Foi lindaço o show do Bonifrate no Prata da Casa na terça passada. Filmei quase todo o show, veja aí embaixo:
Hoje é dia de música pesada no Prata da Casa, que recebe o Elma, que está às vésperas de lançar seu primeiro disco. Abaixo, o texto que escrevi sobre eles para o projeto:
O Elma é uma banda de metal. Mas esqueça todos os estereótipos do gênero: os cabelos compridos, as camisetas pretas, as munhequeiras com tachinhas, o gesto corna (punho fechado com mindinho e indicadores erguidos), as línguas de fora, o pé no retorno e a língua de fora. Estamos falando apenas da sonoridade pura e simples do gênero quarentão, reduzida ao ruído básico e primal da genealogia que começa no Black Sabbath e atinge a maturidade no Metallica, mas atravessada pelo ruído do underground norte-americano da virada dos anos 1980 para os 1990, que une bandas do calibre de Fugazi, Sonic Youth, Melvins, Big Black, Black Flag, Jesus Lizard e Helmet. E sem falar uma palavra: essencialmente instrumental, o quarteto paulistano-uberabense atravessa paredes de ruído e microfonia em riffs colossais, sempre amparados por uma cozinha industrial, precisa e eficaz. Com quase dez anos de estrada, o grupo finalmente lançará seu primeiro álbum em 2012, tanto em vinil quanto no formato digital.
Começamos a programação de abril com o trabalho solo do Supercorda, autor do meu disco brasileiro favorito do ano passado, Um Futuro Inteiro, tocando-o no Sesc Pompéia com o auxílio luxuoso de sua banda oficial. O show começa às 21h, é de graça, e os ingressos começam a ser distribuídos às 20h. Abaixo, o texto de apresentação que escrevi para o show dele:
A psicodelia brasileira tem um ar meio matuto, meio caipira, como se os grandes nomes da nossa música lisérgica olhassem a urbanidade com desconfiança ou picardia. Mesmo seu maior nome – os Mutantes – brincava com isso em músicas como “2001” e “Tiroleite”. Os cariocas do Supercordas assumem essa conexão em sua plenitude – mas um de seus integrantes, Pedro Bonifrate, vai além: não apenas linka o estado de espírito da expansão de consciência a uma arcádia roceira, utopia rural brasileira, como a localiza no Clube da Esquina do início dos anos 70, quando a turma de Milton e Lô ainda tomava doses cavalares de Abbey Road. Sua carreira solo vem sendo maturada há anos, em EPs gravados em CD-R e faixas em MP3, mas só em 2011 lançou seu primeiro álbum, o belíssimo Um Futuro Inteiro, cuja melancolia parece concluir que o lado sombrio da psicodelia passa pela tristeza do jeca.
Que maravilha foi o show de Dona Cila do Coco na semana passada no Prata da Casa. Até quem mais tinha expectativa (como eu) ficou surpresa: do alto de seus 73 anos (“74 em abril!”, gritava), a velhinha transformou a choperia do Sesc Pompéia em um imenso bailão, com todo mundo disposto a se acabar de dançar. Não faltaram homenagens a Chico Science, Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, mas o grande momento do show foi o final, quando ela fez todo mundo da platéia formar uma grande ciranda. Já tinha visto Lia do Itamaracá fazer isso no Recife, mas aqui em São Paulo, foi a primeira vez… Sente só:
Dona Cila do Coco – “Lia é Lia” / “A Rolinha”
Tem mais vídeos que fiz aí embaixo:
Começa hoje, no Sesc Pompéia, o festival O Fim do Mundo, Enfim, que recapitula as três décadas do punk rock no Brasil, iniciadas há trinta anos no festival O Começo do Fim do Mundo, no próprio Sesc Pompéia. Além dos shows, que começam amanhã (mais infos aqui), o evento começa com um debate na choperia do Sesc com alguns dos principais protagonistas da edição original. Eis as coordenadas do evento de hoje:
O FIM DO MUNDO, ENFIM
Punk, do Começo ao Fim – 30 e Tantos Anos de Punk no Brasil
SESC Pompeia
Dia(s) 28/03
Quarta, às 20h30.
Para marcar a abertura do festival, o SESC Pompeia convidou músicos, produtores culturais e os idealizadores do festival ‘O Começo do Fim do Mundo’, de 1982, para falar do movimento punk em São Paulo, no Brasil e no Mundo.
Com:
CLEMENTE Nascimento (músico);
ARIEL Uliana Jr. (músico);
Antonio BIVAR (escritor)
Antonio Carlos CALLEGARI (músico);
Rosineide Pereira, a TINA (produtora cultural);
Marco ALEMÃO Badin (empresário);
José Rodrigues MAO Jr. (músico e historiador);
Meire Rocha (produtora cultural);
Mediação do jornalista Alexandre Matias.
Após o debate haverá discotecagem de punk-rock com DJ Ratinho.
GRÁTIS. Retirada de ingressos 1 hora antes da atividade. Choperia. Não recomendado para menores de 12 anos
E encerrando o segundo mês da minha curadoria no Prata da Casa, tenho o prazer de apresentar uma mestra de um gênero – Dona Cila do Coco vai comandar o baile na choperia nessa terça – e promete ser memorável. Abaixo, o texto que escrevi apresentando-a para o projeto:
Cecília Maria de Oliveira é dessas lendas vivas da música nordestina. Com quase 80 anos e há décadas carregando o cetro do coco, ela só tem um disco lançado. Mas isso é secundário em sua carreira, pois o coco – um dos gêneros tradicionais mais antigos da cultura pernambucano e um dos poucos que já ultrapassa mais de um século de tradição – pertence a um universo necessariamente oral e qualquer tentativa de capturar seu espetáculo acústico de ritmo e melodia falha, justamente por perder a essência viva da tradição que a nobre senhora representa. Sua presença é o carisma personificado e a força intensa do seu cantar – familiar e expansivo ao mesmo tempo – conduz o público a uma utopia pré-industrial, de estrada de terra batida e lampiões a gás. Um espetáculo esplendoroso e enraizado, forte, feminino e doce, que parece tocar a apresentação como uma conversa de comadres, mas que aponta para o sublime.
E os cariocas do Dorgas fizeram mais uma ótima apresentação em São Paulo no Prata da Casa da semana passada, evitando “Fez-se Cristo” e encerrando o show com o “hit” “Loxhanxha”.
Dorgas – “Loxhanxha”
Veja mais vídeos que fiz aí embaixo.
Aos poucos uma frase foi se formando na minha cabeça. O Sambanzo é a melhor banda do Brasil hoje.
Claro que ao mesmo tempo em que a torcida pra que ela fosse verdadeira surgia, uma série de ressalvas vinham surgindo para tentar contestá-la. Mas o fato é que há fatores que implicam fortemente para que essa afirmação seja verdadeira. Primeiro, porque passamos por um momento em que artistas solo estão produzindo mais do que grupos de artistas. Segundo, que os inevitáveis concorrentes na categoria (Nação Zumbi, Cidadão Instigado, Instituto, + 2) não lançam coisas novas há um tempo. E, terceiro, porque, como pudemos assistir na terça passada no Sesc Pompéia, estamos diante de uma usina sonora de ritmo e harmonia que carrega o público pra onde quiser.
Começa que a banda é liderada por Thiago França – integrante do Marginals e do Metá Metá, músico da banda de Criolo e um dos principais novos músicos do país, se firmando cada vez mais como representante da música instrumental brasileira em um instrumento de sopro, o saxofone. Entregue ao transe rítmico do grupo, Thiago desbrava as fronteiras de seu timbre em solos agressivos, riffs hipnóticos ou repetições em tom de mantra, sempre se entregando cegamente à música e contando com efeitos elétricos como parceiros no mergulho no próprio som.
Ao seu lado, fazendo as vezes de fiel escudeiro, outro grande músico brasileiro do século 21, Kiko Dinucci também empunha sua guitarra como facão na picada aberta por Thiago, ecoando música africana, carimbó, reggae, cumbia e calipso, mas sem deixar sua veia rock de lado, usando distorções e microfonias um pouco além da sutil moderação. Ao seu lado, o baixista Marcelo Cabral funciona como rede de segurança para as acrobacias de Kiko, e o produtor de Criolo cria uma base firme o suficiente para que Kiko e Thiago se entreguem na dobradinha de melodia e harmonia que conduzem sem perder a fluidez que deixa a música escorrer por minutos que parecem horas, no melhor sentido.
Amparando a linha de frente, não corre atrás. O baterista Welington Moreira é classudo e econômico, mesmo deixando-se levar pelo afro beat, não perde a fleuima de baterista de jazz – deixando espaços de som abertos o suficiente para que, junto à percussão temperada de Samba Sam, que também distorce seus instrumentos com o auxílio da eletricidade, criem uma atmosfera rítmica complexa e direta.
Sambanzo – “Capadócia”
A revelação surgiu no meio de “Capadócia” (acima) quando, de repente, parecia que eu tava assistindo a um show da turnê européia dos Talking Heads na Europa, com Adrian Belew na guitarra, em 1980. E permaneceu durante todo a apresentação, na medida em que o grupo transformava a choperia do Sesc Pompéia em múltiplos ambientes, a cada música: um salão de festas de terra batida no norte do Brasil, um baile clandestino caribenho, um terreiro de macumba, um clubinho abafado de jazz, o espaço sideral.
Não é pouco. Fiz mais vídeos aí embaixo, mas não perca a oportunidade de assiti-los ao vivo ainda esse ano.
Hoje é dia de chillwave à brasileira, no Prata da Casa. Os cariocas do Dorgas, que filmei ano passado num show no Beco, também no meio da semana, são a terceira atração do mês de abril no festival que, esse ano, conta com a minha curadoria. O show começa às 21h, mas os ingressos só começam a ser distribuídos (sim, é de graça), uma hora antes, na bilheteria do Sesc Pompéia. Vamo lá? Abaixo, o texto de apresentação que escrevi pro Sesc.
“Dorgas, manolo!” é o meme inventado online para designar qualquer coisa – fotografia, links, vídeos – que tendam para a loucura pura e simples. A palavra “drogas” é escrita propositalmente errado como se pudesse separar o elemento lúdico do tóxico, enfatizando a natureza destrambelhada daquilo que está sendo destacado. Uma banda com esse nome pode causar uma sensação de estranheza que passa pelo humor abobalhado, mas o Dorgas – mesmo rindo de si mesmo a partir do batismo – passa à distância de qualquer tentativa de ser engraçadinho. Pelo contrário, são dos primeiros brasileiros a se enveredar pela praia da chillwave, subgênero da música eletrônica que recicla a dance music dos anos 80 com uma abordagem mais zen, que ganhou destaque ano passado com o lançamento dos primeiros álbuns de produtores solitários que se escondem atrás de nomes enigmáticos como Memory Tapes, Washed Out, Toro y Moi e Neon Indian. O Dorgas, no entanto, é uma banda de formação rock, mas que aborda essa tendência à música quase instrumental e hipnótica.