“Blurred Lines” foi considerada plágio de uma música de Marvin Gaye por ter uma ~vibe~ parecida. Como essa decisão judicial pode dar origem a mais processos e frear a criatividade não só na música, mas em todas as áreas da cultura: Uma decisão judicial que pode redefinir o futuro do entretenimento.
A disputa judicial em que a família de Marvin Gaye acusa Pharrell e Robin Thicke de usarem “Got to Give It Up”, hit disco music do soulman, como base para a irresistível “Blurred Lines” não é só mais um capítulo de uma velha história. Não estamos mais falando de sequências de notas, acordes, métrica ou qualquer outro elemento mensurável dentro do espectro da canção. O juiz que obrigou os dois intérpretes da canção de 2013 a pagar pouco mais de sete milhões de dólares à família Gaye deu sua sentença a partir da semelhança de “sensação” entre as duas canções.
• Clique aqui para ouvir “Got to Give it Up”, de Marvin Gaye
• Clique aqui para ouvir “Blurred Lines”, de Robin Thicke e Pharrell
Pois repare em ambas. Elas não têm melodia parecida, seus refrões são bem diferentes, as letras não foram inspiradas umas nas outras. O que têm em comum? O ritmo. A levada. O groove. A sensação. Um sentimento inquantificável que faz o ouvido destreinado achar todas as músicas dos Ramones, do Luiz Gonzaga, do AC/DC e de Little Richard idênticas entre si. E é aí que mora o perigo.
A inspiração artística – e não apenas musical – quase que inevitavelmente passa pelo caminho do plágio – ou de primos seus, como a apropriação, a paródia, a imitação, a homenagem, a citação, a colagem. Nem todo mundo copia, mas são raros os criadores realmente originais, que não se inspiram em outros autores, surrupiando ideias e recontextualizando conceitos aqui e ali. A história da arte pode ser contada a partir da história das cópias – e todo grande autor passou, necessariamente, por um período copiador. A frase “talento imita, gênio rouba”, escrita por T.S. Eliot (e atribuída erroneamente a Picasso ou Oscar Wilde) é a síntese desta lógica.
Mas veio o século 20 e com ele as tecnologias de registro e a difusão do conceito de copyright. Se isso garantia retorno financeiro a autores de obras à venda, por outro lado limitava a criação de novos trabalhos a partir de obras já existentes. Acusações de plágio poderiam minar pilares do modernismo, como o Ulysses de James Joyce ou a L.H.O.O.Q. de Duchamp (a Mona Lisa de bigodes). Mas vieram ganhar corpo junto ao negócio da música – mesmo porque é onde ganha-se muito dinheiro.
A segunda metade do século 20 viu uma série de ações legais contra hits instantâneos, que se agravou ainda mais após a invenção do sampler, nos anos 80. O aparelho permitia usar trechos gravados de músicas já existentes como retalhos na construção de rapsódias de ritmo e foi largamente aceito entre dois novos gêneros, o da música eletrônica e do hip hop. Há discos inteiros no final dos anos 80 e começo dos anos 90 que se aproveitaram da zona cinzenta do direito autoral aberta pelo sampler que se fossem realizados hoje só sairiam após o pagamento de altas cifras.
Mas uma subcultura autoral passou o século 20 inteiro sem a intromissão de cortes legais. Linhas de baixo, cadências rítmicas e levadas cheias de groove ritmos sempre foram sampleados, mesmo antes do sampler existir como recurso tecnológico. A história da música pop do século 20 também é a história da evolução de uma troca de referências musicais entre diferentes países, épocas, artistas e mercados que não corriam o risco de sofrer acusações de cópia pois a origem musical do mercado fonográfico era europeia, uma cultura que sempre deixou percussão e ritmo como parte coadjuvante da musicalidade, dominada pela melodia e pela harmonia.
Longe dos tribunais, a cultura do baixo atravessou o século 21 transformando o blues em jazz e depois em rock, se esgueirando pelo rhythm’n’blues e pela soul music foi parar na Jamaica onde nasceu primeiro o ska, depois o rock steady, o reggae e finalmente o dub. Unidos pela ascensão global da música pop, funk e reggae deram as cartas que se transformaram primeiro na disco music e, posteriormente, em todo o universo de subgêneros de música eletrônica (house, techno, drum’n’bass, trance) que nasceu a partir da implosão da discoteca no início dos anos 80, entre eles o hip hop. Todos esses gêneros musicais se espalharam pelo planeta de diferentes formas, dando origem a outros subgêneros musicais locais. O fato do ritmo, do groove, da levada não poderem ser registradas deu origem a uma multiplicidade cultural que é a paisagem de nosso cenário atual.
Até a família de Marvin Gaye ter ganho a causa sobre Robin Thicke e Pharrell. Isso abre um precedente perigosíssimo que pode, inevitavelmente, transformar gêneros musicais inteiros em foras da lei só pelo fato de eles se moverem através da apropriação musical de bases rítmicas.
“O veredito aleija qualquer criador que possa estar fazendo algo que foi inspirado por outra coisa. Isso pode ser aplicado para moda, música, design… tudo. Se perdermos nossa liberdade de sermos inspirados, quando menos percebermos a indústria do entretenimento como a conhecemos estará congelada por processos. Isso diz respeito a proteger os direitos intelectuais de quem tem ideias”, disse o rapper Pharrell em entrevista ao jornal Financial Times.
E para mostrar que não é apenas discurso de perdedor, o produtor de cinema Harvey Weinstein faz coro ao pessimismo de Pharrell com a decisão judicial. “Fico muito preocupado com esta noção”, disse ao mesmo jornal. “Que cineasta não poderia processar outros cineastas por um filme que passe uma sensação parecida com a de outro? É profundamente preocupante. Imagine Roy Lichtenstein e Andy Warhol, que usaram muitas coisas de outras fontes. Nada disso existiria.”
É uma decisão judicial que pode ter desdobramentos nada otimistas para quem trabalha com criatividade e arte. Quais os próximos passos? Patentear cores? Formatos? Palavras?
Dois anos depois de Gabriela Deptulski começar a emanar vibrações de Colatina, no Espírito Santo, dá pra ver como seu My Magical Glowing Lens cresceu. Não é mais uma menina num quarto cheio de pedais e guitarras ligadas num computador, virou uma banda, tem gravadora (a gaúcha Honey Bomb Records), fez shows pelo Brasil e agora lança sua primeira música em 2015 com exclusividade no Trabalho Sujo. “Windy Streets” é a faixa-titulo de seu primeiro EP e conta com uma mão do grupo nova-iorquino Post Nobles na parte final da canção.
“Nos conhecemos por causa da banda Tame Impala, no grupo do Facebook relativo a eles. Somos fascinados por essa banda. Kieran O’Leary, o baixista do The Post Nobles, é um multi-instrumentista completamente apaixonado por produção musical. Nos identificamos assim que nos conhecemos e resolvemos lançar dois singles: um comigo fazendo uma participação em uma música deles, que foi lançada semana passada, e outro single com eles fazendo uma participação em uma música minha”, conta Grabriela.
2015 é o ano de transição de seu trabalho, quando ela começa a compor e gravar com a nova banda, que ainda apenas toca as faixas compostas por Gabriela. “Os planos pra esse ano são continuar a fazer show com a banda e dar início à gravação das músicas novas. Dessa vez, quero incluir os novos integrantes do MMGL nesse processo. A produção ainda será minha, mas quero que eles participem das gravações”, explica. Além dela, o MMGL agora conta com Pedro Moscardi (baixo e teclado), Raími Leone (guitarra) e RafaelBorges (bateria).
Tocar ao vivo também tem sido uma novidade pra Gabriela: “Está sendo quase uma experiência mística, o show tem uma vibe absurdamente mágica. O entrosamento entre todos da banda foi praticamente imediato. Todos nós gostamos muito de improvisar, então desde o primeiro ensaio já começamos a transformar os finais de três músicas em jams, de modo que o show é diferente a cada vez. Os meninos são demais, eles tocam muito, mas muito bem. E não só isso, são completamente apaixonados pela intensidade que a música nos fornece quando a tocamos ao vivo, então o show é bem intenso!”
Ficamos esperando ela aparecer em São Paulo. Enquanto isso, aumenta o som e boa viagem:
Escrevi sobre o Manifesto Neo-Troglodita do Jarvis Cocker, O Círculo de Dave Eggers e sobre o episódio do final do ano de Black Mirror (o White Christmas) lá no meu blog do UOL: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/16/de-que-adianta-se-desconectar-da-internet/
Jarvis Cocker, vocalista da banda Pulp e um dos comentaristas culturais mais importantes da da virada do século, lançou o “Nu-Troglodyte Manifesto” (Manifesto Neo-Troglodita) na edição deste mês da revista AnOther, um manifesto quase grunhido contra a onipresença da tecnologia e a volta para a idade da pedra. Traduzo-o abaixo:
“Onde você pode encontrar paz?
Onde você pode encontrar silêncio total?
Escuridão completa?
Aqui.
Sem sinal de celular.
Sem wi-fi.
Sem TV.
Sem rádio.
Este é o som de verdade do submundo: (porque, sabe, estamos no submundo de verdade)
Nenhuma influência de fora.
Uma tela em branco.
Quer dizer, não exatamente em branco – olhe para essas paredes: o que você vê quando olha pra lá? Você vê rostos? Padrões? Eles não estão lá, você sabe – do mesmo jeito que não há nenhum escorpião, urso ou caçadores sobrevoando o céu à noite. O universo é aleatório: só o homem que tenta estabelecer um padrão. Fazer que possa significar algo.
Mas esses padrões não são bons o suficiente como são? Sem nenhuma interpretação? E você não adoraria poder fazer algo tão lindo quanto isso? Claro que sim. Mas ninguém fez: apenas aconteceu.
Estalagmites
Estalactites
Qual é qual?
“Tights come down” * (uma maneira crua mas eficaz de lembrar)
Essas coisas levaram 20 mil anos para se formar, sabe.
E eu pensei que eu fosse lento no trabalho…
É uma coinciência que o clube que viu nascer o grupo musical mais influente e significante do século passado chamase-se “A Caverna”?
Não acho.
E por que as melhores casas noturnas ficam em porões escuros e sombrios com tetos baixos?
Fácil:
Porque nos lembra de estar lá… De volta às cavernas, digo – vamos lá: por que você acha que era chamado de música da pedra (rock music) em primeiro lugar?
Foi aqui que tudo começou.
Um antepassado da sua família morou aqui certa vez.
O Des-Res original **
Agora é hora de voltar pra casa
Hora de voltar à fonte
Hora de escapar da tagarelice constante infinita sem sentido que lhe distrai de quem realmente você é e o que você realmente quer fazer.
Não há lugar pra pensar aqui
Lugar pra viver
Entre (cuidado com a cabeça)
Sente-se
Olhe para uma pedra
Vamos começar tudo de novo.”
Jarvis clama para uma volta às raízes da natureza humana quando o homem sequer era homo sapiens, uma espécie de romantismo extremo, transformando a caverna pré-histórica em uma Arcádia bruta e animalesca. Na verdade ele canaliza uma sensação recorrente a todos nós: somos bombardeados por tantos contatos, fotos, mensagens, vídeos e links que a única solução que parece ser possível é largar tudo e fugir para vender coco na praia ou construir seu próprio chalé no campo, longe das barbaridades do século 21.
É um tema cada vez mais frequente na cultura atual – a onipresença da tecnologia em nossas vidas e a ascensão do capitalismo eletrônico criaram um híbrido distópico que reúne os piores pesadelos do século 20. Nem George Orwell em seu 1984 conseguiu imaginar uma sociedade em que as pessoas carregam câmeras e localizadores nos próprios bolsos, deixando rastros digitais por onde andam, sem nem cogitar fugir do Grande Irmão (nome de um dos programas mais populares atualmente). E nem Aldous Huxley conseguiria cogitar distrações tão inacreditáveis em seu Admirável Mundo Novo quanto as que tomam conta de nossa rotina digital, em bipes e luzes nos celulares, números que se acumulam nas redes sociais, abas abertas com todo o tipo de conteúdo disponível, de planilhas de valores a fotos NSFW.
Um dos livros mais importantes de 2013, traduzido ano passado para o Brasil, é O Circulo, de Dave Eggers (Companhia das Letras). É uma distopia disfarçada de entrevista de emprego ou comercial de departamento de RH, em que acompanhamos ascensão e queda de duas amigas no trabalho. Ambas trabalham na empresa que batiza o livro, uma startup que conseguiu ultrapassar Google e Facebook num futuro próximo ao criar um sistema de identificação que aposenta o conceito de senhas e muda nossa relação com a internet – de novo. O livro descreve o maravilhoso campus da empresa – cool, clean, hi-tech e cheio de regalias – ao mesmo tempo em que mostra que a rotina de trabalho dos funcionários se mistura cada vez mais com o tempo livre, tornando a participação social uma exigência quase compulsória. A trajetória das duas principais personagens – Annie e Mae – se diverge à medida em que nos afundamos nos segredos e inovações tecnológicas de uma empresa que tem como lemas frases como “segredos são mentiras”, “compartilhar é cuidar” e “privacidade é roubo”.
O Círculo é pessimista com o mesmo sorriso que as pessoas dão quando tiram selfies. Seu final assustador mostra que estamos só arranhando uma superfície de perigo, mexendo em campos minados que podem mudar completamente a história de nossas vidas.
(Pra quem já leu o livro, um agrado – viu que lançaram o SeeChange da vida real?)
Ainda mais pessimista foi o especial de natal que a série inglesa Black Mirror, produzida pela BBC, exibiu no final do ano passado. Criado pelo genial Charlie Brooker, um dos críticos culturais mais ácidos na Inglaterra atualmente, a série não conta uma história, apenas pequenos contos sobre nosso relacionamento com a tecnologia. São duas temporadas, cada uma com três episódios com pouco mais de meia hora, que contemplam a alienação, a violência, o deleite, o nojo e a opressão causada pela comunicação digital, em contos tétricos e de um humor pessimista e bizarramente hilário. O título da série é uma referência às telas que olhamos diariamente quando são desligadas, revelando um espelho negro que reflete todos nossos anseios. É o mais próximo de um Além da Imaginação produzido para o século 21 que se tem notícia.
O especial de natal, batizado de Black Mirror: White Christmas, é especialmente aterrador. Mistura realidade aumentada, implantes nos olhos, armazenamento externo de lembranças pessoais, serviços de relacionamento, inteligência artificial, prevenção de crimes, ordens de restrição. Protagonizado pelo Don Draper de Mad Men (o ator Joe Hamm), o episódio se passa num futuro próximo mas faz referências a várias tecnologias que já estão sendo usadas em nosso dia a dia. Ele apenas cogita a possibilidade de popularização destas, quando todas as pessoas usarem tudo que já é disponível hoje – além de um tiquinho de ficção científica.
Mais livros, filmes e discos (e sites e perfis em redes sociais e aplicativos e plugins) surgirão para nos alertar sobre os perigos do mundo digital, a insegurança da vida na internet, a necessidade de desconexão da rede. É uma mudança inevitável. Não dá para desplugar a internet ou voltarmos às máquinas de escrever, telefones fixos e fotos que precisavam ser reveladas sem que colocar o mundo em colapso. As vantagens da era eletrônica justificam sua existência até agora, mas precisamos aprender a usá-la.
Tiramos fotos de nós mesmos sem parar, postamos tudo que fazemos nas redes sociais, usamos aplicativos pra tudo em qualquer instante porque são novidades que nos foram apresentadas agora. Estamos nos lambuzando de tecnologia e de internet porque até outro dia tais facilidades não existiam. É como se estivéssemos gastando o que dá antes que tudo se acabe.
Mas é uma questão de hábito, uso e educação – esse é o nosso desafio para com as ferramentas digitais que estão moldando sim uma nova cultura. Não há escapatória – este novo romantismo é tão reacionário quanto o primeiro, que achava que a era industrial ia destruir uma paz no campo que só existe na cabeça de quem nunca morou no campo. Já escrevi inclusive sobre como essa venda de cocos na praia ou essa choupana rural é ilusória se isolada do resto da sociedade. Esse Walden só é possível mentalmente e talvez seja isso que Jarvis Cocker esteja pregando no manifesto neo-trogolodita: a volta para a caverna da mente.
* Duas N. do T. em relação ao texto de Jarvis Cocker: A frase “tights come down” (“calças caem”) não faria sentido ao ser traduzida literalmente porque é parte de uma brincadeira fonética em inglês para decorar a diferença entre estalagmites (que saem do chão) e estalactites (que saem do teto). A expressão completa é “Mites come up, tights come down” e é traduzida literalmente como “insetos sobem, calças descem” para lembrar a direção de ambas formações a partir de seu sufixo: “mites” lembra “estalagmite” e “tight” lembra “estalactite”.
** A segunda nota se refere ao acrônimo “Des-Res”, usado pelo mercado imobiliário inglês para explicitar que determinado imóvel (especialmente após reformas) é uma “residência desejável” (“desirable residence”, “des res”).
Aproveitei o lançamento do trailer do Demolidor pra falar, lá no meu blog do UOL, como a Marvel tem acertado direitinho ao aplicar a narrativa transmídia ao seu plano de dominação do entretenimento do futuro: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/14/o-experimento-transmidia-da-marvel/
A Marvel finalmente mostrou a cara do novo Demolidor, que agora é um seriado, que estreia através do Netflix no dia 10 de abril. O trailer que conta a história de Matt Murdock, advogado cego que atua como vigilante à noite, interpretado por Charlie Cox, parece indicar que as adaptações dos personagens da chamada Casa das Ideias seguem cada vez mais criteriosas e próximas das expectativas dos velhos e novos fãs em relação a personagens que já habitam o nosso inconsciente coletivo há mais de meio século. Mas não é só isso que a Marvel vem fazendo em sua escalada no mundo do cinema que agora começa a dominar a TV. O estúdio está colocando em prática – com maestria e numa escala bilionária – uma lógica de contar histórias que foi comemorada em diferentes momentos da cultura pop recente, sempre apontada como sendo o futuro do entretenimento e da produção cultural. Grande parte do sucesso da Marvel vem da aplicação prática e consciente do conceito de comunicação transmídia.
Essa lógica hoje em dia é simples de entender devido à própria natureza da fragmentação de nosso cotidiano e consiste em contar uma história em diferentes plataformas. O conceito de narrativa transmídia ganhou essa denominação há pouco mais de uma década ao ser popularizado pelo comunicólogo norte-americano Henry Jenkins em seu livro Cultura da Convergência (Ed. Aleph), mas já vinha sendo aplicado há décadas em diferentes ocasiões e situações, cada uma com sua distinção particular. É importante não confundir com o simples conceito de marketing, que leva um personagem ou ícone para diferentes produtos. A narrativa transmídia pressupõe que a história seja contada em diferentes mídias – em que o maior desafio é desmembrar a história em vários outros roteiros menores sem que seja obrigatório desfrutar tudo para que se compreenda a história.
Os exemplos mais bem sucedidos disso talvez sejam a saga Guerra nas Estrelas, de George Lucas; a trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski, e a série Lost, de J.J. Abrams. A história do clã Skywalker começou em 1977 como um filme que gerou continuações, mas desdobrou-se em livros, games, quadrinhos e merchandising sempre com um cuidado enciclopédico em preservar a própria mitologia. Matrix, de 1999, resolveu apostar neste formato até pela natureza de sua história, que se passa entre dois um universos – um cru e real, outro digital e fictício, e além dos três filmes que compunham a história original também teve desdobramentos em livros, quadrinhos, desenhos animados e games, sempre trazendo mais informações para a história principal de Neo, contada nos filmes. A série de J.J. Abrams, de 2004, aproveitou-se da popularização da internet do início do século e da invenção de novas plataformas digitais, como o YouTube, as redes sociais e os blogs para contar a história do que aconteceu com o voo 815 da Oceanic.
Nos três casos, havia uma história principal (contada nos filmes e na série) que era amparada por historietas paralelas e desimportantes para a trama principal. Afinal um dos pressupostos da narrativa transmídia é não obrigar o público a consumir tudo, permitir que a história possa ser acompanhada apenas na principal plataforma.
A Marvel dá um passo além nessa jornada e consciente. Sua transição para as telas de cinema teve que sacrificar os direitos autorais de pelo menos três grandes franquias da editora de quadrinhos (Homem-Aranha, Quarteto Fantástico e X-Men) em parcerias com estúdios de Hollywood que funcionaram como estágio para a Marvel dar seu principal salto como empresa e transformar-se ela mesma num estúdio. E desde o primeiro Homem de Ferro (2008), a empresa sabia que não estava simplesmente contando histórias de seus personagens em separados em filmes diferentes e sim contando uma longa história em diferentes filmes.
Não eram mais apenas continuações de filmes de super-herói. Cada filme contava a história de um super-herói até que, no finzinho, graças a um detalhe que virou marca registrada dos filmes da Marvel, Samuel L. Jackson aparecia como o Nick Fury imaginado por Mark Millar na série de quadrinhos The Ultimates (Os Supremos, no Brasil), a versão século 21 para os Vingadores, o grupo de super-heróis que reúne Thor, Hulk, Capitão América, Homem de Ferro, entre outros. Logo no primeiro Homem de Ferro, Fury fala de uma certa “iniciativa Vingadores”, que muito bem poderia ser um codinome para a estratégia bolada pelo estúdio.
Veio o primeiro Homem de Ferro e depois o segundo em 2010, o primeiro filme do Thor e o primeiro filme do Capitão América, ambos em 2011. Cada um contando a história de um dos heróis, mas sempre com a participação final de Nick Fury ou de um de seus agentes, Coulson (Clark Gregg), que fazia a amarração entre os filmes até o final apoteótico que reuniu os quatro super-heróis no mesmo filme, o bilionário Vingadores, de 2012, que tornou-se o terceiro filme que mais ganhou dinheiro na história do cinema, ultrapassando Harry Potters, Guerra nas Estrelas, Transformers, Batmans, Piratas do Caribe e ficando atrás apenas de Avatar e Titanic.
Os Vingadores era só o fim da primeira fase, como se diz nos videogames. Ou da primeira temporada, como no mundo das séries. Ou do primeiro arco, como se chama nos quadrinhos, uma grande história contada em diferentes revistas. O conjunto de cinco filmes que inaugurou o estúdio Marvel era uma longa obra contada em diferentes produções, que funcionam de modo independente. Finda a primeira fase, o estúdio deu início à segunda, que começou com o segundo filme do Thor (O Mundo Sombrio), em 2013, o segundo filme do Capitão América (O Soldado Invernal) e pelos Guardiões das Galáxias, ambos do ano passado e conclui com o segundo filme dos Vingadores (A Era de Ultron) e a estreia do Homem Formiga (estrelado por Paul Rudd), em maio e julho deste ano, respectivamente. A terceira fase é a mais ambiciosa será inaugurada ano que vem com um terceiro filme do Capitão América (Guerra Civil) e o primeiro filme do Doutor Estranho (com Benedict Cumberbatch), segue em 2017 com o segundo Guardiões das Galáxias e o terceiro Thor (Ragnarok); continua em 2018 a primeira parte do terceiro filme dos Vingadores (Guerra Infinita), a estreia do Pantera Negra (o primeiro protagonista negro de um filme da Marvel) e do filme da Capitã (!) Marvel (a primeira mulher protagonista de um filme da Marvel) e conclui em 2019 com o filme dos Inumanos e a segunda parte de Guerra Infinita. Ufa!
Mas isso tudo é só cinema. As histórias em quadrinhos deram origem aos filmes, mas foram adaptações de roteiros existentes, não havia diálogo entre HQs e filmes. O experimento transmídia da Marvel começou mesmo ao final da primeira fase nos cinemas, quando foi anunciado a série Agents of S.H.I.E.L.D., que começou em 2013 e contava a história da agência secreta de inteligência liderada por Nick Fury. Coadjuvante na história principal dos filmes no cinema, o agente Coulson foi catapultado ao papel de protagonista e na primeira temporada da série produzida em parceria com a emissora ABC, ela fazia coro simultâneo com os filmes da segunda fase – personagens de Thor apareceram na série quando o segundo filme de Thor chegou aos cinemas e referências semelhantes aconteceram em relação ao segundo filme do Capitão América e, na segunda temporada, com Guardiões da Galáxia. E certamente farão isso no próximo Vingadores e no Homem Formiga.
A segunda série da Marvel, Agente Carter, se passa após a Segunda Guerra Mundial e parece estar desconectada da linha principal das histórias, mas sua protagonista (a primeira mulher a encabeçar o elenco de uma produção do estúdio, Hayley Atwell) foi namorada do Capitão América (que ficou congelado e foi reanimado nos dias de hoje, essa é a mitologia básica do personagem) e ela é amiga de Howard Stark (o personagem inspirado em Howard Hughes que é o pai de Tony Stark, o Homem de Ferro) e de seu mordomo Edwin Jarvis (cujo nome batiza a inteligência artificial que toma conta da vida de Tony). Além disso, ela trabalha na S.S.R., uma agência de espionagem que pode se tornar a S.H.I.E.L.D. num futuro próximo.
Demolidor é uma das novidades da Marvel na TV para este ano – e muda também uma das formas de contar a história ao associar-se com o Netflix e não com um canal de TV tradicional. Seguindo o formato das séries do serviço de assinatura de filmes online, todos os episódios da primeira temporada do seriado estrearão no mesmo dia, 10 de abril. Ainda este ano veremos a segunda série da Marvel com a Netflix, A.K.A. Jessica Jones, e mais outras três estarão sendo produzidas, Punho de Ferro, Cage e Defensores, esta última reunindo os quatro primeiros personagens numa só série.
Ou seja, eles estão fazendo exatamente o que fizeram nos cinemas com a TV: apresentando personagens em obras isoladas (desta vez, séries, não filmes) para reuni-los numa mesma série depois e, certamente, interligá-los com outros filmes e séries que virão.
Há uma diferença estética e de proporção nestes seriados da Marvel com a Netflix em relação às obras do cinema: são heróis mais humanos que sobre-humanos, que lutam habilmente mas não têm propriamente superpoderes. Também são heróis de determinadas vizinhanças. Os Defensores não conseguiriam lidar com uma invasão alienígena como os Vingadores fizeram em seu primeiro filme. Por isso vai ser interessante cogitá-los como coadjuvantes de filmes cujos super-heróis protagonistas não são tão conhecidos do grande público (o que não é um problema para a Marvel, que emplacou os Guardiões da Galáxia até com facilidade), como Inumanos, Pantera Negra ou a Capitã Marvel.
Olhando de fora, parece que são vários filmes e séries de super-herói, mas o que a Marvel quer fazer com o audiovisual é o que fez, há muito tempo, nos quadrinhos: interligar personagens e histórias para gerar interesse do público para novos produtos, criando uma mitologia própria que consagrou a reputação da editora. E com isso ela pode mexer seriamente com as distinções entre TV e cinema. A associação com o Netflix deixa isso muito claro: ela sabe que o futuro é digital e online.
E apesar de parecer um jogo de grandes cifras, o experimento da Marvel pode servir como inspiração para outros universos transmídia que não necessariamente passem por Hollywood, produções milionárias ou astros ricaços. Não custa lembrar que parte dos formatos que nos referimos quando falamos de cultura (filmes, programas de rádio e de TV, discos e canções, fotografias) são invenções do século 20 originadas e delimitadas por novas invenções. A internet interliga diferentes mídias e o digital acelera a transmissão de conhecimento – é inevitável que assistamos à criação de novos formatos que contemplem a fragmentação multiplataforma de nossos dias.
O experimento transmídia da Marvel é só o começo.
Escrevi pra Elle do mês passado sobre três pequenos artistas que podem crescer neste ano: a australiana Courtney Barnett, a norte-americana Meghan Trainor e os cariocas do Séculos Apaixonados.
O hit “All About That Bass” concorreu ao Grammy de melhor música de 2014 e explodiu em quase 60 países no ano passado. O talento da norte-americana Meghan Trainor já havia despontado desde a pré-adolescência, quando participou de grupos de jazz e frequentou conservatórios musicais. Mas foi no pop que ela se encontrou, primeiro como compositora (para artistas como Rascall Flats e Sabrina Carpenter) e depois com a pérola grudenta em que canta “mamãe sempre me disse para não ligar para o meu tamanho/ Os garotos gostam de mais quadris”.
Apesar da safadeza, o hit é doce como o melhor soul, e Meghan convenceu o CEO da gravadora Epic a lançá-la tocando a canção apenas em um ukulele. Seu primeiro disco saiu no início de 2015 e promete catapultar uma cantora que tem pitadas de Adele, um quê de Katy Perry, muito ritmo e personalidade.
Uma curiosidade: a blogueira brasileira Camila Coutinho participa do clipe de “Lips Are Movin”, outra canção candidata a hit.
Irônica e ácida nas letras, a australiana Courtney Barnett enverniza seus comentários sobre relacionamentos frustrados com partes iguais de folk rock clássico, indie dos anos 1990 e country – além da personalidade divertida, que parece ser uma de suas principais forças rumo ao topo.
Seu EP duplo A Sea of Split Peas foi lançado em 2013, quando se tornou queridinha dos blogs especializados. Ela passou 2014 colhendo os frutos do sucesso. Em breve, será lançado seu novo disco, gravado no fim do ano passado.
Depois do fim do Dorgas, uma das bandas mais promissoras do Rio de Janeiro, o produtor Guerrinha entou em uma trip existencialista, que o levou aos anos 1980 de sua infância – época marcada pelos timbres sintéticos utilizados pela produção de Liminha para artistas pop, como Marina Lima, Gilberto Gil e Lulu Santos, e pelas trilhas sonoras de programas jovens da Globo.
Com nova banda formada, de nome Séculos Apaixonados, já tem um disco, Roupa Linda, Figura Fantasmagórica, lançado no fim de 2014 pela gravadora Balaclava, a mesma de nomes como Holger, Single Parents e Supercordas.
Nick Hornby tem cogitado uma continuação pro seu Alta Fidelidade, lançado há vinte anos (rá!), mas ele tem dúvidas em relação ao que seu protagonista estaria fazendo em 2015. Escrevi sobre isso pro meu blog novo do UOL: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/12/nicky-hornby-cogita-continuacao-para-alta-fidelidade-20-anos-depois/
“É assim que você começa uma coleção de música se você nasceu entre 1940 e 1990: você compra um disco e por um algum tempo esse disco é tudo o que você tem. Você gosta de umas faixas mais que outras a princípio, mas como você tinha apenas oito ou 10 ou 12 delas (ou talvez um pouco mais, se foi um recém-lançado CD), você não poderia se dar ao luxo de tocar as favoritas, então você escutava o disco várias vezes até gostar de todas as músicas da mesma forma. Algumas semanas depois, você compra outro disco. Depois de um ano você tem 15 ou 20, depois de cinco anos, algumas centenas.”
“É assim que você começa uma coleção de música nos primeiros anos do século 21: você dá um iPod pra um amigo ou pra um irmão mais velho ou pra um tio e diz ‘enche pra mim’. E de repente você tem alguns milhares de faixas, cuja maior parte delas você nunca iria ouvir. Se você é um adolescente hoje, você nem irá se incomodar com todo esse problema, porque toda a música que já foi gravada na história do mundo está no seu bolso, no seu telefone. Nós sabemos, porque é o jeito que o mundo sempre funciona, que adolescentes daqui a dez ou vinte anos estarão rindo e balançando suas cabeças em relação ao primitivismo e a inconveniência do Spotify – ‘Você tinha que esperar alguns segundos pra baixar?’, ‘Não tinha internet em todo lugar?’, ‘Você tinha que tocar numa tela?’ Mas neste ponto é difícil imaginar como o consumo de música do futuro poderá ser ainda mais rápido e mais barato.”
Esse é Nick Hornby, que, convidado pela revista Billboard, escreveu sobre uma possível continuação do livro que o colocou no mapa pop mundial, Alta Fidelidade, lançado há 20 anos. Pra quem não lembra, o livro inglês conta a história de Rob Fleming, dono de uma loja de discos que vive sua crise do meio dos 30 anos entre listas de “cinco melhores” qualquer coisa – de melhores músicas pra abrir o lado A de um disco a melhores beijos de sua vida. Interrelacionando hits e fracassos da própria vida com compactos raros, edições originais em estado perfeito e capas icônicas, o livro descreve uma adolescência tardia misturada com dramas de relacionamento e uma boa trilha sonora e foi adotado por indies nerds de música que se identificavam com os personagens da loja de Rob, especificamente o próprio.
Hornby acertou um nervo geracional que ecoou por todo o planeta, especialmente em jovens que almejavam virar trintões como Rob – entre coleções gigantescas de discos que justificavam discussões pesadas sobre riffs, formações de banda, significados de letras. O culto cresceu a ponto de transformar o livro em filme, levando a vida de Rob de Londres pra Chicago e “traduzindo” Fleming pra Gordon, vivido por John Cusack. Juntos, filme e livro contavam a mesma história: não dá pra se considerar adulto enquanto escolhas como “qual a melhor fase do David Bowie?” ou “que disco você levaria para uma ilha deserta?” forem questões as mais importantes de sua vida. Mais do que uma fábula sobre amadurecimento masculino, Alta Fidelidade é um clamor pelo fim dessa adolescência esticada, que leva possíveis pais de família a se comportar como crianças antissociais que só ficam à vontade entre seus pares.
20 anos depois, Hornby acha fácil prever algumas questões relacionadas ao fim do livro/filme, mas trava na terceira principal questão. Ele assume que Rob e Laura tiveram filhos mas não são mais um casal, porém não consegue imaginar o que Rob estaria fazendo hoje. E claro que isso está relacionado à mudança de comportamento em relação à forma como consumimos música no século 21 – é o cenário descrito pelo escritor no início do texto que inevitavelmente matou as pequenas lojas de disco. E que fim levaram seus donos e funcionários? Ao procurar pelo destino de seus conhecidos vendedores de discos e vendedores de discos de conhecidos seus não achou nenhum padrão. Cada um tomou um rumo profissional completamente diferente após abandonar o mercado fonográfico: um virou carteiro, outro garçom, outro tem sua vinícola, baterista, terapeuta…
Hornby até comenta a ascensão do mercado de vinis, que movimenta 9 milhões de discos em 2014 só nos Estados Unidos, mesmo sendo mais caro do que o que custava em outra época. E chega a descrever uma pequena loja de discos próxima de sua casa que está abrindo uma filial no bairro londrino equivalente ao Brooklyn nova-iorquino, epicentro hipster. Mas não percebe que, provavelmente é aí que Rob estaria em 2015.
Não necessariamente dono de uma loja de discos, faturando com o revival do vinil. Mas é fácil imaginar que uma vez que sua loja tenha falido que ele tenha buscado outras formas de ganhar dinheiro – até que, de repente, lojas de discos voltam a fazer sentido. E o sentido original: as pequenas lojas que movimentam o cada vez mais agitado Record Store Day em nada se parecem com as megastores que arrasaram as pequenas lojas de discos de vinte anos atrás. Lugares feitos para atrair pessoas ao redor de um certo tema, um mesmo assunto.
Museus, livrarias, bibliotecas, as falecidas locadoras e lojas de disco encaixotam itens lado a lado a partir de uma ordem pré-estabelecida e convidam seus visitantes a navegar por eras e temas diferentes. São espaços de convívio que na maioria dos casos não cobram entrada e deixam a visita ao gosto do freguês. Até uma balada, onde Rob termina o livro, discotecando, tem mais proximidade com uma loja de discos do que espaços como teatros, cinemas ou casas de show, que exigem a atenção para uma atração com duração determinada que raramente ultrapassa as três horas. Uma loja de discos convida os transeuntes a entrar para ouvir música, mesmo que para isso tenha de confrontar esnobes críticos frustrados que trabalham nestes lugares.
Com a digitalização da música, estes lugares desapareceram para serem substituídos por salas de bate papo online, listas de discussão, fóruns e redes sociais, onde fãs de música sozinhos em seus computadores interagem com pessoas do mundo sem o menor contato físico. Os relacionamentos, como a música, perderam o tato e o atrito entre opiniões perde o rumo quando apenas online. Por isso, o revival do vinil não tenha a ver apenas com uma tendência de consumo retrô e sim com uma necessidade de as pessoas voltarem a se encontrar para qualquer coisa, que seja apenas conversar sobre música. Não é um revival de uma mídia pura e simplesmente, mas também de um hábito de consumo Acredito que essa mesma motivação de sair da internet é o que fez manifestações, passeatas, festas na rua e eventos ao ir livre se tornarem cada vez mais populares nos últimos anos.
E voltando para Alta Fidelidade 20 anos depois, é fácil imaginar Rob lendo escondido notícias sobre a volta do LP, comemorando sozinho cada nova loja que abre em Londres ou Chicago e querendo se enturmar com os jovens lojistas, primeiro para entender suas motivações e depois, claro, para esnobá-los com sua sabedoria de vendedor de discos de uma época em que existiam músicas raras. Antes de começar a enumerar os cinco discos mais raros de todos os tempos…
Escrevi sobre o Montage of Heck, o novo documentário sobre Kurt Cobain, lá no meu blog do UOL: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/11/veja-o-trailer-sobre-documentario-que-revela-o-lado-intimo-de-kurt-cobain/
O rock como o conhecíamos acabou quando Kurt Cobain deu um tiro em seus miolos, em 1994. A ascensão do Nirvana foi o curto circuito final entre a indústria fonográfica e o modus operandi faça-você-mesmo vindo do punk rock, algo que havia começado desde os primeiros dias do punk (a trajetória dos Sex Pistols é o melhor exemplo disso) e que resultou na criação do circuito independente (ou “college” ou alternativo ou “indie”) nos Estados Unidos. Kurt, filhote destas duas mitologias, funcionou como um capítulo final para o gênero que já foi sinônimo de transgressão, de rebeldia, de subversão. Depois de sua morte, o rock virou um motivo meramente estético e poucos artistas conseguiram ir além de caricaturas ou homenagens a arquétipos anteriores e o gênero foi se tornando cada vez mais conservador, reacionário, anacrônico e repetitivo. Todo o lado progressista e contestador do rock foi parar em outros gêneros musicais e, principalmente, outras mídias, sobretudo a cultura da internet.
Para entender melhor o que significou o suicídio de Kurt Cobain, o documentarista Brett Morgan passou quase uma década trabalhando em cima de um filme que contasse a história de Kurt antes da fama. Olhando através de sua família, o documentário Kurt Cobain: Montage of Heck, que conta com a filha de Kurt, Frances Bean Cobain, entre seus produtores, tem entrevistas com seus parentes e amigos próximos, que mostram como uma criança feliz virou um adolescente revoltado que tentou sua salvação através do rock – apenas para ser esmagado pela máquina de hype.
O documentário foi sucesso no festival de Sundance desse ano e irá ser exibido pela HBO nos Estados Unidos no dia 4 de maio.
O filme foi exibido no Festival de Berlim deste ano e o UOL conferiu.
Escrevi no blog do UOL sobre como a lenta morte do CD traz um questionamento importante sobre a preservação da memória do futuro digital. Veja lá: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/09/nao-jogue-fora-os-seus-cds-ainda/
Não jogue fora os seus CDs – ainda
Quem ainda compra CD? No mês passado a rede de cafés Starbucks anunciou que não venderia mais discos. O anúncio parece banal e corriqueiro, ainda mais num 2015 em que carros e computadores já saem das fábricas sem leitores de CD e em muitos lares o único CD player é o home-theater comprado para ver filmes ou assistir TV. Mas há dez anos a franquia hipster de frappuccinos parecia vir salvar esta indústria, que vivia seus dias de pane. No mundo da música digital e da renascença do vinil (ainda como um mercado de nicho) o CD virou um objeto estranho, uma mídia pária que vende cada vez menos mas que ainda é o denominador comum nas grandes coleções de música existentes, virtuais ou não. E embora sua morte já vem sendo anunciada desde o início do século talvez não seja a hora de você se desfazer de sua coleção de CDs. Nem de cravar que o CD morrerá em poucos anos.
Você se lembra de 2005. O século digital mal havia começado quando, em 1999, o Napster ateou o fogo do compartilhamento gratuito de arquivos entre computadores que abriu uma torneira de downloads piratas. Todo mundo baixava tudo que podia ao mesmo tempo em que uploadava raridades, discos favoritos, registros inéditos de suas próprias coleções. Desacostumadas a perder dinheiro de tal forma, as gravadoras multinacionais partiram para o ataque. A música digital causou um revés considerável na venda de discos e em vez de adotar o Napster para suas engrenagens, as grandes gravadoras passaram a vilanizar a internet e processar engrenagens que facilitavam o download ilegal. Além de promover uma guerra de desinformação que dizia que os piratas estavam “matando a música”, quando o que estava morrendo, na verdade, era apenas o suporte. Mas as gravadoras faziam questão de misturar os dois conceitos para jogar com a culpa de quem baixava música de graça. Enquanto isso Steve Jobs percebia a lacuna no ar e transformava seu software iTunes em loja online e vendia iPods como se estivesse reinventado a roda (ou, melhor dizendo, o Walkman).
E por mais que as majors tivessem conseguido derrubar o Napster, ele foi só o primeiro. Pelos anos seguintes gravadoras acionaram departamentos jurídicos para aniquilar novas empresas criadas por jovens programadores para ocupar o vácuo deixado pelo primeiro software. As empresas eram batizadas com palavras inventadas, sufixos e prefixos grudados a palavras que poderiam instigar alguma curiosidade em novíssimos consumidores: Audiogalaxy, Edonkey, Limewire, Shareaza, Kazaa, Emule, Gnutella, Grokster, Demonoid, Sharereactor, Rapidshare, Bitorrent, Soulseek, Megaupload, Isohunt, Mininova, ThePirateBay. De certa forma, esses serviços acabaram antecipando a era das startups, a economia dos aplicativos e as redes sociais.
A crise no mercado fonográfico inevitavelmente mexeu primeiro com as lojas de discos, da mesma forma que o CD já havia mexido dez anos antes. Era o momento da falência de templos da música antes inabaláveis, como as megastores Virgin e Tower Records, que em outras eras foram responsáveis pelo fechamento das pequenas lojas de disco. E se as lojas pequenas haviam fechado nos anos 90 (com a ascensão do CD) e as grandes pareciam seguir o mesmo caminho, onde o artista não-digital conseguiria vender seu disco físico?
Foi quando a rede Starbucks surgiu como uma das luzes no fim deste túnel e em 2005 lançou seu primeiro projeto musical, o CD Live at the Gaslight 1962 que flagrava um jovem Bob Dylan tocando em um café (hehe) do Village, em Nova York. O disco foi lançado pela Columbia (a gravadora de Dylan), mas a rede de cafés tinha exclusividade na venda do título pelo primeiro ano. Vieram outros discos e projetos e em dois anos a própria rede de cafés estava lançando seus próprios álbuns, de coletâneas do Sonic Youth a discos inéditos de Paul McCartney, Elvis Costello, James Taylor, Cars, Sia e Carly Simon, entre outros.
Tempos estranhos aqueles em que as gravadoras pareciam não se importar com música, e outras empresas, que vendiam outros produtos que não tinham nada a ver com música (como os cafés Starbucks ou a Apple), começavam não só a faturar o dinheiro que antes era dos vendedores de disco como a se tornar referência do novo mercado e lançadoras de tendências. A primeira metade da década passada viu bandas e artistas procurando patrocinadores que pudessem lhes dar uma nova forma de contato com o público. Discos eram vendidos dentro de aparelhos celulares como se o fato de um disco vir com a íntegra digital de um CD da Ivete Sangalo ou do Killers pudesse fazer diferença para quem o compra. As redes sociais viriam a seguir criando uma nova classe de artistas que se estabelecia diretamente junto ao público, criando cultos em sites de relacionamentos, multiplicando visualizações online de clipes ou quantificando comentários e concordâncias (em forma de likes ou RT) pra justificar o próprio preço no novo mercado. E se antes contávamos os milhares de discos vendidos, hoje contamos cliques e views, números que normalmente enchem o bolso de empresas que pouco se importam com música.
Aconteceu que entendemos que a música não é mais um produto e sim um serviço que pode ser oferecido através de diferentes dispositivos – até mesmo em CD. A morte do compact disc, já anunciada há anos, não virá tão rapidamente quanto a “morte” do vinil, que já deixou de ser fabricado no Brasil e hoje vive dias de ouro impensáveis há dez anos. O formato físico digital vem sendo esvaziado junto com seus outros dois primos DVD e Blu-ray, que ainda encontram sobrevida graças ao vídeo. As vendas de compact disc caem anualmente à medida em que aumenta o consumo de música digital, seja através do download pago ou de serviços de assinatura. O fato da rede Starbucks parar de vender CDs é só mais um novo prego nesse caixão fechado em câmera lenta.
E bota lentidão nisso, pois a sobrevida do CD não depende apenas de sua obsolescência e sim de uma forma duradoura de reter arquivos digitais, sejam de música ou não. Os formatos de armazenamento digital são inúmeros e ainda não há uma padronização plena para arquivos eletrônicos. Sistemas operacionais e aparelhos que também tocam música são atualizados e trocados com uma constância tão ágil que não raro impossibilita o acesso a formatos digitais de anos anteriores – sem contar empresas que abrem e fecham deixando links quebrados, serviços órfãos, clientes a ver navios. O vinil é impraticável para relançamentos mais extensos, como caixas com sessões raras de gravações de clássicos ou discografias inteiras que ultrapassam dezenas de horas. Mesmo as dezenas de milhões de faixas oferecidas pelos serviços de streaming não incluem versões alternativas, remixes obscuros, acervos de gravadoras esquecidas pelo tempo ou canções originais dos Beatles. O CD ainda é o mais próximo que temos de um padrão universal aceito para arquivar músicas atualmente. Nenhuma mídia é tão segura e prática ao mesmo tempo.
Sem contar a imensa quantidade de música que só foi lançada neste formato – são praticamente 30 anos de uma produção musical que só foi registrada em discos prateados que, se não forem guardados do jeito certo, podem descascar, empenar, riscar ou perder todos seus registros. Não apresse-se para jogar sua coleção de CDs fora como muitos fizeram com suas coleções de vinil – ainda vamos entrar na fase ~vintage~ do CD e veremos edições lacradas de discos dos anos 80 ganharem altos lances no eBay e listas dos CDs mais caros e raros de todos os tempos.
Na verdade, a morte do CD nos expõe um problema grave na nossa realidade digital: como registrar o acervo de toda a história que acontecerá nos próximos anos? O meio eletrônico é novo o suficiente para não conhecermos suas limitações a longo prazo e todos nós já perdemos informações preciosas por culpa de um problema num disquete, pendrive, HD ou drive online. Nem mesmo CDs estão imunes às bombas sujas do futuro que, com pulsos eletromagnéticos, podem apagar servidores de dados inteiros.
E, de repente, nos lembramos que o papel, tão anacrônico, politicamente incorreto e cafona nos dias eletrônicos, é um dos poucos suportes que atravessou milênios, em alguns casos intactos. Mas isso é outro papo.
E você, ainda compra CD?
Pronto, agora já dá pra falar: a partir de hoje estreio um blog no UOL. Não, o Trabalho Sujo segue firme e forte aqui. A ideia do blog, como descrevo no primeiro post, é falar um pouco mais sobre cultura de uma forma geral. Bookmarcaê: http://matias.blogosfera.uol.com.br/
Vamos parar de picuinhas e falar de coisa boa?
Cresci, felizmente, entre discos, livros, games, filmes, revistas, programas de rádio e TV, quadrinhos, shows e jornais. Gostava de brincar na rua, mas à medida em que envelhecia sentia uma necessidade de conexão com o resto do mundo – passado, presente e futuro – que conseguia a partir de casa, por meio de produtos e serviços culturais que encontrava. Estou falando dos anos 80, bem antes da popularização da internet, da globalização e da estabilidade econômica do Brasil.
Quem viveu essa época sabe como era difícil se informar sobre qualquer coisa. Um exemplo banal: hoje qualquer um entra numa megastore e pode comprar a caixa com toda a discografia do Velvet Underground sem sequer precisar importá-la – quando não faz o download dela via torrent ou a escuta via aplicativo de streaming ou pelo YouTube. Nos anos 80, o Velvet Underground ainda estava começando a ser descoberto pela indústria fonográfica e seus primeiros discos conseguiam uma tiragem maior do que as primeiras edições de seus clássicos. Lembro que era mais fácil ler sobre o Velvet Underground do que ouvir a banda. Consegui finalmente ouvi-los graças ao pai de um amigo que havia comprado a coletânea póstuma V.U. numa viagem para o exterior e a um professor de história que me gravou uma fita com o terceiro e o quarto discos da banda.
E o Velvet é só um exemplo. Mesmo os Beatles não tinham tantas referências à disposição – até sua hoje onipresente discografia nunca havia sido relançada no Brasil desde os anos 70, sobrevivendo graças a coletâneas com capas horríveis e canções manjadas. Foi preciso vir o CD que toda minha geração pudesse ouvir os discos dos Beatles na íntegra.
Isso sem contar a qualidade das informações. Quase tudo era rumor ou informações recauchutadas via uma ou outra publicação estrangeira que alguém conseguia comprar numa livraria que por acaso importava – com semanas de atraso – algum tabloide inglês ou revista americana. Mesmo as informações nas poucas revistas e nos cadernos de cultura eram parcas e imprecisas. Quantas vezes ouvimos falar que o baterista do Rush havia morrido em um acidente de moto? E me lembro direitinho dos quatro meses entre 1992 e 1993 que ninguém sabia dizer ao certo se os Pixies haviam acabado ou não – ainda mais confirmar que Black Francis havia dissolvido a banda por fax. A prateleira de livros sobre música nas livrarias passava de meio metro de livros colocados lado a lado – sendo que metade destes eram Songbooks da coleção de Almir Chediak.
E isso que música era uma das atividades mais populares e além do fato de estarmos vivendo a explosão do rock brasileiro dos anos 80 e a vinda do CD provocar relançamentos e reedições. O cinema vivia o início da era das videolocadoras e padecia igualmente de informações. Os primeiros clássicos da contracultura americana – os beats, Bukowski, Fante – finalmente eram publicados no Brasil ao mesmo tempo em que quadrinhos eram ainda mais alternativos que isso, embora tenha sido nessa época em que começaram a publicar graphic novels por aqui.
A falta de informação nos deixava mais curiosos e engajados em descobrir novos diretores, novas bandas, novos documentários, novas tirinhas, novos colunistas, novos seriados. E com cada nova descoberta vinham discussões, teorias, cruzamentos de informações e defesas de teses para justificar gosto. Descortinávamos diferentes mundos em cada novo livro, filme, disco ou HQ e criávamos nossas próprias galáxias culturais para habitarmos.
Veio a internet, a globalização, a estabilidade econômica e estamos agora cercados mais do que nunca por livros, filmes, discos, shows, programas de TV e de rádio, revistas e jornais e variações destes criadas pelo meio digital. Assistimos a mais filmes em um mês do que assistíamos antes em um ano, os discos se acumulam em pilhas na mesa do escritório e em inúmeras pastas no computador ou numa playlist interminável no celular, a lista de links que guardamos para ler depois é tão grande quanto a de livros que compramos por impulso e esquecemos que existem. Em cada esquina há um show de uma banda nova, em cada estádio há um show de uma banda gigante, em cada casa de médio porte um artista do passado voltando à ativa. A TV a cabo tem mais horas de programação em uma semana do que uma pessoa pode assistir numa vida inteira.
Ao mesmo tempo, estamos hiperconectados, hiperinformados, hiperlotados de informações que não sabemos se são verdadeiras, correndo atrás de hipérboles e modismos que aparecem e desaparecem com a velocidade da internet, mandando emails, mensagens via Whatsapp, trocando links pelas redes sociais, dando likes em centenas de fotos por dia.
Tanta informação, tão pouco tempo pra absorvê-la. Que dizer de frui-la.
Por isso começo esse blog convidando-os a fugir dessa tempestade de informações. Ela segue aí fora, mas pensei que esse espaço pode funcionar como um porto seguro para esse temporal. Não é uma marquise pra tomar fôlego antes de tomar mais chuva nem uma bolha que ignora a água que cai lá fora. Quero ter tempo para digerir informações, olhar assuntos diários com mais carinho e cuidado, buscar manifestações culturais que estão longe do olhar estreito das timelines. Não quero correr atrás do que está todo mundo falando só por correr atrás nem atiçar polêmicas vazias só pra garantir uma frase de efeito desconcertante num ambiente virtual. Quero mergulhar na cultura deste século com um olhar menos apocalíptico e pessimista do que o que paira sobre nossas cabeças.
Cubro cultura há vinte anos e já fui editor de caderno de cultura e de tecnologia em dois grandes jornais, editor-executivo de uma editora de médio porte, colunista de rádio, consultor de programas de TV, diretor de redação de uma revista de ciência, além de acompanhar de perto as transformações na cultura e no comportamento brasileiro nas últimas décadas. Nestes anos percebo um esvaziamento cultural que divide o público entre aqueles que se refugiam no passado e degradam tudo que é digital e aqueles que se deslumbram com o futuro eletrônico e desprezam o último século.
Essa polarização, no entanto, é ilusória – além de inútil. Lemos livros e emails, assistimos a filmes e a curtas online, ouvimos discos em vinil e músicas baixadas em nossos celulares, mas pendemos mais para o lado analógico ou digital de acordo com nosso gosto pessoal. Venho aqui lembrar que somos anfíbios entre o mundo online e o offline e não adianta fugir pra um lado que o outro sempre estará por perto.
Então vamos parar de picuinhas e falar do que há de legal acontecendo no mundo hoje?
Durante 2015 sou um dos curadores da área de música do Circuito Cultural Paulista, programa que realiza uma série de apresentações gratuitas em cidades de pequeno e médio porte no interior de São Paulo. As atividades começam a partir deste fim de semana e entre março e abril sete atrações de diferentes gêneros musicais e regiões do país se apresentam por 42 cidades paulistas. A programação deste bimestre inclui Bárbara Eugênia (que toca em março por Miguelópolis dia 6, Barretos dia 7, Guaíra dia 8, Itapetininga dia 20, Piraju dia 21 e Botucatu dia 22), o Bixiga 70 (que se apresenta durante o mês de março por Monte Aprazível dia 6, Buritama dia 7, Lençóis Paulista dia 8, Avaré dia 20, Ourinhos dia 21 e Bariri dia 22), o Jardim das Horas (que leva o show Cidadela durante março a Matão dia 13, Pirassununga dia 14, Catanduva dia 15, Promissão dia 24, Pompéia dia 25 e Itaí dia 26), o grupo The Beetles One (que toca em março em Ibitinga dia 6, São Joaquim da Barra dia 7 e Brodowski dia 8 e em abril em Lins dia 17, Penápolis dia 18 e Araçatuba dia 19), a cantora Marcia Castro (passa por Miracatu dia 20, Iguape dia 21 e Registro dia 22 de março e Guariba dia 16, Orlândia dia 17 e Serrana dia 18 de abril), Rafael Castro (passa por Batatais dia 27, São José do Rio Pardo dia 28 e Espírito Santo do Pinhal dia 29 de março e Martinópolis dia 10, Tupã dia 11 e Mirandópolis dia 12 de abril) e o grupo Originais do Samba (homenageando o ex-integrante Mussum em março em shows em Bertioga dia 6, Ilhabela dia 7, José Bonifácio dia 13 e Jales dia 14 e durante abril nos dias 10 em Diadema e 11 em Vargem Grande do Sul). Abaixo, o texto que escrevi sobre a curadoria deste ano. Mais informações podem no site do Circuito Cultural Paulista:
As transformações que vêm chacoalhando a indústria fonográfica e o mercado da música, desde a popularização da internet no final do século passado, pegaram todo mundo de surpresa. Discografias baixadas às torrentes, um mundo de artistas que se lança através de vídeos online ou redes sociais, encontros digitais improváveis que materializam colaborações e parcerias de artistas de toda espécie. O ecossistema da música, que antes era enraizado no palco, na rádio, na loja e nas gravadoras, espalhou-se por plataformas, marcas e desdobramentos
inimagináveis antes da ascensão do digital.
Para nós, brasileiros, isso não chegou a ser um susto. Passada a fase do download irrefreado, aos poucos entendemos que o mundo digital vem provocando mais do que mudanças econômicas, sobre hábitos de consumo e métricas de sucesso. Estamos assistindo a uma musicalização do planeta, e o mundo está se acostumando a viver um pressuposto que é típico da fusão musical de nosso país.
Habituados a conviver com todos os tipos de música e gêneros musicais, temos apresentações ao vivo em nosso DNA. Gostamos de nos reunir em pequenas e grandes multidões para cantar e dançar junto, e também ficamos em silêncio para ouvir o artista cantar baixinho suas paixões e suas dores. A relação brasileira com a música é mais intensa do que aquilo que é vendido em prateleiras de lojas de discos ou em pastas de armazenamento de arquivos digitais. Por isso a ênfase do Circuito Cultural Paulista de 2015 será a reunião de nomes de diferentes estilos musicais, faixas etárias, cidades e abordagens musicais para contemplar a vastidão musical do Brasil – que agora começa a se espalhar pelo mundo.