<
Há dez dias, o Justice descia bordoadas em San Francisco. Coisa fina, cortesia do Sasha’s Retro Emporium. Baixe o set aqui.
Há tempos o Fredi do Comunidade Ninjitsu assina suas produções como Chernobyl. Esse set é do mês passado: funk carioca, Hole, Simian vs. Justice, Le Tigre, Catra cantando Biquini Cavadão, MSTRKRFT e Bonde do Rolê, tudo na mesma pegada tosca e grosseira.
Nick Drake caminha pelo enorme jardim nos fundos da casa de seus pais, onde quase sempre viveu, em Tanworth-in-Arden, uma pequena e típica cidadezinha inglesa com casas feitas de pedra margeando ruas pavimentadas sobre pastos de um verde que parece ser a única cor viva no local. É primavera, as flores estão abrindo e Drake observa com cuidado cada desabrochar. Olha para o botão no exato momento em que ele abre-se, revelando a beleza que escondia no início da estação e a estuda com calma, passeando o olhar pelos menores detalhes que só uma flor consegue sintetizar. O sol forte e amarelo não chega a esquentar; é manhã e ainda faz frio mas as flores não se importam, continuando suas explosões de cores.
Drake senta-se no frio banco de pedra e olha ao redor: as plantas crescem mais uma vez, quase ao final de uma jornada que assiste todos os anos. O verde é exatamente o mesmo, vivo e radiante como as diferentes tonalidades das flores. Tudo se repete e a natureza parece sorrir ao confirmar este ciclo interminável. Drake pega uma pequena flor amarela no chão e coloca entre as narinas, como se a proximidade do odor o fizesse pensar. Instantaneamente, seu olhar foge do jardim. Olhando para o chão, ele não observa nada – apenas pensa. Nos homens que teimam em fingir que suas vidas são melhores que as dos bichos e das plantas, preocupados com seus nomes próprios, reputações e linhagens. Veja as flores, todas de diferentes cores, vivendo em harmonia com as outras e com o resto do mundo. Como as plantas, toda natureza obedece uma regra cujos valores são opostos aos que a humanidade sempre pareceu se ocupar. Mas o homem não se importa e insiste em bater com a cabeça nos mesmos erros, nas mesmas coisas pequenas, valores materiais e sentimentos negativos para com os outros. Nasce, cresce e morre – como todas as plantas e bichos. Mas continua achando que é melhor que os outros, seja como espécie ou como indivíduo.
Seus pais aparecem na porta dos fundos da casa. Ao seu lado, um jovem mochileiro delicia-se com a beleza do jardim da casa de Drake. Sorridentes, carinhosos e quase no final de suas vidas, Rodney e Molly Drake recebem sorridentes os curiosos que querem conhecer mais sobre seu filho. Eles vêm de diversas e diferentes conexões – Sebadoh, Television, Joni Mitchell, Elton John, Scott Appel, Belle & Sebastian, Fairport Convention -, todos movidos pela música ao mesmo tempo clara e repleta dos únicos quatro discos do compositor, atrás de uma espiritualidade que não encontraram em nenhum outro lugar. Nem a arte, nem a religião, nem a contemplação da natureza eram suficientes para atingir o nível de profundidade que Drake propunha com sua música. Apenas com seu violão e seu canto triste e cético ou acompanhado de alguns dos melhores músicos de seu tempo, ele devolvia o homem à natureza, observando a civilização como uma criação tão natural quanto qualquer bosque ou praia.
Ver aquele jardim esclarece aos visitantes parte do mistério que é Nick Drake. Não se questiona, apenas sente-se a intensidade presente no local, clara influência na concepção de vida do compositor. Ele nasceu em Burma, no dia 19 de junho de 1948, mudou-se para Bombaim ainda bebê e fixou-se na Inglaterra aos sete anos, indo morar em Far Leys, a casa que o viu crescer na minúscula Tanworth-in-Arden. O jardim dos fundos sempre esteve presente em sua infância, como o piano de sua mãe (compositora influenciada por Noël Coward e Sandy Wilson), as histórias de seu pai e compositores clássicos, sua principal companhia musical quando criança. Naturalmente foi para o piano e logo se tornaria um instrumentista de talento, ainda que adolescente. Mas o espírito rebelde daqueles dias o levaram para os Beatles e, influenciado por eles, trocou o piano por um violão, depois de muito pedir aos pais. Era uma fase, Rodney e Molly pensaram. Mas o novo instrumento se mostrava tão completo quanto o piano – harmônico e melódico ao mesmo tempo – e poderia ser levado para qualquer lugar da casa, até mesmo para fora dela.
Levava-o para o jardim e observava o céu, como esperasse que a inspiração descesse como um pássaro. O ouvido habituado ao piano o levara a experimentar diferentes afinações ao violão, fugindo do padrão do instrumento e procurando novas formas pessoais de expressão. Vinha a noite e voltava para casa, fazendo da sala de estar seu ambiente noturno. Esperava os pais dormirem e começava a tocar as próprias músicas, registrando-as num pequeno gravador que até hoje está na mesa de centro da casa dos Drake. Sentado numa poltrona laranja, dedilhava acordes tímidos à medida que procurava canções entre as notas que tocava. Insone, passava a noite acordado, indo à cozinha de vez em quando para um copo de água ou um pedaço de pão. Influenciado por Joni Mitchell e Van Morrison, começava a gravar quando o sol mandava notícias, azulando levemente o começo do dia trazendo as músicas, que, repetidas, acordavam os pais.
Molly lembra das madrugadas que acordava ouvindo o filho para o visitante, fascinado com qualquer aspecto da vida de Nick. O pai, reservado, apenas observa a esposa contar a intimidade da família como um segredo religioso. Olha para o jardim e procura o filho, fingindo contemplar as plantas. Molly, ainda sorridente, conta da adolescência de Nick, de seus dias de escola, quando deixava a introspecção de lado ao correr no time de atletismo da escola pública de Malborough – o recorde dos 100 metros rasos com barreiras ainda é dele. Mas quanto mais crescia, mais tímido ficava, aprendendo cada vez mais a usar o violão como sua forma de comunicar-se com o mundo.
Por conta própria, começou a apresentar-se ao vivo, como uma forma de exorcizar sua natureza intimista. A mudança aconteceu devido a seu primeiro contato com maconha, na casa da irmã mais velha Gabrielle, em Londres. Com o auxílio da planta, Drake tornou-se ainda mais reservado e pensativo, preocupando-se cada vez mais com a natureza humana. Se recolhia ao jardim para fumar seus baseados sozinho e logo estava compondo canções sem referências de tempo, lugar ou fatos. Estudava os sentimentos das pessoas e suas relações com a natureza, como a existência humana era mais uma prova da perfeição natural que os homens insistiam em dizer-se superiores. Mudou-se para Cambridge aos 19 anos e na faculdade Fitzwilliams (onde estudava inglês e uma de suas maiores influências, o poeta William Blake) começou a se apresentar, primeiro nas casas de amigos, em reuniões ao redor de um violão que corria de mão em mão; depois em apresentações menores, pequenos bares universitários e festas da vizinhança. Seu medo do palco, no entanto, o afastava de apresentações maiores e Drake costumava abrir apresentações alheias antes de abandonar a platéia, ensimesmado.
Uma destas curtas apresentações mudaria sua vida. Foram dez minutos durante um festival organizado pelo lendário grupo folk Fairport Convention na Roundhouse. Após a apresentação do grupo, o baixista Ashley Hutchings preferiu ficar entre o público e assistir as outras apresentações que seguiriam até o dia seguinte. Quando Drake subiu ao palco, instantaneamente capturou a atenção de Ashley: com quase um metro e noventa de altura, cabelos despenteados caindo sobre o rosto, roupas que pareciam dois números menores que o tamanho que usava e um violão, ele sentou-se num banco de madeira e passou a suspirar sua doce voz canções que pareciam eternas. Pelo corpo e braço do violão, seus dedos procuravam as cordas de forma diferente, faziam acordes diferentes, alisavam a música burilada entre acordes como um contraponto harmônico à melodia que sua voz cantava. Hutchings conversou com o jovem à saída do palco, pegou seu telefone e pediu para que enviasse uma fita demo à Witchseason, a empresa do produtor Joe Boyd, responsável pelos primeiros singles do Pink Floyd e por artistas como a Incredible String Band, John e Beverly Martyn, Richard Thompson e o próprio Fairport Convention. Assim Drake fez.
O resultado deixou Boyd boquiaberto. Encontrara um artista completo, perfeito, quase mágico. Apenas com a voz e o violão, ele parecia clássico desde o primeiro instante, um artista romântico solitário do século 18 que, de alguma forma, teve sua música gravada. Mas Drake tinha apenas 20 anos e vivia nos mesma década de 1960 que Boyd, o que lhe deixou estarrecido. Não era pouco: com seu ouvido apurado e capacidade de tirar o melhor dos artistas que produzia, Joe Boyd era uma lenda nacional e sua reputação parecia ter chegado ao topo. Mas um jovem de Tanworth-in-Arden o provara que a maior qualidade da arte é sua capacidade de surpreender. Em pouco tempo, estaria com Drake no estúdio, gravando seu primeiro disco.
Five Leaves Left, de 1969, teve seu nome tirado do aviso que as embalagens de seda pra cigarro inglesas trazem quando estão chegando ao fim: “faltam cinco folhas”. A sensação de se estar chegando perto do fim são bem retratadas nas fotos do disco: na capa, Drake olha desolado para fora de uma janela; na contracapa, encostado num muro de tijolos à vista, ele observa apenas o borrão que um engravatado provoca ao passar correndo por ele. “Quando o dia acabar/ O sol afunda na terra/ Com tudo que foi perdido e ganho”, canta “Day is Done”, “Quando a noite esfriar/ Uns passam, outros envelhecem/ Só para mostrar que a vida não é feita de ouro”. Nos somos apresentados à música de Drake: um canto quase mudo, quente ainda que estático, um gemido sem dor. Sua voz observa o mundo ao redor e o traduz em forma de metáforas campestres. O violão, dedilhado delicadamente, funciona como uma estrada de paralelepípedos por onde o autor caminha, olhando os céus, as árvores, os campos. Tudo soa árcade e pastoril e os outros instrumentos convidados no disco apenas ajudam a manter esta atmosfera: congas, um violoncelo, piano, o baixo de Danny Thompson, piano e, claro, as cordas impressionistas de Robert Kirby. Este foi sugerido pelo próprio Drake quando este começou a se irritar (embora apenas demonstrasse ansiedade e impaciência, nunca raiva, no estúdio) com o arranjador que Boyd sugeriu para acompanhar suas músicas. Drake conhecia Kirby de Cambridge, mas nunca havia feito nada num estúdio de gravação – como o próprio Nick. O resultado foi surpreendente: com cores frias e pinceladas borradas dadas pelas cordas do quarteto que acompanha o cantor em quase todas as faixas.
“Fruit Tree”, quase ao final do disco, é a peça central de Five Leaves Left. Sem muitos rodeios, Drake canta sobre o reconhecimento tardio, sobre a morte não como um fim, mas como um motivo para lembrarmos da vida. Canta sobre ele mesmo:
“Fama é uma árvore frutífera
Que não soa
Não desabrocha
Até que os ramos encontrem o chão
Homens de renome
Nunca encontram um jeito
Até que o tempo voe
Além de seu último dia
Lembrados por um instante
Uma ruína atualizada
De um estilo ultrapassado
A vida é uma memória
Que aconteceu há muito tempo
Teatro de tristezas
De uma peça há muito esquecida
Parece tão fácil
Apenas deixe-a passar
Até que pare e pense
Que você nunca pensou sobre o porquê
Seguro no ventre
De uma noite sem fim
Você descobrirá que a escuridão
Pode dar a maior luz
Seguro na profundeza da terra
É quando saberão que você valeu a pena
Esquecido quando aqui
Lembrado por um instante
Uma ruína atualizada
De um estilo ultrapassado
Árvore frutífera
Ninguém te conhece, só a chuva e o ar
Não te preocupas
Olharão quando tiveres ido
Árvore frutífera
Abra seus olhos para um novo ano
Todos saberão
Que esteve aqui quando tiveres ido”
“Faltam cinco folhas” também nos remete ao outono, introspectiva estação que observa as plantas cederem à fria temperatura. Mas o disco termina com o sol de sábado, nos preparando para seu próximo álbum. “O sol de sábado veio mais cedo certa manhã/ Num céu tão claro e azul/ O sol de sábado veio sem aviso/ Ninguém sabia o que fazer/ O sol de sábado trouxe faces e pessoas/ Que não pareciam muito em seus dias/ Mas quando me lembro destas pessoas e lugares/ Eram muito bons em seu jeito/ Em seu jeito/ O sol de sábado não virá me ver hoje”. Five Leaves Left foi bem recebido pela crítica, que o comparou com Tim Buckley, Van Morrison e Donovan, saudando a nova descoberta de Joe Boyd com entusiasmo. Mas o público não percebeu o primeiro fruto de Drake e, convencido que sua introspecção fora responsável pelo fracasso de vendas, decidiu trazer o sol de sábado para o novo disco, Bryter Layter.
Convicto de que poderia fazer seu trabalho mais aberto e ensolarado, Drake abre seu novo álbum com os mesmos motivos entristecidos de Five Leaves Left, embora as cordas de Robert Kirby insinuem o nascer do sol. A presença da banda em “Introduction” é discreta, mas “Hazey Jane II” mostra as novas cores quentes da música de Drake, com Richard Thompson na guitarra, Dave Pegg no baixo e Dave Mattacks na bateria (todos do Fairport Convention) e as nuances em allegro dadas pelo arranjo de metais de Kirby. “At the Chime of the City Clock” volta-se às tonalidades frias das cores do vocal do compositor, mas o sentimento é mais populoso, menos isolado. “Fique em casa, sob o assoalho/ Fale apenas com os vizinhos/ Os jogos que você joga/ Fazem as pessoas dizer/ Que você é tão esquisito quanto só”. “One of These Things First” é ainda mais urbana: “Eu poderia ter sido um marinheiro/ Poderia ter sido um cozinheiro/ Um amante da vida/ Um livro/ Eu poderia ter sido uma placa, poderia ter sido um relógio/ Simples como uma chaleira, firme como uma pedra/ Eu poderia estar aqui e agora/ Eu poderia, deveria/ Mas como?/ Eu deveria ter sido uma destas coisas antes”. Ele quase canta a reencarnação, como se já tivesse passado por diversas vidas no passado, remetendo ao budismo discreto de “River Man”, do disco anterior.
Entramos então no espiritualismo de Drake. O compositor sempre esteve vinculado à natureza e ao idílio que a vida poderia ser se o homem não destruísse e pilhasse seu próprio habitat. Entre a ecologia e a poesia, Drake canta a integração com os ciclos que a natureza discorre, o dia e a noite, as estações do ano, a vida e a morte. Todos estamos sujeito a estas provações e a civilização humana parece lutar contra isto, criando suas próprias lógicas, fugindo da natureza e do instinto que nos conecta com o todo. Nick é fascinado com as pequenas coisas que vivem na terra – plantas, bichos e homens como seres à disposição dos caprichos cíclicos dos movimentos do sol, da terra e da lua. Obedecemos a regras que não podemos mudar e tentar ir contra isso é voltar-se contra si mesmo. Devemos portanto contemplar as pequenas coisas da vida e aprender com cada uma delas. É o desafio proposto por William Blake: “Ver um mundo num grão de areia/ O paraíso numa flor selvagem/ Ter o infinito na palma da mão/ E a eternidade em uma hora”.
Bryter Layter é permeado por este tipo de abordagem. “Você se sente remanescente/ De algo passado/ Você acha que as coisas/ Estão se movendo muito rápido”, canta em “Hazey Jane I”, “Faça por você/ E tenha certeza que fará o mesmo por mim, um dia/ Então tente ser verdadeiro/ Mesmo que de sua forma nublada/ Você consegue dizer que está se movendo/ Sem um espelho pra ver/ (…) É tudo tão confuso/ É difícil acreditar”. Acompanhada da viola e do cravo de John Cale, em “Fly”, confessa: “Eu caí de muito alto na primeira vez/ Agora apenas sento no chão do seu jeito”, e logo emenda com a autobiográfica “Poor Boy”: “Nunca soube por que vim/ Pareço ter esquecido/ Nunca perguntei de onde vim/ Ou como parei aqui/ Sou um pobre garoto/ E um aventureiro/ As coisas que digo soam mais estranhas/ Que o domingo tornando-se segunda”. “Você me amaria pelo meu dinheiro?/ Você me amaria pela minha cabeça?/ Você me amaria através do inverno/ Você me amaria até eu morrer?”, pergunta em “Northern Sky”, antes do triste instrumental de “Sunday”.
Mas apesar do disco ser considerado por Boyd não apenas a obra-prima de Drake como sua melhor produção, Bryter Layter novamente não vendeu. Mesmo com as boas críticas, o que ainda mais deprimiu o autor. Tinha apenas 21 anos e sentia o peso do mundo nas costas. Queria comunicar-se com as pessoas (“Se canções fossem as linhas de uma conversação”, cantou em “Hazey Jane II”, “tudo seria mais fácil”), mas elas pareciam não querer ouvir. A depressão de Drake aumentou quando Boyd vendeu sua companhia para a gravadora Island. Voltou à casa dos pais e entrou em profunda reclusão. Falava pouco com os outros e sempre demonstrava estar passando por uma terrível dor interior, embora sua imagem muda no escuro parecesse não revelar nenhuma emoção. Um dia, Chris Blackwell ligou para Drake, oferecendo sua casa na Espanha para passar alguns dias. Sem pestanejar, foi. Voltou e telefonou para John Wood, o engenheiro de som que acompanhou Boyd em seus dois discos. Queria gravar um disco.
Sozinho, entrou no estúdio e em duas noites de 1972 tinha Pink Moon pronto. Voltou apenas à faixa-título, para acrescentar um doce mas triste piano na parte instrumental. Nenhum outro instrumento, nenhum segundo take, emoção bruta e sem edição – menos de meia hora com apenas Drake e seu violão. Após perceber que Drake não queria nenhum arranjo ou outra adição instrumental, Wood pediu que levasse a fita para a gravadora, explicando que era um álbum diferente dos anteriores. Nick Drake chegou à porta do escritório da Island e não conseguiu dizer uma palavra, apenas entregando a fita dentro de um envelope pardo sem nenhuma etiqueta ou anotação para uma secretária. Apenas alguns dias após a entrega vieram a descobrir que não era a demo de um novo artista, mas o novo álbum de Nick Drake.
Pink Moon é o momento mais amargo de sua carreira. “Eu era verde, mais verde que o monte/ Onde as flores nascem e o sol brilha/ Agora sou mais escuro que o mais profundo mar/ Me ajude, me deixe ficar” (“Place to Be”). “Todas as fotos que mantém na parede/ Todas as pessoas que virão ao baile/ (…) Conte o gado que passa pela cancela/ Mantenha um carpete tão grosso no chão/ Mas ouça me chamando e não me dará uma carona” (“Free Ride”). “Sei que te amo/ Sei que não me importo/ Você sabe que eu te vejo/ Você sabe que não estou lá” (“Know”). “Você pode dizer que o sol está brilhando, se quiser/ Eu posso ver a lua e está claro/ Você pode pegar a estrada que te leva às estrelas/ Eu só posso pegar a estrada que me vê por dentro” (“Road”). “Veja e me verá no chão/ Pois sou o parasita desta cidade” (“Parasite”). “Caindo rápido e livre você procura um amigo/ Caindo rápido e livre pode ser o fim” (“Harvest Breed”). “Eu vi escrito e ouvi dito/ Aí vem a lua rosa/ Nunca uma lua esteve tão alto/ A lua rosa vai pegá-los todos” (“Pink Moon”).
As canções pareciam repletas de um sentimento cru que o autor deixava sair à força, contra sua vontade. A culpa para suas palavras não terem sido compreendidas era também sua, embora Drake nunca pediu pena de ninguém. Era apenas uma sensação de frustração, de não cumprir o que deveria ter feito, de lamentar a própria existência e não conseguir curá-la. Mas comparando o produto com o autor, nota-se claramente o esforço do artista para que aquelas canções saíssem: Drake mal conseguia conversar com as pessoas, mas gravou um álbum inteiro tomado pela confissão. Depois de Pink Moon, cujas canções Drake nunca cantou para ninguém a não ser no estúdio, voltou a cair em depressão, sendo tratado clinicamente. Odiava remédios e os tomava sem a regularidade que os médicos lhes prescreviam, sentia que estava envenenando seu corpo e só fazia isso por seus pais. Cada vez mais se isolava e fugia do mundo exterior.
Ao mesmo tempo, sua lenda crescia. Embora seus discos vendessem poucos, eles eram disputados por ouvintes que encontravam uma sabedoria adolescente mágica, acompanhada de uma biografia que justificava não apenas a utopia hippie como o romantismo dramático que aos poucos tomaria conta da música popular. David Geffen, dono da gravadora Asylum (casa de Joni Mitchell e Jackson Browne), queria incluir Nick em seu catálogo, mas tanto Chris Blackwell quanto Joe Boyd insistiam em relançar seus discos por conta própria. Até que um certo dia, no começo de 1974, decidiu voltar a gravar. Gravou quatro canções e sorriu com a possibilidade de ter suas músicas gravadas num álbum da cantora francesa François Hardy, que havia declarado interesse em tal projeto.
Voltara a conversar com os amigos e aos poucos deixava o casulo da casa dos pais. Não tocava em público ainda, mas era claro que o sol havia voltado a brilhar na vida do jovem Drake, que parecia disposto a retomar a carreira. Nem suas noites de insônia eram poupadas, preferia dormir direito e acordar cedo para readaptar-se à luz do dia. Para ajudar dormir, os remédios que os médicos lhes recomendaram, Tryptizol. Nunca ninguém havia lhe dito que mais de uma pílula era demais – e era.
Quando Molly Drake acordou no dia 25 de novembro de 1974, o filho não havia acordado ainda. Estranhou. Foi mexer em sua cama e ele não reagia. Nick Drake, 26 anos, estava morto.
Todos os motivos levam a crer que a morte de Drake fora acidental. Já havia confessado a amigos próximos que havia pensado em suicídio nos momentos mais tristes de sua vida, mas que considerava-se covarde para cometê-lo. E 1974 havia sido um excelente ano para o cantor, que aos poucos voltava a tocar violão na sala de estar da casa dos pais e a receber e atender telefonemas de amigos. Um lapso fatal, que encerrou sua prematura carreira como se esta fosse uma lenda, uma história fantástica. Três discos mágicos, cada um à sua maneira, mostrando adjetivos e cores diferentes para o mesmo tipo de sentimento, o mesmo tipo de relação com a sociedade e o ambiente em que vivia, sempre abordados da mesma forma prematuramente madura que Drake parecia ter sobre a vida. Nos anos seguintes, uma caixa (Fruit Tree) reuniria seus discos para a posteridade, ampliando sua lenda pessoal. Gravações da época de Five Leaves Left foram encontradas em 1984 e reunidas às quatro últimas faixas gravadas por Drake (entre elas, a mórbida “Black Eyed Dog” – um presságio da morte?) no álbum Time of No Reply. Deste disco, vem “I Was Made to Love Magic”, síntese de sua espiritualidade e importância musical:
“Nasci para amar ninguém
Ninguém para me amar
Só o vento na alta verde relva
O gelo numa árvore quebrada
Eu nasci para amar a magia
Tudo é surpresa para conhecermos
Mas vocês perderam esta magia
Muitos anos atrás”
Resenha do disco novo do Júpiter, na mesma edição…
Jam session, baile de máscaras e aperitivo
Enquanto cria a mística em torno de seu quarto álbum – Uma Tarde na Fruteira, dizem, sai ainda este ano por um selo europeu -, Júpiter Maçã encontra tempo para alimentar sua mitologia pessoal com um disco quase bastardo, composto ao lado da parceira Bibmo, e gravado praticamente ao vivo. Em um clima de jam session (algumas músicas passam dos cinco minutos, a psicodelia californiana de “Deep” chega a 14!), Bitter é um baile de máscaras em que Flávio Basso veste suas fantasias prediletas (beatlemania, Sgt. Pepper’s, David Bowie, Roberto Carlos, Nuggets, Syd Barrett) e algumas novas – ao menos, para nós: “Exactly” é puro rock de Detroit (com Bo Diddley na veia), “Any Job” é um clone perfeito da fase Gram Parsons dos Stones, “Lovely Riverside” o coloca em pastos irlandeses. Mesmo assim, o disco tem mais cara de registro corrido do que propriamente de um álbum e faz as vezes de aperitivo para o aguardado próximo disco de Júpiter, sucessor do estranho Hisscivilization, que já tem algumas versões correndo na internet. Tudo para aumentar a lenda. Júpiter pode parecer maluco, mas, em alguns sentidos, ele sabe o que faz.
Rever Rede de Intrigas em pleno amanhecer… Inspirador.
“I don’t have to tell you things are bad. Everybody knows things are bad. It’s a depression. Everybody’s out of work or scared of losing their job. The dollar buys a nickel’s worth; banks are going bust; shopkeepers keep a gun under the counter; punks are running wild in the street, and there’s nobody anywhere who seems to know what to do, and there’s no end to it.
We know the air is unfit to breathe and our food is unfit to eat. And we sit watching our TVs while some local newscaster tells us that today we had fifteen homicides and sixty-three violent crimes, as if that’s the way it’s supposed to be!
We all know things are bad — worse than bad — they’re crazy.
It’s like everything everywhere is going crazy, so we don’t go out any more. We sit in the house, and slowly the world we’re living in is getting smaller, and all we say is, “Please, at least leave us alone in our living rooms. Let me have my toaster and my TV and my steel-belted radials, and I won’t say anything. Just leave us alone.”
Well, I’m not going to leave you alone.
I want you to get mad!
I don’t want you to protest. I don’t want you to riot. I don’t want you to write to your Congressman, because I wouldn’t know what to tell you to write. I don’t know what to do about the depression and the inflation and the Russians and the crime in the street.
All I know is that first, you’ve got to get mad.
You’ve gotta say, “I’m a human being, goddammit! My life has value!”
So, I want you to get up now. I want all of you to get up out of your chairs. I want you to get up right now and go to the window, open it, and stick your head out and yell:
“I’M AS MAD AS HELL, AND I’M NOT GOING TO TAKE THIS ANYMORE!”
But first get up out of your chairs, open the window, stick your head out, and yell, and say it:
“I’M AS MAD AS HELL, AND I’M NOT GOING TO TAKE THIS ANYMORE!”
“So, a rich little man with white hair died. What does that got to do with the price of rice, right? And why is that woe to us?
Because you people and 62 million other Americans are listening to me right now. Because less than 3 percent of you people read books. Because less than 15 percent of you read newspapers. Because the only truth you know is what you get over this tube.
Right now, there is a whole, an entire generation that never knew anything that didn’t come out of this tube. This tube is the gospel, the ultimate revelation. This tube can make or break presidents, popes, prime ministers. This tube is the most awesome goddamn force in the whole godless world.
And woe is us if it ever falls into the hands of the wrong people. And that’s why woe is us that Edward George Ruddy died. Because this company is now in the hands of CCA — the Communication Corporation of America. There’s a new Chairman of the Board, a man called Frank Hackett, sitting in Mr. Ruddy’s office on the 20th floor.
And when the 12th largest company in the world controls the most awesome goddamn propaganda force in the whole godless world, who knows what shit will be peddled for truth on this network.
So, you listen to me. Listen to me! Television is not the truth. Television’s a goddamn amusement park. Television is a circus, a carnival, a traveling troupe of acrobats, storytellers, dancers, singers, jugglers, sideshow freaks, lion tamers, and football players. We’re in the boredom-killing business.
So if you want the truth, go to God. Go to your gurus. Go to yourselves, because that’s the only place you’re going to find any real truth. But, man, you’re never gonna get any truth from us.
We’ll tell you anything you wanna hear. We lie like hell. We’ll tell you that Kojak always gets the killer and that nobody ever gets cancer at Archie Bunker’s house. And no matter how much trouble the hero is in, don’t worry. Just look at your watch. At the end of the hour, he’s gonna win.
We’ll tell you any shit you want to hear. We deal in illusions, man. None of it is true!
But you people sit there day after day, night after night, all ages, colors, creeds. We’re all you know. You’re beginning to believe the illusions we’re spinning here. You’re beginning to think that the tube is reality and that your own lives are unreal.
You do whatever the tube tells you. You dress like the tube. You eat like the tube. You raise your children like the tube. You even think like the tube. This is mass madness you maniacs! In God’s name you people are the real thing, WE are the illusion!
So turn off your television sets. Turn them off now. Turn them off right now. Turn them off and leave them off. Turn them off right in the middle of the sentence I am speaking to you now! Turn them off!”
https://www.youtube.com/watch?v=3NN56ODd3Fo
“You have meddled with the primal forces of nature, Mr. Beale, and I won’t have it. You are an old man who thinks in terms of nations and peoples. There are no nations; there are no peoples. There are no Russians. There are no Arabs. There is no third world. There is no west. There is only one holistic system of systems; one vast interwoven, interacting, multivariate multinational dominion of dollars. Petrodollars, electrodollars, reichmarks, rubles, rin, pounds and shekels. It is the international system of currency that determines the totality of life on this planet. That is the natural order of things today. That is the atomic, subatomic and galactic structure of things today. It is the international system of currency that determines the totality of life on this planet. That is the natural order of things. You have meddled with the primal forces of nature, and you will atone! Am I getting through to you, Mr. Beale? You get up on your little twenty-one inch screen and howl about America and Democracy. There is no America. There is no democracy. There is only IBM and ITT and AT &T and Dupont, Dow, Union Carbide and Exxon. Those are the nations of the world today. What do you think the Russians talk about in their councils of state? Karl Marx? They pull out their linear programming charts, statistical decision theories, and minimax solutions and compute the price-cost probabilities of their transactions and investments just like we do. We no longer live in a world of nations and ideologies, Mr. Beale. The world is a college of corporations inexorably determined by the immutable by-laws of business. The world is a business, Mr. Beale! It has been since man crawled out of the slime. And our children will live to see that perfect world in which there is no war or famine, oppression or brutality. One vast and ecumenical holding company for whom all men will work to serve a common profit and in which all men will own a share of stock, all necessities provided, all anxieties tranquilized, all boredom amused. And I have chosen you to preach this evangel”
Updeite 10 de novembro de 2016: Se alguém quiser traduzir, faça-o nos comentários que eu colo a tradução, com os créditos, no post.
O Iluminado (The Shining, 1980, EUA/Inglaterra). Dir: Stanley Kubrick. Elenco: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd, Scatman Crothers. 146 min. Por que ver: Terror, suspense, horror, thriller… Kubrick nunca quis se ater a rótulos cinematográficos, mas entrou neste jogo chamado O Iluminado para não precisar emitir mais uma palavra ou captar nenhuma imagem a respeito do tema medo. Ele embarca numa viagem aparentemente familiar que leva um escritor (Jack Nicholson em seu melhor momento) a se isolar do mundo exterior ao servir de caseiro de um hotel luxuoso nas montanhas, fechado durante o inverno. Com sua mulher (Duvall, irrepreensível e a melhor scream queen de todas!) e filho (Lloyd, a criança mais assustadora do cinema – sem precisar revirar os olhos, vomitar ou esbanjar candura), passa a se envolver com a solidão de um pequeno castelo abandonado, que esconde histórias terríveis, capaz de trazer à tona fantasmas do passado e demônios interiores. Aí está o horror kubrickeano – são espíritos, mortos-vivos, serial killers, possessões, psicopatas, banho de sangue. Todos os clichês da história do medo no cinema embalados em uma bad trip criativa, que inverte todos os sentimentos naturais do homem: o filho é um mau presságio, a esposa é uma vítima e você mesmo é o assassino. Fique atento: Já falei mais de uma vez do show de imagens icônicas que é qualquer filme de Kubrick (“Redrum” lido pelo menino Danny no espelho, um rio de sangue, os travellings num triciclo, “Heeeere’s Johnny!”, o texto na máquina de escrever, espasmos de sensitividade, um labirinto na neve), mas vale ficar de olho na série de elementos indígenas durante O Iluminado. Descoberto pelo crítico Bill Blakemore, do San Francisco Chronicle, há um subtexto do filme que transforma a saga de Jack Torrance em uma parábola sobre o massacre da população nativa dos EUA, os povos indígenas. Além de detalhes que se tornam explícitos, como o fato de o hotel ter sido construído sobre um cemitério indígena (“Eles tiveram que lutar contra tribos enquanto o construíam”, explica o gerente que contrata Jack), a decoração do hotel e as duas cenas na despensa exporem latas de fumo indígena (com a cabeça de um cacique em evidência), o baile-fantasma acontece num quatro de julho e o pôster do filme, lançado antes na Inglaterra e depois nos EUA, trazia a frase “A onda de terror que arrasou a América” – sendo que o filme ainda não havia sido lançado lá! Mais que coincidência, esta nova leitura de O Iluminado dá novo sentido a diversas passagens, boa parte delas inexistentes no livro original de Stephen King.
Lolita (Lolita, 1962, Inglaterra/EUA). Dir: Stanley Kubrick. Elenco: James Mason, Shelley Winters, Sue Lyon, Peter Sellers. 152 min. P&B. Por que ver: Nenhuma adaptação de livro feita por Kubrick é fiel ao original e esta é a graça – embora Lolita seja a peça que mais se aproxime da obra original. Mas com Kubrick, Humbert Humbert (Mason) é uma alma penada num corpo de um adulto, assombrada pelo fantasma do próprio desejo, o pequeno demônio de 14 anos que batiza o filme e o livro de Nabokov. É ela quem o faz decidir alugar um quarto em uma casa de família, ao assistir à pequena filha da proprietária chupar um pirulito enquanto toma banho de sol no quintal – numa cena atordoante de tão bela. A partir daí, o protagonista embala numa espiral de instinto puro, que torna-se desespero crescente fundado sobre a culpa. Tempere isso com uma Shelley Winters fenomenal e um Peter Sellers arrogante e preciso, em um de seus grandes – e subestimados – papéis. Fique atento: A fotografia em preto e branco torna o tema mais denso e sério a cada passagem – e o elenco, afiadíssimo, gira em torno de Sue Lyon, a alma, o coração e a força sexual do filme. Não é pouco, para uma atriz de apenas treze anos.
Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991, EUA). Dir: David Cronenberg. Elenco: Peter Weller, Judy Davis, Ian Holm. 115 min. Por que ver: Da literatura beat, William Burroughs é certamente o nome mais difícil para se trazer à tela, mas ironicamente Mistérios e Paixões (título em português idiota para uma obra que já existe no Brasil há décadas, O Almoço Nu) é a melhor representação da alma beat no cinema, entre cinebiografias, documentários e adaptações livres. Não é o caso desta, que embora pouco fiel à obra em si, é obcecada não só pela natureza doentia do livro como de toda obra e do personagem – um mundo aparte em que heroína, insetos, homossexualismo e espingardas. Reconta a história de Burroughs – do assassinato de sua mulher ao exílio no Norte da África – e a mistura com elementos de sua literatura. Genial. Fique atento: Não bastassem as alucinações grotescas que habitam a ficção de Burroughs ganharem forma, sentido e textura (um ânus falante, uma máquina de escrever insectóide), é a atuação quase asséptica de Weller (o Robocop), que transforma o escritor beat de um personagem asqueroso e bizarro a um espelho para cada espectador.
O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, 1955, EUA). Dir: Billy Wilder. Marilyn Monroe, Tom Ewell. 105 min. Por que ver: Marilyn Monroe. É pouco? Marilyn Monroe, Marilyn Monroe, Marilyn Monroe. Quer mais? Pode-se listar o nome da atriz por toda a extensão deste guia que não se quer se chega perto da presença perfeita que é a aparição loira de Ms. Monroe neste épico dedicado à sua beleza. O título original (a coceira dos sete anos) faz referência ao tempo em que o homem consegue ser fiel no casamento e Wilder coloca qualquer espectador deste filme – criança, idoso, homem, mulher – no papel de Richard Sherman (Ewell, o ator mais sortudo do mundo), um respeitado marido que vê a mulher sair em férias ao mesmo tempo em que uma estonteante modelo muda-se para o apartamento em cima ao seu. Ao sermos apresentado à personagem – cujo nome resume-se à “The Girl” (“A Garota” – ênfase no artigo definido e no substantivo feminino) – entendemos perfeitamente suas dúvida, seu desalento, seu desespero e sua disposição. E assim o diretor destrói a instituição chamada casamento ao fazer qualquer ser que move-se na superfície do planeta estancar-se de emoção à imagem simples e icônica de Marilyn, de branco, tendo o vestido suspenso pelo ar quente do metrô. Não são apenas suas pernas e risinhos – é a mulher, a garota, plena em nossa frente. Fique atento: Nem preciso dizer para não tirar os olhos de Marilyn (psiu, presta atenção!), mas vale registrar a presença de outro personagem crucial para o filme: o calor do verão, cujo peso no ar faz a consciência de Sherman derreter e a libido da garota estourar o termômetro.
Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960. EUA). Diretor: Billy Wilder. Elenco: Jack Lemmon, Shirley MacLaine, F red MacMurray. 125 min. Oscar de melhor filme, diretor, direção de arte, roteiro original e edição. Globo de Ouro de melhor ator e atriz e melhor filme de comédia. Por que ver: Um dos principais observadores do way-of-life americano durante o século vinte, o polonês Billy Wilder também foi um de seus comentaristas mais ácidos. Aqui, ele invade a rotina de uma aparentemente pacata e eficiente companhia de seguros para desvendar uma trama de mentiras, favores e silêncios. C.C. Baxter (Lemmon, genial) é um funcionário sem brilho numa empresa mediana, que passa a crescer na hierarquia dos negócios à medida em que cede seu apartamento para seus superiores encontrarem-se com seus affairs extraconjugais, quase todas suas subordinadas no trabalho. Quando se vê com a possibilidade de levar sua própria vida amorosa com uma de suas colegas de firma (Fran Kubellik, Shirley MacLaine em um de seus melhores papéis), tem de equilibrar a rotina de entra-e-sai com as mentiras do escritório. Disfarçado de comédia de situação, Se Me Apartamento Falasse é uma crítica dura à fachada limpa e aos bastidores sujos da sociedade americana, algo como se Michael Moore e Seinfeld pudessem existir nos anos 50, com a sutileza e elegância de um James Stewart. Fique atento: A química entre Wilder, Lemmon e MacLaine é nitroglicerina pura e alterna momentos hilários e emotivos em um piscar de olhos – tanto que o trio repetiria a dose com sucesso três anos mais tarde, com o hilário e cínico Irma La Douce. E a direção de arte – cenários, figurino, decoração – transforma o escritório em um palco industrial.