Trabalho Sujo: 20 anos – e agora?

, por Alexandre Matias

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É oficial: passei metade da minha vida fazendo isso. E daí?

E daí que 2015 me comprovou uma teoria que vinha me azucrinando desde que eu ainda trabalhava no Estadão, um processo terapeutico de autorreconhecimento que me fez repensar várias coisas em relação à minha produção: por que eu preciso depender de um grande veículo de comunicação para fazer as coisas que quero, levantar os questionamentos que acho interessantes, passar as informações que realmente fazem sentido pra mim? O próprio Trabalho Sujo começou nessa lógica da brecha, de aproveitar uma determinada posição para conseguir passar informações que normalmente não estariam ali.

Por todos empregos que tive aproveitei essa situação, seja virando um caderno de cultura do avesso como editor aos 25 anos, seja subvertendo as intenções originais da revista de entretenimento e tecnologia, fazendo a iniciativa privada publicar Lawrence Lessig e distribui-lo em dezenas de milhares de bibliotecas do Brasil, puxando política e cultura para dentro de um caderno de tecnologia ou tentando abrir a cabeça de uma revista CDF. Ao mesmo tempo fui entendendo que é assim que eu sei trabalhar, colocando meu olhar, minha assinatura, minha marca. Mesmo quando fui chamado para outros trabalhos fora de redação levava uma inquietação, uma provocação, uma vontade de misturar e um olhar em perspectiva. O problema é que os trabalhos em redação (processos criativos prazeirosos em que conheci algumas das melhores pessoas da minha vida) inevitavelmente me arrastavam para intermináveis reuniões que não iam dar em nada, decisões absurdas de RH, passaralhos e invencionices que claramente não iam dar certo, além de uma desagradável sensação de cumplicidade com gente que você não queria nem conhecer.

Por isso desde o ano passado resolvi abandonar de vez as redações. Fui demitido da Galileu com uma desculpa esfarrapada qualquer (e bem no mesmo mês em que colocava na capa da revista a importância de se consertar algo que não está dando certo em vez de jogar fora) mas não via a menor perspectiva em voltar para qualquer redação. Recebi convites que em outras épocas fariam meu olho brilhar e os declinei sem o menor remorso. Toda a possibilidade de desenvolver um bom trabalho era ofuscada pela rotina sem graça de plantões, horas extras, fechamentos e ter que utilizar o Outlook.

Enquanto isso, o Trabalho Sujo deixava de funcionar só como hobby e terapia e seus filhotes começavam a caminhar: as Noites Trabalho Sujo se estabeleceram em São Paulo, depois vieram os cursos Trabalho Sujo e OEsquema acabou. Tudo conspirando para que eu assumisse o site como meu principal veículo, Ainda mantenho um blog no UOL, uma coluna na Caros Amigos e me chamam vez por outra para escrever aqui e ali, mas cada vez percebo que isso é que é o acessório. Não que os veículos de comunicação tradicional não importem, mas eles estão se afunilando cada vez numa imensa descartabilidade, medindo sucesso e desempenho por clique, view e like, reverberando notícia ruim, requentando release, pensando em ganchos bobos para conseguir falar de assuntos legais, correndo atrás de discussões das redes sociais (quando deveriam pautar a discussão), tomando o tom das pessoas que comentam em sites (você já comentou em alguma notícia de site grande na vida?) como se esse fosse o tom de todo seu leitorado, entrevistando as mesmas pessoas que entrevistam há vinte, trinta, quarenta anos e regurgigando pessimismo como se viver fosse uma merda.

O Trabalho Sujo me mostra que é justo o contrário e todo o dia eu descubro uma história incrível, uma pessoa foda, um trabalho formidável, algo que realmente merece atenção. Às vezes é uma banda, um show, um entrevistado, uma música, um filme, um remix; outras vezes é uma pessoa, uma história, uma festa, um comentário, um causo, um link, um dado, um texto, uma informação. Muitas vezes publico sem explicar demais, outras puxo como fio da meada de algo maior, outras tantas não publico, apenas guardo – e tudo isso vai ajudando as coisas a fazerem mais sentido ainda.

E tudo, como sempre repito, é jornalismo. É pesquisar, checar, fuçar, descobrir, redigir, editar e mostrar – seja num curso, num post, numa matéria, num comentário em vídeo, num podcast, numa discotecagem. Mas não é o jornalismo caxias que se leva mais a sério do que o assunto nem o jornalismo propaganda que só funciona com tudo mastigadinho na mesa do dito “repórter”, que não vai atrás de nenhuma informação. Chamo isso de jornalismo-arte como brincadeira mas também como provocação. Porque eu sentia falta de um romantismo jornalístico que permitia humor, otimismo e vínculo com a rua, que não era pautado em esporros, publicidade disfarçada, morosas burocracias e o descaso com o leitor. Não sinto mais falta disso, pois com o foco no Trabalho Sujo isso tudo foi retomado. Falta ainda uma redação, um lugar constante para trocas de experiências coletivas, mas isso é algo que eu vou resolver depois, sem pressa.

Por enquanto prefiro ir tocando minha vida sem stress, cuidando dos pequenos detalhes da vida além do trabalho (cozinhando o próprio almoço, tomando sorvete, lendo um livro ou indo pro cinema durante a semana à tarde, encontrando amigos, caminhando pelo prazer de caminhar, namorando), enquanto vejo um hobby virando ofício, fonte de renda e de inspiração. Os cursos O Outro Lado da Música e Todo o Disco são só as primeiras novidades desta nova fase. A festa do sábado – mais uma edição da já clássica Analógicodigital, um dos primeiros indícios dessa mudança – era o mínimo que eu podia fazer. Mas tem pelo menos três grandes novidades vindo aí que anunciarei até o meio de dezembro – nenhum frila, tudo relacionado ao próprio Trabalho Sujo – que mostram como vão ser as coisas daqui pra frente.

Quer dizer, de uma certa forma você já sabe. Pode não saber o que é, mas como vai ser está meio implícito.

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