Palavras num recital

, por Alexandre Matias

Coisa séria a apresentação que reuniu Arnaldo Antunes e Vítor Araújo neste fim de semana no Sesc Pinheiros. Comemorando o lançamento da edição ao vivo do tocante Lágrimas no Mar, a dupla voltou a se encontrar num dos primeiros palcos que viu este espetáculo, trazendo algumas novidades. O fato de contar com apenas um músico e instrumentista no palco – e deste ser o prodígio erudito pernambucano – e dos dois estarem trajando ternos e gravatas pretos aumenta a tensão de recital da apresentação, fazendo o público ficar mudo e maravilhado por quase uma hora e meia, quebrando o silêncio apenas com as palmas entre as canções. O espetáculo reúne faixas de diferentes fases da carreira de Arnaldo, que ficaram conhecidas tanto em sua voz (seja na carreira solo – “Contato Imediato”, “Se Tudo Pode Acontecer”, “No Fundo” e “Alta Noite” – quanto com os Titãs – “O Pulso” e “Saia de Mim”) quanto na de outros intérpretes, como Erasmo Carlos (“Manhãs de Love”), Marisa Monte e Carminho (“Vllarejos”), Cássia Eller (“Socorro”) e Maria Bethânia (“Lua Vermelha”, parceria com Carlinhos Brown), com maior ênfase nas recentes “O Real Resiste”, “Na Barriga do Vento” e “João” e, claro, nas canções pinçadas para o registro em disco, como “Longe” (composta com Betão Aguiar e Jeneci), “Umbigo”, “A Não Ser”, “Enquanto Passa Outro” e a faixa-título, além de versões para “Fim de Festa” (de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos) e “Como Dois e Dois” (de Caetano Veloso, interpretada ao lado da diretora de arte do show, Márcia Xavier, que também assina as belas projeções da noite). Claro que o texto das canções ajudava a desanuviar o rigor que o ar de recital dava à noite, ainda mais pontuada pelos poemas curtos e diretos de Arnaldo (“A Boca Oca”, “Um Deus”, “O Corpo”, “Saga”, “O Mar”, “O Buraco do Espelho” e “Bacanas”) que interligavam as canções, mas a entrega de Vítor ao piano, que enfatiza o aspecto percussivo do instrumento ao mesmo tempo em que toca suas cordas por dentro ou grava loops para criar camadas de si mesmo sobre as canções (além de tocar a versão bachiana para “O Trenzinho Caipira”, de Villa Lobos, e a luz densa e implacável de Anna Turra, mantém o clima austero e sisudo na noite, mas sem nunca perder o calor.

Assista abaixo:

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