Uma amizade e dois discos soberbos

, por Alexandre Matias

Muito feliz de ter presenciado o encontro de duas facetas de dois dos maiores nomes da música brasileira contemporânea numa mesma noite, quando Kiko Dinucci e Juçara Marçal encontraram-se, nesta quinta-feira, no palco da Casa Natura Musical para apresentar, pela primeira vez em São Paulo, seus respectivos Rastilho e Delta Estácio Blues em uma sessão dupla de tirar o fôlego. A noite começou com Kiko chamando as cantoras que reuniu para acompanhá-lo na versão ao vivo do melhor disco brasileiro de 2020 – além da própria Juçara, as sensacionais Dulce Monteiro, Maraísa e Gracinha Menezes – e, como sempre elas encantaram o público e adoçaram o toque ríspido e percussivo de Kiko em seu instrumento. Depois, sozinho no palco, segurou a audiência que lotava a casa tocando várias canções apenas com seu violão de cordas de nylon e a empolgação fez com que ele quase quebrasse o instrumento – mas foi só um susto. Chamou primeiro Juçara para acompanhá-lo em outras canções e, finalmente, encerrou a apresentação com a premonitória faixa que batiza seu disco, puxando o coro kamikaze “vamos explodir” pouco antes de entrar na cantoria balsâmica que encerra o disco – e o espetáculo.

Pouco depois da apresentação de Kiko Dinucci na Casa Natura Musical nesta quinta-feira, foi a vez de Juçara Marçal assumir o comando, deixando Kiko, produtor do melhor disco brasileiro de 2021, como coadjuvante e braço direito. Ancorados por uma cozinha pesada e precisa – os baixos de Marcelo Cabral e os beats de Alana Ananias -, os dois ressurgiam no palco com outro figurino e outra direção – em vez de vozes e um único violão, instrumentos elétricos, sintetizadores e a única voz, de Juçara, claro, distorcida por ela mesma com vários efeitos e pedais de distorção. A versão ao vivo de Delta Estácio Blues segue sendo o melhor show no Brasil atualmente e é impressionante como a cada nova apresentação, eles aumentam ainda mais os decibéis – a dobradinha entre “La Femme à Barbe” e “Oi Cats” (em que Juçara enfiou até um “oi sumido”) subiu com uma parede de ruído avassaladora e se o show já tinha cara de pós-punk, neste momento entraram no modo Sonic Youth. Duas apresentações distintas que selam uma amizade que deu origem a dois discos soberbos e complementares: enquanto Kiko olha para o passado para tentar antever o futuro, Juçara não tira os olhos do futuro, sem pensar em olhar para trás. Noite incrível.

Assista abaixo:

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