Ainda essa semana eu rebobino a fita pra terminar de falar sobre o cara. Pra quem não sabe do que eu tou falando, depois que eu vi o show da Orquestra Imperial tocando músicas do cara, entrei numa microobsessão temática que virou a TV Serge Gainsbourg – uma esmiuçada na carreira do cara amparada por vídeos encontrados no YouTube, que já tem suas doze partes (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12) e ainda nem terminou. Além delas ainda tem três Vida Fodonas dedicados ao sujeito (o #178, o #179 e o #180), fora um monte de curiosidades que você encontra reunidas na tag com o nome do cara (aliás, se liga que esse é jeito completamente diferente de visitar um saite, clicando nas tags que levam a outras tags que levam a outras tags… Eu não tagueio tudo à toa, por isso recomendo). Enquanto eu termino os posts finais sobre o tema (creio que mato tudo nessa semana, já que tudo já tá meio no jeito), vale dar uma circulada pelos capítulos anteriores até meio que pra requentar a história do cara.
Gainsbourg incitando o público de um show em Strasbourg a cantar o hino nacional francês, “La Marseillaise”, em 1980
Em sua última década de vida, Serge Gainsbourgh abraçou mais uma nova mudança – após tornar-se um dos maiores ícones da música pop francesa, decidiu-se inconscientemente ir além da música e ser apenas pop. Para isso, remodelou sua própria personalidade para uma mídia perfeita para essa transformação: a televisão. Tornou-se um dos nomes mais conhecidos – e festejados – pelo público francês em programas vespertinos sobre futilidades, assumindo o papel de misógino, bêbado e inconseqüente que haviam lhe impingido. Reinventou até o próprio nome, surgindo como Gainsbarre – nome que tem origem num trocadilho em francês de sua música “Ecce Homo” -, um artista estritamente midiático. Este novo personagem deu origem a momentos incríveis da história do pop francês, que iam desde piadas grosseiras sendo contadas em programas familiares (vale ver o vídeo nem que você não entenda francês – só o constrangimento do apresentador já vale)…
…ou queimando dinheiro na TV para reclamar dos impostos que o governo lhe cobrava…
…ou dizendo, em inglês, que queria trepar com Whitney Houston, na cara dela…
…ou aparecendo num leilão para comprar o manuscrito original do hino francês (e provar que não estava difamando a peça ao cantar “Aux arms etc.” – comprou o original para mostrar que o “etc.” estava na primeira versão da letra).
…ou brigando com outros convidados em programas de TV…
…ou fazendo o papel do pai insuportável num clipe pop adolescente qualquer…
Julien Clerc – “Coeur de rocker”
…ou num comercial de TV (único exemplar que encontrei no YouTube – Gainsbourg fez inúmeros comerciais durante os anos 80).
Propaganda da Konica
O programa de TV Musique and Music resolveu homenagear Serge Gainsbourg pelo duplo aniversário – em abril de 1978 ele não apenas completava 50 anos de idade como vinte anos de carreira. E assim, os produtores o convidaram para um longo bate-papo sobre sua vida e obra, intercalado por apresentações de intérpretes franceses (e Jane Birkin) de alguns dos principais clássicos de Gainsbourg. Não perca o final do show, com o próprio Serge regendo o coral masculino Garnier, que faz uma versão inacreditável para a polêmica “Les Sucettes”.
Serge Gainsbourg – “Le poinçonneur des Lilas”
Daniel Prévost – “Maria” e Alain Souchon – “Elisa”
Serge Gainsbourg – “La javanaise” e Laurent Voulzy – “Qui est in, qui est out”
Jane Birkin – “Ex-Fan des Sixties” e Michel Jonasz – “Comic Strip”
Jacques Martin – “En relisant ta lettre” e Bijou – “Les papillons noirs”
Serge Gainsbourg – “L’eau à la bouche” e Serge Gainsbourg & L’Ensemble Garnier – “Les Sucettes”
Serge Gainsbourg – “Je suis venu te dire que je m’en vais”
Serge Gainsbourg – “Cannabis”
Esta parte não chega a ser temática, pelo contrário, é uma compilação dos registros que encontrei dos vídeos dos anos 70 de Gainsbourg. Apesar de ter lançado dois discos conceituais (Vu de l’extérieur e L’Homme à tête de chou) tão importantes quanto Melody Nelson, suas canções são tratadas, em vídeo, como singles esparsos, descolados de suas obras originais.
Serge Gainsbourg – “Titicaca”
Serge Gainsbourg – “Nazi Rock”
E assim a produção de Serge, apesar de concentrar-se em álbuns (como o polêmico Rock Around the Bunker, em que comparava o rock’n’roll ao nazismo de forma nada sutil – e que só tem um único registro televisivo), passa a ser percebida novamente por singles lançados por ele mesmo ou por outros intérpretes – entre eles, inevitavelmente, Jane Birkin.
Jane Birkin, Jacques Dutronc & Serge Gainsbourg – “Les petits papiers”
Serge Gainsbourg, Jacques Dutronc & Jane Birkin – “Les roses fanées”
Jane Birkin – “Ex-Fan des Sixties”
Serge Gainsbourg – “Sea, sex and sun”
No final da década, ele flertou com a disco music e com o reggae, com quem teve um caso mais sólido. Pioneiro no gênero na França (gravou a primeira versão do gênero em 76, no disco L’Homme…), viajou para a Jamaica, gravou com Sly e Robbie e com as I-Threes, vocalistas que acompanhavam Bob Marley e que contavam com a esposa do homem, Rita, na formação – Bob não gostou de saber daquele francês que estava gravando com sua esposa.
Serge Gainsbourg – “Aux Arms Et Caetera”
Mas o sucesso internacional de “Je T’Aime… Moi Non Plus” – a única música francesa reconhecida pelos jamaicanos – fez com que Serge tivesse um certo respaldo com os músicos e o disco flui bem. Mas não bastasse a incursão musical caribenha – descendente direta da pré-world music de seu disco Gainsbourg Percussions, de 64 -, Serge ainda provocou seu próprio povo ao transformar o hino do país, a imortal “Marselhesa”, num reggae – feito comparável aos Sex Pistols xingando a rainha Elizabeth num show num barco em plena cerimônia do jubileu de coroação da senhora.
Serge Gainsbourg – “Mr. Iceberg”
Com “Aux Arms et Caetera”, Serge começava uma mutação de personalidade pública, que deixava o lado cafajeste e sofisticado em segundo plano para um sujeito grosso, bêbado e incômodo, disposto a falar as maiores atrocidades só para chocar quem estivesse ao seu redor, um personagem amado pelos programas de debate vespertinos da TV francesa. Mas esses são os anos 80, assunto pra daqui a pouco.
Boa entrevista feita com o mestre Gainsbourg em 73, em que ele não apenas abre sua casa como fala de seu início de carreira como pintor e ainda dá uma palhinha de suas músicas. O único problema – pra quem, como eu, não fala francês – é que os capítulos finais não vem com legenda…
Historie de Melody Nelson é o principal feito musical de Serge Gainsbourg. Se “Je T’Aime…” o transformou em uma personalidade global, o disco que tornou-se culto lapidava esta personalidade à minúcia, num auto-retrato pop feito por um ex-pintor que abandonou as telas por considerar-se apenas bom. Mellody Nelson conta a saga da personagem-título, uma adolescente inglesa que, andando de bicicleta, quase é atropelada pelo narrador francês do disco, o próprio Serge, que vinha dirigindo seu Rolls Royce prateado. A saga medieval da princesa salva pelo príncipe encantado vem para um século 20 em que tribos indígenas e aviões a jato convivem lado a lado (e culminam com o trágico fim do disco, em “Cargo Culte”) e Serge Gainsbourg molda sua personalidade pública para a segunda metade de sua vida. Recém passado dos 40 anos e com uma modelo de vinte e poucos a tiracolo, ele assume o papel de velho pervertido desde o tom de sua voz, cada vez menos cantado e mais falado, sussurrado, enquanto culmina a parceria com o maestro e arranjador Jean-Claude Vannier em um disco com menos de meia hora de duração e em que cordas derretidas misturam-se com baixo funky e guitarra psicodélica, funcionando como um pano de fundo quase surrealista para os gemidos de Jane e as baforadas de Serge. E é incrível descobrir que quase todas as faixas do disco renderam um especial de televisão.
Serge Gainsbourg – “Melody”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “Ballade de Melody Nelson”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “Valse de Melody”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “L’hôtel particulier”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “En Melody”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “Cargo Culte”
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “Elisa”
A inglesa Jane Birkin já era escolada no jet set quando conheceu Serge Gainsbourg. Foi o primeiro nu frontal da história do cinema (e onde melhor do que em Blow Up, de Antonioni, isso poderia acontecer…) e freqüentava a Swinging London dos Beatles (ex de John Barry, o autor do tema de James Bond, ela atuou em Wonderwall, filme cuja trilha era assinada por George Harrison – e que serviria de referência para uma certa canção dos anos 90), mas chegou crua e morrendo de medo na França, quando foi trabalhar ao lado de Serge.
Jane Birkin – “Jane B.”
(Aqui vale um parêntese para lamentar a ausência de filmes estrelados por Gainsbourg no YouTube – ele que, além de seus próprios projetos pessoais, era sempre chamado para fazer o papel de vilão – e quase sempre se afundava na poltrona quando o público comemorava as cenas em que seus personagens encontravam seu fim inevitável)
Serge Gainsbourg – “Manon”
A princípio, os dois não se bicaram, mas logo a cortesia de Gainsbourg cativou a pequena inglesa, quase vinte anos mais nova que ele e uma das model/atrizes mais bem pagas do final dos anos 60 e os dois eram vistos badalando por Paris. O caso ficou sério e Jane tornou-se a principal musa da vida de Gainsbourg, num casamento que atravessou inabalado os anos 70, além de dar a luz à Charlotte Gainsbourg.
Serge Gainsbourg – “Sous le Soleil Exactement”
Mas o principal feito do casal – e o maior da carreira de Serge – foi o single “Je T’Aime… Moi Non Plus”, que Serge havia gravado com Bardot e engavetado em seguida devido à repercussão interna causada pelo single. Vivendo com Jane, ele assumiu sua obra máxima – “a canção definitiva de amor”, ele dizia – e a pôs na rua, causando o maior furor que uma única canção pode provocar em todo o planeta – um feito que nenhum artista pop, inglês ou americano, conseguiu causar.
Jane Birkin & Serge Gainsbourg – “Je T’Aime Moi Non Plus”
Composta sobre uma base melosa e derretida, “Je T’Aime…” pode soar até ingênua em tempos pós-Madonna, mas foi ela quem abriu caminho para que o sexo pudesse ser usado como elemento pop. O que era implícito no rebolado de Elvis e nos cabelos dos Beatles era escancarado na troca de gemidos entre Serge e Jane, simulando um orgasmo ao mesmo tempo em que exaltavam o sexo casual. “Te amo…”, dizia o título, “eu também não”. A gemedeira extrapolou barreiras lingüísticas e a canção tornava-se um sucesso e um problema onde quer que era ouvida. Garantiu a excomunhão do diretor da gravadora que a lançou, foi banida pelo próprio Vaticano, além de censurada em diversos países, inclusive na Inglaterra e no Brasil.
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “69 Annee Erotique”
Mas o casamento de Serge e Jane não culminaria na polêmica de um single. Os dois estenderiam seu relacionamento em um disco que, sem dúvida, é a obra mais importante de Serge Gainsbourg em relação à sua personalidade pública, o disco que o consagrou como um autor sério e distinto, um dos principais nomes de sua época: Histoire de Melody Nelson. Falo dele já, já.
Serge Gainsbourg & Jane Birkin – “Slogan”
Serge Gainsbourg – “New York USA”
Antes de passarmos para a fase mais controversa da carreira de Gainsbourg, vale abrir um parêntese para mostrar que, mesmo antes de se transformar num svengali do pop adolescente francês, ele já buscava novos rumos para sua música, visitando o continente africano décadas antes que qualquer outro popstar americano ou europeu. Ouvindo discos africanos sem parar, chegou à conclusão que era uma das formas que o pop francês poderia se contrapor ao cantado em inglês graças à percussão de suas antigas colônias. Gravado com muita percussão e corais femininos, Gainsbourg Percussions, de 1964, é um dos principais trabalhos de Serge nos anos 60 e, mesmo que tenha tido pouco sucesso comercial na época, tem o mérito histórico de ser um dos pioneiros a traçar uma conexão entre a música africana não-americanizada e a música pop – e fazendo-a soar tão pop quanto ela poderia ser, sem lançar olhos de colonizador sobre ritmos e músicalidade fora de seus padrões europeus.
Serge Gainsbourg – “Quand mon 6,35 me fait les yeux doux”
Serge Gainsbourg – “Machins Choses”
Serge Gainsbourg – “Couleur Café”
Serge Gainsbourg conheceu Brigitte Bardot como o mundo todo: no cinema. A atriz estava em ascensão por sua simples e inacreditável beleza e, como parte de toda uma geração que ganhou notoriedade mundial graças à popularização da televisão no final dos anos 50/começo dos 60, estava em todo lugar – como Elvis, Marilyn Monroe, os Beatles, os Kennedy, Pelé e dezenas de outras celebridades globais deste período, Bardot cantava, dançava, sapateava, assobiava e chupava cana ao mesmo tempo. Foi inevitável que, mesmo com uma voz limitada, fosse parar no mundo dos discos e foi aí que Gainsbourg conseguiu se aproximar dela. Aos poucos estava compondo músicas exclusivas para ela, antes de iniciar um caso divulgado com alarde pela imprensa francesa da época – ambos casados e célebres, ela impecável, ele horrendo, tinham motivos de sobra para habitar páginas e páginas de fofocas. O affair rendeu não só bons singles como um dos melhores discos da primeira fase da carreira de Gainsbourg (Comic Strip, em que flerta com a cultura anglófona) e o início de uma polêmica monstruosa que daria a Serge seu maior e mais popular feito comercial.
Brigitte Bardot – “L’Appareil a Sous”
Serge Gainsbourg – “Initials B.B.”
Serge Gainsbourg – “Comic Strip”
Serge Gainsbourg – “Bloody Jack”
Brigitte Bardot – “Bubble Gum”
Serge Gainsbourg – “Docteur Jekyll et Monsieur Hyde”
Serge Gainsbourg – “Qui est ‘in’ qui est ‘out'”
Serge Gainsbourg – “Bloody Jack”
Brigitte Bardot & Serge Gainsbourg – “Bonnie & Clyde”
Brigitte Bardot – “Everybody Loves my Baby”
Brigitte Bardot, Sacha Distel & Serge Gainsbourg – “La bise aux hippies”
Brigitte Bardot – “Harley Davidson”
O desdobramento da fase “Baby Pop”, inaugurada com France Gall, fez com que Serge Gainsbourg funcionasse como um cavalo de Tróia sofisticado para o pop descartável francês. À medida em que seus hits ganhavam o topo das paradas na França, artistas diferentes – e de fora de seu país – começavam a lhe pedir canções. E aos poucos ele começa a diluir a trivialidade de suas canções ingênuas de duplo sentido com os trocadilhos sonoros e jogos de cena de suas composições do período adulto. Um bom ensaio para uma aparição que viria a seguir…
Petula Clark – “O O Sheriff”
Dominique Walter – “Les petits boudins”
Dalida & Serge Gainsbourg : “Rues de mon Paris”
Minouche Barelli – “Boum-badaboum”
Serge Gainsbourg & Anna Karina – “Ne dis rien”
Marianne Faithfull – “Hier ou demain”
Françoise Hardy – “Comment Te Dire Adieu”