Outra noite do encontro de Clara Crocodilo com Nego Dito

Mais uma noite no Centro da Terra regida pela aura de Itamar Assumpção, que Arrigo Barnabé de novo invocaria ao início do espetáculo misturando gravações da própria voz com uma máquina de escrever. Logo depois, ele assume os vocais à frente da banda Trisca, trio formado por integrantes da banda Isca de Polícia (Jean Trad, Paulo Lepetit e Marco da Costa), visitando músicas comuns aos dois, entre elas versões de sambas clássicos de diferentes autores, seja Nelson Cavaquinho (“Quando Eu Me Chamar Saudade”), Marisa Monte (“De Mais Ninguém”) ou Ataulfo Alves (“Na Cadência do Samba”), todos revisitados à luz negra dos sambas do velho Ita. Que noite!

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Quando Maurício Pereira encontrou Odair José

A quarta-feira teve dose dupla quando saí do Centro da Terra rumo à Casa de Francisca ver mais uma vez Maurício Pereira mergulhar na surpresa com seu parça Daniel Szafran. Mais uma vez o já mitológico disco de 1998 percorreu as paredes do Palacete Tereza Toledo Lara como muitas vezes passeou pelas da antiga Francisca, na Zé Maria Lisboa, que fez o bardo paulistano lembrar de como a redescoberta do disco no velho endereço do tradicional palco da cidade foi crucial para reestruturar sua própria carreira. Bom de duplas (começou numa incrível com André Abujamra e hoje toca outra sensacional, com Tonho Penhasco), a que Maurício criou com Szafran é luxo só, com o pianista dividindo lindamente os vocais com o autor, que sempre tempera suas canções com seu sax soprano. Nessa pequena temporada, convidou Juçara Marçal num dia e ninguém menos que outro bardo da canção, este goiano, Odair José, para dividir o palco e tive o privilégio de assistir a esse encontro. Além das músicas de seu disco, Pereirão ainda dividiu três músicas com o convidado: sua “Truques com Facas” e duas dele, “Nunca Mais” (do ousado O Filho de Maria e José, ópera rock que fez durante a ditadura miliar) e o hino “Vou Tirar Você Desse Lugar”, este puxado no bis da apresentação, que ainda contou com participação surpresa da própria Juçara, que, como nós, apenas emocionava-se com Maurício no público e que foi puxada à fogueira do nada para fazer “Pan y Leche” com citações a canções clássicas da música brasileira improvisadas na hora. Que noite!

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Chamando Itamar Assumpção

Sensacional a apresentação que Arrigo Barnabé fez nessa quarta-feira, celebrando Itamar Assumpção numa noite lotada – e quente! – no Centro da Terra. Ele começou na máquina de escrever, invocando o velho compadre numa missiva ao lado de músicos que acompanharam o mestre na banda Isca de Polícia, agora reduzida a um trio formado pelo guitarrista Jean Trad, o baixista Paulo Lepetit e o baterista Marco da Costa. A noite ainda teve, além de canções do próprio Itamar, outras de Ataulfo Alves, Nelson Cavaquinho e do próprio Arrigo, que aproveitou o final da apresentação para misturar dois personagens do período em que se conheceram, Benedito João dos Santos Silva Beleléu, vulgo Nego Dito, com o meliante mutante Clara Crocodilo. Foi mágico! E nesta quinta tem mais (mas os ingressos já estão esgotados).

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Só com seu violão

Tatá Aeroplano criou o formato Andarilho Urbano no meio deste ano, quando passou a filosofar sobre os tempos em que atravessamos costurando estes ensaios falados com suas canções – e de outros artistas – acompanhado apenas de seu violão e estreou a apresentação em São Paulo nesta terça-feira, no Centro da Terra, depois de passar por . A natureza viva da noite, que tem um roteiro mas fica à mercê dos acontecimentos, o fizeram revisitar sua “Outono à Toa” por conta da passagem de Lanny Gordin e tirar a camisa devido ao calor da noite. No decorrer da apresentação, revisitou seus clássicos “Cama”, “Step Psicodélico”, “Pareço Moderno” e “30 Anos Essa Noite”, além de passear por músicas de Jorge Mautner (“Ressureições”) e Angela Ro Rô (“Balada da Arrasada”). O bardo paulista ainda contou com participações especiais nesta noite, primeiro com sua companheira Malu Maria e do compadre João Rafael, com quem cantou “Night Purpurina”. Foi demais.

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Encontro em transe

Bem bonito o encerramento da temporada Prémistura que Chicão Montorfano fez nesta primeira segunda de dezembro no Centro da Terra. Ao convidar artistas sonoros de diferentes fronteiras musicais, conseguiu atirá-los todo no vazio do improviso livre sem que tivessem amarras já estabelecidas. Já havia um vínculo entre três dos convidados – Chicão já havia feito outros improvisos ao lado de Bernardo Pacheco e Barulhista, cada um deles trazendo sua bagagem cultural para a mistura: o dono da noite com sua formação erudita e apreço pela eletrônica, Berna distorcendo tudo ao vivo com sua mesa de som e pedais enfileirados, pegando no baixo elétrico por alguns momentos, e o Barulhista usando seu computador como uma MPC de ruídos digitais que disparava ao vivo. Ao acrescentar a essa mistura o violino abrasivo de Wanessa Dourado, Chicão soltou um pavio de pólvora que misturava drones e loops com ecos de música caribenha, tango e choro, conduzidos pelas cordas e arcos da musicista, levando o resultado à pradaria ambient com toques asiáticos. Os quatro se encontraram em meio ao transe, numa apresentação abstrata que soava lírica e contemplativa, mesmo nos momentos mais agressivos. Agora resta Chicão lançar o disco!

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Ótima segunda edição do Primavera em São Paulo

Fora o calor dilacerante que atravessou esse fim de semana, a segunda edição do Primavera Sound em São Paulo funcionou redondissimamente bem. Ótimos shows sempre no horário, poucas filas e fácil acesso ao festival, que ainda conseguiu utilizar bem o espaço do Autódromo sem transformar um festival de música numa feira de marcas.

Mesmo que boa parte do elenco não fosse formada por artistas que vivem seu melhor momento hoje (como foi a edição passada do festival), o Primavera São Paulo teve showzaços que arrebatou fãs com ótimo som e bom tratamento pro público (distribuição de água na grade, algo que deveria se tornar regra) em instâncias tão diferentes quanto Cansei de Ser Sexy, Bad Religion ou Slowdive.

Os shows de Beck e Pet Shop Boys merecem destaque, afinal passaram por diferentes momentos de suas carreiras sem fazer concessões para os hits e botando todo mundo pra cantar junto. O bardo norte-americano ia do solo de gaita ao funk setentista, passando pelo rap de araque de seus primeiros hits e delicadas canções ao violão, mostrando-se um showman completo. Já a dupla inglesa conduziu sua apresentação austera e impecável, Neil Tennant com a mesma voz e fleuma de sempre, claramente emocionado com o público, que recebia os velhos hits com novos arranjos como bênçãos.

Outro momento especial foi quando Marisa Monte recebeu Roberto de Carvalho para celebrar Rita Lee, o que valeu até um momento de interação da diva com o público, algo tão raro.

Mas desde o anúncio das atrações, o Primavera teve um só dono: Robert Smith e seu Cure fizeram uma apresentação transcendental, um show hipnótico e alto astral, denso e pop, melancólico e esperançoso, psicodélico e existencialista, atravessando duas horas e meias de crises sentimentais, odes românticas e hits radiofônicos como se a nossa vida dependesse disso (e ah como depende…). São Bob era transparente sobre como estava feliz com a repercussão do público, que manteve-se gigantesco até o final das duas horas e meia de apresentação do Cure. É meio redundante citar os grandes momentos do último show de domingo sem falar nele inteiro, quem foi sabe. E é claro que eu filmei uns trechos desse fim de semana nota 10…

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Comemorar o livramento

Qualquer apresentação ao vivo da Espetacular Charanga do França é aquele jorro de energia vital que faz até o proverbial defunto levantar-se do caixão. Mas neste primeiro dia de dezembro de 2023 na Casa de Francisca, a alta vibração foi ainda mais intensa, especialmente depois do discurso de abertura feito por seu maestro, Thiago França, que ajudou a acordar a consciência de como finalmente desentalamos essa época de morte que atravessamos nos últimos anos e, como ele mesmo pôs, “comemorar o livramento” dessa época tão depret. E tome sambas clássicos, axé music, Britney Spears, pagodeira, “Eva” e todo o repertório de hits alheios em versões carnavalescas que não deixaram ninguém parado. Foi de lavar a alma.

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Quinta-feira surreal

Quando a quinta-feira termina com Arrigo Barnabé, é que foi daqueles dias. Perdi o André Prando, que esquentou o Inferninho Trabalho Sujo no Picles logo cedo, abrindo terreno para as tradicionais duas horas de Xepa Sounds, quando o Thiago França encara hits pop de todas as épocas ao lado dois terços da percussão de sua Charanga, os compadres Samba Sam e Wellington Pimpa, passeando entre novos clássicos da dance music e aquela pagodeira que todo mundo canta junto. Depois que eu e a Fran assumimos a pista ainda começou a chegar uma quantidade absurda de gente que vai saber como é que as coisas terminaram…

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Num outro patamar

Bruno Berle apresentou seu disco de estreia, No Reino dos Afetos, pela primeira vez na íntegra, convidando amigos músicos e compositores que fizeram parte deste processo quando ainda morava em Maceió. Ao seu lado, dividindo-se entre diferentes instrumentos e formações estavam Marina Nemésio, João Menezes, Batataboy e Phylipe Nunes Araújo, seus conterrâneos, que revezavam-se entre piano, guitarra, violão, MPC, percussão e baixo elétrico para elevar para outro patamar um disco gravado com poucos recursos e que fez seu autor um nome tão reconhecido, a ponto de lotar o Centro da Terra.

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Rock progressivo é coisa séria

Na terceira noite de sua temporada Prémistura no Centro da Terra, Chicão Montorfano adentrou em suas raízes progressivas e invocou o espírito prog para o teatro, reforçando a seriedade do gênero. A noite começou com o grupo formado por Marcela Sgavioli, Gabriel Falcão, André Bordinhon, Fernando Junqueira e Filipe Wesley puxando a clássica “Armina” do seminal disco A Matança do Porco, do grupo Som Imaginário, que completa 50 anos em 2023, e que Chicão aproveitou para misturar lindamente com a música de abertura de seu primeiro disco solo, Mistura, que lança ainda em dezembro. Além de chamar Marcela para três canções de seu segundo disco (o cara nem lançou o primeiro e já tem o segundo pronto) apenas no formato voz e violão – e depois, piano – para finalizar a apresentação tocando dois clássicos extensos do prog mais clássico: “Starless” do King Crimson e “Closer to the Edge” do Yes. Foi de cair o queixo.

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