Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
E na Ilustrada de hoje…
Beatles animam Cirque du Soleil
Produtor George Martin cria “Love”, um ótimo mix de samples que é trilha para novo espetáculo da trupe; álbum, que ganha lançamento mundial, repassa a história da banda com colagens sonoras de diferentes músicas
Eis a premissa, prepare-se para erguer as orelhas: nem Paul, nem Ringo, nem Yoko participaram efetivamente do novo produto que leva a chancela oficial dos quatro de Liverpool. O novo disco com o nome do grupo, que chegou às lojas do mundo inteiro esta semana, mais do que uma coletânea é um, er… “medley” gigantesco, em que Sir George Martin e seu filho Giles repassaram a carreira da banda como trilha sonora do novo espetáculo do grupo canadense Cirque du Soleil encenado em Las Vegas. Dá pra ver os olhos dos fãs se arregalarem num silêncio assustado e o sorriso malicioso dos chatos antibeatles crescer. Sabemos o quanto os Beatles podem ser piegas – principalmente, postumamente – e qualquer um está fadado a pisar na lama do fundo do poço.
Desfaçam a expressão – não foi agora. Com “Love”, o mais novo CD do grupo, os Beatles mais uma vez fazem jus à sua fama de topo do pop e acrescentam mais uma cotação máxima à sua estrelada carreira fonográfica. Com pouco mais de uma hora e vinte e seis faixas que reúnem trechos de nada menos que 130 canções do grupo, George Martin deixou de lado obviedades como temas orquestrados, regravações com novos intérpretes e novas composições para fazer uma homenagem à altura do legado do grupo formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.
É um conceito incrível e mais incrível é a forma como ele funciona. “Love” é uma sinfonia de samples de diferentes fases da carreira do grupo, que entrelaçam canções umas às outras, criando um fluxo coeso de sentimento e informação. É o conceito de mashup que parte de um dos agentes do principal movimento cultural do século vinte, depois desta cultura de colisões musicais já haver flertado com os quatro de Liverpool em inúmeros bootlegs avulsos e discos inteiros, sendo o infame “Grey Album”, do DJ Danger Mouse (vocais do “Black Album” de Jay-Z sobre instrumentais do “White Album” dos Beatles), seu principal exemplar.
O resultado é inacreditável. Com maior ênfase no período posterior a 1966, quando os quatros desistiram de fazer shows ao vivo para dedicarem-se e existirem apenas nos sulcos dos discos do vinil, “Love” é a versão de Martin para o “Anthology”. Em vez de simplesmente revisitar os arquivos da banda ou tratar em estúdio com qualidade superior (o que também acontece neste disco, mas não é o principal atrativo), o produtor de todos as gravações do quarteto – um dos poucos seres vivos a ter o título de “quinto beatle” – resolve interferir no passado, “retocar a Mona Lisa”. Sim, ele opta pela heresia, reinventando músicas do grupo ao fundi-las umas com as outras.
Não podia ter sido mais feliz. Para quem gosta de cultura pop, “Love” é “a” aula sobre Beatles para ser dada aos iniciantes e uma cápsula do tempo sobre a importância do histórica do grupo. A base de “Tomorrow Never Knows” serve de apoio para o vocal de “Within You Without You”, ressaltando a influência indiana na psicodelia. “Strawberry Fields Forever” passa por suas diferentes versões – da demo ao violão à versão final – em um só take, numa clara homenagem ao passo mais ousado do grupo. “For the Benefit of Mr. Kite!” descamba na segunda parte de “I Want You (She’s So Heavy)” e o violão de “Blackbird” serve como introdução para “Yesterday”; o solo de “Taxman” entra em “Drive My Car”, o final de “Come Together” se mistura ao de “Dear Prudence”. Exemplos felizes destes transplantes musicais estão por todo o disco.
Já para o fã dos Beatles, o disco é um sonho. Não importa o quão brega (ou não) seja o musical circense, com personagens das canções se juntando à história da banda. Sozinho, a trilha é uma montanha-russa de sensações novíssimas, criadas a partir de velhos sabores. No imenso mashup de pai e filho Martin, os Beatles não só surgem como o principal legado cultural do século passado, mas como visionários sônicos, que abandonaram a performance ao vivo para abraçar as infinitas possibilidades do som gravado – abrindo uma fronteira cuja exploração assistimos até hoje.
Bom feriado aê pra geral.
Ainda desnorteados pelo New Order ou esse feriado no meio da semana deu pra desanuviar?
Tomara, porque nessa sexta-feira tem mais “Gente Bonita, Clima dePaquera” ali no Bar Treze, em frente à Faap.
Assumiremos os CDJs com nossos CD-Rs pra lembrar que, mais que o hype da semana que vem e o hit que ainda não estourou no MP3blog mais conhecido da Bélgica, música pra dançar é música BOA – sem distinção de país de origem, época de lançamento, campanha de marketing, posição nas paradas de sucesso ou gênero musical. Aliás, você sabe, às vezes até uma música entra na outra e vira uma terceira – mas sem preciosismos de DJ. Ou seja, as melhores músicas que você conhece – daquelas do tipo que te faz desistir de ir embora, e sair correndo para dançar no momento que estava pagando a comanda – e músicas que vão fazer parte do seu playlist pessoal nos próximos meses – mas que neste exato momento você nem sabe que elas existem!
E, dividindo-se entre o começo da festa e momentums fotolog/colunismossocial, a primeira convidada – de uma série de muitas – de nossas noitadas, a reclusa onipresente DJ Mulher, que além de entrar no espírito da festa, ainda é nossa fotógrafa – e produtora, MC, DJ, atual Lily Allen versão brazuca e grafiteira do grupo de low-funk carioca Os Princesa.
Dez reais pra entrar, mas na nossa lista é cincão. Basta entrar no www.gentebonita.org e deixar o seu nominho (ainda dá pra incluir seu +1 e dar pitaco no repertório…) E é SEXTA – ou seja, dá pra ficar até ALTAS.
E é óbvio que vamos tocar Blue Monday (se pura ou misturada com Hung Up, Without Me ou Can’t Get You Outta My Head é que eu não sei…) e é claro que você a dançará como se fosse a primeira vez.
Sexta-feira, dia 17 de novembro de 2006
Discotecagem: Luciano Kalatalo, Alexandre Matias e Dj Mulher (convidada)
Local: Bar Treze – Rua Alagoas, 852 Higienopólis (em frente à Faap)
Telefone: 11 3666-0723
Horário: A partir das 23h
Preço(s): R$ 5,00 (é só se cadastrar no site: www.gentebonita.org)
Nessa quinta, às 18h, medio um papo sobre música e celular no MobileFest, evento que começa hoje e vai até domingo, no Sesc da Avenida Paulista.
Painel 1
As partituras que vibramDebatedores
Leonardo Xavier – Ligaki
Pedro Paranaguá – Creative Commons Brasil / CTS – FGV
Gustavo Mansur – TIMMediação
Alexandre MatiasLocal: Auditório do SESC Paulista
Av. Paulista 119 CEP: 01311-903 / São Paulo / SP
Estação Brigadeiro do Metrô
Tels: 11-3179 3716 ou PABX 11- 3179 3700
mobilefest@avenidapaulista.sescsp.org.br
Depois de uma estratégica mas involuntária pausa de meses fora do ar, volto à labuta como se nada tivesse acontecido… Tisque, tisque, hein…
– “Ooh La” – Kooks
– “Salve” – Tommy Guerrero (com Curumin)
– “MPB” – Mr. Catra e DJ Edgar
– “I Wanna Be Your Dog” – Uncle Tupelo
– “Ch-Ch-Check it Out (Mark Ronson RMX)” – Beastie Boys
– “Daft Punk is Playing in My House (Shibuya Soulwax Remix)” – LCD Soundsystem
– “Community Revolution in Progress” – MSTRKRFT
– “Afrihouse” – São Paulo Underground
– “We Share Our Mother’s Health” – The Knife
– “Crazy in Love” – Snow Patrol
– “More is Enough” – Epic Man & Plan B
– “Ogodô 2000 (Monstrão Remix)” – Lucas Santtana
– “Hustler” – Simian Mobile Disco
– “Frog Rock” – Supercordas
Materinha pra Outracoisa, a revistadolobão, que vem com um CDzinho do Carbona encartado…
O mashup, a justaposição de músicas diferentes em um mesmo single, é um fenômeno online, uma subcultura clandestina, uma fonte inesgotável de hits e uma tendência econômica. E está apenas começando
De um lado, o ritmo cru e a putaria clandestina que negros americanos faziam com guitarras elétricas, baixo e bateria. Do outro, a toada pesada e o senso de bebedeira que brancos americanos faziam com banjos, violões e percussão. Moleques entre 20 e 30 anos que tentavam a sorte no incipiente mercado de discos – ganhar dinheiro se divertindo era possível! – e que cantavam sobre sexo, álcool e confusão nos mesmos compassos, tempo e pegada. Eram apenas divididos por barreiras raciais e econômicas, mas um profeta chamado Sam Philips anunciou a chegada do escolhido quando ele descobrisse “um branco com voz de negro”. Elvis Presley canalizou ambas subculturas em algo único – rhythm’n’blues com sotaque de caubói, country’n’western com suíngue de negão. Representava duas culturas como se elas fossem uma mesma, ao tocar gêneros diferentes na mesma levada. O veículo para a mudança havia sido tecnológico e técnico – instrumentos fáceis de se tocar, tocados de forma simples.
Cinqüenta anos passados e o universo inaugurado pelo big bang de Elvis segue em franca expansão. Da fusão original que inventou um modismo dançante nos anos 50 nasceu uma imensa e fragmentada árvore genealógica, cujos galhos se entrelaçam quase sempre, mesmo quando crescem em direções opostas. E, apesar de não existir uma consciência de que a história do rock surgiu da justaposição de realidades diferentes, é notável que os grandes momentos desta história aconteceram quando estas colisões cognitivas comandaram o imaginário coletivo.
Os Beatles venderam, primeiro para a Inglaterra, depois para os EUA e finalmente para o mundo, que a colcha de retalhos da música popular americana dos anos 40 e 50 era, na verdade, uma só trilha sonora. A psicodelia diminui as distâncias entre bandas de rock e o ocultismo, as drogas de expansão da consciência e outras experiências místicas. O punk rock surgiu de uma estranha semelhança entre as bandas de garagem americanas e a apatia dos jovens operários ingleses. O reggae começou como uma tentativa de se fazer soul music no Caribe. O indie rock sempre emulou o rock clássico em condições opostas – o anonimato em vez do estrelato, o fracasso em vez do sucesso, a fraqueza em vez do poder. O grunge chocava hard rock farofa com hardcore tosco. O hip hop transformava o MC dos bailes em uma estrela do canto falado e o DJ, que usava trechos de músicas, em um instrumentista pilotando uma vitrola. Em todos estes momentos – todos cruciais para a formação e consolidação do rock e da música pop como trilha sonora de nossos tempos – aconteceram as mesmas duas coisas que ajudaram a criação e popularização do rock’n’roll: técnica e tecnologia se tornando mais acessíveis, baratas e simplificadas, proporcionando a criação de novas músicas e gêneros criativos a partir da simples soma de duas realidades.
Em pleno século 21, isso é nítido. Fãs de música eletrônica começam a entender o bate-estaca do rock – e via electro, um gênero inventado pelo hip hop. Roqueiros skatistas passam a entender o groove negro e fundi-lo com guitarras pesadas. A lógica do dub e do funk africano passa a definir novos subgêneros em áreas diferentes como samba, techno e jazz. Rock, rap, música eletrônica, dance music – tudo é entendido na mesma batida, no mesmo riff, na mesma frase repetida várias vezes.
Até que, em 2001, o inglês Roy Kerr, usou a base de “Hard to Explain” dos Strokes com o vocal de “Genie in a Bottle”, da Christina Aguillera, para lançar-se com o nome de Freelance Hellraiser. A dupla de irmãos belgas David e Stephen Dewaele foi ainda além e juntou pedaços de várias outras músicas em um longo mix que casava gêneros e canções tão diferentes quanto “Push It” do grupo de hip hop Salt’n’Peppa e “No Fun” dos Stooges ou “Dreadlock Holiday” do 10cc com “Independent Woman” das Destiny’s Child em um longo set lançado com o nome de As Heard on Radio Soulwax – Part 2, assumindo profissionalmente um codinome de brincadeira, 2ManyDJs. E embora o uso de pedaços de canções para construir diferentes faixas seja um hábito quase tão velho quanto a história do rock’n’roll (experiências com vitrolas feitas pelo compositor francês Pierre Schaffner datam dos anos 50, a psicodelia inglesa já havia superposto a narração da “invasão marciana” feita por Orson Welles nos anos 30 sobre uma base de rock, o hip hop e a acid house já tinham discos clássicos – Paul’s Boutique dos Beastie Boys e Straight Outta Compton dos NWA de um lado, Into the Dragon do Bomb the Bass e as experiências da dupla Double Dee & Steinski do outro), foi no primeiro ano do novo século que este hábito tornou-se um gênero próprio que cresce cada vez mais: o mashup.
Também conhecido como “bastard pop” ou “bootleg” (ou abreviações como “booty” ou “boot”), o gênero, como mais um sólido degrau na escalada do pop, propõe a fusão de realidades diferentes a partir de facilidades tecnológicas e técnicas. São duas ações simultâneas: programas de edição de áudio de interface cada vez mais simples e de resultados convincentes e profissionais caminham lado a lado com a proliferação de arquivos de áudio de toda espécie através da troca de MP3s online. Assim, um material que antes era disponibilizado apenas para DJs – modalidade que, à medida em que a eletrônica e o hip hop ganharam terreno, tornou-se tão distante do público quanto o decadente popstar – passou para a mão de pessoas com uma boa conexão online, um processador potente e um HD parrudo. É um passo ainda além do “faça-você-mesmo” do punk rock – quem faz música, nesta cena cada vez maior, são as mesmas pessoas que baixam e compartilham música na internet. Ou seja – gente que nem eu e você.
Citar nomes destes artistas é algo improdutivo, pois eles se multiplicam numa velocidade incrível, pelo simples fato de, ao ouvir um mashup, qualquer um comece a cogitar possibilidades de fusões musicais. Uns vêm da colisão de extremos opostos (Eminem com Smiths?), outros de possibilidades lingüísticas (há uma faixa que reúne quatro canções chamadas “Last Night”/“Last Nite”) e trocadilhos infames (“Smells Like Beach” reúne Nirvana e Beach Boys) – e saem das cabeças, mãos e mouses de pessoas chamadas CCC, DJ Zebra, Go Home Productions, DJ BC, Lenlow, Arty Fufkin, DJ Moule, Bobby Martini, C.H.A.O.S. Produtions, Team9, A plus D, Party Ben, DJ Riko – mas é só puxar qualquer um deles pra descobrir uma outra lista de artistas anônimos e igualmente numerosos.
A subcultura mashup se movimenta na internet e em festas – San Francisco, Nova York, Londres e Paris têm suas cenas consolidadas a partir destas baladas – e não se restringe a reciclar flashbacks. Um dos principais desafios destes produtores é capturar o sucesso mais recente e misturá-lo com hits do passado: LCD Soundsystem, o último disco de Madonna, a “Promiscuous” de Nelly Furtado e “Crazy” da dupla Gnarls Barkley são alguns dos favoritos entre estes produtores.
Gnarls Barkley, aliás, é o melhor exemplo do que está acontecendo com esta cultura. O grupo foi fundado pelo DJ Danger Mouse que, há três anos, mashupou o Álbum Branco dos Beatles com os vocais do Black Álbum do rapper Jay-Z, criando o “Grey Álbum”. Depois de ameaçar ser processado pela EMI, detentora dos direitos dos Beatles, o DJ suspendeu as vendas do disco e o download das músicas de seu site, mas teve a solidariedade de mais de uma centena servidores de internet pelo mundo, que, num ato de desobediência civil online, disponibilizaram gratuitamente o álbum em protesto contra a rigidez da EMI. Este protesto aconteceu no dia 24 de fevereiro de 2004, dia que ficou conhecido como “Grey Tuesday” (“Terça-feira Cinza”), em homenagem ao disco.
A repercussão do caso levou Danger Mouse a produzir o disco do ano passado do grupo Gorillaz, sendo responsável direto por duas das melhores músicas de 2005 – “Feel Good Inc.” e “Dare”. Na prática, Damon Albarn, do Blur (mentor dos Gorillaz), chamou Danger Mouse para produzir singles para o grupo de hip hop De La Soul e para o ex-vocalista dos Happy Mondays, Shawn Ryder, estrelas centrais de cada uma destas faixas do Gorillaz, respectivamente (ironicamente lançadas pela EMI). Dos Gorillaz, Danger Mouse produziu o disco Danger Doom ao lado do produtor de rap MF Doom – e usando samples de personagens do Adult Swim, a faixa adulta do Cartoon Network. E depois lançou o grupo Gnarls Barkley, ao lado do rapper Cee-Lo (ex-Goodie Mob), responsável pelo melhor disco do ano até então, St. Elsewhere, além da melhor música do ano, a citada “Crazy” – que também foi a primeira música vendida apenas online a chegar ao topo de uma parada de vendas (no caso, a britânica).
MP3s no topo das paradas, discos e desenhos animados, soul e indie dance, processos e discos de ouro – a história de Danger Mouse é uma interessante fábulas sobre as transformações de nossa época. E quando o Google começa a falar em fazer mashups de sites e a bolsa americana passa a elogiar mashups de empresas (diferentes de meras fusões), mais uma vez vemos a música assumir o papel de carro-chefe das transformações de nossa época.
E isso é só o começo.
Só passei aqui pra desejar um bom finde procês…
Materinha na Folha de hoy…
Crítica/Humor: Filho de Mel Brooks alerta sobre o perigo dos zumbis
De repente, quem você pensava que havia morrido aparece na sua frente, olhos vidrados, andar cambaleante. Ao perceber você, o cadáver lança os braços para a frente e passa a emitir um som gutural -que aos poucos se transforma num grito grotesco. Por mais bizarra que a cena possa parecer, suponha que ela aconteça. Nesta situação, a primeira e única pergunta depois de alguma exclamação de cunho religioso ou de um palavrão é: o que fazer?
Foi pensando nisso que o humorista Max Brooks, ex-roteirista do programa de TV norte-americano “Saturday Night Live”, escreveu “O Guia de Sobrevivência a Zumbis”, em que tenta responder à tal pergunta em mais de 300 páginas de um detalhismo nerd deliciosamente meticuloso e divertido. Escrito sempre a sério, sem nenhum traço de ironia ou distorções caricatas no texto, o guia não apenas cogita a possibilidade destes seres poderem um dia realmente andar entre nós como afirma que eles existem desde o início da raça humana, como uma espécie de doença que, depois de matar seu hospedeiro, o transforma em uma máquina de comer qualquer ser vivo -de preferência gente.
Brooks, filho do comediante Mel Brooks e da atriz Ann Bancroft, escreve que os zumbis são acobertados pelos governos e pela mídia. O livro, escrito originalmente em 2004, prefere não fingir que a ameaça não existe e explica, com minúcia e pluralidade, tudo o que se sabe sobre estes seres também conhecidos como necrófilos. Até mesmo este texto poderia ser encarado como um tentativa de acobertar a existência dos zumbis, ao tratar o tema como mera ficção e não como realidade inevitável, como martela o autor, constantemente.
O segredo do texto é nunca se transformar numa paródia e sempre se levar a sério. Ele examina o comportamento dos mortos-vivos desde seus sentidos básicos (se eles têm paladar ou olfato) até suas relações sociais (caso você não saiba, mortos-vivos não comem outros mortos-vivos) e explica como se deve utilizar cada uma das armas disponíveis contra as criaturas. De armas medievais e espadas de samurai a ferramentas e armas brancas e de fogo, além de listar dicas para transformar sua casa num forte antizumbi auto-sustentável.
Brooks também detalha formas de evitar o contágio, lista os melhores veículos para uma fuga e enumera aparecimentos e registros históricos a respeito desta epidemia que acompanha a evolução do ser humano.
Chega até a cogitar uma possibilidade final e extrema da praga se espalhar de tal forma que o planeta se torne habitado por mortos-vivos. Quando isso acontecer, a pergunta do início torna-se ainda mais pertinente e desesperada. Em torno desta premissa, Brooks escreveu um segundo livro sobre o tema, “World War Z” (guerra mundial z), lançado neste ano nos EUA e já comprado pela produtora do ator Brad Pitt, Plan B, para virar filme.
O GUIA DE SOBREVIVÊNCIA A ZUMBIS ***
Autor: Max Brooks
Tradução: Amanda Orlando e Gabriela Fróes
Editora: Rocco
Quanto: R$ 36 (336 págs.)
Estreei coluninha nova no Rraurl, a pedidos do Camilo e da Gaía, os mentores do site. São treze músicas pra ouvir quando der na telha – minha e sua. Se liga:
1. “Writer’s Block”- Just Jack
Harpa, bateria eletrônica, voz de aeroporto – a intro faz parecer que os Beckistas (lembram do Eels ou do Forrest for the Trees?) voltaram à ação. Rimando preguiçoso sobre perder o celular e se sentir como uma borboleta num furação, Jack põe a pista pra sacudir devagar, até cair num refrão quase pensativo – doce e chapado.
2. “Salve” – Tommy Guerrero
Bossa novinha baixo perfil, quase tímida, lo-funk e lo-fi, ela seria apenas uma vírgula na biografia do compadre Tommy, não fosse a participação do nosso Curumin no vocal. Pisando oficialmente em solo americano, o brasileiro canta e improvisa a letra da música, tateando no hip hop ad lib que já vem sendo testado homeopaticamente em seus shows.
3. “Slow Motion” – Futuro
Guitarras ponteagudas, pegada pós-punk, groove disco music, miolo Franz. Essa bandinha de Glasgow não pode dar em nada, mas essa é daquelas músicas pra ouvir dirigindo, no talo, com a certeza de chegar inteiro – e disposto – no final da jornada.
4. “Over and Over (Party Ben’s Smell of Repetition Remix)” – Hot Chip
“Como um macaco tocando pratos em miniature” – a letra nem precisava ser tão explícita. Nem o remix – mas quando o mashupeiro Party Ben coloca o vocal do refrão irresistível do Hot Chip num loop infinito de “over and over and over and over and over”, ele encontra o gancho perfeito para mutar um dos hits de 2006 com os ciclos proto-tranceiros que Giorgio Moroder idealizou para “I Feel Love”, de Donna Summer.
5. “Ooh La” – The Kooks
E essa levadinha de violão, pop ensolarado bem acima da média das outras faixas desses Kooks… Como resistir? Música pra chamar os amigos pra fazer um piquenique no campo sábado de tarde – não que você precise chamá-los, ou que o piquenique aconteça no campo ou num sabado à tarde. É só o espírito – e deixa as meninas berrarem como se estivessem cantando sobre si mesmas.
6. “Baranga” – João Brasil
Ode às guerreiras do baixo clero da noite, uma homenagem tão sincera quanto a empolgação no vocal do carioca João Brasil, o hitmaker que ainda não saiu da fila. Enquanto espera sua vez, convida ao groove com o suíngue de um Claudio Zoli e o groove da fase boa do Jota Quest – quando ainda era Jay. Peraê, é sério?
7. “Nausea” – Beck
Outra levadinha de violão de veraneio, embora o tema e o título deixe a atmosfera tensa desde o início, eis o camarada Beck recorrendo ao mestre Dylan para voltar à boa forma. Tempos modernos…
8. “Damn, Girl” – Justin Timberlake
Base seca, gemidos e sussurros, teclado derretendo, falsete e um refrão que faz o sol e a lua nascerem ao mesmo tempo, R&B elevado à condição de Arte – do naipe do Prince e de Michael. O Black Eyed Peas Will.I.Am acaba sobrando com seu rap bocudo. Justin, por outro lado, desliza de smoking – classe e groove na mesma medida, quase um James Bond americano.
9. “That Old Spell” – Cassiano Fagundes
Soul rasgado com rock alternativo, como se Bob Mould resolvesse virar o Prince ainda nos áureos tempos do Hüsker Dü. O curitibano Cassiano, um dos Bad Folks e veterano do Magog, segue seu rumo, sempre na paralela.
10. “Take Me Back to Your House” – Basement Jaxx
Country e house não parece ser, nem de longe, uma combinação agradável. Mas os jaxxistas têm a manha do groove redondo e colocaram um vocal soul para conduzir a mistura – que o vídeo leva para a Rússia czarista. Delícia!
11. “Semáforo” – Vanguart
Esse um típico hit de internet e o principal motivo para esta coluna não se ater a lançamentos ou a músicas recém-saídas do forno. “Semáforo”, do grupo matogrossense Vanguart, deve ter mais de um ano de existência e pra muita gente já é do arco da velha – tanto que é cantada em uníssono pela platéia em qualquer show da banda. E resume bem os intuitos dos cinco – folk rock, Radiohead, Bob Dylan, glam e Secos & Molhados. E com letra em português daquelas de mostrar possibilidades pra toda uma geração.
12. “Don Gon Do It” – Rapture
Parece comercial dos anos 70, mas cai num bate-estaca sintético que cogita Robert Smith como um dos fundadores do Gang of Four (que mané new rave, as mesmas referências do começo continuam lá), mas caindo pro pop descompromissado, sem politicagens ou chororôs existenciais. Se liga no cowbell – nenhuma música usa cowbell impunemente.
13. “Eple” – Røyksopp
Ah, e daí que essa música tem cinco anos? Deixem os passarinhos sintéticos imaginados pela dupla sueca cantar em paz! E fique na paz…
1) O disco (como suporte físico) acabou?
Não, mas certamente a dependência que se tinha pelo disco na divulgação do artista é menor, e a Internet é a causa óbvia disso. Principalmente para o artista independente, o disco hoje acaba tendo um papel muito mais psicológico do que qualquer outra coisa, supre a necessidade de se ter algo palpável que traduza o esforço da produção musical. Alimenta o ego do artista. Certamente o disco não é dispensável, mas se tornou um dos elementos de um pacote que inclui página na Internet, shows, televisão e outros.
2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
Os bardos celtas não deviam ficar ricos com suas apresentações itinerantes nas cortes da alta idade média, a música era vista como algo sagrado, não um produto (posso estar enganado, mas imagino que era isso mesmo, e se não fosse, devia ser). Acho que a percepção da música como algo sagrado deveria ser resgatada, é uma postura mais ecologicamente correta e positiva. Sou a favor do MP3 gratuito, de uma orgia musical sem precedentes – que aliás já está acontecendo: você já baixa praticamente tudo disponível no mercado fonográfico de graça, se souber procurar. Quem paga a conta? bem, acho que os músicos, sobretudo os independentes, ganham muito pouco com apresentações ao vivo. O ideal seria o artista e a estrutura em volta dele viverem de shows, aparições promocionais e coisas do tipo. Tem muita gente que já disponibiliza 50% de um disco gratuitamente, a outra metade você tem que comprar o CD para ter, ou acabará achando alguém na Internet que disponibilizou essa outra parte gratuitamente – e ilegalmente. Acho que não dá pra parar isso, não dá e não se deve parar isso. Será que o Led Zeppelin fez fortuna com venda de discos? acho que grande parte do dinheiro que arrecadavam vinha dos contratos milionários que Peter Grant, seu empresário, conseguia firmar com casas de shows e produtores nos Estados Unidos.
3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Qualquer um que tenha um computador e um bom software de gravação faz seu disco em casa. Isso é uma maravilha. Já gravei muita coisa em casa que ficou melhor do que o que gravei em estúdios profissionais. Essa é uma grande vantagem para o músico, com certeza, porque significa liberdade. E um artista sem liberdade de criação tende para a mediocridade.
4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
O MySpace é onde descubro as coisas mais legais que tenho escutado. Goldfish é um cantor/violonista punk folk escocês de primeira, gravou seu disco na sala de estar de sua casa, em Glasgow, está completamente fora do mercadão, mas eu o considero um dos compositores mais brilhantes dos últimos anos. Republic of Loose é uma banda irlandesa que deu uma roupagem interessante ao soul, muito legal – também os descobri no Myspace. Outros nomes que estão no Myspace: Daydreamers (França), The Pocket Raindrops (Suécia), Sebastião Estiva (Acre) e até bandas já com gravadoras e mais conhecidas, como Midlake (EUA). O legal do MySpace é que ele te dá a possibilidade de conhecer artistas do mundo todo, muitos com idéias similares às suas.
5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
Meu, não. Sempre fui muito azarado com a indústria. Eu considero meu som super bom, muito melhor do que muita porcaria por aí, mas talvez por eu ser de Curitiba e cantar em Inglês nunca tenham me levado a sério, ao menos no Brasil. O legal da Internet é você não precisar mais depender de industria musical – especialmente a brasileira – para dar seus passos. Estou me armando sozinho, por enquanto. É um caminho difícil, mas dá para se virar. Marcar shows em qualquer lugar do mundo hoje é fácil para qualquer artista brasileiro que queira fazer isso. O problema é quem paga as passagens e todo o resto. Mas é viável. Minha banda, Bad Folks, tocou na Espanha em 2004 sem a ajuda de nenhuma gravadora, tudo com os contatos que fizemos pela Internet.
Cassiano Fagundes é guitarrista e vocalista do Bad Folks