A música brasileira de 2021 é mulher

, por Alexandre Matias

Outra matéria que faço para a CNN Brasil, desta vez destacando dez artistas mulheres que fizeram a cabeça do Brasil em 2021, com Marina Sena, Juçara Marçal, Jadsa, Linn da Quebrada, Duda Beat, Badsista, Tasha & Tracie, Mariá Portugal, Bebé Salvego e In Venus.

Dez cantoras que mudaram a cara da música brasileira em 2021
A atual música popular brasileira tem nomes como Marina Sena, Juçara Marçal, Jadsa, Linn da Quebrada e Duda Beat. Confiram as “campeãs do modo repeat” nas plataformas de streaming

Não é só fora do Brasil que as mulheres aos poucos tomam conta da música – isso também acontece por aqui. A trágica e estarrecedora morte de Marília Mendonça, um dos principais acontecimentos no ano que chega ao fim, não apenas calou prematuramente uma das principais vozes femininas do país, como deixou vazio o trono do pop brasileiro, que recentemente vinha sendo ocupado por astros do funk e do sertanejo.

E em um ano em que vimos alguns dos principais nomes da realeza da MPB lançar trabalhos há muito esperados, como os novos discos de Marisa Monte e Maria Bethânia, escolhemos artistas de diferentes escalas de grandeza, para mostrar como a nova música brasileira tem cara de mulher – e não precisa pedir licença para ninguém.

Juçara Marçal
Quem não conhece o trabalho de Juçara Marçal está perdendo um dos maiores nomes da música brasileira atual. Com passagens pelo grupo vocal Vésper e pelas pesquisas de música brasileira do grupo A Barca, a vocalista do Metá Metá já havia colocado seu nome no panteão do século 21 com seu primeiro disco solo, o forte e lírico “Encarnado”, lançado em 2014, e entrou em 2020 disposta a terminar seu álbum seguinte, produzido em parceria com o violonista do Metá Metá Kiko Dinucci.

A pandemia, no entanto, adiou o lançamento de “Delta Estácio Blues” para este ano, tornando-o um dos discos mais importantes de 2021 – e não apenas no Brasil. Ao contrário do disco de estreia, ela resolveu produzir um álbum a partir de colagens sonoras, que formariam bases das futuras canções.

As bases foram entregues a camaradas da cantora, nomes como Siba, Douglas Germano, Tulipa Ruiz, Rodrigo Campos e Maria Beraldo, entre outros, que criaram canções que a colocaram em posição de ataque. O single de estreia do disco, “Crash”, escrito pelo rapper paulistano Rodrigo Ogi, é uma das melhores músicas de 2021.

Marina Sena
2021 foi o ano dela. A mineira de Taiobeiras terminou o ano passado encerrando as atividades de seu grupo anterior, Rosa Neon, para focar em sua carreira solo – e abriu 2021 com a mesma “Me Toca” que depois se tornaria a faixa de abertura de “De Primeira”, lançado em parceria com o selo do rapper Djonga, Quadrilha.

Transitando entre a axé music, o samba, a música jamaicana e caribenha, o álbum transformou sua autora em fenômeno online numa época em que ainda não era possível realizar shows. O hit “Por Supuesto” bombou na rede social TikTok.

Mas Marina Sena não parou na internet e aos poucos começou a conquistar o país, sendo indicada em quatro categorias do Prêmio Multishow (onde ganhou dois prêmios), e duas no Prêmio Women’s Music Event (onde ganhou na categoria revelação e ainda dividiu o palco com Luiza Sonza). E pelo andar da carruagem, 2022 seguirá em sua mão.

Tasha & Tracie
As gêmeas Okereke coroaram uma carreira que começou na moda e chamou atenção no exterior com um disco lançado em plena pandemia. “Diretoria”, produzido pelo maestro dos beats CESRV, coloca a dupla paulistana Tasha & Tracie como um dos principais nomes da nova cena de música urbana brasileira, misturando rap, funk e R&B sem papas na língua.

“Se você não tá na mesa, você tá no menu”, cantam ao inaugurar sua carreira como MCs, depois de se estabelecerem anos antes, quando lançaram um blog de moda mostrando como faziam suas próprias roupas, em 2014, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo.

“Expensive $h1t”, batizado em homenagem ao disco de mesmo nome do papa do afro beat Fela Kuti, levou o nome das gêmeas para além do Brasil, tornando-as as primeiras brasileiras a aparecerem no site do renomado festival nova-iorquino Afropunk em 2015, quando tinham apenas 19 anos.

De lá para cá, estabeleceram-se como DJs e foram requisitadas por marcas e publicações tão diferentes quanto Avon e a revista i-D. Diretoria é só o primeiro passo de uma carreira musical que já começou célebre.

Jadsa
A guitarrista, cantora e compositora baiana estava com seu “Olho de Vidro” pronto para lançar no ano passado, mas a pandemia a fez esperar um ano para que seu disco de estreia, lançado pelo selo paulistano Balaclava, viesse à tona.

Composto ao lado de seu comparsa baixista Caio Terra, o disco é diretamente – e abertamente – influenciado por Itamar Assumpção e transita entre as síncopes fluidas da Lira Paulistana e ecos do pós-punk, sintetizados por seu jeito único de tocar guitarra.

O disco ainda conta com participações de nomes como Kiko Dinucci, Luiza Lian e Ana Frango Elétrico, além de citar vários nomes da música brasileira, como o grupo baiano ÀTTØØXXÁ, Gal Costa e Ava Rocha, desafiando o ouvinte ao mesmo tempo em que o encanta.

Mariá Portugal
A lista de artistas com quem a baterista, arranjadora e produtora paulistana Mariá Portugal colaborou é de tirar o fôlego e vai de Arrigo Barnabé a Elza Soares, passando por Pato Fu, Ava Rocha, Iara Rennó, Zelia Duncan e o dramaturgo Felipe Hirsch – além de ter integrado bandas como Donazica, Metá Metá e Trash Pour 4.

Uma das integrantes do grupo de jazz Quartabê, ela vinha adiando seu primeiro disco solo há tempos, mas ao mudar-se para a Alemanha durante a pandemia pode dedicar-se a finalizar o excelente “Erosão”, lançado pelo selo Risco, em que ela colabora com seus companheiros de banda Maria Beraldo, Joana Queiroz e Chicão, além de músicos como Thiago França, Filipe Nader, Arthur Decloedt, Paulo Braga e Tó Brandileone, que produziu o álbum. “Erosão” colide jazz e música eletrônica ao redor de canções que equilibram-se entre a MPB e a música pop, em um álbum surpreendente e cheio de camadas.

Linn da Quebrada
Depois de desequilibrar as estruturas do pop brasileiro com o pesado “Pajubá”, Linn da Quebrada expandiu sua área de atuação para além da música, seja atuando na série “Segunda Chamada”, da TV Globo, participando do documentário “Bixa Travesty”, de Claudia Priscilla e Kiko Goiffman, ou apresentando o talk show “TransMissão”, ao lado da companheira Jup de Bairro, no Canal Brasil.

Mas a música sempre foi seu porto seguro e finalmente em 2021 ela voltou a lançar um álbum. E, como de praxe, ela surpreendeu todas as expectativas com um disco que, apesar de manter beats e a vibração da pista de dança, envereda pela canção de forma surpreendente.

“Trava Línguas” revela uma conexão inesperada com a música tradicional brasileira que amplia ainda mais sua exuberância vocal e sua versatilidade como compositora. E pensar que ela ainda está só no segundo álbum…

Duda Beat
O posto de rainha da sofrência ficou vazio após a morte de Marília Mendonça, mas a pernambucana Duda Beat já era séria candidata à sucessão, mesmo quando a diva sertaneja era viva.

Com seu segundo disco, “Te Amo Lá Fora”, produzido por um dos principais nomes da cena brega funk Tomás Tróia, ao lado do novo convidado Lux Ferreira (que já havia produzido Mahmundi), ela prometia deixar a melancolia de seu disco de estreia, “Sinto Muito”, de 2018, em segundo plano.

Mas para felicidade dos fãs do primeiro álbum ela reforçou ainda mais sua veia de fossa, chamando nomes tão diferentes quando a tradicional Dona Cila do Coco e o rapper baiano Trevo para participações que reforçam tanto sua ascendência nordestina quanto seu caráter global. Não tem um hit tão grudento quanto “Bixinho”, do primeiro disco, mas mostra que ela ainda vai dar muito trabalho.

Badsista
O currículo da produtora paulistana Rafaela Andrade, mais conhecida como Badsista, fala por si – ela já trabalhou com nomes tão diferentes quanto Linn da Quebrada, Jaloo, Mahmundi, Jup do Bairro, Deize Tigrona e a norte-americana Kelela.

Um dos principais nomes das pistas de dança brasileiras na última década, ela tirou 2021 para lançar seu primeiro álbum autoral e o resultado vai além do que poderia se esperar. Claro que suas amplas referências musicais estão espalhadas por todo o disco, misturando UK garage com dancehall, Miami bass com beats de funk e música africana.

Mas “Gueto Elegance” vai para muito além dos batidões, optando por uma versão mais sofisticada e suave de seus beats, num disco que funciona tanto para dançar quanto para relaxar. E isso não quer dizer que ela tenha largado suas referências pessoais, trazendo vários colaboradores para o disco, como RHR, MC Yallah, Jup do Bairro, Lari Brd 777 e Ventura Profana, entre outros.

Deixe a boa vibração de faixas como a irresistível “VSNF” conduzir essa viagem.

Bebé Salvego
Com apenas 12 anos de idade, a piracicabana Bebé Salvego chamou a atenção do público do programa da TV Globo The Voice Kids ao interpretar “I Can’t Give Anything But Love”, música que fez sucesso como dueto entre Lady Gaga e Tony Bennett.

Cinco anos depois, ela formaliza sua carreira musical com um disco que leva seu próprio nome. Descoberta pelo baterista Sérgio Machado quando ele ainda tocava com o Metá Metá, ela mostra toda a fluência de sua voz num disco esplendoroso batizado apenas com seu prenome, que bebe tanto da MPB quanto da soul music moderna, além de deixar clara a influência de artistas como Billie Holiday, Alice Coltrane e Esperanza Spalding.

A artista mais nova desta lista, com apenas 17 anos, ela tem um futuro inteiro pela frente – e parece disposta a domá-lo.

In Venus
Única banda desta lista, a paulistana In Venus também é a única artista que envereda pelo rock. Cinco anos depois de seu disco de estreia (“Ruínas”, de 2017), o grupo formado pela vocalista e tecladista Cint Murphy, pela baterista Duda Jiu, pelo guitarrista Rodrigo Lima e pela baixista e Patricia Saltara, aprofunda-se ainda mais pela sonoridade pós-punk, abraçando a vertente paulista do gênero, ao ecoar artistas como Smack, Muzak, Akira S & As Garotas Que Erraram, Voluntários da Pátria, Vzyadoq Moe, Patife Band e, inevitavelmente, Mercenárias.

Num disco propositalmente incômodo, tanto nas letras (forte cunho social) quanto musicalmente, Sintoma faz instrumentos elétricos alternarem síncopes ao mesmo tempo agressivas e dançantes, mostrando que o rock segue firme, mesmo que por caminhos tortos.

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