As teorias sobre os últimos episódios de Twin Peaks

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Após o controverso final de Twin Peaks, fãs começam a ligar os pontos e achar camadas e camadas de significados ocultos – citei algumas dessas teorias no meu blog no UOL.

A saga de Twin Peaks foi encerrada no fim de semana passado num episódio duplo que pegou a todos de surpresa. O filme de dezoito horas imaginado por David Lynch e Mark Frost chegou ao final deixando fãs impressionados e divididos, ao cogitar um final ainda mais surpreendente do que todo o impacto da temporada, que já tinha garantido seu espaço como o grande feito cultural deste ano. Com a conclusão apresentada nos episódios 17 e 18, a série avança ainda mais em sua ousadia narrativa ao convidar o público para montar o quebra-cabeças a partir das peças oferecidas durante toda a temporada. E em menos de uma semana, inúmeras teorias surgiram explicando como o encerramento enigmático tinha finalmente resolvido toda a trama sobre a morte de Laura Palmer. A partir daqui o texto vem cheio de spoilers, por isso vire os olhos para outro lado se não quiser saber de algo sobre o final da temporada.

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Ao contrário do que muitos poderiam prever, o penúltimo episódio da temporada trouxe várias explicações e conclusões para o seriado. Que Naido era, na verdade, Diane num disfarce. Que Judy era, na verdade, uma entidade maligna – e Gordon sempre soube disso. O tão esperado confronto entre o agente Cooper e Mr. C não aconteceu, deixando para Lucy a tarefa de liquidar com o doppelganger de nosso protagonista, numa cena tão inusitada quanto ágil. E, claro, a luva mágica do novato Freddie foi a arma usada para acabar com Bob, o espírito do mal responsável pelo sofrimento e morte da outra protagonista da série, Laura Palmer.

O mais impressionante do episódio, no entanto, foi o encontro entre estes dois personagens principais, separados inevitavelmente por suas condições básicas: o agente Cooper nunca poderia encontrar Laura Palmer pessoalmente pois ele só soube de sua existência – como nós – devido ao fato de ela ter sido morta. Mas eis que a mágica de Twin Peaks transforma o personagem de David Bowie (o agente Philip Jeffreys, agora encarnado em uma espécie de chaleira) em uma espécie de máquina do tempo e leva Cooper para 1989, fazendo com que o agente do FBI encontre a adolescente perturbada minutos antes de seu assassinato, puxando-a pela mão e lhe trazendo de volta para “casa”.

Em mais uma das várias referências que David Lynch faz ao Mágico de Oz, um de seus filmes favoritos, Cooper a retira de sua realidade mundana – espertamente revisitada em preto e branco, a estética escolhida por Lynch para representar o passado no já clássico episódio 8 desta temporada – e a cena se colore, dando uma profundidade à situação que mostra a gravidade dos acontecimentos. Como o próprio Jeffreys havia mencionado ao mostrar o número 8 para Cooper e como todo fã de ficção científica sabe, não dá para mudar o passado sem que necessariamente se afete o futuro. “O passado dita o futuro”, explica Cooper em um dos últimos momentos do penúltimo episódio, na frase que o batiza.

Ao salvar Laura Palmer, Cooper deleta seu cadáver de sua realidade, mudando todo o curso da história. Sem o assassinato de Laura, o próprio Cooper não precisa ir para Twin Peaks, o que torna sua despedida de todos os personagens logo após a destruição de Bob ainda mais dramática. Ele sabia que ao fazer o que estava fazendo necessariamente mudaria seu passado e assim ele esqueceria que um dia teria conhecido todas aquelas pessoas.

Num gesto simples e mágico, o agente do FBI simplesmente apaga todas as temporadas de Twin Peaks da existência – tanto as duas primeiras exibidas há um quarto de século quanto a que estava terminando. A única realidade daquele universo que existiria seria a do filme Os Últimos Dias de Laura Palmer (Fire Walk With Me, que Lynch dirigiu após o cancelamento da série original), que mostra o ponto de vista da garota que seria assassinada. Cooper parece finalmente ter derrotado Judy, que descobrimos naquele mesmo episódio ser uma entidade mais poderosa que Bob, e assim as peças exibidas durante a temporada – a caixa de vidro do primeiro episódio, o monstro que “vomita” o ovo de Bob no oitavo e a possessão de Sarah Palmer, explicada lentamente em outros três capítulos – vão formando o quebra-cabeças. A constatação final acontece com a cena em que a mãe de Laura, Sarah, sai de seu quarto em direção à sala depois de passar alguns segundos gemendo de forma horripilante. Ela entra no cômodo, pega o retrato da filha sorridente, um dos principais ícones representativos da série, atira no chão e passa a agredi-la com garrafadas. É ali que descobrimos que Sarah estava possessa por Judy, que não aceitava que Cooper tivesse mudado o curso da história. O fato da cena em si não evoluir – a imagem fica indo e voltando repetidas vezes, o vidro da garrafa e do porta-retrato sendo estilhaçado e voltando a se recompor num loop que pode ser eterno – mostra que aquele era o final da série e daquela realidade. Sem o assassinato de Laura Palmer, aquela realidade não existiria. Mas Judy estaria disposta a perder tudo de uma forma tão simples?

E é aí que entra o último episódio. O décimo oitavo episódio. O episódio que certamente mais dividiu os fãs de Twin Peaks e que mais encantou os fãs de David Lynch – mais até que o oitavo. E é aí que começam as teorias imaginadas por fãs da série em todo o mundo, cogitando possibilidades para explicar o que acontece a partir do momento em que Cooper salva Laura.

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A principal delas – e que ganha mais adeptos e mais pistas para justificar sua existência – é a de que Cooper e Diane foram para uma outra realidade para aprisionar Judy nela. Sendo uma força tão maligna, ela só seria contida com a destruição de todo o universo em que ela habitava. E é isso que Diane e Cooper fazem ao mudarem de realidade segundo as pistas dadas pelo Gigante logo no início da temporada – depois de quatrocentas e trinta milhas, eles cruzam de uma realidade para outra e se transformam em Richard e Linda. A incômoda cena de sexo entre os dois faz parte deste ritual de mudança de realidade e quando Cooper – ou Richard? – se descobre sozinho em um quarto de um outro motel, ele sabe exatamente o que fazer. Descobre o paradeiro de Laura Palmer nesta nova realidade – Carrie Page é seu novo nome – depois de passar por um café chamado Judy’s e a leva de volta para Twin Peaks. Ao confrontá-la com seu antigo endereço e não tirar nenhum tipo de reação, na última cena, o agente do FBI parece hesitante, como se perdesse o equilíbrio e o rumo de tudo que estava fazendo. Pergunta então a questão que ecoará para sempre nas cabeças dos fãs da série: “Que ano é esse?”

Logo em seguida, ouvimos a voz da mãe de Laura chamar seu nome exatamente como no primeiro episódio da série, o que faz que ela reconheça e lembre-se de tudo, dando o grito que também já é um clássico para a série. Vemos então a casa dos Palmer, que fica sem energia e a luz acaba, deixando a tela em preto por uns bons segundos (como outro final controverso de outra série clássica, que não vou mencionar o nome aqui para não estragar a diversão de quem não sabe do que estou falando). Segundo esta mesma teoria que menciona a possibilidade de aprisionar Judy em uma realidade alternativa para depois destruí-la, as luzes se apagando na casa dos Palmer são a prova que Judy foi derrotada e que aquela nova realidade parou de existir. Laura e Cooper voltariam então para o Black Lodge não mais como pessoas e sim como entidades – e a cena final, dos créditos, é quando Laura explica para Cooper o plano (que é do dele mesmo, de Gordon Cole, Major Briggs e Philip Jeffreys – com a ajuda do Gigante) para deter Judy – um plano kamikaze em que os dois se sacrificariam para conter aquela presença maligna.

De carona nesta mesma teoria, outra cogita a possibilidade dos dois últimos episódios serem espelhos um do outro, sendo feitos para serem assistidos simultaneamente. A principal pista para essa sincronização seria a imagem do rosto de Cooper superposta sobre quase toda a cena após a batalha final do episódio 17, quando ele diz com a voz distorcida que “vivemos dentro de um sonho”. A sincronia inclusive justificaria o ritmo de cada episódio – enquanto o 17 (que seria o final pensado por Mark Frost) é cheio de situações, de reviravoltas e de explicações, o 18 (que seria o final pensado por David Lynch) é lento, sem diálogos e quase sem texto, com pouca ação e muita dúvida no ar. É claro que esse tipo de sincronia é sempre suscetível à aceitação do espectador – e talvez aí esteja o recado dado aos espectadores da série. É claro que alguém já sincronizou os dois episódios e os colocou juntos como um só online (“duas aves com uma só pedra” então não significaria apenas o fim de Bob e Judy com uma só tacada como os dois episódios sendo vistos como um só):

Uma outra teoria ainda diz que a realidade paralela visitada por Cooper e Diane no episódio 18 é, na verdade, a nossa realidade (confirmado por uma série de detalhes – desde a população da cidade de Odessa ao fato de que a dona da casa dos Palmer ser vivida pela própria moradora da casa atualmente). Isso conversaria com o sonho de Gordon Cole com Monica Belucci, em que ele (vivido pelo próprio David Lynch) é confrontado com a pergunta sobre quem é o sonhador do sonho em que vivemos, pouco antes de ele olhar para trás e quebrar a quarta parede, olhando para o espectador!

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Mas quem é o sonhador? Esta versão diz que somos nós mesmos, que sonhamos com Twin Peaks: o episódio 17 seria o final de sonho, com tudo do jeito que a gente imaginava (o final do confronto entre Freddie e Bob parece um desenho do Scooby-Doo) e o episódio 18 seria o pesadelo, enigmático, hermético, sem respostas. Outra versão diz que o sonhador é Laura, que teria sonhado todas as três temporadas da série, acordando com a voz de sua mãe no primeiro e no último episódio. Outra versão diz que o sonhador é Cooper, preso até hoje no Black Lodge e imaginando como seria voltar e colocar as coisas em ordem (daí a cena final seria Laura Palmer sussurrando ao seu ouvido que “é tudo um sonho”).

Há ainda os que leram a terceira temporada da série como a despedida cinematográfica de Lynch, aproximando seu maior momento de popularidade com sua filmografia, nada popular. Assim, o discurso final de Cooper poderia ser entendido como o adeus de Lynch a todos seus fãs, tanto os de seus filmes como o de Twin Peaks.

Inúmeras outras versões circulam online (a maioria delas enraizada no subdiretório da rede social Reddit dedicado ao tema), cada uma delas pegando pontas soltas e pistas aleatórias que surgiram nos dezoito episódios da temporada, nas duas primeiras temporadas e no filme Fire Walk With Me. Da mesma forma tantos outros brigam sobre a quantidade de histórias deixadas em aberto, especificamente a de Audrey, bem como o fato de que a temporada não avança muito na história e acrescenta uma série de personagens que são irrelevantes para o desfecho final. Mas alguém consegue imaginar Twin Peaks: O Retorno sem os irmãos Mitchum? Sem os diálogos berrados de Cole? Sem Dougie Jones? Sem Janey-E? Sem Chad e Red? Sem Hutch e Chantall? Sem o ataque na caixa de vidro, a senhorita Dido, as discussões de Audrey com Charlie, a tulpa de Diane, os diálogos sem pé nem cabeça e os shows do Roadhouse? Sem a trama envolvendo as investigações sobrenaturais de Bill Hastings? Sem os Woodsmen, a bomba atômica, o andar de cima da loja de conveniência ou o besouro-sapo?

Nem tudo na vida é explicado. Muitas de nossas dúvidas existenciais são sanadas simplesmente pelo fato de serem esquecidas. Pessoas vêm e vão em nossas vidas e é a sensação que sentimos ao atravessá-las é o que realmente importa. Uma das teorias mais legais sobre o final de Twin Peaks diz respeito ao nome original de Judy, que pode ser entendido como “jiāo dài”. O termo (交代 em mandarim) quer dizer “explicar”, “conceder”, “ilustrar”. Ao cogitar a possibilidade de que a explicação seja uma “força extremamente negativa”, Lynch e Frost optam pelo mistério como o sentido da vida, deixando-o no ar para que o nome de sua maior obra atravesse o tempo, em vez de ser consumida rapidamente numa simples reviravolta definitiva. Um final em aberto, raro no mercado de entretenimento atual, mas não raro nas melhores produções de TV recente (The Wire, Sopranos, as primeiras temporadas de True Detective e Westworld e Lost), uma lista que parece ser encabeçada por esta última temporada de Twin Peaks, a melhor série deste século.

Os dois últimos episódios de Twin Peaks sincronizados

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E se eu te dissesse que os dois últimos episódios de Twin Peaks se forem sincronizados conversam entre si? Alguém cogitou essa teoria no Medium e outro alguém a executou num vídeo no YouTube. E o resultado está aí – com spoilers, claro, para quem não viu toda terceira temporada da série.

https://www.youtube.com/watch?v=2ABFOCxhy-s

“Dois pássaros com uma pedra”: e assim o season finale ganha mais uma camada de significado.

Um final brilhante e assustador

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Os dois últimos episódios de Twin Peaks encerram a série da forma mais surpreendente e inusitada possível – falei sobre isso no meu blog no UOL.

Que viagem. Que sonho. Que pesadelo. Os dois episódios que encerraram a terceira temporada de Twin Peaks mantiveram o nível que David Lynch e Mark Frost estabeleceram durante toda a narrativa deste ano. Tão assustador quanto brilhante, foram dois capítulos que trouxeram o que muitos fãs esperavam e que ao mesmo tempo tirou o chão de todo mundo que achava que tinha alguma ideia para onde a série estava rumando. Se você não assistiu aos dois episódios, hora de virar os olhos para cima, porque lá baixo virão os spoilers.

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O season finale foi dividido didaticamente em duas partes. Na primeira, o episódio 17 batizado de “O passado dita o futuro”, inúmeras respostas vieram à tona, em um episódio cheio de revelações e surpresas como o anterior, feito para os fãs aplaudir entusiasmados a reencontros, reviravoltas e vitórias. Descobrimos quem é Judy (“uma força extremamente negativa”, explica Gordon Cole) e quem é Naido (Diane, vejam só), personagens secundários como Chad e Freddie tiveram seus momentos, Mr. C e Bob parecem ter encontrado seus destinos finais. Reencontramos o Gigante e o major Briggs no cinema que ainda não sabemos se é o white lodge. Vemos a grande cena redentora do fim de Bob, uma luta que só pode ser assistida – pois ao ser descrita revela-se ridícula.

Ao mesmo tempo, o agente Cooper e a equipe do FBI finalmente chegam a Twin Peaks – em grande estilo – e Cooper pode visitar o andar de cima da loja de conveniência, onde ele pode se reencontrar com Philip Jeffreys, que lhe permitiu assistir a eventos que aconteceram antes do início da primeira temporada. Uma estranha sensação, no entanto, atravessa todo esse decorrer dos fatos quando David Lynch superpõe um close extremo do rosto preocupado do agente Cooper sobre as cenas que acontecem na delegacia. É mais uma referência que Lynch faz ao final de 2001 (o rosto do astronauta encarando o espectador de frente enquanto assistimos a uma transformação completa da realidade. Será que Cooper é o sonhador? Um observador externo da própria vida? Parece um estranho presságio do que irá acontecer em seguida.

De volta a 1989, Cooper assiste ao encontro dos jovens Laura e James poucas horas antes do assassinato da primeira em uma cena em preto e branco, conseguindo resgatar Laura de seu destino final ao puxar-lhe pela mão através da floresta – e a cena passa a ganhar cores. “Onde vamos?”, pergunta Laura a Cooper, que responde que eles estão indo para casa. Esse gesto faz o cadáver de Laura envolto em plástico desaparecer da história e voltamos para o início da primeira temporada, quando o personagem Pete Martell (vivido pelo falecido Jack Nance) avisa à esposa que irá sair para pescar – e, ao contrário do que sabemos, ele não acha mais o corpo de Laura. Pouco antes do fim do episódio, a estranhos gemidos na casa dos Palmer pouco antes de vermos uma raivosa versão de Sarah, a mãe de Laura, sucumbir à loucura e a atacar violentamente o retrato da filha com uma garrafa, aos berros.

Na floresta, Cooper conduz Laura pela mão no escuro até ouvir o estranho ruído que saía do gramofone do Gigante na primeira cena da temporada e perceber que ela sumiu, não sem antes ouvir o mesmo grito assustador que ela deu ao desaparecer do black lodge no início do primeiro episódio. A cena da floresta se desfaz com a imagem do Roadhouse, onde encontramos Julee Cruise vinte e cinco anos mais velha cantando a mesma “The World Spins” que ela cantou no episódio 14 da primeira safra de episódios da série, quando o Gigante anunciava que estava acontecendo de novo. Assim termina o décimo sétimo episódio e confortavelmente satisfeitos com as revelações e as respostas que soubemos, nos preparamos para a última hora do seriado, onde provavelmente veríamos as últimas respostas surgir.

https://www.youtube.com/watch?v=8bAIjzeymyU&feature=emb_title

Mas em vez disso, o episódio chamado “Qual Seu Nome?” zera todas as expectativas. O único momento confortável é o reencontro de um novo Dougie Jones com sua família em Las Vegas, a única conclusão apresentada em todo o episódio. Logo em seguida, Mike entra mais uma vez em cena para perguntar se estamos vivendo o passado ou o futuro, antes do galho seco que atende por Braço perguntar sobre a história da garotinha que vive na alameda de baixo. Mais uma vez Laura reaparece no black lodge apenas para sussurrar algo assustador no ouvido de Cooper e desaparecer aos gritos mais uma vez. Cooper reencontra o pai de Laura, Leland, que fala para ele procurar por sua filha e ele sai das cortinas vermelhas direto para a floresta, onde encontra Diane.

Pelo resto do capítulo, assistimos Cooper e a renascida Diane – de cabelos vermelhos e unhas pintadas de preto e branco, como o black lodge – atravessar de carro uma zona sem volta, 430 milhas de distância de Twin Peaks (“Quatro. Três. Zero” era uma das dicas que o Gigante deu no início da temporada). O próprio carro que Cooper dirige é um carro antigo e a cena parece saída de um filme de Hitchcock, de tão correta. Eles cruzam a tal zona e o dia vira noite. Logo depois, param num hotel de beira de estrada onde vão se hospedar, não sem antes Diane ver a si mesma à distância. No quarto, eles transam ao som da mesma “My Prayer” que tocava no rádio quando os Woodsman atacaram o Novo México no episódio 8, numa cena de sexo com ares macabros. No dia seguinte, Cooper acorda sozinho no quarto de hotel apenas para encontrar uma carta de uma certa Linda endereçada a um certo Richard. Os mesmos personagens citados pelo Gigante no início da temporada.

A essa altura, todos os espectadores já estão coçando a cabeça sem saber para onde o seriado vai. Sozinho, Cooper sai do hotel e o hotel é um outro hotel. Entra no carro e seu carro é outro carro. Sem reconhecer onde está, para em um café na beira de estrada chamado Judy’s e depois de ver três caubóis importunarem uma garçonete, ele dá um jeito nos três, põe suas armas no óleo de batatas fritas, se identifica como agente do FBI e pede para a garçonete o endereço da outra funcionária do local, que não está lá. “O que diabos acabou de acontecer?”, pergunta-se um dos caubóis ao se levantar do chão.

E nós perguntamos o mesmo. Cooper vai para o endereço e encontra-se com Laura Palmer, envelhecida. Mas ela não é Laura Palmer e sim Carrie Page, não sabe quem é Laura Palmer, seus pais não se chamam Leland e Sarah e há um cadáver em sua casa. Quando Cooper pergunta se ela não quer ir para Twin Peaks, em Washington (que ela acha que é a capital norte-americana), ela topa no mesmo instante. Os dois vão de carro para a cidade fictícia do noroeste dos EUA, chegam à casa em que Laura Palmer morava e nenhum Palmer mora lá. Perturbado como todos os espectadores, Cooper vai em direção ao carro, até que para e se pergunta:

– Que ano é esse?

Carrie olha fixamente para a casa e ouve o nome “Laura” ser chamado à distância. Ela começa a tremer e dá o mesmo grito característico de seu desaparecimento. Cooper assusta-se. As luzes da casa se apagam. A tela se apaga. Fica tudo preto, apenas com o som do grito de Laura se espalhando no ar. Meio minuto de tela escura e nos encontramos novamente com o rosto assustado do agente Cooper no black lodge, ouvindo algo sussurrado por Laura. Uma imagem estática – e assim sobem os créditos finais.

O que aconteceu? Em que ano estamos? A história de Laura desapareceu? Isso muda alguma coisa? Quem gritou “Laura”? E o que aconteceu com Diane? E a história de Audrey? E Tina, e Billy, e Charlie, e Linda? Bob morreu? Fomos para uma realidade paralela?

Depois de um episódio didático e feito para os fãs (o terceiro de uma série), Lynch e Frost terminam seu seriado apagando a luz, deixando o mistério no ar e, talvez, suas pistas espalhadas pela temporada. Um final imprevisível, violento, assustador, surreal e brilhante, como toda a história de Twin Peaks.

Se é que é um final.

A estranha musiquinha do trenzinho de Twin Peaks

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A já célebre cena do trenzinho dos irmãos Mitchum e de Dougie Jones conta com uma trilha sonora que nada tem a ver com a cena – e parece uma música de videogame antigo. Mas alguém se deu ao trabalho de desacelerar a cena em duas velocidades diferentes para descobrir uma bateria de jazz e um tecladinho

Isso é invenção do próprio David Lynch, que faz a direção de som da série e é autor do remix que marca a personalidade da versão maligna do agente Cooper, uma versão em câmera lenta da deliciosa “American Woman”, das Muddy Magnolias, que nessa nova velocidade ganha um aspecto assustador:

Vamos rever novamente este momento e sua trilha sonora bizarra:

Twin Peaks, um revival histórico

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Escrevi lá no meu blog no UOL como, mesmo antes do final da nova temporada de Twin Peaks, a série de David Lynch e Mark Frost se consagrou como um ícone cultural de 2017.

Mesmo antes de serem exibidas na virada deste domingo para a segunda-feira, as duas últimas partes de Twin Peaks: O Retorno, a terceira temporada do seriado idealizado e produzido por David Lynch e Mark Frost, já fazem deste último episódio um marco histórico. É o fim de uma aventura radical de pop experimental que os dois conseguiram que fosse bancada por uma emissora de TV, desafiando todos os clichês de sua volta (incluindo sua base de fãs mais ferrenha) para contar uma história que não parece fazer sentido e tentando reunir e explicar todas as dúvidas abertas (abrindo outras tantas). Como a vida, parecem sublinhar seus autores.

O fato é que a volta de Twin Peaks mostrou que a dupla forjada há mais de 25 anos pode executar o final de uma história interrompida pela metade com uma maestria ímpar na história da arte e do entretenimento moderno. Enquanto Mark Frost costurava pontas soltas no roteiro nas duas primeiras temporadas e no filme Os Últimos Dias de Laura Palmer e abria outras possibilidades ao criar novos personagens, locações e situações, David Lynch expandia seu subconsciente criando imagens e cenas inacreditáveis, bizarras e antológicas. Entre o normal e o surreal, a dupla repete o feito que há um quarto de século moldou a televisão como a conhecemos hoje atualizando uma série de paradigmas cutucados décadas atrás: a regência de expectativas, a condução do zeitgeist, um retrato atual dos EUA, conceitos como paranoia, conspiração e sobrenatural, a estética para a cultura de seu tempo e as fronteiras entre o cinema, a televisão e outras formas de experimentação audiovisual.

David Lynch e Mark Frost cobraram caro dos fãs que queriam apenas o revival. Todos esperavam o momento em que o agente Cooper voltasse a tomar seu café com suas assertivas improváveis mas sensatas sobre o que deveria ser feito. Em vez disso, assistimos a Kyle MacLachlan desdobrar seu personagem mais clássico em personalidades múltiplas, prendendo-se a dois extremos em atuações magníficas: uma versão maligna e sobrehumana batizada de Mr. C e uma versão infantilizada e tenra chamada de Dougie Jones. O pulso entre essas duas personalidades deu o tom sobre toda a série e fez os fãs de ocasião abandonarem o seriado enquanto os espectadores restantes teimavam em se perguntar, entre maravilhados e surpresos, o que diabos estava acontecendo.

E, como disse o gigante ao agente Cooper na segunda temporada, está acontecendo de novo. Twin Peaks está prestes a encerrar sua viagem de forma épica e gloriosa, correndo o risco de responder à maioria de suas questões e revolucionando mais uma vez a televisão para, quem sabe, dar brecha para uma quarta temporada. A partir daqui o texto contém spoilers para quem não assistiu até o décimo sexto episódio da terceira safra da série, disponível no Netflix brasileiro.

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“Passado ou futuro?”, nos pergunta Mike, a entidade de um braço só que foi instrumental em retirar o agente Cooper de seu exílio sobrenatural nos últimos 25 anos no segundo episódio deste ano. Talvez essa seja a principal chave para toda a terceira temporada – estamos assistindo a cenas que aconteceram em ordem diferente das que elas aparecem na tela. A ordem cronológica dos acontecimentos está embaralhada para quem assiste à série capítulo por capítulo, reforçando a ideia de seus criadores de que estamos assistindo a um filme de dezoito horas – e não a uma novela explicada em uma narrativa linear.

Uma das primeiras cenas da nova temporada, quando Cooper se reencontra com o Gigante que vem servindo de guia para sua intuição desde sua primeira ida a Twin Peaks, dá a entender que estamos frente a uma série de dicas que deveriam ser decifradas nos capítulos seguintes: “Ouça os sons. Algumas coisas não podem ser ditas em voz alta. Lembre-se: Quatro, três, zero. Richard e Linda. Dois pássaros com uma pedra.” Cooper apenas responde que entende. Os fãs passaram horas tentando descobrir quem eram aqueles dois (Richard já apareceu e desapareceu, mas nada da Linda), caçando números entre horas e relação entre outros que apareciam ou eram ditos na tela, prestando atenção em sons que saíam das paredes e de tomadas elétricas e tentando adivinhar quais eram as duas aves mortas com uma só pedrada.

https://www.youtube.com/watch?v=-G-x_jfddis&feature=emb_title

Mas nada garante que essa cena seja a primeira cena da série. E a realização sobre essa possibilidade veio aparecendo à medida em que a cronologia passava a ser montada como um quebra-cabeças a partir de datas em fichas policiais, calendários de eventos fantásticos, mensagens de SMS e interrelação entre cenas distantes. Em vez de recomeçar Twin Peaks na pequena cidadezinha fictícia no estado norte-americano de Washington, Frost e Lynch preferiram espalhar sua história por todos os EUA: um portal interdimensional em uma caixa de vidro sob vigília mantida por um bilionário em Nova York, um cassino em Las Vegas, um assassinato em outra cidadezinha fictícia, Buckhorn, no estado de Dakota do Sul, uma bomba atômica que explodiu no Novo México, em autoestradas e ruas escuras que cruzam o país e até Paris, num sonho.

A própria Twin Peaks foi sendo revisitada esporadicamente, nos apresentando velhos personagens aos poucos, enquanto citava outros novos sem mostrar seus rostos. Enquanto uns reapareciam em novos formatos (o anão Homem do Outro Lado foi substituído por um galho de árvore com um pedaço de carne no topo, o agente Philip Jeffreys vivido por David Bowie reapareceu como uma chaleira gigante), outros levavam horas para aparecer – especificamente a Audrey vivida por Sherilyn Fenn -, uns vieram do além-túmulo (como o Dr. Will Hayward vivido por Warren Frost, a Log Lady vivida por Catherine Coulson, o agente Albert vivido por Miguel Ferrer, que morreram após suas participações na série), outros em flashbacks (como o próprio Bowie, o Bob de Frank Silva e o major Garland Briggs vivido por Don S. Davis) e ainda há os que não apareceram ainda, como o agente Chester Desmond (vivido pelo cantor Chris Isaak) e o xerife Truman (vivido pelo ator Michael Ontkean).

Este quebra-cabeças foi sendo montado à medida em que os agentes do FBI liderados por Gordon Cole (vivido pelo próprio David Lynch, em uma atuação soberba) foram descobrindo que as pistas do assassinato em Buckhorn e a reaparição do agente Cooper em uma prisão federal aos poucos os levava para Twin Peaks. Ao mesmo tempo, assistíamos à lenta – e dolorosa, para alguns fãs – recuperação da personalidade do Cooper original de dentro do corpo de Dougie Jones e sua conexão com os ótimos irmãos Mitchum (dois gângsters vividos por Jim Belushi e Robert Knepper) e à polícia de Twin Peaks descobrindo que fatos surpreendentes aconteceriam nos dias primeiro e dois de outubro.

Além do estranho dia-a-dia na própria Twin Peaks, incluindo aí as aparições no Roadhouse, que, ao que tudo indica, transformou-se em um lugar sobrenatural. A casa de shows, que foi cenário para apresentações de artistas nada fictícios como Au Revoir Simone, Sharon Van Etten, Nine Inch Nails, Moby (como figurante em uma banda), Chromatics, Eddie Vedder e Hudson Mohawke e de conversas sobre personagens que nunca apareceram na tela durante toda a temporada, subitamente virou uma espécie de alucinação da personagem Audrey no último segundo do episódio mais recente.

Há inúmeras questões em aberto: O que é o som que o Gigante pede para Cooper ouvir no gramofone? O que Laura Palmer disse no ouvido do agente Cooper? Onde está a verdadeira Diane? Quem é Tina? Onde está Audrey? Bob saiu do corpo do Agente Cooper? O que fez Hawk na entrada do Black Lodge? Por que Sarah Palmer assiste àqueles programas na TV? E que tantas referências são essas a histórias infantis? Mais alguém é uma tulpa? O que Lucy viu na visão de Andy? Quem é a viciada que mora perto da casa de Dougie? Que barulho é aquele no Grand Nothern? Quem é Billy? O que é aquele símbolo estranho? O que são os Woodsman? Quem é Linda? Quem é o marido de Beverly? Como Gordon viu Laura Palmer? Por que Albert fala cada vez menos? E aquela caixa na Argentina que recebe mensagens? Quem é Judy? O que Gordon ouve no limpador de janelas? E aquela menina zumbi? E aquele sapo com asas de besouro? E aqueles números nos postes? Por que o Gigante chama-se Bombeiro? Gordon Cole está percebendo vibrações de outras dimensões? Qual a diferença de um doppelganger de uma tulpa? Quem vai tomar um soco de Freddie? Como Laura Palmer desapareceu? Quem é Naido? “Quando você chegar lá você já vai ter chegado lá”? E a alma da criança voando? Quem é Charlie? E aquele truque que Red fez com a moeda? Há alguma relação entre a luta de boxe que Sarah assiste com o passado de Bushnell? O que vai acontecer com Chad? O que acontecerá com Janey-E e Sonny Jim? Quem ressuscitou o Bad Cooper? Como o Bad Cooper mexeu no sistema de eletricidade da cadeia? Quem é a Senhorita Dido? Sarah Palmer está possuida pela Mãe? Onde está Jerry? Quem será a última banda a tocar no Roadhouse? Quem é o sonhador?

https://www.youtube.com/watch?v=n35Zzum0h6Q&feature=emb_title

Enquanto isso, Lynch e Frost aproveitavam para fazer um retrato dos EUA em 2017 como poucos ousaram fazer – ainda mais nesta era Trump. Um bom exemplo é a cena em que o policial Bobby Briggs (Dana Ashbrook) vai à rua após o início de um tiroteio e choca-se ao perceber que era uma criança com uma arma na mão, vestindo roupas camufladas e com a mesma cara de tédio – e não de susto ou de aborrecimento, como deveríamos esperar – do pai. Atrás do carro que causou o incidente, uma senhora buzina e briga agressivamente para o carro da frente, apenas para assistirmos uma criança babando vômito erguer-se lenta como uma morta-viva no banco do carona. É uma cena aparentemente aleatória, mas denuncia uma sociedade doente em vários níveis. Outras cenas do tipo assistem aos irmãos Mitchum reclamando do estresse de uma vizinhança após outro tiroteio (uma homenagem quase literal a Quentin Tarantino, enquanto eles mesmos estão ironicamente com armas na mão), Janey-E (vivida magistralmente por Naomi Watts) passando um sabão em dois matadores de aluguel, Norma (vivida por Peggy Lipton) desistindo de ganhar “muito dinheiro” ao não transformar seu restaurante em uma franquia e aceitar seu grande amor – Twin Peaks vai diagnosticando os problemas norte-americanos como se contasse histórias curiosas sobre a decadência de uma sociedade.

Para quem não assiste à série, a impressão é que tudo é uma bagunça e que nada será respondido – mas o ponto é justamente o oposto. Eram muitas outras perguntas e parte delas foi sendo respondida à medida em que a série caminhava. Mais do que isso: depois de negar todas as referências à Twin Peaks original, seus criadores aos poucos foram entregando o ouro para os fãs mais persistentes, mostrando exatamente o que os fãs queriam assistir em um remake mas de forma menos óbvia e trivial. O episódio 16, exibido na semana passada, foi repleto destes momentos, culminando com o grandioso renascimento do Agente Cooper. Isso sem contar o revolucionário episódio 8, que parecia completamente alheio à história mas que funcionou como um mapa para entender o panorama geral da série.

Tudo indica que é isso que irá acontecer nos dois últimos episódios, que serão exibidos no fim deste domingo nos EUA e que em pouco tempo estará no Netflix brasileiro. Pouquíssimo se sabe sobre estes dois momentos e a principal dica é que cada um destes episódios tem um título (o 17 chama-se “O Passado Dita o Futuro” e o 18 chama-se “Qual Seu Nome?”), o que acaba com a expectativa sobre um longo episódio de duas horas, como se fosse um filme. Meus palpites? Linda é irmã-gêmea de Richard, Judy é o major Briggs, há uma relação entre Diane e Naido, Audrey é a sonhadora e dois grandes acontecimentos devem acontecer no Jack Rabbit’s Palace e na cadeia da delegacia de Twin Peaks, além de algo me dizer que só assim entenderemos a cena de abertura. Mas isso tudo é irrelevante. Mesmo com o fim da temporada, ao descobrirmos quais quais perguntas foram realmente respondidas e quais eram irrelevantes, a importância do seriado não precisa ser provada.

Em menos de dezoito episódios Twin Peaks fugiu de clichês, provocou intelectualmente seus espectadores, dissecou a própria mitologia e nos apresentou novos ícones, arriscou-se sempre que possível e sempre abrindo mão de recursos cosméticos como efeitos especiais, maquiagem ou trilha sonora didática, que funcionam hoje como carro-chefe comercial para a maioria das produções audiovisuais, para manter seu foco no texto, nas cenas, na direção, no roteiro e na atuação. Lynch e Frost deram as costas para o óbvio e puxaram o telespectador para um salto estético e narrativo que já serve como referência para criações futuras. Mesmo sem atingir altos índices de audiência, a terceira temporada de Twin Peaks é um dos produtos de entretenimento mais bem sucedidos deste ano e um desafio artístico incomensurável, além de ser o melhor seriado deste século mesmo sem ter terminado ainda. E será que ele termina? Afinal esta talvez seja a grande questão deste season finale: teremos uma quarta temporada?

Torço que sim, pois o melhor de tudo é a viagem, não o destino. Como disse no início, entender é o de menos.

This is the water and this is the well; drink full and descend

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Outras duas cenas da nova temporada de Twin Peaks sincronizadas: o discurso do Woodsman do episódio 8 e a bebedeira de Sarah Palmer no episódio 13. Repare que ela bebe toda vez que ele fala em “drink full”…

Não é a primeira vez que duas cenas distintas parecem feitas para espelharem uma à outra nesta temporada: a cena do choque em Cooper, as cenas do Dr. Jacoby e as cenas da caixa de vidro.

Retratos da nova temporada de Twin Peaks

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Entrevistei, para meu blog no UOL, o ilustrador brasileiro Cris Vector, que está fazendo um pôster para cada novo episódio de Twin Peaks.

O ilustrador paulistano Cristiano Siqueira, de 37 anos, era pré-adolescente quando a série Twin Peaks passou pela primeira vez no Brasil. “Nessa época eu tinha 11 anos e não podia ficar acordado depois do Fantástico pra ver a série. Lembro das chamadas na programação e sempre tive muita curiosidade de assistir”, lembra o artista, que mesmo chegando atrasado na série, aderiu ao culto da série. Quando a série teve sua terceira temporada anunciada vinte e cinco anos depois da segunda, Cris propôs-se um desafio: ilustrar um pôster para cada novo episódio da série.

“Existia uma grande expectativa entre os fãs de Twin Peaks pela volta da série, algo totalmente inesperado, já que os próprios David Lynch e Mark Frost tinham descartado uma terceira temporada em diversas ocasiões”, lembra o ilustrador. “A ideia inicial era fazer apenas um pôster, mas após assistir o primeiro episódio e conversar com alguns amigos, eu pensei que seria interessante – e desafiador – criar um pôster pra cada episódio. Pensei que seria uma maneira de superar a expectativa de uma semana entre um episódio e outro e também uma maneira de viver esse momento que todos os fãs de Twin Peaks aguardavam tanto.”

O resultado é a série de pôsteres abaixo, que vi originalmente no site Ideafixa. A repercussão tem sido ótima: “Desde quando lancei o primeiro poster, a reação tem sido muito positiva. As pessoas elogiam, agradecem, pedem prints. Usam até como foto de perfil, foto de capa. Toda vez que eu lanço um poster, eu faço postagens nas minhas contas de rede social e em grupos de discussão de Twin Peaks, no Facebook. As pessoas até já se acostumaram com os pôsteres e assim que terminam de assistir a um episódio novo, elas já vem me perguntar sobre o novo pôster”, conta Cristiano.

E ela não apenas nacional. “A conta oficial do Twin Peaks no twitter, gerenciada pela Showtime (@SHO_TwinPeaks) frequentemente curte e retuíta os posteres. Até o próprio Mark Frost retuitou um dos posteres, o do episódio 8, que é um dos mais apreciados. Percebi que alguns dos atores da série também curtiram algumas postagens, a Mädchen Amick e Dana Ashbrook curtiram alguns posteres. Mas o que mais me deixou feliz e orgulhoso foi receber uma foto do Carel Struycken, que interpreta o personagem o Gigante, posando com um dos posteres. Uma vizinha dele viu o poster do Episódio 1 e me pediu o arquivo para fazer uma print e presenteá-lo. No começo não acreditei muito, mas mesmo assim cedi o arquivo. Depois pra minha surpresa, o próprio Carel me escreveu elogiando o trabalho e ainda me enviou uma foto! Só isso já valeu todo o esforço!”

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Abaixo, toda a galeria de pôsteres de Twin Peaks até o episódio 15 feita por Cris (que também pode ser vista em seu perfil no Facebook). Dá para ver seu portfólio de ilustrações em seu site oficial:

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Episódio 1: Meu Tronco Tem Uma Mensagem Para Você

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Episódio 2: As Estrelas Se Voltam e o Tempo Se Apresenta

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Episódio 3: Peça Ajuda

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Episódio 4: …Isso Traz Lembranças

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Episódio 5: Arquivo de Casos

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Episódio 6: Não Morra

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Episódio 7: É um Corpo, Com Certeza

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Episódio 8: Tem Fogo?

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Episódio 9: Esta é a Cadeira

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Episódio 10: Laura é a Escolhida

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Episódio 11: Brincando Com Fogo

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Episódio 12: Só Se for Agora

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Episódio 13: Que História é Essa, Charlie?

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Episódio 14: Somos Como O Sonhador

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Episódio 15: Não é fácil desapegar

Sincronizando Twin Peaks…

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Mais um daqueles momentos da terceira temporada de Twin Peaks em que duas cenas aparentemente aleatórias sincronizam-se com perfeição… Com spoilers pra quem não viu o décimo quinto episódio da terceira temporada, o dessa semana.

Já aconteceu com o próprio Agente Cooper e depois com o Dr. Amp

Twin Peaks: “Dig yourself out of the shit!”

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Alguém notou uma certa semelhança entre as duas aparições do Dr. Amp na nova temporada de Twin Peaks e emparelhou as duas cenas – a primeira do quinto episódio, a segunda do décimo segundo – e o resultado é de tirar o fôlego!

Pode ser só coincidência, mas não foi a primeira vez que isso aconteceu – você viu aquela cena da caixa de vidro

Um big bang chamado Twin Peaks

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Escrevi para a revista Bravo sobre como o seriado de David Lynch mudou a relação do cinema com a TV – e continua mudando em sua terceira temporada.

Quem matou o cinema?
À parte o exagero da pergunta, foi ‘Twin Peaks’ quem, nos anos 90, levou a estética do cinema para a TV, inaugurando a atual era de ouro das séries. E agora pode estar dando um salto ainda maior

Se hoje chamamos a atual produção televisiva norte-americana de “nova era de ouro da TV”, e se o formato seriado parece abrir níveis de complexidade difíceis de serem atingidos no cinema comercial, não há dúvida que estas duas vertentes foram inauguradas há um quarto de século, quando David Lynch e Mark Frost inseminaram em um formato tido como estéril e emburrecedor a semente para que ele se tornasse uma das principais expressões da cultura contemporânea. Twin Peaks, o seriado que criaram juntos no início dos anos 90, é o big bang da atual safra de seriados. E seu improvável retorno neste ano parece abalar as estruturas do meio da mesma forma que sua primeira vinda há um quarto de século.

Antes de Twin Peaks, seriados norte-americanos eram um formato raso. Produzidos em massa como passatempo para serem consumidos nas horas vagas, contavam histórias triviais em que todos seus contratempos eram resolvidos em um episódio. Você não precisava acompanhar o seriado para saber o que estava acontecendo, e as mudanças – casamentos, divórcios, novos personagens – ocorriam com o passar dos anos. A televisão não se misturava com o cinema – era um subproduto cinematográfico que Hollywood preferia evitar.

Foi quando David Lynch e Mark Frost foram convidados para contar a história de Marilyn Monroe em um filme feito para a televisão. Frost já havia feito história na TV com o seriado Hill Street Blues (1981-1987), que acompanhava o dia-a-dia de uma delegacia que não necessariamente seguia os mesmos personagens todos episódios. Foi a partir deste seriado que a TV começou a mudar sua noção de continuidade narrativa, com personagens que apareciam e desapareciam da série sem dar notícias. A série não era sobre personagens, mas sobre um ambiente em que aqueles personagens viviam.

Lynch, por sua vez, vinha aos poucos conseguindo se equilibrar como um diretor comercial. O estranhíssimo Eraserhead (1977) continuava um alienígena em sua filmografia, que aos poucos ia acomodando sua bizarrice em filmes sobre um homem deformado (O Homem Elefante, 1980) e uma ficção científica (Duna, 1984) até achar no quintal do white trash norte-americano o melhor ninho para suas alucinações surreais, primeiro em Veludo Azul (1986) e depois em Coração Selvagem (1990). Ele sabia que conseguiria desenvolver melhor aquilo se tivesse mais tempo.

Lynch e Frost abortaram o projeto sobre Marilyn quando começaram a pender demais para as teorias de conspiração que indicavam que sua morte estaria ligada ao caso que a atriz teria tido com os dois irmãos Kennedy. Mas a partir dessa premissa começaram a escrever uma história parecida só que em uma escala bem menor – como um assassinato em uma pequena cidade do interior dos EUA poderia esconder uma série de segredos sobre essa mesma cidade.

Assim eles criaram Twin Peaks, uma cidade fictícia no noroeste norte-americano que é abalada pela notícia da morte de uma de suas adolescentes mais populares, a perfeita Laura Palmer, vivida por Sheryl Lee. Quando seu corpo é retirado amarrado em um saco plástico de dentro de um rio, a garota dá origem a uma série de desdobramentos de diferentes naturezas, que se desenvolvem a partir da chegada do agente do FBI Dale Cooper, vivido por Kyle MacLachlan, à cidade.

Até aí, tudo bem, nada indicava que Twin Peaks poderia ser algo mais profundo do que uma série policial em busca do assassino de uma personagem carismática. Mas a estranheza de David Lynch começa a tomar conta quando, aos poucos, outros elementos começam a se misturar com a história principal. Aos poucos descobrimos que os moradores da cidade são bem esquisitos e têm manias improváveis. Ao arranhar a superfície da pequena cidade, Lynch aos poucos vai nos revelando um universo de perversões, maldades e desvios de caráter que misturam a pacata cidadezinha com sexo, drogas, violência, rock’n’roll e sobrenatural.

Cabe a Frost costurar os devaneios de Lynch, mostrando as amarras improváveis entre personagens distintos. E a usar Twin Peaks como uma espécie de paródia das telenovelas norte-americanas, os únicos seriados que tinham uma narrativa contínua e que, talvez justamente por isso, eram ridicularizados como pior que os seriados da época. A dupla mergulha no coração tradicional dos Estados Unidos para mostrar pessoas desvirtuadas, estranhas e malucas fazendo coisas sem o menor sentido, atendo-se a superstições e paranoias, enquanto um universo em outra dimensão – de cortinas vermelhas, chão de ziguezague, anões que falam de trás para frente, gigantes, anéis e creme de milho – parece observar tudo à distância, monitorando e eventualmente intervindo em nosso plano de realidade.

A série teve duas temporadas e foi um fenômeno de audiência, uma febre popular que nunca tinha alcançado aquele formato. Em tempos pré-internet, o boca a boca elevava a dúvida sobre o assassino de Laura Palmer para os estranhos caminhos traçados pelo seriado, que misturava os anos 80 aos 50, criando uma sociedade norte-americana ingênua mas ao mesmo tempo bizarra e suspeita.

Mitologias

O sucesso repentino do programa fez a emissora ABC intervir cada vez mais no seriado, querendo faturar em cima de algo que nem tinha ideia como fazia sucesso, e obrigou David Lynch e Mark Frost a revelar o assassino de Laura Palmer, algo que os dois não queriam fazer por achar que a resposta enfraqueceria o mistério. A revelação, no início da segunda temporada, fez Lynch abandonar a série no meio, retornando apenas para o último episódio, que terminou de um jeito ainda mais estranho e culminou com o cancelamento da série.

A decisão da emissora ABC fez Lynch buscar outro fio condutor para aquela história, criando o filme Fire Walk with Me (1992), em que contava a história dos últimos dias de Laura Palmer ao mesmo tempo em que se afundava ainda mais na estranheza da série. O filme até hoje divide opiniões – foi vaiado ao ser exibido em Cannes e fez muitos fãs torcerem o nariz. Mas aprofundou-se em questões que tornaram o seriado cult – como, por exemplo, ter Chris Isaak e David Bowie como integrantes do elenco.

Esse estranho caleidoscópio narrativo pariu praticamente todo o universo de seriado em que navegamos hoje. Não dá para imaginar séries como Lost, The Killing, Alias, Westworld, Fargo, Mr. Robot, True Detective, Buffy – A Caça-Vampiros, Arquivo X e Desperate Housewives sem a falsa ingenuidade white trash, a construção de mitologias, os personagens excêntricos, as investigações sobrenaturais e o suspense policial criados em Twin Peaks. Mesmo o hiperrealismo, a tensão paranoica, o surrealismo e a violência do seriado abriram brechas para a existência de Walking Dead, Breaking Bad, 24 Horas, The Wire e Sopranos. Fora o fato da série existir em nosso inconsciente de diversas formas.

O que Lynch e Frost fizeram foi levar a estética do cinema de arte para a televisão. Se assistidas hoje as duas primeiras temporadas de Twin Peaks não parecem tão bizarras, é porque elas mudaram completamente a paisagem da televisão no início dos anos 90. Borraram as fronteiras entre gêneros, ultrapassaram expectativas, apelaram para o surrealismo e a psicodelia e abandonaram a racionalização e o sentido, preferindo jogar os espectadores em um mar de imagens e sons que por si só já se bastava.

Foi esse movimento de levar o cinema para a televisão que proporcionou o movimento inverso. Antes de Twin Peaks apenas Michael J. Fox havia conseguido fazer a transição da televisão para o cinema. Depois da série, atores que hoje figuram entre os maiores de Hollywood – como Will Smith e George Clooney – puderam tentar o cinema comercial a partir de suas incursões na TV. Essa tendência aconteceu ao mesmo tempo em que Hollywood passou a apostar cada vez menos no risco e em desafios narrativos, resumindo suas principais produções a remakes, continuações ou adaptações de sucessos de outras mídias (livros, quadrinhos e TV, principalmente) para as grandes telas.

Não por acaso as temporadas das principais séries hoje em dia são vistas como filmes de algumas horas de duração – mesmo obras ousadas e ambiciosas, como Game of Thrones, True Detective e Westworld, até outras menos sérias, como Stranger Things. E não por acaso Lynch resolveu retomar Twin Peaks 25 anos depois com essa mesma premissa: é um filme de 18 horas (por ser uma temporada de dezoito episódios).

E até agora Lynch está superando o esperado. Se começou a terceira temporada de Twin Peaks confundindo todo mundo com cenas fora da cidade e esvaziando seu principal trunfo (o Agente Cooper, que voltou à série completamente fora de si), aos poucos foi juntando os pontos e entregando o ouro, concretizando expectativas que os fãs esperavam há décadas.

Mas com o episódio 8, batizado de Got a Light?, ele subverte mais uma vez os rumos da televisão, e pode ter iniciado uma revolução ainda maior que a que começou há um quarto de século, principalmente porque agora qualquer um com acesso à tecnologia digital consegue produzir seus próprios filmes e séries sem muito custo ou esforço, e pela série estar sendo exibida globalmente através do Netflix.

A revolução já pode estar acontecendo – e só vamos perceber seu impacto daqui uns anos.