Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Me chamaram de dotô (e justo a gevê) e quem sou eu pra desmentir…
09:20 – 10:30 CENÁRIOS DA MÚSICA NO BRASIL E NO MUNDO EM VISTA DAS NOVAS MÍDIAS
Uma análise da cadeia de produção musical e suas transformações decorrentes do surgimento e expansão de novas tecnologias
Participantes:
-Dr. Dirceu Santa Rosa (Advogado – Veirano Advogados)
-Dr. Joaquim Falcão (Diretor da Escola de Direito da FGV)
-Lucas Santtana (músico)
-Dr. Ronaldo Lemos (Centro de Tecnologia e Sociedade)
-Dr. Alexandre Matias (Gravadora Trama)
Cêis acham que é cedo? Isso porque tu não viu a hora que eu vou pegar o vôo pro Rii… Se, normalmente, a minha madrugada termina ao meio-dia, posso dizer que vou sair daqui na calada da noite – inda mais com o horário de verón.
Cola lá, se tiver na pilha. Se não, fica o reZistro… (E é bate-volta, cariocada, senão claro que eu marcava um som, uma cerva, uma balada, um sei-lá-mais-o-quê)
Indeed. “Frank Jorge é um dos professores“. Forwardeado pelo Cardoso (que tá todo-todo com o site novo dele).
Materinha de hoje na Folha…
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Com várias formas de interação cultural, universo do game Second Life já conta com mais de 1 milhão de “habitantes”
Um videogame sem regras, em que o usuário pode fazer o que quiser -até mesmo nada. Ninguém perde, mas é possível ganhar de formas completamente diferentes da lógica tradicional dos games. “Vencer” pode ser tanto encontrar um desconhecido com a mesma afinidade que a sua, comprar MP3s ou assistir a um show virtual. E nunca, depois da “vitória”, o jogo termina.
Assim é o Second Life, um fenômeno comportamental que funciona como uma realidade digitalizada em três dimensões, quando o jogador assume um avatar -uma personalidade virtual- que tem completa liberdade para agir num mundo que já conta com 1 milhão de “habitantes”.
Mais do que realidade virtual, o Second Life é um novo ambiente para que artistas e o mercado de entretenimento possam dialogar com seus clientes e fãs. Isso tem mexido com a publicidade mundial de forma que, aos poucos, empresas têm comprado territórios on-line para oferecer aos seus possíveis consumidores, além de bandas (como Duran Duran e U2), autores (Howard Rheingold e Kurt Vonnegut) e executivos do cinema (Disney e Fox) usarem a plataforma como um novo meio para interagir com seu público.
Criado pela empresa Linden Labs em 2003, o Second Life tem potencial para ser maior do que o Orkut e o MySpace juntos -apesar de parecer apenas mais um game em três dimensões para vários jogadores (conhecidos pela sigla MMORPG – Massive Multiplayer On-line Role-Playing Game, Jogo de Interpretação On-line Massivo para Múltiplos Jogadores). A diferença entre o Second Life e qualquer outro jogo é simples: não há objetivos definidos e não há regras. Ou seja, não é um jogo.
Primeiro milhão
Mais do que isso: há possibilidades infinitas. É possível voar ou tomar forma de um animal, fazer sexo e mudar de aparência, teletransportar-se de um lugar para o outro e até comprar e vender coisas on-line, usando a moeda virtual do lugar -os linden dollars, cuja cotação flutua entre L$ 250 e L$ 300 para cada dólar americano do mundo real.
E, no mês passado, a população do Second Life chegou ao seu primeiro milhão de habitantes, em pouco mais de três anos de atividade. “Trinta mil diferentes computadores brasileiros diferentes se conectaram à rede SL nos últimos 60 dias”, diz o diretor de marketing da Kaizen Games, Jorge Filho, que representa alguns jogos da linha MMORPG no Brasil. “É a terceira geração da internet, em que você tem uma versão sua em três dimensões dentro da rede”, diz. Além de meramente explorar o mundo digital, ainda é possível criar seu próprio negócio e procurar pessoas com interesses parecidos para conversar e conhecer -dentro e fora da rede.
Próxima mídia
“A transmissão da experiência é algo novo e não é a “next big thing'”, escreve o fundador do Second Life, Bill Lichtenstein, em seu manifesto “The Transmission of Experience”. “É literalmente a próxima mídia na velha progressão das formas de comunicação, da fala para a palavra escrita, para os livros, para o rádio, para o cinema, para a TV. Isso mudará a forma como nós nos comunicamos e vivemos, que aprendemos e fazemos negócios, da mesma forma que qualquer outra mídia que surgiu antes. Simplesmente porque agora, pela primeira vez, conseguimos transmitir experiência.”
E é daí que vem o dinheiro que financia o software. Gratuito, entrar no Second Life só requer a instalação de um programa e sua atualização. Mas qualquer um pode comprar um terreno virtual pagando dinheiro de verdade, e com isso, receber uma cota mensal de linden dólares para gastar no ambiente -como bem entender.
Mas o Second Life não é apenas uma nova forma de fazer compras e consumir cultura. O Centro de Diplomacia Pública da University of Southern Califórnia criou uma ilha para estimular a discussão sobre o papel dos MMORPGs na diplomacia mundial, o New Media Consortium está construindo um campus universitário inteiro (com biblioteca, auditórios e um planetário), o Creative Commons está construindo seu instituto on-line e instituições médicas dão noções de primeiros socorros para pessoas reais por meio de avatares digitais.
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O que é Second Life?
É um mundo virtual em três dimensões idealizado pela empresa norte-americana Linden Lab, em que é possível, além de reproduzir ações do dia-a-dia, realizar feitos fantásticos, como voar, mudar a própria aparência em segundos e teletransportar-se. Sua interface e funcionamento lembram o de um videogame de RPG, mas o fato de ele se basear em comunidades e nos gostos pessoais de seus participantes, torna-o semelhante a outras redes de relacionamento, como Orkut e MySpace
Como fazer parte?
O cadastro é gratuito e basta instalar um software que pode ser encontrado no site oficial do ambiente (www.secondlife.com). Nos EUA, há sistemas com assinaturas que dão direito a benefícios, mas é possível permanecer on-line sem fazer pagamentos; no máximo, atualizações do software
Quem sustenta o Second Life?
Ao imaginar um mundo visualmente reconhecível e navegável em 3D, o diretor de tecnologia da RealNetworks, Philip Rosendale (fundador da Linden Labs), pensou em um ambiente em que empresas e marcas pudessem se expor de forma diferenciada em relação à publicidade tradicional. Usuários pagam assinaturas para obter privilégios (como comprar territórios), mas não são a principal fonte de renda do mundo virtual
É um jogo? É um site?
Nem um nem outro. Second Life faz parte de um conceito que parece ser crucial no marketing de entretenimento para 2007 e além: a transmissão da experiência. Enquanto muitos apostam na experiência ao vivo como estratégia adequada para consagrar marcas (vide festivais e premiações), várias empresas preferem eventos que podem ser experimentados em rede, atingindo um público que antes pertencia à TV via satélite, sem a interatividade. Estamos, portanto, diante de uma nova plataforma e um velho conceito, o da realidade virtual
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Apesar de criado como uma plataforma de relacionamento on-line, algumas idéias do Second Life se inspiram na ficção pop. O próprio conceito de um ambiente em rede que deu origem ao software nasceu em obras básicas do cyberpunk, subgênero da ficção científica surgido nos anos 80 -o ciberespaço concebido por William Gibson em “Neuromancer” e o Metaverso imaginado por Neal Stephenson em “Snow Crash”.
O próprio U2, um dos primeiros conglomerados pop a perceber a importância do SL e a dar shows exclusivos para o ambiente (trechos podem ser vistos no YouTube ou no site da “turnê” – www.u2insl.com), também já havia flertado com essa possibilidade de existir virtualmente nas letras de discos como “Achtung Baby” e “Zooropa”, nos anos 90.
Já o ato de criar objetos do nada, uma ação chamada de “rez”, na linguagem do ambiente, vem do verbo “desrez”, neologismo inventado pelo filme “Tron” (1982), também sobre realidade virtual, para os avatares que “morrem” nesta interface virtual.
Sabadão do marasmo? Preferiu não pegar uma filinha em Cumbica ou em Congonhas? Então sai de casa: mais uma edição da festa Gambiarra acontece no Studio SP e eu assumo os CDJs um pouco antes e logo depois do grande show do Lucas Santtana (afrobeat + dub + mangue beat + samba, classe A, garanto). Pra se acabar com uma hora a menos na madruga – afinal, hoje começa o horário de verão.
Nominho na lista paga menos, manda um email pro studiosp@studiosp.com.br. Tcherto? Cola lá.
Considerações sobre a compra do YouTube pelo Google… Meio bilhão só pra direitos autorais, pra começar a conversa. Se alguém se dispor a traduzir, eu posto.
> I’m an experienced veteran in the digital media business and thought
> I’d share my version of events that happened at Youtube. Some of this
> is based on talks with people involved and some is speculation based
> on my experience working in the industry, negotiating settlements and
> battling in court.
>
> In the months preceding the sale of YouTube the complaints from
> copyright owners began to mount at a ferocious pace. Small content
> owners and big were lodging official takedown notices only to see
> their works almost immediately reappear. These issues had to be
> disclosed to the suitors who were sniffing around like Google but
> Yahoo was deep in the process as well. (News Corp inquired but since
> Myspace knew they were a big source of Youtube’s traffic they quickly
> choked on the 9 digit price tag.) While the search giants had serious
> interest, the suitors kept stumbling over the potential enormous
> copyright infringement claims that were mounting.
>
> Youtube knew they had an issue and had offered a straight revenue
> share deal if the complainants would call off the dogs and give them
> time. The media companies quickly rejected this path for two reasons.
> First off Youtube wasn’t making any money and was fuzzy about how they
> would generate revenue in the future. But more important the media
> companies view is that there was a mountain of past infringement that
> Youtube had engaged in and built their business on and they felt they
> deserved some of this accumulated value. And who could blame them. In
> spite of the media “user generated” puff pieces it was clear to all
> involved that they generated that content by hooking up their TV tuner
> cards to their PCs.
>
> It didn’t take a team of Harvard trained investment bankers to come up
> with the obvious solution and that is to set aside a portion of the
> buyout offer to deal with copyright issues. It’s not uncommon in
> transactions to have holdbacks to deal with liabilities and Youtube
> knew they had a big one. So the parties (including venture capital
> firm Sequoia Capital) agreed to earmark a portion of the purchase
> price to pay for settlements and/or hire attorneys to fight claims.
> Nearly 500 million of the 1.65 billion purchase price is not being
> disbursed to shareholders but instead held in escrow.
>
> While this seemed good on paper Google attorneys were still
> uncomfortable with the enormous possible legal claims and speculated
> that maybe even 500 million may not be enough – remember were talking
> about hundreds of thousands of possible copyright infringements.
> Youtube attorneys emphasized the DMCA safe harbor provisions and
> pointed to the 3 full timers dedicated to dealing with takedown
> notices, but couldn’t get G comfortable. Google wasn’t worried about
> the small guys, but the big guys were a significant impediment to a
> sale. They could swing settlement numbers widely in one direction or
> another. So the decision was made to negotiate settlements with some
> of the largest music and film companies. If they could get to a good
> place with these companies they could get confidence from attorneys
> and the ever important “fairness opinion” from the bankers involved
> that this was a sane purchase.
>
> Armed with this kitty of money Youtube approached the media companies
> with an open checkbook to buy peace. The media companies smelled a
> transaction when Youtube radically changed their initial ‘revenue
> sharing’ offer to one laden with cash. But even they didn’t predict
> Google would pay such an exorbitant amount for Youtube so when Youtube
> started talking in multiples of tens of millions of dollars the media
> companies believed this to be fair and would lock in a nice Q3/Q4.
> [Note to self: Buy calls on media companies just prior to Q3/Q4
> earnings calls.] The major labels got wind that their counterparts
> were in heated discussions so they used a now common trick a “most
> favored nation” clause to assure that if if a comparable company
> negotiated a better deal that they would also receive that benefit.
> It’s a clever ploy to avoid anti-trust issues and gives them the
> benefit of securing the best negotiating company. They negotiated
> about 50 million for each major media company to be paid from the
> Google buyout monies.
>
> The media companies had their typical challenges. Specifically, how to
> get money from Youtube without being required to give any to the
> talent (musicians and actors)? If monies were received as part of a
> license to Youtube then they would contractually obligated to share a
> substantial portion of the proceeds with others. For example most
> record label contracts call for artists to get 50% of all license
> deals. It was decided the media companies would receive an equity
> position as an investor in Youtube which Google would buy from them.
> This shelters all the up front monies from any royalty demands by
> allowing them to classify it as gains from an investment position. A
> few savvy agents might complain about receiving nothing and get a
> token amount, but most will be unaware of what transpired.
>
> Since everyone was reaching into Google’s wallet, the big G wants to
> make sure the Youtube purchase was a wise one. Youtube’s value is
> predicated on it’s traffic and market leadership which Google needs to
> keep. If they simply agreed to remove all unauthorized content and
> saddle the user experience with ads Youtube would quickly be a
> skeleton of its prior self. Users would quickly move to competing
> sites. The media companies had 50 million reasons to want to help.
> Google needed a two pronged strategy which you see unfolding now.
>
> The first request was a simple one and that was an agreement to look
> the other way for the next 6 months or so while copyright infringement
> continues to flourish. This standstill is cloaked in language about
> building tools to help manage the content and track royalties, some of
> which is true but also G knows that every day they can operate in the
> shadows of copyright law is another day that Youtube can grow. It
> should be noted that Google video is a capable Youtube competitor with
> the ONE big difference being a much more sincere effort to not post
> unauthorized works – and Google fully appreciates what a difference
> that makes. So you can continue to find movie clips, tv show segments
> and just about every music video on Youtube today.
>
> The second request was to pile some lawsuits on competitors to slow
> them down and lock in Youtube’s position. As Google looked at it they
> bought a 6 month exclusive on widespread video copyright infringement.
> Universal obliged and sued two capable Youtube clones Bolt and
> Grouper. This has several effects. First, it puts enormous pressure on
> all the other video sites to clamp down on the laissez-faire content
> posting that is prevalent. If Google is agreeing to remove
> unauthorized content they want the rest of the industry doing the same
> thing. Secondly it shuts off the flow of venture capital investments
> into video firms. Without capital these firms can’t build the data
> centers and pay for the bandwidth required for these upside down
> businesses.
>
> There are some interesting chapters yet to unfold. One is how much of
> this will become public. Google is required by the SEC to disclose
> material financial developments at their company. Working in Google’s
> advantage is their enormous market capitalization and revenues will
> give them considerable leeway to claim that a 50 million transaction
> is not significant to their business. If the other video sites have
> the wherewithal to put up a legal fight any decent attorney will
> demand access to Youtube acquisition documents. Expect a claim of
> collusion between Google and the media companies as a defense
> strategy.
>
> Infringement lawsuits will be served on Youtube and the new proud
> parent Google in the coming months. Google will respond with two
> paths: an expensive legal fight or a quick and easy settlement with
> most choosing the latter. Are there any larger copyright holders such
> as music publishers, movie studios, or unlicensed record label EMI
> that put up a fight rather than accepting the check? We’ll have to
> watch and find out.
1) O disco (como suporte fisico) acabou?
Não, o disco como suporte físico não acabou. É usado para DVDs, games e – ainda – obras musicais , com os CDs. Ainda vai durar um bom tempo. Porém, isso não quer dizer que outros suportes e técnicas de compressão e encoding não estejam evoluindo dia-a-dia. O presente e o futuro são multiformatos. A revista Wired já fala isso há quase duas décadas.
2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
Gosto de pensar em música como água, saindo por torneiras em todo planeta, com valor acessível, tipo contas de luz, gás e água, cobradas periodicamente ou por uso imediato. Vejo minha conta de celular com um item chamado música, de valor financeiro baixíssimo e valor emocional intangível. Vejo muitas dessas músicas tornando-se obras no mundo real sob múltiplas formas e não mais só sob o cansadíssimo e pouco funcional ‘jewell box’. Vejo bilhões de músicas existindo na web, disponíveis para o público, sem polícia e sem processos. Pense na indústria de perfumes, por exemplo. Eles vendem líquido perfumado e, às vezes, colorido. Creio que grande parte da magia e da aura desse negócio venha da imensa variedade de suas embalagens. Imagine essa cultura trazida para o mundo da música, no futuro. Penso em patrocinadores responsáveis socialmente e ecologicamente, pagando as contas de música das pessoas, como fazem há anos com as TVs abertas e a cabo. Há tantas possibilidades..
3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Descentralização de poder. O que era previlégio de algumas corporações, hoje já é dividido por centenas de milhões de pessoas.Compor, produzir, distribuir, vender, apresentar… tudo isso hoje é quase tão acessível quanto um violão. E pode ser feito do seu quarto. É bom ver grandes corporações tendo que se dobrar ao indivíduo e perdendo poder. E ainda por cima fazendo campanhas milionárias para dizer que é contemporâneo e que está gostando desses novos tempos. Hilário.
4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
Hoje em dia posso dizer que já perdi a conta.
5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
Sim, vários. Por exemplo: um player pequeno, com som razoável eu conhecia desde os 8 anos de idade. Agora, um player onde caiba milhares de músicas ao mesmo tempo, tal qual um cassete interminável… ah! isso é demais. E lembrar de uma música, poder ouvir na hora na rede e ainda comprar e receber em casa a obra física ou simplesmente comprar só a faixa?
João Marcello Bôscoli é presidente da gravadora Trama.
Cante comigo:
E também esqueci de colocar a íntegra da matéria da Bizz do mês passado… Depois eu posto o depoimento do Andy Gill.
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Guerra de um Homem Só
Uma carta, datada de 30 de setembro de 1974, enviada por um certo “Dr. Winston O’Boogie”, chegou à redação do tablóide musical inglês “Melody Maker” e foi prontamente publicada nas páginas do jornal. Depois de uma breve apresentação, ela listava uma série de itens:
“1) Eu nunca disse que era um revolucionário. Mas eu tenho direito de cantar sobre o que eu quiser! Certo?
2) Eu nunca bati em uma garçonete no Troubador. Eu agi como um cuzão, estava muito bêbado. Tem problema?
3) Acho que todos nós todos queremos atenção Rodd, e você realmente acha que eu não sei como consegui-la, sem uma “revolução”? Eu podia pintar meu cabelo de verde e rosa, pra começar!
4) Eu não represento ninguém além de EU MESMO. Parece que eu represento algo para você, senão você não seria tão violento em relação a mim (seu pai, talvez)?
5) Sim, Dodd, a violência se expressa das maneiras misteriosas que ela quer se manifestar, incluindo verbal.
6) Então o Nazz fazia “tipo heavy metal” e agora DE REPENTE começa a tocar “baladas bem levinhas”. Que original!
7) O que leva aos Beatles, “que não tinham outro estilo além de ser os Beatles”!! Isso cobre muito estilo, cara, incluindo o seu, ATÉ HOJE…
Sim, Godd, o que os Beatles fizeram foi afetar as MENTES DAS PESSOAS. Talvez você queira mais uma dose?”
Cínico, ácido, grosso e arrogante, o ex-beatle John Lennon atravessava seu histórico Finde Perdido (o “Lost Weekend”, dezoito meses longe de Yoko Ono em Los Angeles, título tirado do original de “Farrapo Humano”, de Billy Wilder, o primeiro filme a falar sobre alcoolismo) quando mandou a carta para a Inglaterra. Todd Rundgren, da banda Nazz, havia comentado em uma entrevista para o jornal inglês, comentando o fato de Lennon ter dado em cima de uma garçonete de forma agressiva. Lennon estava destruído, saindo todos os dias e enchendo a cara com profissionais do álcool como Keith Moon, Harry Nilsson e Phil Spector. Quase na metade de seus trinta anos, atravessava sua via crúcis num lento processo de destruição de uma auto-imagem que o acompanhou até seu assassinato em Nova York no dia 8 de dezembro de 1980 e segue até hoje, perene. Ao ler Rundgren comentar sua vida particular em público, deu o troco no tom amargo daqueles dias. E pensar que há menos três anos, Lennon se entregava exatamente a esta imagem e lançava seu hino da paz no mesmo mês em que abandonava seu lar inglês definitivamente – atravessaria o Atlântico como seu pai havia cansado de fazer, mas, de uma vez só. Rumo à América.
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Lançado no último dia do mês passado durante a 63ª edição do Festival de Cinema Internacional de Veneza, “The U.S. vs. John Lennon” é um documentário que mostra como Lennon se livrou dos Beatles ao criar uma imagem que o transformou no ícone que depois tentaria exorcizar. O Lennon humanista, pacifista, feminista, engajado num projeto de fazer as pessoas pararem para pensar no que acontece ao seu redor através da música. Produzido pela mesma Lions Gate de filmes como “Crash – No Limite” e “Farenheit 11 de Setembro”, o filme é dirigido pelo mesmo David Leaf que acompanhou o processo de reconstituição do Pet Sounds dos Beach Boys no imaginário coletivo (desde a primeira reedição à caixa com quatro CDs) ao lado de seu compadre John Schenfeld. Ambos dirigiram e produziram diferentes documentários para a TV, abordando temas caros mas não centrais na cultura americana, como Nat King Cole, Harry Nilsson, Ricky Nelson, Dean Martin e Jimmy Durante, e agora pulam pala a tela grande com um assunto digno da proporção do salto.
“The U.S. vs. John Lennon” trata da transformação da rebeldia rock’n’roll do fundador dos Beatles em ativismo político, e como suas declarações e manifestações em público passaram a incomodar gente graúda no governo americano – mais especificamente Richard M. Nixon, em sua campanha para reeleição em 1972. Fala de sua mudança de países e como, ao entrar pelos EUA com uma guia escaldada em Nova York (antes de conhecer Lennon, Yoko Ono era uma artista respeitada nos circuitos de vanguarda da cidade), percebeu que poderia se reinventar como ser humano, não como celebridade. Sua relação com a cidade mudou sua forma de ver o mundo e o tornou consciente de seus limites e missões. Estes batiam de frente com a administração Nixon que, além de colocar o FBI em seu encalço, acionou pessoalmente seu departamento de deportação para devolver aquele inglês de volta pra sua ilha. Já havia perdido uma eleição para um Kennedy, não ia perder para um beatle.
Trechos de programas para a TV na época e material inédito e raro, além de entrevistas com personalidades e contemporâneos desta época formam o grosso do filme, que ainda rendeu uma trilha sonora com duas músicas nunca lançadas – uma versão ao vivo para “Attica State”, durante o show pela libertação de John Sinclair em 1971 e uma versão instrumental para “How Do You Sleep?”, do disco Imagine, do mesmo ano. “The U.S. vs. John Lennon” estréia nos EUA no dia 15 de setembro e ainda não tem previsão de quando chega ao Brasil.
Mas não dá para furtar-se do fato das conotações políticas envolvidas no lançamento: desde os cartazes que iniciaram a divulgação do filme (reproduzindo a campanha de 1969, quando John e Yoko compraram outdoors em 11 cidades do mundo, com os dizeres: “War is Over/ If You Want It”, “A Guerra Termina/ Se Você Quiser”), até trechos de entrevistas no próprio documentário que aludem ao fato que o personagem Lennon, o político, o ativista, o agitador, fazer falta do cenário atual. “É triste o fato de o mundo estar em guerra”, disse Leaf à agência de notícias Reuters, “acho que um filme sobre Lennon, destemido em sua campanha pela paz, é particularmente relevante numa época em que o medo parece mandar”.
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Há exatos trinta e cinco anos, quando acabou de gravar o álbum Imagine, em que apresentaria o maior hit de sua carreira – dentro ou fora dos Beatles – ao mundo, Lennon decidiu mudar-se para os Estados Unidos. Frasista de efeito, repetia aos quatro ventos a frase que funciona como epígrafe do segundo disco de sua Anthology pessoal: “Se eu vivesse na época dos romanos, teria que viver em Roma. Onde mais? Hoje os Estados Unidos são o Império Romano e Nova York é a própria Roma”.
“Foi uma época tumultuada pra ele”, lembra a biógrafa Elizabeth Patridge, autora do livro “All I Want is the Truth”, “E Nova York era o lugar certo para ele, pois havia tanta coisa acontecendo e, paradoxalmente, a cidade lhe oferecia privacidade”.
Dito assim, os contornos que levaram Lennon a pisar pela última vez como turista no Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy foram primordialmente políticos, mas haviam outros motivos: os altos impostos cobrados pela Coroa Britânica, assunto nunca comentado em voz alta, e mais uma tentativa de resgatar a filha de Yoko, Kyoko, que estava nos EUA com seu pai, Tony Cox.
Mas Lennon queria, mais que o palco, o palanque. É fácil dizer que John havia adotado o rock’n’roll nos anos 50 devido à sua natureza de bad boy, mas esta só realmente surgiu quando lhe foi confrontado com diferentes patamares de autoridade – a ausência dos pais e os mimos da Tia Mimi, que lhe criou, ajudaram a criar confusão com quem queria lhe dizer o que fazer.
Rebelde sem causa, Lennon era o menos proletário dos quatro Beatles e, entre eles, era quem tinha a consciência artística mais aguçada. Ao chocar estes três universos – o arruaceiro que sentava no fundo da classe, o menino estragado pelos confortos da tia e o existencialista crítico da própria produção artística – criava uma personalidade distinta, doce e ácida o suficiente para até hoje ser considerado uma espécie de santo moderno. Mas se nos primeiros dias da montanha-russa dos Beatles John era tido como o espertinho, sempre com uma resposta pronta para qualquer provocação, à medida em que as coisas começaram a fugir do controle, o que parecia apenas sarcasmo juvenil aos poucos foi dando lugar a outro tipo de manifestação.
Começou antes da Beatlemania atravessar o Atlântico, quando, ao agradecer ao público da principal apresentação dos Beatles até aquele 4 de novembro de 1963, que incluía ninguém menos que a Rainha Elizabeth, a Rainha Mãe e a Princesa Margaret, durante a Royal Variety Performance, na capital inglesa, Lennon soltou uma de suas muitas tiradas históricas: “As pessoas nos lugares mais baratos podem bater palmas”, dizia enquanto fazia Paul McCartney e Brian Epstein congelar de aflição com o possível uso do adjetivo “fuckin’”, como tinha prometido, “o resto de vocês, podem chacoalhar as jóias”.
Começava a se incomodar com as injustiças do mundo e a falar sobre elas, mesmo que Brian, o empresário que transformou o grupo de Liverpool em pop, pedisse para que ele por favor não mencionasse nada sobre a Guerra do Vietnã, que crescia no imaginário mundial com a mesma velocidade e agressividade dos Beatles. Ele e George logo dariam entrevistas condenando o conflito, mas não chegou sequer a arranhar a reputação do grupo. Foi outro assunto que deu pano para a manga e transformou Lennon em algo maior do que um mero popstar.
“O Cristianismo irá acabar. Irá diminuir e encolher. Não dá pra fazer nada, estou certo e provarei que estou certo”, disse numa entrevista à jornalista-tiete Maureen Cleave, numa entrevista publicada na edição de 4 de março de 1966 do jornal londrinho “Evening Standard”. E continuou: “Hoje, somos mais populares do que Jesus. Eu não sei o que irá embora antes, o rock’n’roll ou o o Cristianismo”.
Em menos de um semestre – tempos pré-satélite e internet – a frase atravessou o oceano e chegou nos rincões cristãos dos EUA como se Lennon tivesse dito que os Beatles eram maiores que Jesus Cristo. Discos queimados, rituais realizados pela Ku Klux Klan contra o grupo, planos em adiar mais a turnê, ameaças de morte. John realmente temia por sua vida e qualquer flash na platéia lhe lembrava que podia ter sido um tiro. Com aquela frase, ele atenuou as tensões das turnês e antecipou o fim da primeira fase dos Beatles, que os tirou dos palcos e os transformou em artistas de estúdio. Mas a mudança para Lennon havia sido maior: ele havia percebido o poder da sua voz.
E até o fim dos Beatles, passou a amplificá-la para diferentes lados, cada vez mais ciente do poder de comunicação das canções, mais do que o de entretenimento. Cada música de Lennon entre 1967 e 1970 tem conotações que vão além do mero pop. Queria mostrar para as pessoas o que pensava, o que sentia.
Chorou a perda da mãe, lembrou da infância, criticou os cínicos, festejou Yoko, clamou por revolução. Terminou seu ciclo no grupo com uma música criada para a campanha de Timothy Leary para governador da Califórnia (“Come Together”) e com a música composta em seus protestos pela paz ao lado de Yoko Ono em quartos de hotéis pelo mundo, em que convidava jornalistas e personalidades para discutir o estado das coisas e pedir paz, nos famosos bed-ins (“Give Peace a Chance”).
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Quando mudou-se para os Estados Unidos, veio pilhado de política, gastando o verbo em entrevistas memoráveis e compondo canções qualquer cada vez mais apertavam o dedo nas feridas que o incomodavam. Assim, foi natural que, ao chegarem em Nova York, no dia 3 de setembro de 1971, John e Yoko tenham sido recebido por duas das principais figuras do ativismo político americano: Jerry Rubin e Abbie Hoffman.
Os dois eram parte do grupo que ficou conhecido como “os sete de Chicago”, que, ao lado da banda MC5, tomaram de assalto a Convenção Nacional do Partido Democrata Americano em 1968, lançando a candidatura do porco Pigasus para concorrer com Eugene McCarthy e Hubert Humphrey, os nomes que surgiram após o candidato natural, Robert Kennedy, morrer assassinado no dia 6 de junho daquele ano. Mas a farra custou caro e o grupo foi indiciado por incitar protestos e atiçar conspirações. O julgamento os inocentou, no final das contas, e, com a fama, Rubin e Hoffman fundaram o partido de mentira Partido da Juventude Internacional, cuja sigla, “YIP”, dava origem ao nome de seus simpatizantes, os Yippies.
Com Hoffman e Rubin emocionados com o fato de um músico da grandeza de Lennon ter, mais do que simpatizado, abraçado sua causa, eles logo entraram no coração da contracultura política nova-iorquina e logo estavam organizando e participando de passeatas, protestos e shows com motivações políticas. O principal deles foi o concerto para a libertação de John Sinclair, ativista político, antigo empresário do MC5 e criador dos Panteras Brancas (outro partido de gozação), que havia sido condenado a dez anos de cadeia por ter sido apanhado com dois cigarros de maconha. O concerto aconteceu no dia 10 de dezembro de 1971 e dois dias depois Sinclair estava livre.
Mais do que prometer, Lennon cumpria.
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Quase dez anos mais tarde, o estagiário de direto Jon Wiener foi ao escritório do FBI e pediu os arquivos da polícia federal americana sobre John Lennon. O ex-beatle havia sido morto há menos de três meses e o estudante tinha um pressentimento sobre o que poderia haver nas fichas do Bureau. “O FBI me disse que eles tinham mais de 400 páginas sobre Lennon dos anos de 71 e 72, quando ele mudou-se para Nova York e se juntou ao movimento pacifista”, conta hoje Wiener, autor do livro “Gimme Some Truth – The John Lennon FBI Files”, “destes papéis, eles diziam que dois terços eram arquivos de segurança nacional e não poderiam ser liberados”.
No livro de Wiener, provas que a paranóia que começa a baixar sobre Lennon a partir de 72 era real: telefones grampeados, movimentos rastreados, transcrições de reuniões com amigos, tentativas de batidas para apreensão de drogas e até uma foto transmitida para todo o país para que os agentes federais pudessem identificá-lo (detalhe surreal: mesmo sendo um dos rostos mais conhecidos do mundo, o FBI anexou uma foto do cantor David Peel, cuja carreira fora lançada por John). “Só no final do ano passado que todos os arquivos foram liberados”, conta o autor, “mas há serviços secretos de outros países, como o MI5 inglês, que também têm documentos sobre vigilância de Lennon”.
O motivo da perseguição do governo americano era simples: Lennon era contra a guerra do Vietnã, o presidente Nixon era a favor e os dois estavam em rota de colisão. Ainda mais quando Lennon, Rubin e Hoffman resolveram fazer de tudo para atrapalhar a campanha para a reeleição de Nixon – de canções a protestos sistemáticos. O governo americano, além de lançar o FBI, ainda dispôs de dois recursos para desbaratinar o ex-beatle: “Ao serviço de imigrição foi passado a missão de deportá-lo, enquanto coube à CIA monitorar seu dia-a-dia doméstico”, continua Wiener, “é possível que outras agências tenham o mantido sob escuta – inteligência do exército, polícia de Nova York – mas não sabemos ao certo”.
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Perseguido pelo FBI e pelo serviço de imigração americano e completamente obcecado por causas políticas que ia descobrindo diariamente, Lennon deixou a música em segundo plano. Ele foi co-apresentador do talk show de Mike Douglas durante uma semana inteira de fevereiro, trazendo Hoffman e Rubin para os lares americanos, na mesma época em que, ao lado de Yoko e da banda Elephant’s Memory (rebatizada de Plastic Ono Elephant’s Memory Band) fez um de seus discos mais fracos, “Some Time in New York City”, lançado em junho. As faixas são todas panfletárias e quase todas estáveis, secas e com pouca emoção – salvo a brilhante exceção que é “Woman is the Nigger of the World”. Criou o conceito de “música jornal” que era levado até a capa do disco, que imitava o “New York Times” e que trazia canções como se estas fossem matérias – denunciando condições carcerárias, a guerra santa no Reino Unido, o sistema educacional, sexismo, racismo.
O disco foi recebido pela crítica com frieza e com desânimo pelo público, embora tenha dado origem a dois shows beneficentes no Madison Square Garden em agosto daquele ano, à frente da mesma banda com a qual gravou o disco, que seriam as últimas apresentações oficiais da vida de Lennon. Anos mais tarde, ele participaria de duas músicas em show de Elton John, mas foi o Lennon político – com a farda da força aérea britânica, longas e volumosas costeletas, sem barba e de óculos de lentes azuis – quem encerrou oficialmente a carreira de John nos palcos.
Alie isso a brigas judiciais sobre os direitos autorais de “Come Together” (que Chuck Berry dizia ser sua) e a tentativa de obter o visto definitivo para ficar nos EUA e aos poucos Lennon foi cansando. A pá de cal no Lennon político aconteceu no dia da vitória de Richard Nixon na eleição de 1972, quando, numa festa na casa de uns amigos, John, bêbado, pegou uma garota pela mão e levou-a para um quarto. Bateu a porta e alguém lembrou que aquele era o quarto onde estavam os casacos, mas era tarde: Lennon partiu pra cima da menina ruidosamente, constrangendo todos os presentes e principalmente Yoko Ono, que teve de, calada, ouvir os gemidos do outro cômodo. Começariam então os jogos mentais que desestabeleceriam de vez a relação do casal, que, em menos de um ano, estaria separado – inclusive em cidades diferentes.
Mas isso é outra história.
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Publicada no dia 21 de janeiro de 1971 no jornal inglês “Red Mole” (isso mesmo, a “Toupeira Vermelha”, uma publicação trotskista), a entrevista a seguir foi realizada pelo escritor, diretor e jornalista paquistanês Tariq Ali, ao lado de seu colega de ativismo Robin Blackburn, que hoje dá aula New School University em Nova York e é editor da New Left Review.
Ali, um dos principais críticos do capitalismo ocidental desde os anos 70 – quando protagonizou debates históricos com o homem que mandava nos EUA na época, Henry Kissinger – até hoje – foi vaiado na Feira de Livros Internacional de Parati deste ano, onde foi um dos convidados internacionais em terras brasileiras, por defender seus velhos princípios de que a política de Israel é nociva para o Oriente Médio. Ele é autor de vários livros sobre a contracultura e movimentos políticos da década de 60 e de diversos temas em voga nesta era de peso político nos ombros do inconsciente coletivo depois do 11 de setembro. Terrorismo, geopolítica, economia internacional, imperialismo e resistência são alguns dos temas recorrentes no imaginário relacionado ao autor, cujo livro mais recente chama-se “Pirates of the Caribbean: Axis of Hope” (“Piratas do Caribe: Eixo da Esperança”, publicado pela Verso), em que examina a revolução bolivariana de Hugo Chávez na Venezuela e traça paralelos com os governos de Evo Moralez na Bolívia e Fidel Castro em Cuba.
Mas há pouco mais de 35 anos, ele era apenas um ativista ferrenho que se encontrava com o maior rockstar de seu tempo. Lennon, recém-saído dos Beatles, começava a abraçar o ativismo político e usava sua influência pop para divagar sobre inúmeros assuntos relacionados à Guerra do Vietnã, o papel dos EUA e da Inglaterra no cenário internacional e sua função como intelectual orgânico, que prega e age ao mesmo tempo. Essas divagações começaram nos bed-ins como Yoko Ono e continuaram em séries de longas entrevistas que John daria para diversos veículos, como o representado por Ali e Blackburn, que você lê pela primeira vez em português a seguir.
Tariq Ali: Seu último disco e declarações sugerem que seu ponto de vista se tornou mais radical e político. Quando isso começou?
John Lennon: Eu sempre tive inclinações políticas, contra o status quo. É bem básico enquanto você cresce, como eu cresci, odiar e temer a polícia como um inimigo natural e desprezar o exército como algo que leva as pessoas embora para morrer em algum lugar.
É uma coisa básica da classe operária, que começa a desgastar quando você fica velho, arruma uma família e é engolido pelo sistema.
No meu caso, eu nunca não fui político, apesar de a religião ter obscurecido isto em meus dias mais ácidos, por volta de 65 ou 66. E que a religião era diretamente o resultado daquela merda de superestrela – a religião foi um canal de escape para a minha repressão. Eu pensei, “Bem, deve ter algo a mais na vida, não é? Não é só isso, com certeza?”.
Mas eu sempre fui político de uma certa forma, sabe. Nos dois livros que escrevi, mesmo que eles estejam escritos num nonsense joyceano, há muitos cutucões na religião e há uma peça sobre um trabalhador e um capitalista. Eu satirizava o sistema desde a minha infância. Eu fazia revistas na escola e as distribuía de mão em mão.
Eu sempre tive consciência de classe e sempre agi de forma agressiva, porque eu sabia o que acontecia comigo e sabia sobre a repressão de classe sobre nós – era a porra de um fato, mas no furacão do mundo dos Beatles isso acabou de fora, eu saí da realidade por um tempo.
Ali: Ao que você atribui a razão do sucesso do seu tipo de música?
Lennon: Na época eu imaginava que os operários haviam conseguido, mas eu percebi em retrospecto que é o mesmo acordo que eles fizeram com os negros, era exatamente como eles permitiam que os negros pudessem ser corredores, boxeadores ou artistas. Essa é a escolha que eles te dão – agora o veículo é ser um astro pop, o que é exatamente o que vou dizer no disco na música “Working Class Hero”. São as mesmas pessoas que ainda têm o poder, o sistema de classes não mudou nada.
Claro que agora há muito mais gente por aí com os cabelos compridos e uns garotos classe média descolados com roupas legais. Mas nada mudou, fora o fato que estamos melhores vestidos, deixamos os mesmos filhosdaputa mandar em tudo.
Ali: Quando você começou a romper com o papel lhe imposto por ser um Beatle?
Lennon: Mesmo no auge dos Beatles eu tentei ir contra aquilo, como George. Fomos aos EUA algumas vezes e Epstein sempre tentava nos desconversar para que não falássemos nada sobre o Vietnã. Até que chegou uma hora quando George e eu dissemos: “Escute, a próxima vez que eles perguntarem, vamos dizer que não gostamos daquela guerra e que eles devia sair dali agora!”. E foi isso que fizemos. Na época, foi uma coisa muito radical, principalmente para os “Fab Four”. Foi a primeira oportunidade que eu tive de agitar um pouco a bandeira.
Mas você tem de lembrar que eu sempre me senti reprimido. Estávamos tão pressurizados na época que mal tínhamos chance de nos expressar, ainda mais naquela correria, sempre em turnês e sempre mantido num casulo de mitos e sonhos. É bem difícil quando se é o César e todo mundo te diz como você é maravilhoso e te dão tudo de bom e as meninas, é bem difícil sair disso e dizer ‘Eu não quero ser um rei, eu quero ser real’. Então, desta forma, a segunda coisa política que fiz foi dizer que “os Beatles são maiores que Jesus”. Isso realmente arruinou tudo, eu quase fui morto nos Estados Unidos por causa disso. Foi um grande trauma para os moleques que nos seguia. Até então havia uma política velada sobre não responder questões delicadas, apesar de eu sempre ter lido jornal, a parte de política.
A consciência contínua do que acontecia me fazia sentir vergonha por não dizer nada. Eu explodi porque eu não conseguia mais jogar aquele jogo, era demais para mim. Claro que ir para os Estados Unidos fez crescer essa cobrança sobre mim, particularmente pela guerra acontecer com eles. De certa forma, nos tornamos um Cavalo de Tróia. Os “Fab Four” foram exatamente para o topo e então cantaram sobre drogas e sexo e se meteram em coisas cada vez mais pesadas e então eles resolveram nos deixar de lado.
Era uma opressão total. Quer dizer, tivemos que atravessar humilhação atrás de humilhação com a classe média e o mundo do entretenimento e os Lord Mayors e coisas assim. Eles eram tão condescendentes e idiotas. Todo mundo queria nos usar. Era uma humilhação em especial para mim, porque eu não conseguia ficar calado e sempre tinha que estar bêbado ou dopado para contrabalançar essa pressão. Era um inferno…
Yoko Ono: E acabava o privando de qualquer experiência real, sabe…
Lennon: Era muita mesquinharia. Quero dizer, além do primeiro rubor de conseguir – a emoção do primeiro disco no topo da parada, a primeira viagem aos EUA. Primeiro, tínhamos o objetivo de sermos tão grandes quanto Elvis – continuar em frente era o grande barato, mas na verdade ele veio junto com uma grande frustração. Eu percebi que tinha que agradar continuamente o tipo de pessoa que eu sempre havia odiado quando era criança. Isso começou a me trazer de volta à realidade.
Comecei a perceber que todos somos oprimidos por isso resolvi que eu devia fazer algo sobre isso, apesar de eu não saber qual é o meu lugar.
Robin Blackburn: Em todo caso, política e cultura estão interligadas, não? Quero dizer, os operários atualmente são reprimidos pela cultura e não por armas…
Lennon: Estão dopados…
Blackburn: E a cultura que está os dopando é aquela em que o artista precisa dar certo ou errado…
Lennon: É isso que eu quero com estes álbuns e entrevistas. Quero influenciar as pessoas que eu posso influenciar. Todas aquelas que ainda estão naquele sonho e deixar uma grande interrogação em suas mentes. O sonho de ácido terminou, é isso que estou querendo dizer.
Quando eu comecei, o próprio rock’n’roll era a revolução básica para as pessoas da minha idade e na minha situação. Precisávamos de algo alto e claro para atravessar toda a apatia e a repressão que caía sobre nós moleques. Éramos um tanto conscientes para começar como uma imitação dos americanos. Mas lidávamos com a música e descobrimos que era meio country branco e meio rhythm’n’blues negro. A maior parte das músicas vieram da Europa e da África e então estavam voltando pra gente. Muitas das melhores canções de Dylan vieram da Escócia, Irlanda ou Inglaterra. Era uma espécie de intercâmbio cultural.
Mas no geral música folk são pessoas com vozinhas doces tentando viver algo antigo e morto. É tudo meio chato, como balé: uma coisa de uma minoria que ainda sobrevive graças a um grupo que também é uma minoria. A música folk, popular, dos dias de hoje é o rock’n’roll. Apesar de ele ter acontecido de emanar dos EUA, no fim, isso não é importante, porque nós escrevemos nossa própria música e isso mudou tudo.
Ono: Existem basicamente dois tipos de pessoas no mundo, as pessoas que têm confiança porque sabem que têm a habilidade para criar e as pessoas que têm sido desmoralizadas, que não têm confiança em si mesmo porque lhes disseram que eles não tinham habilidade criativa, que eles deviam obedecer ordens. O sistema gosta de pessoas que não assumam a responsabilidade e que não se respeitem. As pessoas precisam acreditar em si mesmas.
Ali: Este é um ponto vital. A classe operária precisa ser incutida de um sentimento de confiança em si mesma. Isso não pode ser feito apenas com campanhas – os trabalhadores devem mover-se, assumir suas próprias fábricas e mandar os capitalistas pastarem. Foi isso que começou a acontecer em maio de 1968, na França. Os trabalhadores passaram a sentir sua própria força.
Lennon: Mas o partido comunista estava envolvido, não estava?
Blackburn: Não, não estava. Com 10 milhões de operários em greve eles poderiam ter transformado uma das maiores passeatas que aconteceram no centro de Paris em uma ocupação massiva de todos os prédios e instituições governamentais, substituindo DeGaulle com uma nova forma de poder popular como a Comuna ou os Sovietes originais – eles teriam começado uma revolução de verdade, mas o partido comunista francês teve medo. Eles preferiram lidar com o topo, em vez de encorajar os trabalhadores e a terem a iniciativa…
Lennon: Ótimo, mas há um problema aí, você sabe. Todas as revoluções aconteceram quando um Fidel, um Marx, um Lênin ou quem for, que eram intelectuais, conseguiram comunicar-se com os trabalhadores. Eles juntaram um punhado de pessoas e os trabalhadores pareciam entender que estavam em um estado repressor. Eles ainda não acordaram, eles ainda acham que carros e aparelhos de TV são a resposta. Você deveria fazer estes estudantes de esquerda saírem e conversarem com os trabalhadores, fazer com que os estudantes se envolvam com o Red Mole.
Devemos atingir jovens operários porque é quando eles são mais idealistas e têm menos medo.
Os revolucionários de alguma forma tem de atingir os trabalhadores, porque os trabalhadores não vão chegar neles. Mas é difícil saber onde começar, nós temos um dedo num buraco na represa. O problema para mim é que à medida em que eu me tornei mais real, eu deixei a classe trabalhadora para trás – você sabe, eles gostam de Engelbert Humperdinck. São os estudantes que nos compram hoje e isso não é problema. Agora os Beatles são quatro pessoas separadas, não temos mais o impacto que tínhamos quando estávamos juntos…
Blackburn: Você está nadando contra a corrente da sociedade burguesa, que é bem mais difícil.
Lennon: Sim, eles controlam todos os jornais, toda a distribuição e promoção. Quando aparecemos havia apenas a Decca, a Philips e a EMI através das quais você podia conseguir ter um disco produzido. Você tinha de atravessar toda uma burocracia para chegar ao estúdio de gravação. Você fica numa posição tão miserável, que você não tem nem dozes horas para gravar um disco, que era o que tínhamos no começo.
Mesmo agora é o mesma coisa. Se você é um artista desconhecido, você tem sorte se conseguir uma hora num estúdio – é uma hierarquia e se você não fizer sucesso, você não volta a gravar. E eles controlam a distribuição. Tentamos mudar isso com a Apple, mas no final fomos derrotados. Eles ainda controlam tudo. A EMI matou nosso disco Two Virgins porque eles não gostaram. No último disco, eles censuraram as letras das músicas que estavam na contracapa do disco. Merda ridícula e hipócrita – eles me deixam cantar, mas não deixam que você leia. Loucura.
Blackburn: Apesar de você atingir menos pessoas hoje, talvez o efeito seja mais concentrado.
Lennon: Sim, acho que isso é verdade. Para começar, as pessoas de classe média reagiram contra nossa abertura em relação ao sexo. Eles têm medo da nudez, eles estão tão reprimidos quanto os outros. Talvez eles pensaram, “Paul é um cara legal, ele não faz esse tipo de coisa”.
Mas os trabalhadores são mais amigáveis conosco, por isso acho que há uma mudança. Parece que os estudantes estão meio acordados o suficiente para tentar acordar seus irmãos operários. Se você não passar seu conhecimento, então ele se fecha novamente. Por isso acho que a necessidade básica é que os estudantes se dêem com os operários e os convençam de que não falamos bobagem. E claro que é difícil saber o que os trabalhadores pensam de verdade, porque a imprensa capitalista só usa aspas de falastrões como Vic Feather mesmo.
Por isso, resta apenas falar com eles diretamente, especialmente com os jovens. Temos que começar com eles porque eles sabem contra quem eles estão. É por isso que eu falo da escola no disco. Eu quero incitar as pessoas para quebrar a moldura, serem desobedientes na escola, mostrar a língua, insultar a autoridade.
O quanto mais nós encaramos a realidade, mais percebemos que a irrealidade é o prato principal do dia. O quanto mais reais nos tornamos, o quanto mais forçamos a barra, isto também nos radicaliza de uma forma, como se fôssemos colocados num canto. Mas seria melhor que existissem mais de nós.
Ono: Nós não devemos ser tradicionais na forma que nos comunicamos com as pessoas – especialmente com o sistema. Devemos surpreender as pessoas ao dizer coisas novas de formas inteiramente novas. Comunicação tem uma força fantástica desde que você não aja da forma que esperam que você aja.
Blackburn: A comunicação é vital para construer um movimento, mas no fim das contas ela é inofensiva se você não desenvolver uma força popular.
Ono: Eu fico muito triste quando penso no Vietnã, onde parece não haver escolha a não ser a violência. Esta violência tem atravessado séculos apenas se perpetuando. Nesta época em que vivemos, quando a comunicação é tão rápida, nós devíamos criar tradições diferentes, tradições são criadas todos os dias. Cinco anos hoje é como cem anos antes. Vivemos em uma sociedade sem história. Não há precedentes de um tipo de sociedade destes, por isso podemos romper velhos padrões.
Ali: Nenhuma classe dominante em toda a história desistiu de seu poder voluntariamente e eu não acho que isso tem mudado.
Blackburn: E vivemos em um país imperialista que explora o Terceiro Mundo e até nossa cultura está envolvida nisso. Houve um tempo em que a música dos Beatles tocava na “Voz da América”…
Lennon: Os russos diziam que éramos robôs capitalistas, o que acho que seja verdade…
Blackburn: Eles eram bem burros para não ver que era outra coisa.
Ono: Essa é a verdade, os Beatles eram a música popular do século vinte numa moldura capitalista, eles não podiam fazer nada diferente se eles quisessem se comunicar dentro desta moldura.
Blackburn: Eu estava em Cuba quando Sgt. Pepper’s saiu e foi quando eles começaram a tocar rock no rádio.
Lennon: Tomara que eles não vejam o rock’n’roll como a mesma coisa que a Coca-Cola. À medida que avançamos para além do sonho isso parece ser mais fácil: é por isso que estou dizendo declarações mais fortes e tentar tirar essa imagem de ídolo adolescente. Eu quero atingir as pessoas certas e eu quero que o que eu diga seja simples e direto.
Simples nova já tá na banca há um cara, mas só agora lembrei de postar a minha coluna aqui…
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É, você
Apesar de aqui ser uma coluna de música e não de tecnologia, e de normalmente a música (depois do sexo, mas isso é outra história) funcionar como boi de piranha pros experimentalismos tecnológicos e lingüísticos de nossa era, vou fazer o caminho inverso. E começar falando de tecnologia para depois voltar para música.
Há algo em plena ebulição na internet atual chamado “Web 2.0”. Apesar de o rótulo parecer estranho – ou pretensioso – pra muita gente, o conceito a gente já tá meio careca de saber, que é quando um site é abastecido pelo conteúdo enviado por seus usuários. Exemplos entopem a rede, da Wikipedia ao Slashdot, mas o programa de humor americano “Colbert Report” funciona como bom exemplo.
Em vez de restringir o acesso das pessoas ao seu programa, os produtores deste incentivam a troca de programas online, a digitalização do show para YouTube, o envio de trechos por email. Em outra palavras, e com aspas inclusas, incentivam a “pirataria” – as aspas servem pra separar a pirataria de verdade desta segunda categoria, que é praticada por 90% das pessoas com acesso à internet e conexão minimamente decente. O programa é tão escrachado em suas intenções, que criou o “Colbert Star Wars Video Challenge” em que, depois de ensinar como se faz um sabre de luz em vídeo, abriu para todos seus fãs a fazerem seus próprios vídeos de Guerra nas Estrelas. A quantidade de vídeos enviados pode ser conferida no site do programa – www.colbert.org – e aumenta progressivamente a cada dia.
(Isso foi tema da minha palestra ao lado do capo do servidor Bad Trip, o compadre Fred Leal, em uma das conferências do Porto Digital, que aconteceu este ano antes do carnaval em Recife. Entre a palestra do Hermano Vianna e do Sílvio Meira, comentamos que o grande barato da Web 2.0 não são suas tiradas de marketing e sim o fato de incluir o consumidor como um dos produtores da cadeia cultural. Além dos exemplos chapa branca [como os do parágrafo acima], sublinhamos o que está sendo feito espontaneamente pelas pessoas, daquele clipe caseiro para “Festa do Apê” do Latino a remixes de trailers, redublagens e paródias)
Volta pra música e lá está meu velho chapa Beck na capa da “Wired”, a “Time” das pessoas que preferem pensar. “O renascimento da música”, escreve a capa rosa, “O rádio é uma merda. As gravadoras são brega. Agora as bandas assumem o controle – e os fãs ganham o que eles querem”. E isso vem acontecendo agora, do nada?
Ainda é inconsciente, mas as pessoas ainda pensam que o mercado é um ser invisível que rege nosso dia-a-dia, enquanto outras pensam que é uma média de gostos que cria um ser impossível, um humano tão mediano que não existe de verdade. Mas, aos poucos, a música (e o sexo, outra história) nos ensina que o mercado somos nós. Quando você diz que não compra discos, porque eles custam 40 reais, isso não é uma atitude isolada. A pirataria e a troca de arquivos online tão aí pra provar isso. E, aos poucos, as pessoas vão percebendo a própria força individual, devagar, movendo o coletivo. Por isso, é hora de se mexer. É, você! Pra depois começar a fazer.
Depois eu falo mais disso.
Tou só me esticando aqui um pouco, já já volto ao ritmo normal…