montou para circular com o disco Um Gosto de Sol, com o fiel escudeiro Lucas Martins no baixo puxando os novatos Sthe Araujo (percussão), Bruno Marques (bateria) e Leo Mendes, que assume a guitarra depois de tocar apenas violão na turnê anterior – e esta mudança é crucial para a nova apresentação, fazendo o show ganhar força e eletricidade ao mesmo tempo em que Céu desliza em seus hits, como bem sabe fazer. O foco do show fica em seus dois melhores discos – Vagarosa e Tropix – e passeia por algumas do Apká! e até do disco mais recente (fazendo Céu ceder ao repertório autoral quando um fã pediu “Deixa Acontecer”, o samba do grupo Revelação que ela gravou no disco de versões), mas senti falta de músicas do Caravana Sereia Bloom – “Falta de Ar”, “Baile da Ilusão” e “Chegar em Mim” fariam bonito nessa noite. Mas é Carnaval e ela aproveitou para emendar uma sequência de músicas alheias no final, que começou sua já clássica versão para “Mil e Uma Noites de Amor” do Pepeu Gomes, passou pelo axé (“Vai Sacudir, Vai Abalar”, da banda Cheiro de Amor), visitou a pioneira Chiquinha Gonzaga (com, claro, “Abre Alas”) e encerrou celebrando Gal, com a irresistível “Bloco do Prazer”. Uma banda tinindo e uma luz deslumbrante (Marcos “Franja” Cicerone esmerilhando com a ajuda do laser de Diogo Terra), deixaram Céu completamente à vontade para dominar o palco e o público com facilidade, numa apresentação que funciona como balanço de carreira e quem sabe a ajude a pensar em novos planos para o futuro.
O Trabalho Sujo completa 27 no próximo domingo, mas já antecipo aqui algumas atividades que estou fazendo para comemorar mais um aniversário. A primeira delas é a realização de mais uma edição do espetáculo Leonard Cohen: Dito e Lido que concebi e dirigi com a querida amiga Juliana Vettore e que desta vez acontece no Sesc Pinheiros. Mais uma vez reunimos Bárbara Eugênia, Jeanne Callegari, Jose Bárrickelo, Juliana R. e Michaela Schmaedel para celebrar a obra do mestre canadense, entre canções e poemas que passam por diferentes fases de sua carreira. O espetáculo acontece no dia 18 de novembro, na próxima sexta-feira, às 21h, e os ingressos já estão à venda no site do Sesc.
O show que Erasmo Carlos fez neste sábado no Sesc Pinheiros foi em cima de seu disco mais recente, O Futuro Pertence À… Jovem Guarda, em que recria hits do início de sua carreira ao lado de uma banda regida pelo tecladista José Lourenço e com Billy Brandão como guitarrista solo, Luiz Lopez na guitarra de apoio, o baixista Mario Vitor e o baterista Silvio Charles, todos dando uma roupagem mais clássica (citando Kinks aqui, Stones ali, Deep Purple acolá) a vários hinos da Jovem Guarda. E entre pérolas sessentistas como “Sentado à Beira do Caminho”, “Quero que Vá Tudo pro Inferno”, “É Proibido Fumar”, “A Carta”, “Devolva-Me”, “Esqueça”, “Gatinha Manhosa” e “Negro Gato”, o mestre ainda pinçou algumas de seu repertório posterior, como “Mulher”, “Mesmo Que Seja Eu”, “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, “Minha Superstar” e uma das minhas favoritas de seu repertório, “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”. Showzaço.
Depois de navegar os sete mares através do elemento água no espetáculo Omindá, em 2018, André Abujamra agora singra pelo fogo na segunda parte de sua tetralogia e apresentou, neste sábado, no Sesc Pinheiros, Emidoinã – Alma de Fogo. Em vez de um filme, a apresentação desta vez gira em torno de uma animação, feita por @lucianolagaresotd, que conta com a participação de nomes como Camila Pitanga, Marisa Brito, Fernanda Takai, Giuliana Maria, Julia Lemmertz, Virginie, Zelia Duncan, BNegão, Criolo, Chico César, Pedro Luís, Rodrigo Santoro e Russo Passapusso, entre muitos outros, além da banda que apresenta-se ao vivo formada por André, Claudio Tchernev, Sergio Soffiatti, Daniel Nakamura e Chicão Montorfano e cujo peso e presença fizeram valer o fato do disco ter sido indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa.
Que vibe boa a do Tatá Aeroplano lançando seu ótimo Não Dá Pra Agarrar nesta quarta-feira no Sesc Pinheiros – e sempre bem acompanhado por sua trupe Bruno Buarque, Junior Boca, Dustan Gallas, Kika e Malu Maria. Astral demais!
Neste sábado, Letrux trouxe mais uma vez seu Aos Prantos para São Paulo, quando mostrou o segundo disco num show mais compacto e intenso no Sesc Pinheiros. Acompanhada de sua sempre precisa banda, ele desfilou hits de seus dois discos para uma plateia que só foi levantar das cadeiras do teatro quase no final do show e ainda tocou Fiona Apple e mandou um arranjo novo para uma música que nunca tinha sido gravada, “I’m Trying to Quit”. Fino e intenso, como a noite deste sábado – e como sempre.