Festival consolidado

, por Alexandre Matias

Quando o Dinosaur Jr deixou o palco do Tokio Marine Hall neste domingo deixando quase todos surdos num dos shows mais altos que ouvi em tempos, também coroava um ano de ouro para a Balaclava. O selo, que vi começando quase como um projeto paralelo de dois integrantes da banda indie Single Parents, conseguiu feitos consideráveis neste 2024 que chega ao fim: desde lotar um lugar enorme e desconhecido no raio que o parta para assistir a uma banda literalmente desconhecida de quem não frequenta a cena indie (num show histórico do King Krule no Terra SP) a fazer a principal banda do selo, o Terno Rei, atingir alturas que uma banda indie brasileira raramente atingiu a trazer os Smashing Pumpkins para um Espaço das Américas lotado, atingindo um patamar inédito de público em sua história. O já tradicional festival que aconteceu neste domingo foi só a cereja do ano que termina, para o selo.

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Perdi as duas bandas de abertura, mas cheguei a tempo de ver Ana Frango Elétrico incendiar o público que lotou a casa de shows da zona sul de São Paulo (o antigo Tom Brasil) com sua banda azeitadíssima – Vovô Bebê na guitarra, Pablo Carvalho na percussão, Thomás Jagoda nos teclados, Pedro Fonti na bateria e Pedro Dantas no baixo -, enfileirando hits de seus discos Little Electric Chicken Heart e Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua e correndo sem parar pelo palco como se não estivesse em uma maratona de shows. Além de suas próprias músicas, passou pelo já conhecido medley que faz de João Donato com Crystal Waters e encerrou a noite com duas pedradas: “Mulher Homem Bicho”, composta com Ava Rocha, e “Electric Fish”, que abre seu disco mais recente. Ao final do show o público já tinha chegado em peso e a noite só esquentaria ainda mais a partir dali.

Depois foi a vez da cantora e produtora inglesa de ascendência paquistanesa Nabihah Iqbal, que convidou o público para um transe psicodélico e eletrônico e mostrando músicas de seu disco mais recente, Dreamer, lançado no ano passado. Ela tocou no palco coadjuvante do festival, que ainda é uma questão a ser resolvida – como o espaço não foi feito para shows (é, na verdade, a antessala do Tokio Marine Hall), o som do palco e a visibilidade que o público tem do artista fica muito aquém do desejado – e no caso de Nabihah, o som demorou para chegar no público, tanto em volume quanto em qualidade. Mas quando chegou, chegou bem e ela ainda puxou o primeiro Cure da noite, ao nos levar para “A Forest”, clássico da primeira fase da banda de Robert Smith.

Não sou propriamente fã do Badbadnotgood, que tocou após Nabihah, mas eles fizeram o melhor show que vi deles de todas as vezes que vieram pra cá, jogando seu jazz funk ainda mais pro Brasil ao pinçarem uma versão de “Cascavel” de Antônio Adolfo. Preferiram usar um telão de imagens em 16 mm a uma iluminação propriamente dita, deixando o show quase na penumbra, que criava um bom clima pra noite mas não deixava ver sua performance – e como fala o baterista canadense Al Sowinski! Mas seguraram bem o público – que em sua maioria era fã – e voltaram até para um improvável bis em um festival, quando celebraram a memória do rapper MF Doom.

E o Water from Your Eyes, que tocou no mesmo palco secundário que Nabihah Iqbal também sofreu com as mesmas condições que a inglesa. Quem estava perto do palco conseguiu ouvir e ver melhor o quarteto nova-iorquino, que entregou-se ao misto de eletrônico com pós-punk que fazem em seus discos, mas quem ficava um pouco mais para trás sofria com um misturada embolada de sons e a baixa visibilidade da banda. Quem foi no side show que eles fizeram na Rockambole no dia anterior teve uma experiência melhor, pelo que fiquei sabendo. Uma pena, pois era a atração que mais queria ver no festival.

O Balaclava Fest deste ano terminou em grande estilo, com o Dinosaur Jr fazendo o show mais barulhento que vi em alguns anos. A banda estava cansada (“estamos a dois dias sem dormir!”, brincou o baixista Lou Barlow), mas isso não chegou a comprometer o show, além de tirar duas músicas do bis. Pelo contrário. J Mascis estava soltando fogo pelos dedos e mostrou que é o grande guitar hero de sua geração, descendente direto de Neil Young com muita distorção. O público, ao contrário do que muitos previam, não ficou restrito à velha geração e os jovens ficaram para delirar com o indie rock clássico do trio, que segurou uma hora e meia de show, mesmo trocando poucas palavras. Tocaram músicas de todas as épocas e mostraram que ainda são uma das melhores bandas da história – com direito à clássica versão (e segundo Cure da noite) de “Just Like Heaven”.

O saldo final é que o Balaclava está consolidado. O público foi bem misturado e assistiu a todos os shows, não a só aos que tinha se programado pra ver, fazendo a casa estar cheia o tempo todo. O passo natural é procurar um lugar para que o evento tenha cara de festival, não de uma sequência de apresentações em uma casa de shows, até para contemplar o palco secundário, que sempre sofre por ser neste lugar, de uma forma melhor. Mas fora isso, tudo funcionou muito bem. E dizem que ainda tem mais anúncio da Balaclava esse ano… A ver.

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