Brainstorm sobre o fim de Lost: “Sea of Love”, Cat Power

Eu sei, eu sei, eu tou vendo coisa até onde não deve…

Jonathan Richman em São Paulo


Jonathan Richman – “Cosi Veloce!” / “Let Her Go Into The Darkness”

Aproveito a deixa do Coachella do Bruno para falar de dois shows que vi nas últimas semanas. O primeiro foi o de Jonathan Richman, pai dos Modern Lovers, um dos sujeitos responsáveis por manter acesa a tocha do foda-se entre o Velvet Underground e os Ramones no início dos anos 70. Desde os Modern Lovers – e isso faz teeeempo -, que o sujeito não volta ao rock de verdade, preferindo ficar na posição de trovador ao violão, cantando músicas próprias e alheias ao violão como um velho bardo da Idade Média enquanto se dirige ao público batendo papo o mesmo tanto que toca música. Além do inglês nativo, Richman já gravou em francês, italiano, espanhol e hebreu, e ele curte a conversa com sua platéia enquanto se apresenta ao lado do baterista Tommy Larkins. Eu já tinha visto o sujeito se apresentando nesse formato em Paris, cidade em que ele tem um culto forte, e o clima de reencontro pairava mais sobre o show do que qualquer outro – eram fãs revendo o velho ídolo de sempre, as músicas completadas pela audiência como um diálogo (veja versão que filmei de “I Was Dancing in a Lesbian Bar“, com um clima quase um karaokê de turma), quase todo em francês. Por isso fiquei curioso – e um tanto quanto cético – quando soube que Richman viria ao Brasil e estava sendo vendido como um velho ídolo punk. Além de ser o oposto do tipo de apresentação que ele faz hoje, some-se a isso o fato de que ele não sabia falar a nossa língua e pronto, tínhamos uma receita para uma falha de comunicação – e não para um diálogo.


Jonathan Richman – “Blowing in the Wind” / “I Was Dancing in a Lesbian Bar” / “Pablo Picasso”

Não que o show não tenha sofrido com isso, mas o atrito foi bem menor do que o possível – e em grande parte devido à benevolência do público, disposto a cooperar. E foi preciso que Richman enrolasse a letra de “Blowing in the Wind” para que os presentes entendessem a lógica do show. Desculpando-se por não falar português com frequência, Richman compensava a falta de entrosamento racional com dancinhas e cocalhos, numa tentativa ridícula – mas felizmente eficaz – de conectar-se com o público. Em vinte minutos todos já tinham entendido qual era – e depois de mais uma hora Richman fechou o show como se estivesse se despedindo de um público que já conhecia faz tempo.


Jonathan Richman – “Arrivederci”

Franz Ferdinand a todo vapor


“Tell Her Tonight”

Uns reclamaram do som, outros da lotação, muitos do calor – mas tudo funcionou perfeitamente na quarta passagem do Franz Ferdinand pelo Brasil, a terceira por São Paulo. A banda lançou seu disco mais recente há mais de ano e não arrisca músicas novas ao mesmo tempo em que não faz mais o show de lançamento de Tonight. O show, portanto, acaba sendo uma grande geral que a banda fez em sua carreira de três discos. O que impressiona pela quantidade industrial de hits despejados pela banda como uma máquina de dançar.


“No You Girls”

O que me leva crer que o Franz seja a melhor banda de rock da primeira década do século. Talvez não seja a mais importante: afinal só existe porque, na virada do milênio, certo filhinho de papai dono de agência de modelos conseguiu emplacar sua banda tanto entre os indies quanto na pista de dança. Mas se os Strokes acertam – cada vez menos – quando o assunto é hit, seus discos vão de mal a pior. O mesmo não pode ser dito sobre o Franz, a única banda desta geração novo rock cujas faixas memoráveis são bem mais que a metade de seus álbuns. O que torna o repertório da noite tão extenso quanto o de uma banda com décadas de carreira.


“Can’t Stop Feeling”

A diferença é o dedo na tomada – e o Franz não para um segundo no palco. Enquanto o público pulava banhado pelo próprio suor cantando quase todas as letras das músicas, a banda se entregava, chegando bem perto dos fãs, exibindo-se em seus instrumentos num jogo de sedução típico no rock. Quatro marmanjos apaixonados por milhares de pessoas gritando suas músicas, dando tudo de si para o público sequer perceber que mais de duas horas tinham se passado.


“Walk Away”

O vocalista Alex Kapranos assume-se dono da banda e percorre toda extensão do palco como um zumbi disposto a comer todos os cérebros do público ao mesmo tempo. Divide as guitarras com Nicky McCarthy, seu braço-direito, feliz em ser o segundo nos holofotes. Os dois confrontam os fãs bem de perto, chegando na boca do palco, erguendo seus instrumentos a pouco mais de um metro das mãos do público na grade querendo tocá-los. O baixista Robert Hardy, de barba, age com alguma desconfiança, acompanhando os dois guitarristas como um segurança de celebridade – quando você menos percebe, ele está acompanhando os dois de perto, sem deixar o ritmo da música cair. Que, no caso, é responsabilidade do baterista topetudo Paul Thomson, um metrônomo humano que dita todo o ritmo da noite. Ocasionalmente a cozinha é acrescida da participação dos teclados tocados por Nicky – e o Franz deixa de ser uma banda de rock para dançar e vira quase um projeto paralelo electro-kraut de alguma banda pós-punk dos anos 80.


“This Fire”

E é esse equilíbrio entre o pop mais deslavado, quase anti-rock, new wave amarelo-limão, e o rock mais experimental, perigoso, artsy. Seus genes musicais combinam enzimas de B-52’s com Pere Ubu, Devo com Jam, Wire com Buzzcocks, Fall com Ramones, além de não ter vergonha de se misturar com bandas que frequentam outros guetos musicais (como o Clash pirando em reggae e hip hop, o Gang of Four descobrindo a disco music ou PiL dissecando krautrock e música eletrônica). E mesmo que tenham aprendido tudo que sabem pela cartilha dos Beatles, rezam na bíblia do patrono David Bowie.


“Shopping for Blood”

E como eles se entregam ao público. Gotas de suor escorrem pela cara da banda para logo depois banharem suas roupas, o fôlego cansado fica evidente depois que enfileiram dois ou três hits em seqüência enquanto correm pela frente do palco. Várias dobradinhas são feitas enquanto a banda toca – os dois guitarristas duelando instrumentos, baixista e baterista se olhando na marcação de tempo, baixista e guitarrista esperando a hora certa para virar o clima da música, baterista e tecladista despindo as referências rock para deixar tudo eletrônico, Kapranos sola com a guitarra na nuca, pouco antes de subir em um dos amplificadores do palco – enquanto Nicky sobe no outro – para terem uma visão privilegiada do público.


Franz Ferdinand na bateria

Quando os quatro assumem o kit de bateria posto em frente ao palco, o show – que já estava na mão da banda – vira um momento de hipnose coletiva. A percussão, no entanto, não cai para tentativas de agradar um público teoricamente acostumado ao samba (ao menos em seus inconscientes). Em vez disso mantém-se reta e binária, linear e robótica, como se pudesse mostrar que, indo para o rock ou para a música eletrônica, o Franz Ferdinand está falando sobre a mesma coisa.


“Darts of Pleasure”

O assunto da banda é música para dançar. Guitarras para chacoalhar quadris e teclados para bater cabeça. Mesmo com o clima de histeria fanática tomando conta do público, a sensação do show era de baile, de salão lotado de meninas prontas para serem tiradas para dançar. E a conotação adolescente ficava em segundo plano a partir da faixa etária da banda – o Kapranos é mais velho que eu -, quando grande parte da massa que cantarolava riffs e hits também já tinha deixado sua adolescência há pelo menos uma década.


“Lucid Dreams”

E é em “Lucid Dreams”, não por acaso a última música da apresentação, que todos os pontos do Franz Ferdinand se encontram. A adolescência tardia, o rock’n’roll primitivo, o pós-punk transgressor, a new wave descerebral, a dance music elétrica, a disco music valvulada – tudo converge no épico de doze minutos que é o centro de Tonight, o terceiro disco dos caras, e – por que não? – de sua carreira. Nem “Take Me Out” nem “Do You Want To?” – talvez seus dois maiores hits – não têm a presença e a força da faixa que encerrou o show, uma maratona de eletricidade e ruído que, ancorada no ritmo, prova que nenhum dos contemporâneos do Franz Ferdinand – Strokes, White Stripes, Interpol, Arctic Monkeys, pode listar – é tão promissor quanto eles.


“Valeu Brasil”

O ano do Emicida

E não dá pra falar em música brasileira atual sem citar o Emicida. Leandro Roque de Oliveira já não é novidade faz tempo, mas só consegui ver um show do cara no mês passado, dentro da noite que o Rômulo e as meninas da Alavanca tão fazendo ali no CB, nas quintas-feiras. Venho acompanhando a ascensão do cara há um tempinho (até já tinha pautado a Ana para fazer um Vida Digital com ele) e é interessante perceber como ele é a síntese da mudança de ares que aconteceu na década passada com o hip hop brasileiro, ao mesmo tempo em que também é um reflexo do que também aconteceu com a MPB.

No lugar da marra e da cara de mau dos Racionais MCs e seus contemporâneos gangsta, surge um rapper quase sambista, quase malandro, quase manhoso, cantando sobre pobreza, miséria e violência sem separá-las da rotina, da felicidade e da família. Sem o pesar arrastado de beats de funk, ele prefere ancorar-se no samba e resume uma evolução que aconteceu no rap nacional. E mais especificamente no que diz respeito ao MC – e é possível ouvir enfileirados na voz de Leandro nomes tão diferentes quanto Sabotage, Marcelo D2, De Leve, Max B.O., Kamau, Marechal, Rappin’ Hood e todos aqueles que orbitaram entre o Instituto e o Quinto Andar, a Trama e o festival Indie Hip Hop, entre mixtapes e MP3s.

Ao mesmo tempo é estúpido mantê-lo apenas sob o rótulo do hip hop. Suas referências não são tão universais quanto as de seus compadres do microfone e das picapes – ele prefere samplear referências brasileiras e citar Cartola, enchentes em São Paulo e a novela das oito em vez de repetir a mesma ladainha de gangues e guerra urbana do rap do século passado. Como aconteceu antes com Sabotage, ele regula o equilíbrio entre o sambista, o rapper e o cronista com exatidão, assumindo o papel de trovador que nenhum outro cantor ou músico brasileiro atual – presos demais às egotrips, a conceitos abstratos e à correria para pagar as contas para assumir esse papel – se dispõe.

E ele também é bom de conversa: rendeu um ótimo papo com o PAS, uma boa matéria sobre samba com o Werneck e uma boa entrevista feita pela Stefanie, além do perfil feito pela Ana pro Link. Sai clicando e vai lendo – se você não o conhece ainda, está passando da hora.

Na bateria, Franz Ferdinand

Que show foda. Depois eu conto melhor. Tem mais vídeos aqui, ó.

Jonathan Richman no Brasil

Thiago Ney confirma – o bardo protopunk vem ao Brasil pela primeira vez em abril.

Não é à toa que eu deixo esse vídeo como a abertura do meu canal no YouTube. Que show foda foi esse – só o cara e um batera, pronto.

E a GB de ontem, hein…

Quem foi, sabe como foi legal – e o mais massa é que firmamos a parceria com a W4RP e agora uma vez por mês tem Gente Bonita no meio da semana. E como ainda não surgiram registros da festa de ontem, pinço o vídeo que fiz com o capixaba prodígio André Paste em sua aparição paulistana na festa Fera, que rolou no Vegas ano passado. Não reparem na minha empolgação no refrão do Bon Jovi sobre a base do Kid Cudi.

Todo mundo ama Lulina

E como não adorá-la? Filmei o show que ela deu na terça no Sesc Pompéia, que teve participação do Bruno Morais.

Muito foda.

Of Montreal ao vivo

Em abril do ano passado, o Of Montreal fez três shows no Music Hall of Williamsburg, no Brooklyn, em Nova York, e eu dei a sorte de estar lá na terceira noite (filmei boa parte do show, incluindo o cover de Bowie que a banda fez com a então hypada Janelle Monae e uma música ainda inédita em disco, “Coquet Coquet“). E agora a primeira daquelas três noites aparece em MP3, junto com dezenas de outros shows indies gravados pelo NYC Taper, dos Decemberists ao Nine Inch Nails, passando pelo Wilco, Lou Barlow, Sonic Youth, Mogwai, entre vários outros.

Mockers tocando Beatles

Que show! Três quintos do Cidadão Instigado – o guitarrista Régis Damasceno, o baixista Rian Batista e o baterista Clayton Martin – respondem como Mockers nas horas vagas, um grupo dedicado a tocar apenas versões de músicas dos Beatles de 1966 em diante. Na ativa desde o ano passado, só consegui vê-los em ação nesta quinta, quando o grupo apresentou-se dentro do Toca Aí, o mesmo projeto do Sesc Pompéia que botou o Instituto tocando Pink Floyd.

Por motivo de agenda, o grupo não pode se apresentar na Choperia, onde queriam e vem acontecendo os shows do projeto (o Forgotten Boys tocou Rolling Stones semana passada, não fui, mas já já posto uns vídeos que achei no YouTube do show). Sorte nossa. O Teatro funcionou perfeitamente para o tom ao mesmo tempo austero e informal da apresentação. Ao confrontar os três músicos olhando uns para os outros (devido ao desenho do teatro, cujo palco é ladeado por duas platéias), o show ganhou uma sensação de intimismo que parecia bater de frente com o aspecto clássico do repertório – tom que era quase sempre destruído por Rian, que insistia em dirigir-se ao público em inglês, trazendo todo o humor dos Beatles para um palco estritamente psicodélico.

E como tocam esses três. Mais do que chancelar a química musical que os três já trazem do Cidadão, o show serviu como apreciação de três grandes músicos. Clayton rezou a cartilha de Ringo Starr à risca, trazendo ao palco alguns dos momentos mais brilhantes do subestimado Ringo em seu instrumento – crescido à sombra do rock paulistano influenciado pelos anos 60, Clayton deixou os trejeitos e influências de Keith Moon e Nick Manson (característicos de seu jeito de tocar) para debruçar-se sobre a técnica do baterista beatle como sua única Bíblia pessoal. Rian, mais do que quebrar o gelo com suas piadas geniais e ridículas, tratava o baixo melódico de Paul McCartney com reverência e estilo, além de garantir os vocais mais agudos sem muita preocupação. E Régis, que nasceu abençoado por um timbre de voz que quase, quase, chega ao mesmo do de John Lennon, segurava não apenas as guitarras de John e George Harrison num único instrumento, como ainda o colocava para fazer as vezes dos teclados de algumas canções.

Foi memorável. Consegui filmar quase todas as músicas da noite (com a exceção das três primeiras – “Two of Us”, “She Said She Said” e “Taxman” – e das duas últimas – “Birthday” e “Tomorrow Never Knows” com direito à citação de “Within You Without You”), mas se eu fosse você não perdia o próximo show.