Zé Celso Martinez Corrêa: “Um artista com duas florações”
Mais uma pro site da CNN Brasil sobre o Zé Celso, desta vez entrevistando seu biógrafo, Aimar Labaki.
Leia abaixo:
“Encenador e dramaturgo mais importante para qualquer geração”, diz biógrafo de Zé Celso
Aimar Labaki explica a importância do diretor para a transformação do Brasil dos últimos 60 anos
“O Zé Celso tem algo que é único no mundo: ele é um grande artista que teve duas florações”, explica o dramaturgo Aimar Labaki, autor do livro “José Celso Martinez Corrêa”, lançado pela editora Publifolha em 2002.
“Todo grande artista tem uma grande floração e depois eventualmente lança algumas outras obras importantes de tempos em tempos. O Zé não, ele tem uma grande floração, que vai de 1964 a 1972 e, de repente, em 1991, monta a peça ‘As Boas’, reabre o Teatro Oficina com o ‘Ham-let’ e passa mais dez anos montando obras-primas. Não há nenhum outro artista assim no mundo.”
O biógrafo cresceu próximo à rua Jaceguai no tempo em que Zé Celso atravessava sua “primeira florada” e lembra como o artista era visto, logo depois daquele período, como “carta fora do baralho”, alguém que vivia das glórias do passado.
“Nos anos 60, o Zé estava no epicentro do pensamento brasileiro, não só da arte – o tropicalismo como um todo: Zé Celso, Oiticica, Caetano, Glauber Rocha… Esses caras eram o centro do redemoinho que pensava o Brasil ainda no rescaldo de 1964 até 1968”, continua Labaki. “Ele consegue produzir até 1972, antes de ser preso, torturado e exilado. Esse lugar ninguém tira dele.”
“Ele achava que só a abertura não era suficiente e que aquela história de voltar ao Brasil maravilhoso que tinha antes de 1964 era mentira. E isso foi um dos motivos que o fez ser tão odiado naquele momento. E ele tinha razão, não por acaso a gente chegou onde chegou”, diz Labaki.
O autor também comenta sobre sua persona pública.
“Ele já tinha transbordado o teatro para sua vida dele desde o espetáculo Gracias, Señor, de 1972, e a partir dali ele fez de sua vida um teatro. Ele usou sua persona pública a favor das causas que defendia, mas não acho que ela fosse uma construção, o personagem não era tão diferente da pessoa”, lembra.
“Mas as pessoas não conseguiam ver sua delicadeza no meio de todo aquele brilho: Zé tocava piano, almoçava com a família todo domingo, era uma pessoa extremamente ligada à própria família – e nunca escondeu isso.”
Morte do irmão
Labaki aproximou-se de Zé Celso quando começou a escrever um livro que se tornará documentário sobre seu irmão, Luís Antônio, assassinado com 104 facadas no Rio de Janeiro em 1988.
“O Zé transformou a luta pela prisão do assassino num movimento social no ano seguinte, que foi o precursor de todos os movimentos civis a favor do Rio de Janeiro que vieram depois. Todo domingo, às seis da tarde, ele fazia um palanque em algum lugar da zona sul e reunia nomes como Fernanda Montenegro, Marília Pera, exigindo a reabertura do processo para descobrir e prender o assassino de Luís Antônio – o que conseguiu fazer”, comenta o autor, que lembra que Luís Antônio, além de ele mesmo um grande encenador, também foi quem cuidou do Oficina quando Zé Celso foi obrigado a mudar-se do Brasil.
“Zé Celso é um dos encenadores e dramaturgos mais importantes para qualquer geração e sua estética extremamente particular é incômoda para um país careta como o Brasil. Essa caretice não vem só por seu lado sexual, que é quase folclórico e tão evidente em sua vida e obra”, explica o biógrafo.
“Mas essa caretice vem pelo fato de ele sempre ter um pensamento sempre contra a corrente. E se você olha o trabalho do Zé é óbvio que ele dionisíaco e absolutamente sexuado, mas é extremamente racional, apolíneo e extremamente culto”, lembra o biógrafo, que comenta que o incêndio que o acabou o vitimando talvez não fosse tão trágico se o dramaturgo não tivesse uma biblioteca e vários documentos de papel que ajudaram o fogo queimar mais rápido.
“Mas depois que as pessoas que só lembram dele pelo folclore morrerem, Zé Celso vai ser lembrado por sua obra e por sua contribuição para o pensamento sobre o Brasil”, conclui Labaki. “Não dá pra pensar no Brasil dos anos 60 pra cá, sem se perguntar, a cada momento histórico, de que lado estava o Zé. E você pode ter certeza que ele estava sempre no lado certo.”
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