O encerramento da temporada Cosmofonias de Romulo Alexis nesta segunda-feira no Centro da Terra foi apoteótico, quando chamou seu compadre Wagner Ramos, que, com Romulo, forma o duo Rádio Diáspora, para uma versão intensa dessa formação, chamada de Ensemble Cachaça!, que contou ainda com o trombone de Allan Abbadia, o contrabaixo de Clara Bastos, a voz e o berimbau de Paola Ribeiro e o sax de Stefani Souza. O sexteto partiu de momentos soturnos e silenciosos para picos de estridência e dissonância, quando timbres graves e agudos se encontravam canalizados pelo trompete e bateria do duo proponente do encontro, com direito a instrumntos de sopro desmontados para buscar novas sonoridades e um berimbau tocado com arco, além da voz livre e espacial de Paola. A última de quatro intensas noites de improviso e exploração musical foi um encerramento desnorteador.
A terceira apresentação da temporada Cosmofonias que Romulo Alexis está realizando no Centro da Terra foi feita em parceria com o núcleo Leviatã e aconteceu nesta segunda-feira, quando o trompetista reuniu-se ao lado de Edbras Brasil, Inès Terra, Thayná Oliveira e Sarine para uma sessão de improviso intensa, que começou com momentos solo de cada um dos instrumentistas – Thayná abrindo a noite entre os sussuros e seu violoncelo, entregando para os synths e percussões de Sarine, passando para o tamborim e canto de terreiro de Edbras e as texturas improváveis da voz de Inês, além do próprio trompete do anfitrião -, culminando em uma celebração conjunta, quando timbres e tempos se encontravam e se entrelaçavam em uma cama musical ao mesmo tempo experimental e familiar.
Fotos: Barbara Monfrinato
Fim de semana intenso graças à segunda edição do C6Fest, que mais uma vez aconteceu no parque do Ibirapuera, consertando um problema da edição anterior, quando não era possível circular entre os diferentes palcos do festival. O problema foi que, devido à reforma que está sendo feita na marquise do palco, o percurso entre os dois palcos que antes era direto agora exigia que você desse uma longa volta para chegar do outro lado do evento. E assim o festival dividiu-se entre prós e contras: uma boa escalação com gente de todo mundo mas poucos artistas brasileiros (que sempre são deixados naqueles horários ingratos); uma boa estrutura mas com pouca assistência ao público (sinalização? Área de informações? Água gratuita?) e aquele ingresso salgado que se por um lado nos faz comemorar a facilidade de chegar perto do palco, por outro nos lembra que o festival em si é uma enorme área VIP. Ainda houve problemas com a capacidade da tenda ser menor que a do palco principal, o que fez muita gente ficar de fora do set dos 2ManyDJs. Mas as apresentações compensaram esses perrengues (mesmo divididas entre palcos preto – puxando pro neo soul – e branco – puxando pro indie velho): a vocalista do Xx Romy derreteu o público com seu house sofisticado, a cantora Raye mostrou que tem a faca e o queijo na mão pra se tornar uma das próximas grandes cantoras (presença de palco, liderança nata, carisma impecável e que voz!), Jaloo e Gaby Amarantos fizeram bonito em show conjunto, Ayra Starr eletriziou o público e Paris Texas se jogou na galera, entre outras boas apresentações. Mas o filé do fim de semana pode ser sintetizado em cinco shows: Soft Cell, 2ManyDJs, Fausto Fawcett, Cat Power e Pavement.
Ava Rocha incendiou o Inferninho Trabalho Sujo nessa sexta-feira ao subir sozinha no palco do Picles em quase duas horas de apresentação. Ela começou só com a voz, puxando pessoas para o palco para participar de seu ritual enquanto emulava percussão e pedia palmas do público e logo foi cercada por outras pessoas – amigos, conhecidos ou não – que transformaram a apresentação solitária numa celebração coletiva, que por vezes virava puro delírio (como quando o baixista Klaus Sena subiu na batera e puxou “Joana Dark”) por outras tornava-se introspecção pura (como quando ela pegou a guitarra e fez todos cantarem seus hits como “Você Não Vai Passar” e “Transeunte Coração”). Perto do fim, ela chamou seu tecladista Vini Furquim para passar algumas músicas de seu disco mais recente Néktar, fechando uma noite histórica. E depois eu e Fran encerramos o inferno astral desta última com a discotecagem mais bizarra que fizemos nos últimos tempos. Tudo estranho, mas deu tudo certo.
Boa estreia autoral a de Nina Camillo nesta terça-feira no Centro da Terra, quando apresentou seu espetáculo Nascente acompanhada do pianista Vitor Arantes, do baterista Gabriel Bruce e do baixista Noa Stroeter, este último diretor musical do trabalho. Mostrando pela primeira vez um repertório composto nos últimos anos mas ainda não gravado, ela passeou entre o jazz e a bossa nova com suas próprias músicas e fez uma única reverência não-autoral (e por duas vezes!) ao cantar Marcos Valle, quando puxou a maravilhosa “Preciso Aprender A Ser Só” e “Que Bandeira”, esta última com vocais divididos com a amiga Sophia Ardessore, que participou da apresentação. Foi bonito e foi só o começo…
Nunca consigo ir ao Tranquilo porque ele acontece sempre às segundas-feiras, dia em que me ocupo com as temporadas que faço no Centro da Terra, mas como a apresentação dessa segunda terminou logo e a edição do Tranquilo era por perto, consegui me deslocar para chegar no União Fraterna antes da última convidada da noite, Ana Frango Elétrico, que iria mostrar sozinha – como é a praxe do evento – músicas de sua lavra depois de apresentações da Marina Nemésio e da banda Pluma (que, pelos motivos descritos acima, perdi). Mas cheguei a tempo de ver Ana mostrar músicas de seus primeiros discos (Mormaço Queima e Little Electric Chicken Heart), além de canções de seu disco mais recente, Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua. Ela começou primeiro na guitarra e depois foi para o teclado, quando convidou Marina Nemésio para dividir a maravilhosa ” Nuvem Vermelha”, parceria das duas (e como eu amo a voz da Marina…). Voltou para a guitarra, quando, acompanhada do público que lotou o União Fraterna, fez todos cantarem em uníssono a perfeita “Insista em Mim”, minha música favorita do ano passado. Uma noite memorável.
Pesado o movimento feito por Romulo Alexis em sua segunda noite de Cosmofonias, temporada que ele está apresentando no Centro da Terra. Reunindo-se ao lado de outros onze músicos (entre eles o mestre Salloma Salomão, os sopros de To Bernado, Laura Santos e Stefani Souza, o violino de Karine Viana, as percussões de Manoel Trindade, Lerito Rocha e Henrique Kehde, o contrabaixo de Lua Bernardo, as cordas de Du Kiddy e Gui Braz), ele apresentou pela primeira vez a Nigra Experimenta Arkestra, big band de improviso instantâneo que estreou no palco do Sumaré causando uma combustão espontânea, seja nos momentos mais expansivos e explosivos ou nos introspectivos e delicados. Uma apresentação que durou menos de uma hora, mas abriu caminhos mentais que nos fizeram percorrer dias entre notas e beats.
Yma está nos devendo seu segundo disco há tempos, mas enquanto isso vai afiando ainda mais sua apresentação ao vivo. Nessa sexta-feira ela apresentou-se no MIS e mostrou como tem tratado seu pop delicado e melancólico cada vez mais à vontade no palco ao mesmo tempo em que está completamente entrosada à sua banda, formada por Uiu Lopes (baixo), Leon Perez (teclados), André Luiz (guitarra), Marco Trintinalha (bateria) e Vinícius Rodrigues (sax). Foi o primeiro show dela desde sua apresentação no Lollapalooza e, embora ainda calcado no disco de estreia Par de Olhos, já trouxe músicas de sua fase de transição, como “Aquário” e “Meredith Monk”, que gravou com Jadsa em seu projeto paralelo Zelena, além de uma música inédita, composta em francês. A apresentação terminou com uma homenagem a uma amiga gaúcha que não pode comparecer ao show pela tragédia que aconteceu no Rio Grande do Sul, a quem a cantora dedicou a bela e triste “Pequenos Rios”. Foi bem bonito.
Noite histórica com o Tortoise nesta quinta-feira, quando o sexteto de Chicago subiu no palco do Cine Joia para tocar a íntegra de seu clássico disco TNT. Só o anúncio deste evento já foi o suficiente para mobilizar toda uma safra de fãs do grupo que entupiu a casa de shows da Liberdade com a maior concentração de indies do século passado vista reunida num evento pós-pandemia (e justamente na semana em que outra concentração histórica dessa comunidade, o famoso show dos Pixies em Curitiba, , completa 20 anos). Como aconteceu com boa parte das bandas indie daquele período, o Tortoise melhorou ainda mais com o tempo e vê-los executando com detalhismo e sutileza todas as nuances de seu clássico de um quarto de século foi uma viagem musical, artística e, claro, sentimental. E mesmo começando pesado – com duas bateras frente a frente no primeiro plano do palco -, mostraram que as coisas estavam sérias de verdade no primeiro momento sem este instrumento, quando hipnotizaram o público com o andamento contínuo de “Ten-Day Interval”, logo no início do show. Vê-los trocando de instrumentos constantemente – do xilofone pra guitarra pro teclado pra bateria pro baixo pro synth pra pedal-steel – e ouvindo-os fluir do jazz atonal ao krautrock, passando pelo dub profundo, eletrônica purinha, indie rock clássico (com direito a sopros e cello) e trocas de andamentos até no meio do improviso reforça a ideia original de pós-rock – um grupo originalmente de rock que não respeita barreiras musicais e explora todas as possibilidades que surgem no caminho -, embora os seis torçam o nariz para o rótulo. Findo o disco na íntegra (numa execução impecável), o grupo ainda voltou ao palco no bis para tocar “Along the Banks of Rivers” (do primeiro disco da banda, Millions of Now Living Will Never Die) e “Crest” (do disco que lançaram há vinte anos, It’s All Around You), encerrando uma das apresentações mais intensas – e quentes! – que eu vi do grupo. Mágico.
Maravilha de terça-feira com Kamau, quando mais uma vez mostrou que é um dos melhores ao apresentar músicas novas de um próximo trabalho – que está sendo finalizado este semestre – ao lado dos compadres DCazz e Erick Jay, cada um com seu devido momento de brilho pessoal. E é claro que não poderiam faltar clássicos de sua lavra como “Resistência”, “Poesia de Concreto” e “A Quem Possa Interessar”, com a qual encerrou a apresentação. Noite quente!