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Mais um texto meu e da Helô pro Blog do IMS:

“Fui a Garanhuns e não comi ninguém”, diria uma camiseta inventada em alguma conversa pela internet, mais uma piadinha infame em cima de um dos crimes mais chocantes e grotescos do século 21 brasileiro: um homem, sua mulher e sua amante mataram, mutilaram e comeram um número ainda não definido de mulheres, em Pernambuco. Os canibais preferiam o fígado, mas não desprezavam músculos. Foram encontrados pedaços de carne humana congelados no freezer da casa. E eles admitiram misturar carne humana ao recheio da coxinha (entre outros salgadinhos) que a mulher vendia pela cidade. E assim transformaram a vizinhança em canibais involuntários. Presos no dia 11 deste mês, os canibais de Garanhuns confessaram o crime, fizeram ressalva (comemos o fígado, não o coração – “ah bom!”) e despertaram a ira dos locais. Moradores da região invadiram a casa após a prisão do trio e puseram fogo em tudo.

Duas vezes

Segue lá!

Minha coluna na edição do Link dessa semana foi sobre o arcade de Caine.

A internet ajuda até quem não está conectado a ela
A história do menino Caine Monroy e seu salão de jogos

Caine Monroy tem nove anos de idade, mora na zona leste de Los Angeles, nos Estados Unidos e tem uma paixão desde cedo: máquinas de jogos. Não de videogames – Caine é fascinado por um gênero de jogos que não é tão popular no Brasil, e que em seu país é rotulado como “arcade”. Embora por aqui o termo esteja vinculado a fliperamas e máquinas de pinball, nos EUA os arcades reúnem máquinas acionadas por fichas que não necessariamente são eletrônicas e que lembram as brincadeiras em quermesses por aqui, como tiro ao alvo, argola, aquela garra que pega bichos de pelúcia numa gaiola de vidro.

Fissurado por desmontar aparelhos para ver como funcionavam, Caine começou a fazer suas próprias máquinas de jogo na garagem de seu pai. Detalhe: as máquinas eram de papelão. E, à medida que criava as máquinas, transformava a garagem de casa em seu próprio arcade. O Caine’s Arcade. Ali, não apenas exibia suas invenções como criou até um programa de fidelidade. Por um dólar, o jogador poderia ter quatro chances de jogar em qualquer máquina. Pelo dobro disso, ganhava o que ele chamava de “Fun Pass”, que garantia a possibilidade de jogar 500 vezes.

Por mais feliz que estivesse com seu pequeno empreendimento, Caine tinha apenas um cliente, Nirvan Mullick. Empolgado com o entusiasmo do menino, Mullick não só comprou um “Fun Pass” como também passou a usá-lo com frequência, visitando-o quase todos os dias sempre com uma câmera, que usava para registrar as explicações de Caine em relação ao funcionamento de suas máquinas.

O fato de ter um único cliente não incomodava o pequeno empreendedor, mas frustrava Mullick, que resolveu fazer uma surpresa para Caine. Reuniu um grupo de amigos e, com a ajuda do pai de Caine, tirou o garoto da garagem enquanto armava um flash mob para recebê-lo. Usou a internet para contar a história que havia descoberto e para reunir interessados em conhecer o autor e sua obra de papelão.

O resultado da visita abriu um sorriso gigantesco no rosto do menino e é o auge do vídeo que Mullick publicou na segunda-feira passada e que virou um sucesso online, atingindo um milhão de views em menos de uma semana.

O sucesso do vídeo não apenas garantiu o status de celebridade instantânea para o garoto, mas também funcionou como uma forma de arrecadar dinheiro para sua formação escolar – e em três dias, já havia quase US$ 100 mil em sua poupança para a universidade.

A lição dessa história é que ela provavelmente não será a única. Há muita gente – crianças, adultos, idosos – fazendo coisas apenas porque gostam, sem sequer esperar que alguém possa gostar do que fazem. A internet pode – e deve – ser o canal para difundir o trabalho de gente assim. Vamos ver isso acontecer cada vez mais, repare.

Quando vi que Foo Fighters e Arctic Monkeys seriam os principais nomes do Lollapalooza brasileiro, me bateu um sossego – poderia perder tranquilamente o festival. Ao assistir ao show dos Foo Fighters no primeiro dia do festival, ao vivo pela TV, o mesmo sossego transformou-se em desconforto – não só vinha a consciência de que os Foo Fighters haviam deixado de ser uma banda promissora para se tornar a maior banda emo do mundo (não que haa algum problema nisso), como Dave Grohl esqueceu-se de cantar, transformando-se em uma sirene de garganta que berra por todas as músicas e toca-as sempre em velocidade acelerada, como se estivesse com pressa de terminar o show. Ao vê-lo destruindo a própria “Big Me” ao tocá-la quase no dobro de sua velocidade original, mudei para outro canal em que pude assistir a um longo show do Cure da metade da década passada. Ao mesmo tempo lia mensagens e atualizações de status que reclamavam do perrengue antes, durante e depois do show. Os motivos eram os de sempre: filas, preços, qualidade do serviço, som baixo, telão pequeno, multidão, demora pra conseguir sair do lugar, etc. Defeitos e destratos que infelizmente se tornaram inerentes a qualquer grande evento no Brasil.

Mas no dia seguinte tinha os Arctic Monkeys, que não são propriamente uma banda favorita ou querida, mas pelos quais tenho um tremendo respeito. Mais especificamente em relação a Alex Turner, o dono do grupo, que é um cara que veremos pelos próximos 20, 30 anos mantendo a mesma qualidade e eficácia na produção de canções memoráveis. Dá até para arriscar que os Monkeys são melhores que os Strokes, a maior banda desta geração, pois o conjunto da obra dos ingleses é mais consistente que a discografia dos nova-iorquinos. Os últimos desempatam no quesito coletânea de hits – e muito pelo fato dos Strokes serem pioneiros de uma época em que o rock tinha ficado em segundo plano, fazendo que boa de suas canções venha com forte carga afetiva. Mas basta lembrar do show dos Strokes no último Planeta Terra – por melhor que ele tenha sido, não dá para dissociar aquela apresentação de uma reunião de banda antiga, um revival, uma versão (bem) melhorada da volta do Guns’N’Roses em 2001. Aos doze anos de idade, os Strokes já estão em sua fase Las Vegas. Bem diferente do que aconteceu com os Arctic Monkeys. Tive de conferir.

E logo mais me vi andando pela areia da pista de corrida do Jóquei paulistano rumo ao palco em que os ingleses iriam se apresentar. Cheguei tarde e perdi o MGMT, portanto bastava achar um lugar bom para ver o Foster the People e esperar um pouco mais para assistir aos Monkeys.

Tão esquecível quanto divertido, o Foster the People fez um show muito superior ao que poderia se imaginar de uma banda de sua estatura, vencedor da categoria “revelação” do indie rock do ano passado, com os dois pés na pista de dança. Em 2012, esses adjetivos tornam qualquer artista em menos do que uma nota de rodapé, mas o fato é que guardaram seus três (quatro?) hits para o final do show e, goste ou não, “Pumped Up Kicks” funciona muito bem no palco, ainda mais com uma gracinha que sublinha o aspecto dance music da canção, ao turbiná-la de repente, com muita ênfase no grave.


Foster the People – “Pumped Up Kicks”

Já o Arctic Monkeys não teve a menor dificuldade para dominar o final do evento. Como os Foo Fighters, eles também são heróis de uma geração muito nova, com menos de 20 anos, que sabem cantar todas suas músicas – e cantam aos berros. O que muda é a dimensão. Os Monkeys não são uma banda de primeiro escalão, uma banda de estádio, power rock, que domina sozinha uma multidão de dezenas de milhares. Mas caminham para isso (se isso ainda continuar existindo) – e a passos firmes. Seu fiel da balança é inevitavelmente seu principal nome, o guitarrista e vocalista Alex Turner, que aos poucos encarna uma mistura de Elvis Presley com Dorian Grey puxando o espírito norte-americano do rock’n’roll – aquele que se mistura com a caipirice do rockabilly de Jerry Lee Lewis e à melancolia dos falsetes de Roy Orbinson – para o sotaque do norte da Inglaterra. Eles talvez sejam a banda de rock mais importante do mundo hoje (com o Franz Ferdinand como seu grande rival nessa categoria) – rock enquanto gênero musical, não sinônimo de música pop. Estou falando de country com blues, baixo, guitarra e bateria, um gênero que começa com Elvis nos anos 50 e começa a perder sua importância depois que Kurt Cobain se matou e o Radiohead o tornou obsoleto de vez.

Nesse território os Monkeys não deixam a bola cair em momento algum (no máximo na chata “Brick by Brick”, mas tudo bem, é a música cantada pelo baterista) e Turner protagoniza um espetáculo de sonoridade essencialmente crua, onde a dinâmica entre as guitarras é conduzida a partir de seu instrumento, que rege o resto do grupo. Seu canto falado e mascado caminha com malemolência sobre riffs ponteagudos e refrões populistas. Ele joga para a galera – e a galera adora. Mas nunca é piegas, nunca é emotivo ou faz gracinhas bobalhonas. Sua rigidez como band leader é parente de sua própria música e não faz concessões. Melhor pra todo mundo.

Findo o show, vale frisar que a organização do festival até conseguiu dar melhor vazão ao público, à exceção, claro, da já costumeira ausência de táxis à saída do evento. Mais à frente, outro problema típico paulistano – embora o festival tivesse sido realizado a menos de um quilômetro de uma estação de metrô (quase um milagre quando se pensa na vida cultural de valets e estacionamentos a R$ 50 da vida cultural de São Paulo), o público se acotovelava para entrar na marra, exigindo que policiais tivessem que fechar o portão de entrada para que a massa não se espremesse de vez rumo aos vagões. A confusão teve direito a xingamentos coletivos, portão aberto na marra e cacetetes exibidos como intimação – e isso tudo levando em conta que o público era formado por indies pós-adolescentes com uma imensa quantidade de meninas. Não era um show de hardcore ou um jogo de futebol. Mesmo assim, uma confusão desnecessária – que inevitavelmente trouxe o bordao “quero ver na Copa” repetido entre resmungos, quase como um mantra. Final desnecessário para uma boa noite.

Abaixo, os vídeos que fiz dos dois shows:

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Helô deixou o Link para ir para o Paladar, mas arrumamos um jeito de continuar nossa indefectivel parceria – e a partir dessa sexta, eu e ela assinamos a coluna FYI semanal no blog do Instituto Moreira Salles. Para começar, misturamos Lana Del Rey com Nigella com Instagram com Adele com Foodspotting para falar do lado bom de vivermos uma época de aparências:

Se a high society virou a Sociedade do Espetáculo e as redes sociais ajudam qualquer um a criar sua própria alta sociedade, é natural que a mudança de sentido do termo social venha acompanhada de uma preocupação exagerada com a aparência. Não que isso seja novidade na história da humanidade. Índios botocudos aumentavam os lábios, as mulheres gir afa da Birmânia alongam o pescoço e todo mundo se olha no espelho antes de sair de casa. Mas estamos assistindo a uma evolução da consciência da aparência que vem alinhada à possibilidade de mudar drasticamente como nos vemos e somos vistos – além de acompanhar a repercussão dessas mudanças quase instantaneamente.

Continua lá.

E na minha coluna na edição de segunda do Link, falo sobre a “maldita inclusão digital” de que tantos gostam de reclamar.

A ‘orkutização’ do Instagram e a natureza gregária da internet
O Instagram criou uma bolha de falso glamour

Iphoneiros em polvorosa: “Vão poluir minha timeline!”, reclamavam usuários do celular da Apple tanto no Brasil quanto no exterior. Eles haviam recebido a notícia de que o aplicativo Instagram havia ganhado, na semana passada, uma versão para Android, o sistema operacional rival do iOS, do iPhone. Por aqui, a indignação veio no inevitável tom de piada característico da nossa vida digital tropical, com a criação de tumblrs como o androidnoinstagram.tumblr.com ou orkutgram.tumblr.com, entre outros. O teor dos tumblrs – e das piadas – era sempre o mesmo: agora o Instagram perderia o seu status, pois uma tal “horda de pobres” começaria a usar o aplicativo.

Para quem não conhece, o Instagram é mais do que um software para celular que permite tirar fotos com filtros vintage. Criado pelo brasileiro Mike Krieger, o aplicativo também funciona como uma rede social – em que é possível assinalar contatos e personalizar perfis como em qualquer site deste tipo, com duas diferenças cruciais. A primeira: é uma rede social feita para o celular. Ela se replica, ao gosto do freguês, pelo Twitter e Facebook, mas seu ambiente nativo é a internet móvel. A segunda é o fato de não existir perfil público. Quem quiser ver a página de alguém no Instagram, ao contrário da maioria das redes sociais, precisa criar uma conta lá.

Eis o motivo da chiadeira. Enquanto era uma rede fechada para usuários de iPhone, o Instagram criou uma bolha de falso glamour que fazia qualquer fotinha vagabunda parecer cool só porque vinha com um tom sépia, com um amareladinho com cara de foto tirada nos anos 70. A reclamação dos antigos usuários levantou a velha falácia repercutida sempre que qualquer serviço online deixava de ser exclusivo de uns poucos early-adopters – a tal “orkutização”.

O termo surgiu, claro, depois que o Orkut começou a se popularizar no País. Antes restrita a quem trabalhava com comunicação ou tecnologia, a rede social aos poucos foi compreendida por pessoas que não passam o dia inteiro na frente do computador. Mais do que isso: à medida em que os anos 2000 foram passando, mais gente pôde comprar um computador e, com isso, a rede social perdeu o ar de ser exclusividade de grupos pequenos. E aos poucos começariam a aparecer perfis de pessoas que não eram descoladas e modernas, mas apenas… normais.

E riam “kkkkkk” ou tiravam fotos em quaisquer situações (parte delas indo parar em sites como perolas.com ou tolicesdoorkut.com) ou não se preocupavam com o português correto ou com “about me” espertinhos. A orkutização vinha acompanhada de uma reclamação obtusa, que resmungava sobre a “maldita inclusão digital” num tempo em que nem todo mundo tinha acesso à internet.

Em menos de dez anos, este quadro mudou – radicalmente. Não só ficou mais fácil comprar computador como a internet móvel trouxe uma imensa leva de pessoas para o dia a dia eletrônico das redes sociais. E cada novidade descoberta pelos primeirões era, em pouco tempo, “orkutizada”. Foi assim com o Twitter, com o Facebook e agora aconteceu com o Instagram.

“Em vez de crème brûlée vamos ver fotos do Habib’s”, alguém twittou, como se os usuários do Instagram não tirassem foto de qualquer PF com um filtro para parecer que não estavam comendo em um restaurante self-service. Ou como se os celulares que rodam o sistema operacional Android não custassem, em alguns casos, até mais do que o preço de um iPhone 4S.

A “orkutização” ou a “maldita inclusão digital” fazem parte da natureza da internet. A rede não é um clubinho exclusivo para uns poucos e bons. Até o fim desta década, todos estaremos conectados a ponto de nem percebermos a separação entre o online e o offline.

Reclamar que mais gente está desfrutando de serviços e produtos que, até determinada época, eram exclusivos de um número pequeno não é apenas reacionarismo barato – é não entender que a natureza digital agrega em vez de separar. Se você tem vergonha de estar na mesma rede social que pessoas que considera “menores”, não tenha dúvida: o problema é seu.

Aproveitei a conversa com Nicolelis para falar sobre ficção científica na minha coluna desta semana:

Por uma ficção científica menos pessimista e apocalíptica
Nicolelis e Stephenson concordam num ponto

Ao entrevistar o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis para a capa desta edição do Link, perguntei sobre aplicações de suas pesquisas fora da medicina e ele falou que a neurociência já está no dia a dia das pessoas. Citou que a indústria do videogame está de olho em formas de interface que não necessitem de interferência táctil e falou que já existe até um aplicativo para iPhone que permite movimentar os ícones da tela do telefone apenas com o cérebro. E disse, mais de uma vez, que vivemos em uma realidade que parece ficção científica.

Foi quando o provoquei sobre o pessimismo da ficção científica atual. Os principais títulos do gênero no século 21 lidam com um futuro assustador. Séries como Terra Nova e Battlestar Galactica cogitam um futuro em que a civilização acabou. Filmes como O Preço do Amanhã e Contra o Tempo falam de governos que controlam a população usando alta tecnologia.

A lista inclui ficções em que invasões alienígenas ao planeta Terra são bem sucedidas, supercomputadores fogem do controle e ameaçam seres humanos. Até a Pixar anteviu o fim do mundo em Wall-E – isso sem contar todas as previsões apocalípticas que se aproveitam do mítico 2012 para cantar aos sete ventos que o fim está próximo.

“Uma das razões que me fez escrever o livro que eu lancei no ano passado (Muito Além do Nosso Eu, Companhia das Letras) foi mostrar um cenário otimista da ciência”, continuou Nicolelis, quando o questionei. “Hoje em dia você pega um filme de Hollywood ou um livro best-seller, é tudo assim: ‘Vamos destruir a raça humana… Vai acabar o mundo… Vamos criar um híbrido de não sei o quê… Os computadores vão nos deixar obsoletos…’”

A última afirmação é suficiente para que ele comece a desancar um dos principais nomes desta realidade de ficção científica que vivemos hoje, Raymond Kurzweil, que prega a inevitabilidade da fusão entre homem e máquina, que chama de singularidade.

“A singularidade é um absurdo, o Kurzweil ganhou muito dinheiro vendendo uma balela!”, enfatiza. “A singularidade nunca vai ocorrer, porque o cérebro humano é ‘copyright protected’, não pode ser reduzido a um algoritmo, portanto não pode ser copiado por um computador. Toda máquina de Turing – todos os computadores que a gente conhece – precisa de uma sequência de códigos para funcionar. Jogar xadrez é um algoritmo. Você tem regras muito definidas. Já apreciar Bach ou ser corintiano ou palmeirense… Isso não tem como definir, não tem como você por num algoritmo. Então, por definição, você não pode repetir o cérebro. Não há como você recapitular, num computador, a história coletiva da espécie e a história individual de cada um de nós. É uma impossibilidade matemática. As grandes empresas adoram a noção de que o ser humano vai se tornar obsoleto. É a terceira onda do capitalismo, em que o valor do trabalho humano é zero. Isso é um sonho e eles vão morrer sem ver isso ser realizado.”

Ele continua, lembrando quando falou em um encontro de escritores de ficção científica há dois anos: “Eu disse: ‘Pessoal, a coisa tá preta… para vocês! Nós, os cientistas, estamos chegando na realidade que vocês inventaram… Eu não faço ficção científica, vocês fazem. Mas estamos chegando perto!’”

A provocação de Nicolelis faz coro com a de outro grande nome do século 21, este escritor de ficção científica, o norte-americano Neal Stephenson. Autor de títulos como Nevasca (o único lançado no Brasil, pela Editora Aleph) e pela intricada série de livros reunidos sob o título de The Baroque Cycle, ele propôs no fim do ano passado um projeto chamado Hieroglyph que visa instigar autores a pensar em um futuro menos sombrio que aquele cogitado hoje em dia.

“Temos uma regra”, escreveu, “nada de hackers, nada de apocalipse, nada de hiperespaço”. O projeto é um manifesto para fazer novos autores cogitarem um futuro mais otimista para todos. Pois, uma vez cogitado por escritores, ele pode ser posto em prática pelos cientistas. E a ciência, como frisou Nicolelis, está chegando perto do que a ficção científica do passado propôs…

Conversei com o cientista mais importante do Brasil hoje pra capa da edição do Link dessa segunda:

‘Ninguém associa ciência com soberania nacional’
O neurocientista Miguel Nicolelis fala com exclusividade ao Link sobre a próxima etapa de seu projeto para transformar a criação de um exoesqueleto robótico em um programa de educação e saúde para estimular o desenvolvimento tecnológico e científico do País

“A renúncia a um investimento maciço de formação de um corpo de cientistas e de atuação em diferentes áreas – tecnologia de informação, microengenharia, biomedicina, nanotecnologia, engenharia biomédica… – é uma renúncia à soberania do País.”

Miguel Nicolelis, um dos cientistas mais importantes do Brasil, é enfático sem se exaltar. Mesmo quando fala do Palmeiras – uma de suas paixões, que havia perdido de virada para o arquirrival Corinthians no dia anterior à entrevista, realizada no bairro de Higienópolis há uma semana –, ele mantém a calma e a clareza características de quando expõe suas ideias. Até quando reclama de como seu time achou que o jogo estivesse ganho no intervalo do clássico.

Futebol à parte, a conversa foi sobre outras duas paixões: ciência e educação. E ele conta, com exclusividade ao Link, mais um passo de seu projeto Câmpus do Cérebro – o início de uma parceria entre o Hospital Sabará, de São Paulo. “Com a abertura da Escola do Câmpus do Cérebro, no ano que vem, vamos poder fechar o ciclo completo, unindo o Centro de Saúde Anita Garibaldi à escola”, explica.

Ele se refere ao trabalho que iniciou há seis anos no Rio Grande do Norte, que começa pelo tratamento de mulheres grávidas no Centro de Saúde (e que reduziu a mortalidade materna da região de Natal e Macaíba a zero) para garantir que os futuros alunos de sua escola possam ser acompanhados desde antes do nascimento. “As crianças que nascem lá já são alunas da escola no pré-natal. Depois elas entram no berçário e seguem estudando em período integral até o ensino médio”, diz.

José Luiz Setúbal, presidente da Fundação Hospital Sabará e responsável pela aproximação do hospital a Nicolelis, explica que a parceria começa com a troca de experiências em saúde materna e de recém-nascidos, mas Nicolelis frisa que não deve parar por aí. “Estamos discutindo a possibilidade de evoluirmos a relação para uma parceria clínica.” O que, na prática, significaria que o hospital paulistano é candidato a ser o primeiro lugar em que o projeto dos sonhos de Nicolelis, o Walk Again, possa ser testado em humanos.

Andar de novo. Walk Again é o projeto de criar um exoesqueleto robótico controlado pelo cérebro. O grande sonho de Nicolelis é fazer um tetraplégico dar o pontapé inicial no primeiro jogo da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, como disse em entrevista ao Link no ano passado. “Testamos um protótipo nesta semana que são pernas mecânicas. Vestimos um macaco e elas se mexeram, não com o pensamento, mas com um programa de computador”, explica. “O próximo passo é anestesiar a medula espinhal do macaco, para, finalmente, testarmos se a veste consegue fazer movimentos. Faremos isso até o meio do ano. E, mais ou menos no ano que vem, nesta época, já estaremos trabalhando com pacientes em potencial. Mas isso ainda está em fase de discussão.”

Mas o Walk Again não é um fim em si mesmo. Nicolelis o compara ao programa espacial norte-americano, que estabeleceu a meta de levar o homem à Lua, mas que, no processo, alavancou outras tecnologias que surgiram durante a pesquisa. “Há várias aplicações que surgem desta meta, que chamamos de ‘spinoffs’. Até mesmo para entretenimento, como o videogame. Quando os executivos da indústria de games veem um macaquinho imerso num mundo virtual jogando videogame com a mente, eles veem o futuro.”

E antecipa, sem entregar: “Eu não posso contar agora, mas estamos perto de divulgar três novas ideias que ninguém nunca tinha tido – e que não tínhamos a menor ideia que iriam acontecer. As grandes descobertas são acidentes. Na hora em que a gente estava fazendo um experimento com macacos, vimos isso e pensamos ‘não é possível’… Essas novas ideias são tão fora do esquadro que quando a gente publicar as pessoas vão achar que estão num filme de ficção científica.”

Mas Nicolelis quer menos ficção e mais ciência. E reforça a importância do Walk Again em seu projeto científico-educacional. “O Walk Again é a semente de uma nova indústria no Brasil, a da tecnologia de reabilitação. Gostaríamos de usar o Walk Again como projeto-âncora para lançá-la aqui no Brasil com a construção da infraestrutura do parque neurotecnológico do Câmpus do Cérebro”, diz.

O projeto visa criar uma geração de cientistas no Brasil para tratar futuros alunos no pré-natal e ensinar ciência, na prática, numa escola de período integral. “Nossa abordagem de ensino de ciência é prática. As crianças aprendem a lei de Ohm descobrindo como funciona um chuveiro. E contratamos nossos ex-alunos para trabalhar conosco. Na prática, estamos pegando crianças que nunca tiveram contato com ciência, colocando-as em um programa de educação e em cinco anos elas estão trabalhando em um laboratório de ponta. E são crianças que, até os 10 anos, não tiveram oportunidades. Imagina quando pegarmos as crianças que tiveram um pré-natal ótimo…”

Isso tudo é para reverter o quadro científico brasileiro. “Nossa situação é dramática. O déficit de engenheiros que o Brasil tem é gigantesco. E esse é um assunto estratégico. A indústria deste século, sem dúvida, é a do conhecimento e estamos em grande desvantagem. Se não acordarmos agora, não precisamos mais acordar. A janela de oportunidade está se fechando – e rápido.”

Contudo, o neurocientista é otimista. “As coisas estão mudando. Esta nossa conversa seria impossível há dez anos. O governo federal está ouvindo. Presido uma comissão – a Comissão do Futuro – que está preparando um relatório para mostrar todos os indicadores internacionais sobre a verdadeira situação do ensino de ciência e da produção científica brasileira. O relatório deve ficar pronto em junho.”

E conclui: “Meu intuito diz respeito à criação de uma nova geração de brasileiros. Produzindo não apenas cidadãos – muito mais felizes, engajados, competentes – mas também engenheiros, médicos, cientistas, professores… Pessoas que têm outra visão de mundo. E de Brasil.”

Aproveitei o lançamento do novo Angry Birds como gancho para falar de uma geração que passou a vida inteira jogando videogames na minha coluna do Link dessa segunda.

Uma geração inteira que cresceu jogando videogames
Não me considero jogador de games, mas…

Jogo videogames desde que me entendo por gente. Comecei nos ancestrais Game & Watch – portáteis de tela de cristal líquido que apresentavam versões simplificadas de títulos que faziam sucesso no fliperama. Com imagens em preto e branco e movimentos quase estáticos, eles eram uma febre nos tempos em que aparelhos importados eram restritos a poucos que tinham dinheiro para viajar para o exterior ou para quem se aventurava a comprar muambas no Paraguai.

Logo depois apareceu o Atari e todas suas versões genéricas (quem se lembra do Odissey?) e logo jogar videogame tornava-se uma atividade que disputava espaço com assistir televisão – afinal, pela primeira vez, a tela da TV tornava-se o monitor dos jogos eletrônicos. Assim, era preciso disputar a TV (nos anos 80, só quem tinha muito dinheiro tinha mais de um destes aparelhos em casa) com a novela, o jornal e os desenhos animados. Eu e meus irmãos tínhamos o hábito de esperar meus pais dormirem para jogar Donkey Kong, Enduro e Pitfall com o volume lá embaixo (não existia controle remoto nem o botão “mute” naquele tempo).

Jogos no computador eram tão raros quanto computadores naquele tempo. Pouquíssimas pessoas tinham em casa. Um dos meus amigos tinha um destes e chamava o pessoal para jogar um precursor dos games RPG que ele baixava – acreditem – pelo rádio. Sintonizava o rádio em ondas curtas nas madrugadas para ouvir guinchos e ruídos aleatórios que, gravados numa fita cassete, eram transformados em bits de informação quando o tape deck era ligado ao computador. Era jogos muito rústicos, formados basicamente por comandos de texto e não entusiasmavam tanto quanto a operação que era “baixar” um jogo pelas ondas de rádio.

Passada a infância, era a vez de encarar os fliperamas no início da adolescência. E, naquela época, jogar videogame fora de casa não significava ir para a área de lazer de algum shopping center. Fliperamas eram lugares perigosos para menores de idade, como os bares com máquinas de videopôquer de hoje. Em Brasília, onde nasci, o melhor fliperama ficava num centro comercial chamado Conic, no meio do Plano Piloto, entre bares, casas de prostituição, cinemas pornô, lojas de discos de rock pesado e de camisetas. Graças à vontade de jogar game que eu e meus amigos, montados em bicicletas BMX como a turma dos amigos do irmão de Elliot no filme E.T., encaramos pela primeira vez o que aos poucos entendemos como “submundo”.

Depois veio a segundo geração de consoles, em que o velho Nintendinho brigava com seu rival Master System. Foi quando meu interesse por games diminuiu e meu irmão do meio assumiu os controles. Não lembro quantas tardes passei revezando fases com ele e meu irmão caçula, mas já não tinha mais disposição para ir atrás das novidades de games. Embora sempre quisesse ver qualquer novo console, nova tecnologia ou novo título que saía do mundo dos jogadores de videogame para a superfície dos não-jogadores.

Foi assim que joguei no antigo computador Amiga ou que gastei boas horas no computador de amigos jogando Prince of Persia. Depois veio o Gameboy, o Super Nintendo, o PlayStation, o Nintendo 64 e sempre dava um jeito de mexer nos aparelhos. E, aos poucos, percebia que cada vez mais gente jogava games.

Vim para São Paulo trabalhar em uma editora que publicava várias revistas de games quando a Nintendo lançou o GameCube e a Microsoft apresentou seu Xbox. E depois vim trabalhar no Link poucos meses antes do lançamento do Wii. E aqui vi a ascensão e queda do Guitar Hero e os jogos musicais (já podem ser considerados clássicos pessoais as sessões de Beatles Rock Band que fazíamos entre a equipe do caderno), a chegada dos jogos sociais e, agora, Angry Birds, que me fez voltar, de cabeça, para o universo dos jogadores.

Se me perguntassem se eu sou um gamer, de pronto diria que não. Mas olhando em retrospecto, é inevitável perceber que não apenas eu, mas toda minha geração, nasceu e cresceu à base de jogos eletrônicos. E você?

Aos poucos uma frase foi se formando na minha cabeça. O Sambanzo é a melhor banda do Brasil hoje.

Claro que ao mesmo tempo em que a torcida pra que ela fosse verdadeira surgia, uma série de ressalvas vinham surgindo para tentar contestá-la. Mas o fato é que há fatores que implicam fortemente para que essa afirmação seja verdadeira. Primeiro, porque passamos por um momento em que artistas solo estão produzindo mais do que grupos de artistas. Segundo, que os inevitáveis concorrentes na categoria (Nação Zumbi, Cidadão Instigado, Instituto, + 2) não lançam coisas novas há um tempo. E, terceiro, porque, como pudemos assistir na terça passada no Sesc Pompéia, estamos diante de uma usina sonora de ritmo e harmonia que carrega o público pra onde quiser.

Começa que a banda é liderada por Thiago França – integrante do Marginals e do Metá Metá, músico da banda de Criolo e um dos principais novos músicos do país, se firmando cada vez mais como representante da música instrumental brasileira em um instrumento de sopro, o saxofone. Entregue ao transe rítmico do grupo, Thiago desbrava as fronteiras de seu timbre em solos agressivos, riffs hipnóticos ou repetições em tom de mantra, sempre se entregando cegamente à música e contando com efeitos elétricos como parceiros no mergulho no próprio som.

Ao seu lado, fazendo as vezes de fiel escudeiro, outro grande músico brasileiro do século 21, Kiko Dinucci também empunha sua guitarra como facão na picada aberta por Thiago, ecoando música africana, carimbó, reggae, cumbia e calipso, mas sem deixar sua veia rock de lado, usando distorções e microfonias um pouco além da sutil moderação. Ao seu lado, o baixista Marcelo Cabral funciona como rede de segurança para as acrobacias de Kiko, e o produtor de Criolo cria uma base firme o suficiente para que Kiko e Thiago se entreguem na dobradinha de melodia e harmonia que conduzem sem perder a fluidez que deixa a música escorrer por minutos que parecem horas, no melhor sentido.

Amparando a linha de frente, não corre atrás. O baterista Welington Moreira é classudo e econômico, mesmo deixando-se levar pelo afro beat, não perde a fleuima de baterista de jazz – deixando espaços de som abertos o suficiente para que, junto à percussão temperada de Samba Sam, que também distorce seus instrumentos com o auxílio da eletricidade, criem uma atmosfera rítmica complexa e direta.


Sambanzo – “Capadócia”

A revelação surgiu no meio de “Capadócia” (acima) quando, de repente, parecia que eu tava assistindo a um show da turnê européia dos Talking Heads na Europa, com Adrian Belew na guitarra, em 1980. E permaneceu durante todo a apresentação, na medida em que o grupo transformava a choperia do Sesc Pompéia em múltiplos ambientes, a cada música: um salão de festas de terra batida no norte do Brasil, um baile clandestino caribenho, um terreiro de macumba, um clubinho abafado de jazz, o espaço sideral.

Não é pouco. Fiz mais vídeos aí embaixo, mas não perca a oportunidade de assiti-los ao vivo ainda esse ano.

Continue

E na minha coluna no Link dessa semana, eu falei sobre a história do Keep Calm & Carry On, além de suas implicações com o mundo digital…

“Keep Calm and Carry On”: duas lições e uma conclusão
O que um cartaz da Segunda Guerra Mundial nos ensina sobre a era digital

Você já deve ter lido este slogan em algum lugar – ou alguma variação dele. “Keep Calm & Carry On” (mantenha a calma e siga em frente) é um dos inúmeros memes que, uma vez online, ganhou vida própria e foi remixado, ganhando variações como “Keep calm and Call Batman”, “Keep Calm and Caps Lock”, “Keep Calm and Blog On”, “Keep Calm and Pass It On”, além dos brasileiros “Keep Calm o Caralho” (com foto do Dadinho, de Cidade de Deus) e “Keep Calm and Segure o Tchan”.

A frase faz parte de uma série de cartazes que o Ministério da Informação inglês bolou logo no início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, para apaziguar a tensão de um país que se tornaria um dos principais alvos dos bombardeios nazistas. Eram três cartazes, todos com a mesma tipologia, um ícone representando a coroa britânica, duas cores e frases de impacto. O primeiro trazia o texto “Your courage, your cheerfulness, your resolution will bring us victory” (sua coragem, sua alegria, sua resolução nos trará a vitória) e teve uma tiragem de 400 mil exemplares. O segundo vinha com a frase “Freedom is in peril, defend it with all your might” (a liberdade está em perigo, defenda-a com toda sua força) e teve sua tiragem dobrada. 800 mil exemplares.

O último da série – “Keep Calm…” – foi pensado para ser divulgado caso as coisas realmente ficassem mais complicadas – e a Alemanha invadisse o Reino Unido. Foram impressos 5 milhões de cartazes, que ficaram estocados caso o pior cenário se concretizasse. Como isso não aconteceu, os pôsteres foram destruídos. Restaram apenas sete. Seis foram encontrados em 2009 e foram para o Museu Britânico da Guerra e um foi encontrado em uma livraria em Alnwick , no norte da Inglaterra.

Stuart Manley, proprietário da Barter Books, descobriu o cartaz no fundo de uma caixa de livros velhos que havia comprado em um leilão, no ano 2000. Gostou de tudo – do layout, da mensagem, da história – e pendurou o cartaz em sua loja. Aos poucos, seus clientes repararam nele e Manley foi percebendo que seria possível vender reproduções. Foi o que fez – e os cartazes começaram a vender. Muito. Manley estipula que, até 2009, já havia vendido mais de 40 mil cópias do pôster. A própria Barter fez um vídeo de três minutos em que conta esta história – lançado no último dia do mês passado, ele já tem mais de 800 mil visualizações.

A popularidade deslocou o layout para outros formatos: logo ele aparecia em canecas, bandeiras, camisetas e, claro, foi parar na internet, onde começou a ser remixado, parodiado e misturado com várias outras referências.

Esta história ensina duas coisas. Uma delas é que a “viralidade” é anterior à internet. O pôster só ficou conhecido porque as pessoas foram à loja, gostaram do que viram e quiseram ter aquilo em casa. A outra é que, por mais cômodo que seja comprar coisas via internet, há um elemento crucial nas compras offline, que é a surpresa. A história do pôster funciona como uma pequena parábola a favor da existência de lojas fora da internet. O fator comunitário que transforma um ambiente em uma comunidade é crucial para a sobrevivência destes pontos de venda.

Mas por que “Keep Calm and Carry On”? Porque talvez o mundo esteja sob um bombardeio diferente do que assolou os ingleses na década de 1940, mas que também desnorteia. Posts, tweets, likes no Facebook, mensagens por celular, links via Gtalk, câmeras filmando tudo o tempo todo. A mensagem do cartaz parece vir como um alívio para quem é soterrado diariamente pela avalanche de dados digitais.