A vingança de Kim Gordon

, por Alexandre Matias

Além de seu evento principal, o Popload desse ano desdobrou-se em dois eventos paralelos realizados no Cine Joia – o primeiro deles com a banda nova-iorquina Lemon Twigs, um dia antes do festival e o outro no dia seguinte, com a mestra Kim Gordon fazendo uma apresentação solo. E diferente do primeiro deles, o segundo contou com uma abertura à altura da atração principal. E não apenas porque a norte-americana Moor Mother – artista,ativista e poeta – transita em uma seara musical tão perigosa e transgressora quanto a atual fase da fundadora do Sonic Youth, mas por ter convidado Juçara Marçal e Kiko Dinucci para a acompanharem na primeira parte de sua apresentação, que pode ser considerada um dos grandes momentos do festival como um todo. Juntos, os três desbravaram um caminho tortuoso entre o canto e a fala, com Moor Mother e Juçara entrelaçando vozes em uma ação contínua entre som e sentido, enquanto Kiko seguia tornando seu violão percussivo, batucando riffs, linhas de baixo e ruídos para as duas soltarem-se livres. Depois que a dupla saiu, Moor Mother seguiu sozinha no palco igualmente virulenta, cuspindo versos em dois microfones, um deles sempre com algum efeito, enquanto disparava bases eletrônicas e pesadas a partir de seu computador. Mas depois do ataque inicial do trio, seu solo perdeu um pouco do atordôo, tornado livre justamente por não ter nenhum elemento sonoro pré-gravado. E era só o começo da noite…

Depois Kim Gordon subiu ao palco do Cine Joia para encerrar as atividades do Popload Festival deste ano como principal artista do segundo show paralelo do evento – e quanta diferença um lugar pode fazer a um show. Porque ela apresentou um show bem parecido – tanto em repertório quanto em duração – com o que fez na versão completa do festival, no dia anterior. Mas colocá-la em uma casa de shows sem luz natural e com o foco totalmente preso nela fez toda a diferença – principalmente porque no sábado ela tocou ao ar livre, sob a luz do sol e com o som e atenção do público dispersos. O domingo foi a vingança de Kim Gordon, que ainda contou com um ótimo som no Cine Joia, que potencializou ainda mais a virulência de sua apresentação. Vestindo uma camisa social e gravata preta no lugar do moletom do dia anterior, ela veio mais a rigor para um show que, como o outro, priorizava seu segundo álbum, The Collective, à frente de uma banda de rock novíssima que não ficava presa às amarras do gênero – muito pelo contrário, buscava explorar com vigor e ruído os espaços abertos por Kim em sua investigação musical em torno da música urbana deste século. O canto falado e quase ausência de contato com o público reforçavam a frieza da sonoridade daquele quarteto, solapando bordoadas sonoras que passavam pela banda anterior de Kim como referência (ela inclusive pegou na guitarra em várias canções), mas não reverência, fazendo todos saírem felizes do encontro ao perceber que ela continua um motor da transgressão, mas não quer olhar para trás. Muito foda.

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Abaixo algumas fotos que a Bárbara Monfrinato fez do show:

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