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Os Chemical Brothers se apresentam mais uma vez em São Paulo, desta vez já com o status de clássico – escrevi sobre a importância deles pro UOL Entretenimento.

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Escrevi lá no meu blog no UOL porque você precisa assistir ao Chatô de Guilherme Fontes

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É oficial: passei metade da minha vida fazendo isso. E daí?

E daí que 2015 me comprovou uma teoria que vinha me azucrinando desde que eu ainda trabalhava no Estadão, um processo terapeutico de autorreconhecimento que me fez repensar várias coisas em relação à minha produção: por que eu preciso depender de um grande veículo de comunicação para fazer as coisas que quero, levantar os questionamentos que acho interessantes, passar as informações que realmente fazem sentido pra mim? O próprio Trabalho Sujo começou nessa lógica da brecha, de aproveitar uma determinada posição para conseguir passar informações que normalmente não estariam ali.

Por todos empregos que tive aproveitei essa situação, seja virando um caderno de cultura do avesso como editor aos 25 anos, seja subvertendo as intenções originais da revista de entretenimento e tecnologia, fazendo a iniciativa privada publicar Lawrence Lessig e distribui-lo em dezenas de milhares de bibliotecas do Brasil, puxando política e cultura para dentro de um caderno de tecnologia ou tentando abrir a cabeça de uma revista CDF. Ao mesmo tempo fui entendendo que é assim que eu sei trabalhar, colocando meu olhar, minha assinatura, minha marca. Mesmo quando fui chamado para outros trabalhos fora de redação levava uma inquietação, uma provocação, uma vontade de misturar e um olhar em perspectiva. O problema é que os trabalhos em redação (processos criativos prazeirosos em que conheci algumas das melhores pessoas da minha vida) inevitavelmente me arrastavam para intermináveis reuniões que não iam dar em nada, decisões absurdas de RH, passaralhos e invencionices que claramente não iam dar certo, além de uma desagradável sensação de cumplicidade com gente que você não queria nem conhecer.

Por isso desde o ano passado resolvi abandonar de vez as redações. Fui demitido da Galileu com uma desculpa esfarrapada qualquer (e bem no mesmo mês em que colocava na capa da revista a importância de se consertar algo que não está dando certo em vez de jogar fora) mas não via a menor perspectiva em voltar para qualquer redação. Recebi convites que em outras épocas fariam meu olho brilhar e os declinei sem o menor remorso. Toda a possibilidade de desenvolver um bom trabalho era ofuscada pela rotina sem graça de plantões, horas extras, fechamentos e ter que utilizar o Outlook.

Enquanto isso, o Trabalho Sujo deixava de funcionar só como hobby e terapia e seus filhotes começavam a caminhar: as Noites Trabalho Sujo se estabeleceram em São Paulo, depois vieram os cursos Trabalho Sujo e OEsquema acabou. Tudo conspirando para que eu assumisse o site como meu principal veículo, Ainda mantenho um blog no UOL, uma coluna na Caros Amigos e me chamam vez por outra para escrever aqui e ali, mas cada vez percebo que isso é que é o acessório. Não que os veículos de comunicação tradicional não importem, mas eles estão se afunilando cada vez numa imensa descartabilidade, medindo sucesso e desempenho por clique, view e like, reverberando notícia ruim, requentando release, pensando em ganchos bobos para conseguir falar de assuntos legais, correndo atrás de discussões das redes sociais (quando deveriam pautar a discussão), tomando o tom das pessoas que comentam em sites (você já comentou em alguma notícia de site grande na vida?) como se esse fosse o tom de todo seu leitorado, entrevistando as mesmas pessoas que entrevistam há vinte, trinta, quarenta anos e regurgigando pessimismo como se viver fosse uma merda.

O Trabalho Sujo me mostra que é justo o contrário e todo o dia eu descubro uma história incrível, uma pessoa foda, um trabalho formidável, algo que realmente merece atenção. Às vezes é uma banda, um show, um entrevistado, uma música, um filme, um remix; outras vezes é uma pessoa, uma história, uma festa, um comentário, um causo, um link, um dado, um texto, uma informação. Muitas vezes publico sem explicar demais, outras puxo como fio da meada de algo maior, outras tantas não publico, apenas guardo – e tudo isso vai ajudando as coisas a fazerem mais sentido ainda.

E tudo, como sempre repito, é jornalismo. É pesquisar, checar, fuçar, descobrir, redigir, editar e mostrar – seja num curso, num post, numa matéria, num comentário em vídeo, num podcast, numa discotecagem. Mas não é o jornalismo caxias que se leva mais a sério do que o assunto nem o jornalismo propaganda que só funciona com tudo mastigadinho na mesa do dito “repórter”, que não vai atrás de nenhuma informação. Chamo isso de jornalismo-arte como brincadeira mas também como provocação. Porque eu sentia falta de um romantismo jornalístico que permitia humor, otimismo e vínculo com a rua, que não era pautado em esporros, publicidade disfarçada, morosas burocracias e o descaso com o leitor. Não sinto mais falta disso, pois com o foco no Trabalho Sujo isso tudo foi retomado. Falta ainda uma redação, um lugar constante para trocas de experiências coletivas, mas isso é algo que eu vou resolver depois, sem pressa.

Por enquanto prefiro ir tocando minha vida sem stress, cuidando dos pequenos detalhes da vida além do trabalho (cozinhando o próprio almoço, tomando sorvete, lendo um livro ou indo pro cinema durante a semana à tarde, encontrando amigos, caminhando pelo prazer de caminhar, namorando), enquanto vejo um hobby virando ofício, fonte de renda e de inspiração. Os cursos O Outro Lado da Música e Todo o Disco são só as primeiras novidades desta nova fase. A festa do sábado – mais uma edição da já clássica Analógicodigital, um dos primeiros indícios dessa mudança – era o mínimo que eu podia fazer. Mas tem pelo menos três grandes novidades vindo aí que anunciarei até o meio de dezembro – nenhum frila, tudo relacionado ao próprio Trabalho Sujo – que mostram como vão ser as coisas daqui pra frente.

Quer dizer, de uma certa forma você já sabe. Pode não saber o que é, mas como vai ser está meio implícito.

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O Pin Ups é um marco zero para uma geração inteira de bandas no Brasil e escolheu 2015 para encerrar oficialmente sua carreira com um último na choperia do Sesc Pompéia, neste sábado, 14 de novembro. A banda marcou a transição entre o rock brasileiro dos anos 80 – e especificamente a geração pós-punk paulistana, que lançava disco pela Wop Bop e Baratos Afins – e a geração Juntatribo, e durante este hiato foi a pioneira de uma safra de bandas brasileiras que cantavam em inglês que formariam a base do que ainda nos referimos, até hoje, como indie brasileiro. Atrás deles vieram Killing Chainsaw, Mickey Junkies, Second Come, Cigarrettes, PELVs, entre outros, que ajudaram a forjar a primeira fase de estruturação de um mercado independente no Brasil. A banda parou de gravar há quinze anos e tem feito shows tão esporadicamente que preferiu pendurar as guitarras num show com participações especiais e sem a presença do primeiro vocalista, Luiz Gustavo. Conversei com o Zé Antonio, que também foi diretor do mítico Lado B na fase áurea da MTV brasileira, sobre este desfecho e a influência da banda.

Por que terminar a banda? Qual foi o estalo que fez vocês pensarem num fim?
O Pin Ups não tem tocado com muita regularidade nos últimos anos, mas nunca havíamos declarado o fim. Neste ano até chegamos a pensar se voltaríamos ou não, muitas bandas da nossa geração estão voltando à ativa, ha dois documentários sobre aquela época que estão sendo finalizados e um livro, Rcknrll, do Yury Hermuche, terá uma capítulo inteiro dedicado à nossa história. Mas depois de muita reflexão achamos que só valeria a pena voltar se tivéssemos condições de nos dedicar integralmente à banda e isso não é possível.
Pensamos então que deveríamos fazer um show de despedida e agradecimento por toda esta lembrança e também para poder tocarpelo menos uma vez para pessoas das novas gerações que nunca nos viram ao vivo. Fechamos com o Sesc Pompeia onde fomos muito bem recebidos e temos a certeza de que encontraremos as condições necessárias pra fazer um bom show. E pra tornar tudo mais especial teremos alguns convidados especialíssimos, que fizeram parte da nossa história de alguma maneira: Adriano Cintra, Rodrigo Carneiro, do Mickey Junkies, Rodrigo Gozo do Killing Chainsaw, e o Mario Bross, do Wry. Vai ser uma festa boa.

Antes desse último show qual foram as últimas coisas que vocês fizeram?
Nosso último disco é o Bruce Lee, de 2000. Os últimos shows foram no Sesc Belenzinho e na Virada Cultural há mais ou menos uns três anos. A formação mais recente, e a que mais durou na história da banda, é quase a mesma que vai se apresentar no show do sábado, Eu, a Alê e o Flávio. Só a Eliane não participa porque está morando em Londres.

Dá para comparar a época em que vocês começaram com os dias de hoje?
Dá sim, hoje é bem melhor! Acho que a principal diferença é que naquela época não havia tantas possibilidades. Ninguém esperava nada de uma banda alternativa a não ser tocar e se divertir. Os lugares, na maioria das vezes, tinham uma estrutura sofrível, a divulgação era na raça com flyers e fanzines e a internet não existia e a comunicação era muito mais demorada. Tocar fora de sua cidade era um privilégio, fora do país impossível.
Hoje eu vejo que as novas bandas tem muito mais possibilidades e fico feliz com isso. Existem uns saudosistas que acham que hoje é tudo muito mais fácil, mas eu discordo. Se por um lado a divulgação é mais rápida, os instrumentos mais baratos, etc, também existe uma cobrança maior em relação à qualidade e profissionalismo. Não que isso não existisse em nossa época, mas hoje o alcance das bandas é muito maior.

Fala sobre o começo dos Pin Ups – como a banda nasceu, quais foram as referências originais, os trabalhos anteriores…?
Eu já havia tocado em algumas bandas mas nunca acontecia nada. Um dia eu estava em uma loja de discos, a extinta Bossa Nova, com o Luiz quando vi um anúncio de duas garotas querendo formar uma banda. Elas citavam várias bandas que eu gostava como referência e resolvi ligar pra elas. Marcamos um ensaio e como não tinha baterista o Luiz se ofereceu pra fazer algo tipo Velvet. Depois de duas tentativas vimos que não ia rolar nada. O Luiz lamentou dizendo que iria rolar um lançamento da revista Monga no (Madame) Satã e que podíamos tocar, já que ele era um dos desenhistas da revista. O Satã na época era um lugar muito bacana pra ser desprezado. Fiz uns riffs, uma linha de baixo que o Luiz decorou em uma semana e ele fez umas letras com colagens de frases da NME. Chamamos um baterista e um amigo pra cantar e lá fomos nós, tocar antes do Ratos de Porão. No final foi bom, algumas pessoas vieram falar com a gente e aí nasceu a banda… O resto é história! As referências naquela época eram principalmente Jesus and Mary Chain, Stooges, MC5 e Velvet Underground. Gostávamos de barulho.

Time Wil Burn é um dos marcos do que hoje chamamos de indie brasileiro, conta a história desse disco.
A história é que quando começamos a tocar, por algum motivo chamamos a atenção de algumas pessoas, entre elas o Thomas Pappon, que na época era diretor artístico da Stilletto, um selo que acabava de estrear no Brasil. Ele mostrou nossas demos ao Lawrence Brennan, um produtor inglês que era o dono do selo, ele se animou e resolveu lançar nosso disco. Mas a verdade é que gravamos umas poucas músicas, a maioria do que se ouve no disco são demos gravadas em um (gravador) Tascan de quatro canais, por isso o som é tão sujo. Éramos muito ingênuos em relação a estúdios de gravação, mas posso dizer que fizemos tudo aquilo com vontade.

O Pin Ups iniciou uma época em que as bandas começaram a cantar em inglês – até como uma forma de protesto. Como vocês encaravam isso na época? Quando que vocês acham que essa tendência mudou?
Pois é… na verdade nunca pensamos nas letras em inglês como forma de protesto, era mais uma questão de sonoridade. Mas sofremos com isso, pois o BRock ainda era forte e os produtores e as rádios só queriam quem cantasse em português. Um produtor famoso chegou a dizer que nos contrataria se mudássemos de idéia, mas nós recusamos. Eu não sei se consigo precisar em qual momento essa coisa do inglês surgiu, mas acho que de certa forma isso foi natural. Nossa geração veio logo depois daquela cena de bandas como Fellini, Akira S, Voluntários da pátria, etc, que era formada por jornalistas e intelectuais que escreviam muito bem, faziam boas letras e tinham muito mais a dizer do que nós, um bando de moleques influenciados por My Bloody Valentine e Jesus and Mary Chain cujos vocais eram sempre enterrados sob uma parede de som. A voz era só um instrumento, nossa voz era o barulho.

Quem são os filhotes diretos e indiretos do Pin Ups na cena hoje?
Olha, alguns músicos nos citam como influência, mas eu não saberia te responder isso de forma precisa. Vejo bandas que eu gosto como o Biggs, Twin Pines, Single Parents, Zefirina, etc, que tem uma atitude parecida com a nossa mas dizer que são nossos filhotes talvez seja muita pretensão. Os filhotes diretos na maioria nem existem mais, como o Lava, da Ale e Eliane, o Butcher’s Orchestra do Marquinhos, etc.

Se vocês estivessem começando uma banda hoje, o que iriam fazer?
Iria aproveitar todas as oportunidades. Hoje uma banda alternativa pode tocar em um grande festival,aqui e no exterior, disponibilizar suas músicas para o mundo todo,comprar bons instrumentos, etc. E hoje o cenário é muito mais colaborativo, as bandas se ajudam e isso é lindo. Com tudo isso os desafios são bem maiores e as apostas também. Nós sempre gostamos de desafios, então acho que a gente poderia se dar bem.

O Luiz não foi convidado para o show?
Convido o Luiz há anos pra fazermos músicas, mas nos últimos tempos ele sempre recusa por questões pessoais. Não insisti por uma questão de respeito, mas obviamente ele faz parte da nossa história e é sempre bem vindo. O Luiz – não consigo chamar ele de Luigi – é uma figura divertida, querido por todos nós da banda.

Há alguma novidade para o show? Alguma música que vocês não tocavam há muito tempo?
Tem uma música do primeiro álbum que nunca tocamos, Sonic Butterflies, que será apresentada com um arranjo um pouco diferente. Para esse show resolvemos fazer um setlist com músicas de todos os discos, então tem algumas como Loneliness, que não tocávamos há muito tempo. Está sendo interessante retomar tudo isso.

Pretendem lançar algo para fechar esse ciclo?
No início do ano que vem será lançado o documentário Guitar Days, do Caio Augusto, e ele pediu às bandas que cedessem uma faixa inédita. Vamos gravar uma música para esta trilha sonora ainda este ano, mas essa será nossa última música. Nada de disco.

Quem quer ouvir Pin Ups hoje encontra o que onde? Tem algo nos aplicativos de streaming? Videos no YouTube? Os vinis e os CDs já são raridades?
Estamos conversando com o Rodrigo Lariú, da Midsummer Madness, que está nos ajudando a colocar as músicas em várias plataformas digitais. Isso deve acontecer em breve. Por enquanto o único jeito é procurar os discos no YouTube ou em blogs musicais. Vários deles disponibilizaram nossos álbuns para download, e achei isso demais, pois permitiu que muita gente nova ouvisse os nossos discos. Nossa discografia é difícil de achar mesmo… Os vinis são bem raros. O primeiro, Time Will Burn, nem eu tenho. O Gash, nosso segundo álbum, sumiu mas sei que a Locomotiva Discos tem cópias novas, que eles acharam em algum estoque ou algo do gênero.

E se o show rolar superbem corre o risco de ter uma turnê de despedida?
Olha, em princípio esse é mesmo o último show da banda, mas já recebemos convites para shows em outras capitais e até para um festival. Em São Paulo certamente será o último. Não pretendemos tocar em outros lugares, mas sei lá… como diz a velha música…

Rock no Brasil?

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O país não é um país roqueiro – foi o que escrevi no meu blog no UOL a partir daquela discussão sobre o Lavô Tá Novo dos Raimundos.

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Escrevi para o UOL Entretenimento sobre a iniciativa do velho capixaba de entrar em serviços de streaming, o que diz respeito às mudanças de hábito digitais no Brasil.

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O segundo disco dos Raimundos completa 20 anos e pode ser um marco da decadência de popularidade do rock no Brasil. Escrevi sobre isso lá no meu blog no UOL.

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Continuando a série #AgoraÉQueSãoElas (a Manô Miklos, que puxou o coro, explica melhor a hashtag e a campanha aqui), em que mulheres tomam espaços abertos por homens para expor seus pontos de vista, me deparei com esse ótimo texto da Carol Moreno no Medium e pedi pra ela deixar que eu republicasse aqui – e ela topou. Com a palavra, Carol:

Parte 1: o machismo morreu?
O machismo não morreu, é claro. Está vivo, enorme, saudável, parrudo e muito bem armado, ainda que jamais poderá voltar a andar pelas ruas desse Brasilzão com a mesma cabeça e a alma tranquila. O machismo por dentro anda cabreiro, de vez em quando olha para os lados e titubeia. Não raro pensa em cruzar a rua se vê alguma movimentação estranha, achando que talvez alguém ali vá mexer com ele e, quando está sozinho, passou a fechar as mãos em punhos com as chaves de casa entre as juntas dos dedos em caso de ataque. Está certo ele: nós vamos mexer sim, e não vai ser pouco.

Tem gente chamando isso de revolução. Eu gosto mais da palavra onda. Primeiro porque soa mais aberto, mais breve, mais fácil. Segundo porque ela começa lá longe, no horizonte, onde a gente não consegue definir bem que contorno vai ganhar, com que força vai chegar, e a gente nunca sabe onde vai parar. Isso acontece também com a revolução, mas citando a onda não vamos ter que aturar os professores de história debatendo se vamos ou não derrubar as estruturas políticas e econômicas para merecer o título de revolucionárias. Na onda é só olhar pra direção que ela vem, levantar os braços e tirar os pés do chão.

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Foto: Marcha Mundial das Mulheres

Mas pode usar revolução. Não importa a palavra, importa é que aconteça.

Parte 2: Machismo vivão da silva
Há seis anos e três meses (parece muito, mas parece ontem), eu não tinha certeza de que um dia tudo isso aconteceria. Era meados de julho de 2009 quando inventaram o #lingerieday, um dia específico para mulheres se fotografarem vestindo lingerie e publicarem as fotos aglutinadas pela hashtag, para que todos pudessem acompanhar.

A princípio, a ideia me pareceu estapafúrdia. Em 2009, porém, as celebridades não usavam Twitter, o Twitter não pautava outras mídias, usavam muito a palavra “monetização” e ainda ficávamos com vergonha de dizer que conhecemos tal amigo/a ou namorado/a pela internet. Eu era abertamente feminista, mas a maioria das feministas que eu conhecia ainda estava nos protestos nas ruas no 8 de março, nas assembleias e colégios estudantis. Feminismo era palavrão.

Quando, nos dias seguintes ao anúncio do empreendimento, mais homens começaram a difundi-la, e nenhuma mulher que eu conhecia apareceu para criticá-la, minha primeira impressão foi substituída pela indignação. Há muitos assuntos complexos e subjetivos dentro dessa questão de liberdade de expressão. Não vou entrar neles (não vou mesmo), mas o que me chocava na época e ainda dificulta que eu aborde a questão sem ironia era por que diabos um bando de homens queria definir que dia as mulheres devem ou não ser livres. Alguns desses homens eu conhecia pessoalmente, já dividiram mesas de bares comigo, e me incomodava contemplar que, pra eles, parecia tão simples e lógico e natural que os homens tivessem esse tipo de controle-persuasão-sugestão-indicação (chame do que quiser) sobre o que eu faço ou não com o meu corpo.

Incomodava também o silêncio constrangedor por parte das mulheres, aquela hesitação de quem está andando pela calçada e dá de cara com um vespeiro. Eu morava na Espanha, não via ninguém pessoalmente mais, só lia os meus amigos e amigas de longe. Será que realmente está todo mundo achando legal essa ideia, e talvez eu apenas esteja sendo chata?

Passaram-se alguns dias e decidi que tudo bem se eu fosse de fato a única a gritar sozinha. Aceitei de antemão o rótulo de “chata” que viria automaticamente.

Antes do meu horário de almoço, escrevi em 20 minutos um breve texto questionando a história toda em um blog coletivo que (só descobri hoje) não existe mais. O título era “O #lingerieday não é uma coisa do outro mundo”, e ele pode ser lido no blog da Ana Frank. Relendo-o agora, achei que ficou com bastante cara-de-redação-do-Enem (que tiraria nota 600, porque faltou a proposta de intervenção social) e me espantei brevemente com a comparação dos homens a porcos (muito pobre, admito). Mas ainda assino embaixo dele.

Eu não tinha smartphone, então publiquei, fui almoçar e só soube da repercussão ao texto um pouco depois.
Os bem intencionados homens que iniciaram a campanha indignaram-se com muita dignidade e hombridade na caixa de comentários, apoiados pelos homens que queriam se sentir mais homens. Com eles aprendi ofensas inéditas sobre vaginas, e algumas mulheres pularam no lamaçal para defender meu ponto, e em poucas horas já eram mais de cem os socos e pontapés registrados por lá. Apaguei os comentários que ofendiam outrxs comentaristas, mas todos os que me xingavam eu fiz questão que ficassem visíveis, com o nome de cada cavalheiro que não aceitava que eu não concordasse publicamente com tal plano infalível. Fechei aquele campo de batalha e, nos anos seguintes, apenas repostava o link e seguia com meu dia.

Infelizmente o blog não existe mais para que vocês possam reler tudo, mas em 2009 já tinha Gmail, e todos os comentários dos meus posts eram enviados, um por um, ao meu Inbox. Reproduzo, na montagem abaixo, apenas o teor de alguns dos comentários. Preservei a identidade dos autores (se quiser saber quem é quem, pode me pedir as arrobas).

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Explicação: Não publiquei os comentários que me defendiam, mas alguns deles eram de homens. E houve mulheres que zombaram do meu texto (ofensas, porém, só dos mocinhos). Também não publiquei as DMs e os e-mails de meninas que me agradeceram em privado por falar o que eles não tinham coragem de dizer.

Parte 3: Como matar o machismo
Reconto esse episódio esporadicamente, não pra que sintam pena de mim ou ódio de quem me atacou, mas porque lembro dele quando perguntam minha opinião sobre “tudo isso que está aí”. Esse não foi o primeiro post feminista da blogosfera brasileira, nem sou eu a feminista mais xingada da internet, e muito menos esses comentaristas ganhariam grande destaque em uma retrospectiva de chiliques tupiniquins virtuais.

É certo que a época era outra, e hoje acho que estes senhores já pararam de usar seus nomes e e-mails pra assinar mensagens tão gentis. Hoje a ofensa virou negócio, já se dispõe de um exército de fakes pra fazer o trabalho sujo, são profissionais da falácia, talvez até remunerados, e reagem com mais virulência, violência e perseguição.
Mas isso só acontece porque hoje, hoje hoje, agorinha mesmo, mais um texto feminista, além desse aqui, acabou de aparecer na internet.

Hoje tem revista feminista pra adulta, revista feminista pra adolescente, tem think tank feminista, fake feminista (pra citar só uma página do Facebook), vlogueira feminista falando sobre relacionamento abusivo, assédio e coletor mestrual. Disse outro dia que “it’s raining feminists, hallelujah”, e é isso mesmo. Elas (e eles) não param de aparecer, inclusive as que antes zombavam das “feminazis”, inclusive as que já participaram do #lingerieday e hoje não querem mais um calendário pré-definido.

O barulho das feministas é alto e até pode parecer uma gritaria caótica. Mas a mensagem por trás dele é uma só: o machismo não morre, há de matá-lo. Ele vive dentro da gente, não vai decidir ir embora um belo dia, assim como não foram os homens que deram às mulheres o direito de votar, nem serão eles que darão às mulheres negras e pobres o direito de abortar com segurança. As mulheres é que vão arrancar esse direito da mão deles.

E o machismo não morre com uma bala no peito, estatelado na calçada. O machismo precisa ser asfixiado pouco a pouco, dia a dia, até murchar dentro da gente. Mesmo depois de a gente dizer “sou feminista” pela primeira vez em voz alta.

Dói apertar as mãos em volta dele e ficar segurando, dá trabalho. Mas às vezes temos ajuda. Ela pode vir disfarçada de uma amiga que menciona, por alto, que jamais faria o mesmo porque um homem pediu, quando você a encontra depois de meses e, por algum motivo, menciona que há tempos não pinta a unha com um esmalte de cor escura porque seu namorado prefere cores claras.

Ela vem fantasiada de vergonha daquela noite em que você, adolescente, a 800 km de casa, com todos os amigos esperando do lado de fora no táxi, foi agarrada contra a sua vontade por um colega em um encontro de alunos de colégios jesuítas que se conheceram em um retiro religioso!

Tem dia que ela chega em forma de corda vocal quando aquele homem mexeu com você discretamente, no pé do seu ouvido, numa rua cheia de gente, achando que você vai engolir quieta. Mas aí de repente todo mundo olha espantado ao ouvir um “CALA A BOCA SEU MACHISTA!” ecoar de algum lugar, incluindo ele, e incluindo você também, até descobrir que foi você quem gritou, transferindo a vergonha pro rosto do covarde.

Chega na voz masculina de outros países, que coloca em xeque suas perspectivas sobre a naturalização cultural. Como o espanhol, de um lado, que te explica casualmente como ele não faz piadas sobre TPM porque elas “son machistas”. Ou o angolano, do outro, que te explica casualmente como é moderno e respeitoso porque “permite que a esposa tenha a chave da casa”.

Sem que qualquer pessoa pudesse prever, ela chega de sopetão, avassaladora, na forma uma montanha de relatos alheios de traumas que soam tão intimamente seus, pra mostrar que a culpa não é sua, e em uma reação sufocante a comentários criminosos e à tentativa de abafar sua seriedade.

E essa semana está chegando em locais ainda mais improváveis, como os blogs e colunas de homens que também estão lutando contra seu próprio machismo.

Aos homens que aderiram à semana do #AgoraÉQueSãoElas, proponho que voltem a fazer isso na semana do 8 de Março. Que vire uma tradição e que vocês se assemelhem cada vez mais ao meu amigo espanhol, e cada vez menos ao meu conhecido angolano.

Aos homens e mulheres que dizem não ver nenhum machismo dentro de si, só um recado. Podem me ligar se um dia quiserem surfar na nossa onda. Eu empresto a minha prancha.

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Vida longa à Maya Gabeira

A foto que abre o post é da Gi Meira.

AgoraÉQueSãoElas

A Fran me tagueou num post da Manô Miklos, que está divulgando a hashtag #AgoraÉQueSãoElas para pedir mais espaço para as mulheres em nossa sociedade, e eu entrei em contato com a própria para que ela explicasse, aqui no Trabalho Sujo, a essência desta campanha. Com a desculpa de desestabilizar o governo, uma corja de vilões, liderada pela escória da politica brasileira Eduardo Cunha, vem colocando em pauta uma série de desmandos absurdos em relação a diferentes questões da nossa realidade, mas o abuso contra os direitos das mulheres (em pleno 2015!) é dos golpes mais baixos da série de palhaçadas que essa escumalha vem propondo contra o país.

E isso pode ser o começo de sua derrocada – e o início de um levante popular que pode ganhar proporções ainda maiores caso tenha o apoio irrestrito e constante de quem está do lado delas. Esse é o primeiro post durante esta semana para discutir o retrocesso brasileiro frente à questão feminina, que foi iniciado por uma cambada de imbecis no congresso, mas está encalacrado em diferentes instâncias de nossa sociedade.

Esse texto é o primeiro da semana. Outros virão. Com a palavra, Manô:

Alô comunidade do Trabalho Sujo, alô todxs.

Esse é um momento importante: mulheres estão perdendo direitos adquiridos com muita dificuldade. É cruel. Mulheres vêm relatando o que é ser mulher no Brasil hoje. E ser mulher no Brasil é perigoso.

Contra essa crueldade e pra denunciar esse perigo, nós mulheres tomamos as ruas. E as redes.

Muitos homens que têm acesso a meios de comunicação e espaços de fala garantidos – verdadeiramente emocionados diante desse momento e solidários nesse movimento de empoderamento – têm vontade de escrever sobre o tema.

Do reconhecimento essa vontade em muitos homens, nasceu a provocação: e se esses homens, ao invés de publicar textos sobre a importância de escutar, de fato reconhecessem a importância de escutar e cedessem, nessa semana, seus espaços para mulheres falarem? Algo como: hoje, como o importante é ouvir, eu e você leitor ouviremos. Leremos. Com vocês, uma mulher. 

Dessa provocação surgiu, com a ajuda de muitxs e bons, a iniciativa : uma semana de mulheres ocupando os espaços masculinos de fala. Homens convidam mulheres para escrever no seu lugar e se colocam nesse lugar do ouvinte. Dando voz e vez a uma mulher. Reconhecendo a urgência da luta feminista por igualdade de gênero e o protagonismo feminino nesta luta.

Pensemos juntxs em como adaptar isso para os muitos veículos: jornais, blogs, canais de Youtube, perfis, TV. Temos uma infinidade de meios para multiplicar informação. Todos eles podem ser, nessa semana, ocupados por mulheres.

Muitos homens toparam e já cederam seu espaço nessa semana que começa para uma mulher, para as mulheres. Gregorio Duvivier, Marcelo Freixo, Jean Wyllys, Leo Sakamoto, Bruno Torturra, Ronaldo Lemos, Marcelo Paiva, João Paulo Cuenca, José Eduardo Agualusa, Marcus Faustini, Fred Coelho, Antonio Prata, Renan Quinalha, Jorge Bastos Moreno, Alexandre Porto Vidal, Douglas Belchior e muitos, muitos outros. Meios como o Quebrando o Tabu toparam pensar em como se tornar, nessa semana, um espaço em que as mulheres sejam protagonistas. E o Matias, no Trabalho Sujo, também.

Queremos muitos mais com a gente. Queremos todxs juntos nessa onda. Pra que ela seja um tsunami. 

As coordenadas pra você homem, são: a iniciativa #AgoraÉQueSãoElas começa segunda e dura uma semana. Você escolhe uma mulher e cede a ela o seu espaço de fala. Pode fazer uma breve introdução explicando o gesto de ouvir ao invés de falar, se for necessário. Use o hashtag.

Importantíssimo: ao convidar uma mulher para ocupar seu espaço de fala, pense na diversidade. Mulheres negras, de comunidades vulneráveis, mulheres trans, LGBTs – mulheres que têm ainda mais dificuldade de acesso aos meios de comunicação e muito, muito o que dizer. Vamos ouvir as mulheres. Todas. Compartilhem seu espaço de fala de modo democrático. Para que a gente possa escutar as vozes daquelas mulheres que o machismo, o racismo e a exclusão calam com mais frequência. Com mais violência.

Você escreve? Convide uma mulher pra escrever em seu lugar? Você têm seu perfil em redes sociais? Não escreva nada essa semana. Apenas compartilhe palavras femininas. Essa semana, #AgoraÉQueSãoElas.

É pela vida das mulheres.

Com doçura,
Manô Miklos
Rio de Janeiro
Domingo, 1 de Novembro de 2015

A foto que ilustra o post é da Lina Marinelli, dos Jornalistas Livres.

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Fui à minha terra natal no fim de agosto e pude ver mais um ótimo show da Céu, que me inspirou a escrever minha coluna do mês passado na revista Caros Amigos. Filmei parte do show também:

Céu em Brasília
O show da cantora na minha cidade natal abriu diversas intersecções entre o estado do Brasil e da música brasileira hoje

Visitei Brasília, minha cidade natal, no final do mês de agosto, e, mais de duas décadas distante, já me acostumei com os pequenos sustos que a transformação da cidade me causa. Era inevitável a ocupação dos intermináveis terrenos baldios por onde caminhava ou andava de bicicleta, sempre em bando, na adolescência. Mas no lugar do hoje quase extinto ecossistema do cerrado surgem prédios que parecem astronaves cubistas de concreto, arremedos caricatos da arquitetura simples e megalomaníaca de Niemeyer. Os pontos cardeais que serviam para separar as asas do Plano Piloto entre Norte e Sul e nomear as avenidas – que nem mesmo este nome tem – W3 e L2 hoje abrem-se em setores Sudoeste, Noroeste e afins ocupando o horizonte do belo mapa de avião idealizado por Lucio Costa, fazendo-o refém de um entorno de prédios que podem, aos poucos, engolir o horizonte 360 graus da cidade. O gigantismo de Águas Claras com suas dezenas prédios de 30 andares de uma cidade-satélite que simplesmente não existia no século passado numa capital famosa por só poder ter prédios de no máximo seis andares.

Há uma estranha leveza em Brasília que vem do simples fato de ela não ser uma cidade natural. Este ponto do planalto central nunca foi entreposto comercial, missão religiosa, abrigo contra intempéries – e sim uma estratégia para evitar levantes populares contra o governo de um país ainda rural e de levar a urbanização e industrialização para além das capitais em seu extenso litoral. Sua localização foi determinada num sonho de um padre católico que virou santo quando Mussolini comandava a Itália e a cidade foi erguida por um presidente mineiro que se via como uma reencarnação do faraó Akhenaton. Não é, de forma alguma, uma cidade normal.

E por ter sido imaginada e desenhada antes mesmo de existir, Brasília, como qualquer condomínio fechado, foi pensada para ser um lugar aprazível, bucólico, para se viver com qualidade de vida antes do termo virar prateleira de consumo. Mas ela não é um condomínio fechado, suas superquadras não têm grades nem muros, transita-se livremente por quase toda a cidade. Essa faceta foi se tornando mais plástica e artificial à medida em que atravessamos os anos 90 e os anos 00, quando a ostentação e o consumo passaram a ditar regras e determinar status. Mas, justamente por não ter muros, há uma vida que sobrevive longe da programação oficial e do funcionalismo público, especialmente a vida social e cultural da cidade.

Enquanto parte dos clubes à beira do Lago Paranoá (que, como a cidade, também não existia antes de 1960), das festas nas embaixadas e os restaurantes são habitados por políticos e empresários de todo o país e pelo colunismo social da cidade, há uma movimentação artística que passa longe dos clichês que definem a cidade como mera “ilha da fantasia”. Repito aqui um conselho que falo para todos que dizem querer conhecer a cidade: conheça algum amigo que seja residente para lhe dar as coordenadas do que fazer. Chegar em Brasília só com informações turísticas e guias de viagem vão lhe apresentar a uma cidade linda com um céu espetacular, mas aparentemente vazia e estéril.

E nem estou falando de circular pelo submundo estético ou urbano da cidade. Brasília sempre teve festas e bandas, festivais e shows, programas de rádio e sites, peças e saraus. Do Clube do Choro ao Cult 22, do blog Quadrado Brasília à PicniK, do Quinto à Balada em Tempos de Crise, do FestClown à Play, do falecido Gate’s Pub à Criolina, do Porão do Rock à Moranga – diferentes épocas tiveram diferentes ímãs de atração que reuniam todo mundo que não se encaixava no estereótipo do playboy funcionário público que parece ser a população média da cidade para quem não conhece ninguém em Brasília.

Pois cheguei na terrinha em plenas comemorações dos 20 anos do festival de teatro Cena Contemporânea, que também conta com uma faixa de shows gratuitos. Meu irmão me levou para a Esplanada dos Ministérios e a alguns metros da Catedral, ao lado do Museu da República (também conhecido pelo apelido de Estrela da Morte, pois seu formato circular lembra a terrível arma de Guerra nas Estrelas), estava acontecendo um show da Céu.

Quando me refiro à música brasileira do século 21 não estou falando em um movimento consciente ou a uma safra específica de músicos, intérpretes, compositores e instrumentistas que apareceu ao mesmo tempo. Me refiro a uma mudança de mentalidade que expande os horizontes da mutante música brasileira para além da caixinha restrita que a trancaram quando criaram o rótulo de MPB. E o marco zero desta mudança, na minha opinião, é Céu.

Uma cantora que não é apenas intérprete, mas também compõe, e que não veio da matriz básica da MPB atual, que é a bossa nova. Ela passa longe do clichê da cantora de barzinho ao requebrar sua musicalidade suavemente entre o samba, o dub, a soul music, a música africana e o reggae.

Seu trânsito por diferentes gêneros também acontece ao compor com diferentes parceiros – Lucas Santtana, Beto Villares, Siba, Gui Amabis, Thalma de Freitas, Fernando Catatau, Jorge Du Peixe, Anelis Assumpção são alguns dos nomes que já compuseram com ela – e ao selecionar as versões para seu repertório, que vão de Erasmo Carlos a Jimi Hendrix. No show que aconteceu num domingo à noite, ela passeou pela versão que Caetano Veloso fez no disco Transa para o samba de Monsueto “Mora na Filosofia”, o molejo original de “Visgo da Jaca” imortalizada por Martinho da Vila, no gingado da irresistível “Piel Canela” do Trio Los Panchos e na deliciosa visita a Pepeu Gomes em “Mil e Uma Noites de Amor”.

Com nova banda – formada por Vítor Gottardi na guitarra, o fiel escudeiro Lucas Martins no baixo e o mago do ritmo Pupilo, da Nação Zumbi -, Céu também mexeu bem com músicas já conhecidas. “Comadi” perdeu completamente seu sotaque reggae para ganhar um baixo pontiagudo de levada funk setentista. “Cangote” faz uma conexão caribenha com Belém e requebra na batida do carimbo. E pouco antes de cantar uma música do baterista Tony Allen, a usina de ritmo do nigeriano Fela Kuti (“Don’t take my kindness for weakness” – não ache que minha bondade é fraqueza), ela entregou-se à imortal “Concrete Jungle” de Bob Marley e entre versos que falavam de ilusão, corrupção e poluição, ela desabafou com o público.

“Vamos aproveitar que o Brasil está passando por uma limpeza e vamos pensar muito bem nos nossos atos, nossos votos e desconfiar de certas mídias e de coisas que aparecem, vamos analisar”, disse sem sair do ritmo. “Eu vejo isso como uma coisa muito positiva. A gente vai conseguir. Eu realmente acho difícil o que a gente tá passando agora, mas vamos pra frente, porque não tem nada igual ao Brasil, tamo junto”.

E vendo aquela pequena multidão em transe ao som dos doces vocais da paulistana, sob uma enorme Lua crescente e ao lado de imagens projetadas na parede abobadada do Museu, só conseguia pensar em uma onda de esperança que caminha sob as más notícias que pode finalmente mudar a cara de um país sempre em desenvolvimento. Não há nada igual ao Brasil – e estamos todos juntos nessa.