Desbravando novos territórios

O líder do Tangolo Mangos mostrou nessa primeira segunda-feira de abril no Centro da Terra a promissora carreira solo que tem pela frente. Ao desbravar desfiladeiros musicais bem diferentes do rock de sua banda, Felipe Vaqueiro mostrou que, mais que exímio músico e compositor, mistura essas duas qualidades em uma só, fazendo seu instrumento soar como continuação de sua voz e vice-versa (me sopraram Moraes Moreira depois da apresentação, tem muito a ver). E por mais que sua apresentação tenha contado com ótimas participações ao chamar Sophia Chablau e o percussionista de sua banda, Bruno “Neca” Fechine, para dividir o palco, foram nos momentos solitários no palco que Vaqueiro mais brilhou, mostrando o completo domínio de suas canções que ao mesmo tempo esbarram no seu jeito extrovertido e atrapalhado ao conversar com o público, tornando a noite ainda mais leve. Vai longe!

#felipevaqueironocentrodaterra #felipevaqueiro #centrodaterra2024 #trabalhosujo2024shows 52

Assista abaixo:  

Corações ao alto

Ao começar a apresentação com “Fim de Festa”, do clássico disco que reuniu Itamar Assumpção e Naná Vasconcellos, a banda convocada por Fernando Catatau para celebrar o cancioneiro romântico brasileiro no espetáculo Pra Falar de Amor, que aconteceu no Sesc Pinheiros neste sábado, mostrou que não estava pra brincadeira. Um time de músicos, autores e intérpretes que pertence à nata da música popular contemporânea escancarou o teste de DNA que prova que sua musicalidade descende deste cânone que une uma parte importante da produção cultural brasileira do último século mas que não é visto como tal. A gênese desta celebração começou ainda no ano passado, quando Fernando fez algumas apresentações intimistas levantando este repertório que atravessa a própria genealogia de suas canções. E foi esperto ao manter esse clima mínimo mesmo com uma banda grande num palco tão amplo como a sala Paulo Autran. O minimalismo dos arranjos e das vozes contrastava com os sentimentos rasgados nas interpretações originais e com o visual da apresentação, em que as luzes de Cris Souto (que pareciam vir de Oz) equilibrava-se perfeitamente com as cores fortes do figurino de cada um e as imagens épicas projetadas por Isadora Stevani, que também assinava a direção de arte da noite. No palco, Catatau puxava um grupo que trazia Ava Rocha, Curumin (entre a bateria e o violão), Jasper, Bruno Berle, Paola Lappicy, Clayton Martin e Beatriz Lima que deslizaram por canções que rasgavam o corpo por dentro fazendo verter lágrimas, seja de paixão ou de fossa, sempre afundando aquele aço frio no peito dos ouvintes enquanto cutucava nosso subconsciente com músicas de Raul Seixas (“A Maçã”) Roupa Nova (“Bem Maior”), Roberto Carlos (“Amor Perfeito”), Jards Macalé (“Sem Essa”), Joanna (“Tô Fazendo Falta”), Djavan (“Um Amor Puro”), Lulu Santos (“Certas Coisas”), Eliane (“Amor ou Paixão”) e Alcione (“Você Me Vira A Cabeça”), colocando cada um dos integrantes no centro emotivo daquelas canções, além de passear pelo próprio repertório, sempre com outro intérprete cantando suas músicas, como “Quero Dizer”, “Solidão Gasolina”, “Transeunte Coração” e “Completamente Apaixonado”. A noite terminou num momento épico revisitando o momento mais romântico do repertório de Catatau, quando todos revisitaram a clássica “O Tempo” do Cidadão Instigado antes de encerrar a noite com “Hackearam-me”, do baiano Tierry, eternizada por Marília Mendonça. Foi de chorar – e tem que ter mais!

Assista abaixo:  

Missa à música

Na última noite da temporada Aprendendo a Rezar, Luiza Brina reuniu duas sacerdotisas da canção como ela para transformar um conjunto de orações em uma missa à música. Ao lado de Iara Rennó e Josyara, ela passou por músicas de seu terceiro álbum Prece, que será lançado neste mês de abril, e por rogos escritos pelas duas convidadas, harmonizando cordas e vocais de três mulheres fortes de nossa música de forma sublime. A noite começou e terminou com a mesma canção, a prece “Oração 18”, que ela apresentou na terceira noite da temporada no Centro da Terra, e que será lançada ainda esta semana. Um desfecho divino.

>Assista abaixo:  

Sandra Sá não deixa ninguém parado

Dos maiores nomes da música preta brasileira (e ela mesma responsável por criar esse rótulo, no disco ao vivo de mesmo nome lançado há vinte anos), Sandra Sá arrasou como de praxe na segunda de suas duas apresentações que fez neste fim de semana no Sesc Vila Mariana. Acompanhada de uma banda enxuta e pesada (Junior Macedo na guitarra, Misael Castro no baixo, Maikon Pereira na batera e Bebeto Sorriso na percussão), ela atravessou pouco mais de uma hora de show reunindo um rosário de hits invejável. Ela abriu a noite pesando seu “Soul de Verão” (sua versão para a música-tema do filme Fama, de 1980) passou por “Demônio Colorido” e depois emendou baladas irresistíveis como a imortal “Retratos e Canções”, “Sozinho”, “Solidão” e “Certas Coisas” (de Lulu Santos, que a levou às lágrimas). Depois passeou por sucessos alheios ao citar dois exemplos de música preta brasileira que transcendem a cor da pele ao emendar uma música “de um neguinho do interior das Alagoas” (“Flor de Lis” de Djavan) com outra de “um branquelo playba, carica e universitário” (“Madalena” de Ivan Lins), puxando depois um Sérgio Sampaio (a clássica “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”), um Cazuza (“Blues da Piedade”, em que fez referência à prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, “já começou…”) e uma Marina Lima (“Uma Noite e Meia” calibrada no samba). Na segunda metade da noite, voltou ao seu próprio repertório, passando pela gigante “Bye Bye Tristeza” (definida por ela mesma como “uma oração”, quando regeu o público dividindo-o em dois corais durante o refrão), “Dançando com a Vida”, “Boralá” e encerrando com seu primeiro grande sucesso, a irresistível “Olhos Coloridos”. E como essa mulher segue cantando pacas: além de rimar raps em várias músicas, também declamou poemas novos sobre velhas canções e soltou sua voz mostrando-a intacta em vários momentos. Se tiver a oportunidade de assistir a um show da mestra, não titubeie: Sandra Sá – que tirou mais uma vez o “de” do meio de seu nome artístico – ao vivo faz jus ao seu legado e não deixa ninguém parado, seja fazendo dançar ou rolar lágrimas. Uma divindade da música que nos move com seus pulmões.

Assista abaixo:  

Laceando o retorno

Fui no segundo show que O Terno fez no Espaço das Américas em sua turnê de retorno e a apresentação manteve o riscado da noite de estreia, só que conseguiram ser mais compactos sem necessariamente sacrificar o conjunto da obra. Foram 29 canções distribuídas duas hora e vinte minutos, dez a menos que da noite anterior, e só uma mudança no repertório, quando “Bote ao Contrário” entrou no lugar de “Vamos Assumir”. E, como na primeira apresentação, o momento de ouro é quando os metais deixam o palco, mostrando que o entrosamento entre Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile é mais que musical e não apenas roqueiro, como dá para perceber, por exemplo, na versão ao vivo para “Eu Vou” – e isso era palpável ao cumprimentá-los após o show, quando mostravam-se realmente empolgados com a volta e com os próximos shows. Oxalá os inspire a compor um novo álbum, reforçando a tensão criativa entre os três. Voa Terno!

Assista abaixo:  

Química intacta

Valendo! Começou nessa sexta-feira a turnê de retorno do grupo O Terno, que encerra a série de shows de seu quarto disco, Atrás/Além, interrompida pela pandemia há quatro anos. Mas mesmo com tanto tempo sem tocar juntos, é recompensador ter a certeza de que a química entre Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile segue intacta – talvez ainda mais afiada. Os três se entendem musicalmente sem precisar olhar na cara um do outro – e quando o fazem percebem a certeza do som que estão fazendo, e a excitação de ter lotado o Espaço das Américas ajudava muito nisso. Por isso que meu momento preferido nas duas horas e meia de apresentação tenha sido quando o naipe de metais quase onipresente deixa o palco e os três podem fazer o som que é sua assinatura musical, nem que por apenas três canções (“Pra Sempre Será”, “Eu Vou” e “O Cinza”, esta última épica!). É óbvio que cordas, metais e mesmo o piano de cauda funcionam com a sonoridade do grupo, mas quando Tim rasga a guitarra solando, Peixe torna seu baixo uma âncora que sola (uma aparente contraditória mistura de John Entwistle com Peter Hook) e Biel trafega por seu set com graça e peso ao mesmo tempo a essência do grupo torna-se evidente – e suas auras brilham com a mesma intensidade – algo que era sublinhado visualmente com a ótima luz de Olívia Munhoz, que age como se fosse integrante do trio. A ênfase no disco mais recente (um irmão caçula do 4 do Los Hermanos, que insiste no percurso mais dócil da mistura de indie rock com MPB) acaba por tirar peso e eletricidade da apresentação, aproximando-a da sonoridade da carreira solo de Tim, o que reflete-se na escolha da única versão da noite, “O Sonhador”, de Leandro e Leonardo. E o que poderia ser um show de grandes sucessos da banda (afinal, os quatro anos sem subir no palco pediam) acabou pesando para a segunda metade da história da banda: foram 23 músicas do terceiro e quarto disco contra apenas cinco dos dois primeiros. Felizmente fecharam com “66”, primeiro hit do primeiro disco, que justamente colocou o dedo do grupo de volta na tomada, eletrizando a plateia ao final. E isso que só foi o primeiro da turnê…

Assista abaixo:  

Entrelaçando repertórios

Ana Spalter e Felipe Távora entrelaçaram instrumentos, vozes e repertórios nesta quarta-feira, ao fazer a primeira apresentação em dupla no Teatro da Rotina. Com a casa lotada, os dois passearam pelas próprias canções, encontrando pontos em comum entre melodias e temas e reduzindo os arranjos quase sempre a um violão e um teclado, pilotados respectivamente por Felipe e Ana, que também encontraram-se no bom humor (com algumas piadas infames) com o qual conduziram a noite. Numa apresentação minimalista e delicada, os dois cativaram o público presente, fazendo-os cantarem trechos de músicas que sequer conheciam. E além das próprias composições, passearam por músicas de Gilberto Gil (“Drão”) e Edu Lobo (“Zum-zum”), esta última dividida com a voz fantástica de Luiza Villa. Os dois encerraram a apresentação cantando “Gosto Meio Doce”, música de Távora que foi imortalizada pela dupla Nina Maia e Chica Barreto.

Assista abaixo:  

Uma viagem para dentro

A produtora e musicista Lorena Hollander conduziu o público que foi ao Centro da Terra nesta terça-feira em uma jornada interior. Apesar de apontar para o satélite natural do planeta ao batizar o espetáculo de seu projeto Ushan como Ao Redor da Lua, ela mergulhou em uma jornada interior dividida em três partes. Na primeira delas, entre apitos e um kotô, ela foi acompanhada pelo baixo de Samuel Bueno e pela bateria de Martin Simon e apresentou a paisagem sideral no cenário ao mesmo tempo em que conduzia o público para uma introspecção lisérgica que misturava baixo e bateria de rock psicodélico a beats, distorções digitais e mantras vocais ao timbre peculiar do instrumento asiático. Depois entrou numa viagem de improviso ao lado da convidada da noite, Sue, que trouxe sua guitarra e seus processadores sonoros para duelar com o kotô e os processadores de Lorena, em um improviso intenso. A terceira e última parte trouxe Samuel e Martin de volta ao palco, quando a líder da noite nos conduziu pelo momento mais expansivo e intenso da noite, entre efeitos e uma cimitarra na cabeça. De deixar todos perplexos.

>Assista abaixo:  

“É preciso viver só pra gente se encontrar”

“Pra viver junto é preciso viver só, pra gente se encontrar”, incitando o público a cantar o refrão da inédita “Oração 18”, que faz parte de seu Prece, rosário em forma de disco que lança em abril, e que será lançada como single na semana que vem, a mineira Luiza Brina resumiu a força tanto de sua temporada no Centro da Terra, quando apresentou-se pela terceira vez dentro de Aprendendo a Nadar, quanto de seu novo momento artístico, quando aproximou-se de outros artistas para somar forças e criar algo coletivo, ciente das respectivas individualidades. Desta vez ela chamou o carioca Castello Branco e o alagoano Batataboy e os três criaram momentos únicos, Castelo sempre ao violão, Batataboy entre o piano e o contrabaixo e Luiza entre o violão e o contrabaixo, os três entrelaçando vocais sem pausas entre as canções desde o primeiro dedilhado que abriu o show, parando só na citada última música, que recebeu todos os aplausos da casa. “Pra andar junto é preciso poder andar só, pra gente caminhar”, caminha Luiza!

#luizabrinanocentrodaterra #luizabrina #centrodaterra2024 #trabalhosujo2024shows 41

Assista abaixo:  

A primeira vez no Porta Maldita

Finalmente visitei o Porta Maldita e que massa ver que o Arthur conseguiu fazer o que vinha vislumbrando há anos: um inferninho saudável, que apesar de ser uma casa de shows parece a casa de alguém que gosta de música, com gente espalhada pelos cômodos curtindo civilizadamente a noite. O cômodo dedicado aos shows, além de ar condicionado (crucial para esse verão) tem um dos melhores sons entre as casas pequenas – uma meta do dono, que é justamente uma pessoa do som – e o Porta Maldita ainda tem até com iluminador para os shows (sexta quem estava lá era o Rafa, do Applegate). E o bar é demais: os drinks são bem bons, o preço é justo, os copos são de vidro, tem água de graça e a equipe é simpática. Parabéns Arthur! Fora que ter só uma portinha do lado de fora tem um charme poético que torna a casa ainda mais mágica.

Assisti a mais um show do Garotas Suecas, que vinham de um extremo oposto desde seu último show, quando abriram para os Titãs no estádio do Palmeiras lotado, em dezembro. No primeiro show do ano, os heróis do indie paulistano – que completam 20 anos de banda neste 2024 – mostram como a experiência e a maturidade confluem para um show preciso e redondinho, com canções irresistíveis e causos infames entre elas – inclusive sobre quando o baterista Nico foi entrevistado sobre especulação imobiliária, história contada antes da ótima “Gentrificação”, do disco que lançaram ano passado.

Depois foi a vez dos Fonsecas, que nunca tinha visto ao vivo, e a banda colide rock’n’roll com MPB a partir da sua divisão instrumental: o power trio formado por Caio Bortolozo (guitarra), Thales Tavares (bateria) e Valentim Frateschi (baixo) pegam pesado no rock, deixando o vocalista Felipe Távora livre para declamar seus poemas em forma de canção e se jogar no palco. O show ainda contou com a participação do vocalista da banda baiana Tangolo Mangos, Felipe Vaqueiro, e o vocalista da banda Naimaculada, Ricardo Paes, dividindo o palco com o grupo na última música, a faixa que batiza seu EP, “Fundo da Meia”. Foi a primeira vez que vi o grupo ao vivo e funcionou bem com a minha primeira vez no Porta Maldita.

#garotassuecas #osfonsecas #portamaldita #trabalhosujo2024shows 39 e 40

Assista abaixo: