Kim Gordon, versão brasileira
Dos prazeres da vida a dois: traduzir um livro juntos. Eu e Mariana, minha mulher, estamos passando por essa experiência há um tempo (já estamos indo para o quinto livro traduzido juntos), discutindo sentido de expressões, termos técnicos e que adjetivo funciona melhor para o que o autor quis dizer. Essa atuação ganhou um coração a mais quando nos juntamos na leitura e tradução de casal de um dos livros de uma de nossas “ídolas” – Kim Gordon, que lançou seu livro de memórias Girl in a Band no início do ano e que tivemos a honra e o prazer de traduzi-lo, chega às livrarias nacionais com nossa assinatura de tradução pela editora Rocco. Um livraço tanto para fãs do Sonic Youth, para quem tem Kim como ideal feminino quanto para quem se interessa por feminismo e cultura alternativa e independente como um todo.
Também escrevi a orelha do livro, que reproduzo abaixo:
Com o baixo (e depois guitarra) em punho, Kim Gordon era um dos alicerces que sustentou por trinta anos o Sonic Youth, uma das principais instituições do rock independente mundial e da vanguarda pop global de nossa época. Fundada em 1981 ao lado do então namorado (e depois marido e pai de sua filha) Thurston Moore e do amigo Lee Ranaldo, a banda passou três décadas experimentando os limites entre o punk rock e a música erudita contemporânea, enquanto explorava outras áreas, da televisão ao cinema, da moda às artes plásticas, a dança e a publicidade, reunindo fãs enquanto gravavam discos, faziam clipes e shows por todo o mundo.
O Sonic Youth terminou ao mesmo tempo em que o o casamento de Kim. A ficha sobre o fim das duas relações caiu para a artista quando o grupo se apresentou pela quarta vez no Brasil, no final de 2011. Em frente a uma multidão de desconhecidos e entre bandas pop que nada tinham a ver com o histórico de sua banda, ela percebeu que um ciclo havia se encerrado e, como numa sessão de terapia, começa sua festejada autobiografia Uma Garota em Uma Banda pelo fim, ao acrescentar o ponto final a uma banda que começou tocando em moquifos mal frequentados de Nova York no meio de uma tempestade em festival pop no interior de um país em outro hemisfério.
Um ciclo improvável para uma garota da Califórnia filha de intelectuais que liam beatniks e ouviam free jazz, e que cresceu vendo os últimos anos do sonho hippie se transformar num pesadelo imaginado por Charles Manson. Convivendo com uma família formada por um pai recluso e erudito, uma mãe criativa mas frustrada e um irmão com sérios problemas, ela descreve sua tortuosa trajetória para tornar-se uma artista, que a levou de uma costa à outra dos Estados Unidos e de escolas de arte para a boemia pós-punk da capital cultural do ocidente no fim do século.
E durante este percurso, ela percebe o duro fardo de ser uma mulher em uma sociedade machista em todas suas esferas. Uma Garota em Uma Banda não é apenas a biografia de um ícone indie nem uma sessão de descarrego emocional: é um libelo feminista em forma de relato, que mostra que mesmo que tenhamos evoluído muito nestes termos, ainda temos muito caminho pela frente. E Kim Gordon sabe o quanto isso é recompensador.
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