
Tudo bem que, fora Jimmy Rip – o segundo guitarrista que assumiu o posto depois que Richard Lloyd deixou a banda em 2007 -, o Television que se apresentou na quarta passada no Beco era o mesmo que havia gravado Marquee Moon. Era o mesmo Billy Ficca de cabelo descolorido e comprido firme na bateria e o mesmo Fred Smith, que a idade transformou num tiozão do churrasco, com o mesmo baixo forte e preciso. Mas o show era – como sempre foi – de Tom Verlaine. É ele quem ergue a banda a um nível extraterreno, que disse o célebre Ahmet Ertegün, da Atlantic, ao se recusar contratá-los por considerá-los música de outro planeta. Seus épicos urbanos são cantados com uma voz ao mesmo tempo doce e resmungona e ele floreia estas composições que remetem a um Bob Dylan indie com uma guitarra magistral, de ângulos improváveis, tocada com o polegar, sem palheta.
No show desta semana, a terceira passagem da banda por São Paulo, não foi diferente. Embora a harmonia entre os quatro seja incandescente e do substituto Jimmy Rip faça jus às frases originais de Richard Lloyd, o holofote naturalmente cai sobre Verlaine. Isso acontece justamente pelo instrumental de sua banda orbitar ao redor da força gravitacional gerada pela alternância dos versos de suas canções mundanas e de seu timbre elétrico ímpar. É a mistura improvável de canções mundanas e solos transcendentais que formam o coração e o cérebro do grupo. E o fato do homem Television ter o dobro da idade da média da platéia do Beco não o torna tão distante daquela realidade – a fauna da rua Augusta em 2013 não é muito diferente da Nova York do final dos anos 70, talvez mais populosa. Mas descer a rua paulistana antes de assistir aos nova-iorquinos foi uma experiência complementar ao show. Grisalho e de cabelo curto, Verlaine parecia mais um velho punk disposto a cantar as glórias de seu tempo, mas bastou a banda começar a tocar e suas duas vozes – a da garganta e a da guitarra – pareciam estar falando sobre a rotina daquele lugar, em São Paulo.
Entre clássicos e músicas menos conhecidas, a banda começou o show pontualmente às 11 da noite e segurou quase duas horas de apresentação, com poucas músicas durando menos que cinco minutos. O grupo até arriscou uma música nova e uma versão de “Persia” com vocal e letra, fazendo jus à sua lenta tradição de moldar canções com o passar das décadas. Afinal, lá vão quase quarenta anos desde o primeiro disco e a discografia oficial do Television, sem contar os discos ao vivo, tem apenas três discos de inéditas. O público, mais velho e mais intenso que o que assistiu ao Toro y Moi duas semanas antes naquele mesmo lugar, pedia músicas da clássica estréia da banda no grito e fechava os olhos em transe durante os longos solos de guitarra. E depois dos doze minutos de “Marquee Moon” ao vivo, a banda ainda voltou para um bis com “Psychotic Reaction” do Count Five, um clássico do protopunk psicodélico, fechando a experiência como se o Television fosse uma banda adolescente.
Fiz uns vídeos, confira abaixo.

Na minha coluna no site da Galileu esta semana aproveitei o gancho do início da edição 2013 do projeto Fronteiras do Pensamento para falar com o curador do evento, o gaúcho Fernando Schüller, sobre como o mundo tem melhorado.

Otimismo racional
O projeto Fronteiras do Pensamento também aposta em um futuro melhor nos próximos anos
Começa, nesta quarta-feira, 17 de abril, a edição 2013 do projeto Fronteiras do Pensamento. O primeiro palestrante é o escritor peruano Mario Vargas Llosa e a GALILEU fechou uma parceria com o evento garantindo 50% de desconto nos ingressos para quem assina a revista. O tema deste ano é o cosmopolitismo: como as discussões sobre questões relacionadas à cidade grande são importantes para o mundo todo. Conversei com o curador do projeto, Fernando Schüler, no início do mês e ele falou sobre este tema, veja no vídeo abaixo:
“A humanidade vem superando padrões éticos progressivamente, geração a geração”, me disse o acadêmico, citando como temas tidos como certo – tais como a escravidão, a disputa por meio de duelos e a discriminação vem diminuindo gradativamente. Foi bom ouvir que o idealizador de um dos principais projetos intelectuais no Brasil hoje não é um pessimista e acha que o mundo está melhorando, principalmente graças aos avanços da ciência e da tecnologia. Reforcei este aspecto na pergunta seguinte, e Schüler confirmou, falando que intelectuais tendem ao que ele chama de “pessimismo metodológico”, explicando que nossa visão de mundo é pautada por sentimentos e impede que vejamos as melhoras significativas que tivemos em muitas frentes nos últimos anos, como a queda da pobreza e da mortalidade infantil e o aumento da longevidade, isso devido à ascensão das periferias do mundo, que vêm da transferência do conhecimento e trocas globais que só aconteceram devido à abertura nos últimos séculos. “Nunca houve na época da história um desenvolvimento harmônico”, reforçou, lembrando que este desenvolvimento historicamente é paradoxal. E lembrou que isso não significa que as pessoas serão felizes ou que a cultura deixará de ser trivial, mas que é inevitável percebermos que houve “progresso social, econômico e até mesmo político”, nos últimos anos. Assista a seguir:
A constatação de Schüler vai de encontro ao tema da palestra que abre o Fronteiras do Pensamento de hoje, em que Mario Vargas Llosa crucifica a sociedade moderna e a espetacularização de nossa cultura tendo como base seu livro mais recente, A Civilização do Espetáculo, que ainda não tem edição brasileira. Na próxima coluna eu comento como foi a palestra de Vargas Llosa e continuo esta discussão sobre se a civilização está melhorando ou piorando.
Você sabe de que lado estou.

Eis minha última Impressão Digital. A partir da semana que vem, o Link passa a ser uma coluna no caderno de Economia do Estadão, às segundas-feiras, e deixa de ser um caderno semanal. Ano que vem o caderno completaria 10 anos, cinco deles sob a minha edição. Aproveitei a deixa e a usei como assunto da última coluna, para lembrar os bons tempos que vivi neste período, tanto do ponto de vista do caderno, de jornalismo, quanto do da redação, humano. Foi uma época incrível, só posso agradecer a todos. Abaixo a versão integral da coluna, que teve de ser enxuta para caber no tamanho estabelecido.

Cinco anos mudando a cara do jornalismo de tecnologia no Brasil
“This is the end…”: Despeço-me desta coluna logo após ela completar três anos
É inevitável ouvir Jim Morrison sussurrar a frase que batiza o maior épico dos Doors à medida em que começo a digitar essa coluna. É última Impressão Digital que assino, justamente um mês após ela ter completado três anos. A coluna, que começou no Caderno 2 com o redesenho do jornal em 2010, era o último resquício de vínculo que ainda tinha com este centenário jornal no Limão. Com a transformação do Link em uma seção no caderno de economia, encerro a jornada que comecei aqui em 2007 – e despeço-me destas páginas.
(Minha relação com o Estado, contudo, é anterior à existência do Link. Durante os anos 90, colaborei tanto com o extinto caderno Zap!, que à época contava com a dupla Ricardo Alexandre e Emerson Gasperin, grandes amigos, em sua liderança, e na versão reduzida que o mesmo caderno tinha às sextas-feiras no Caderno 2, o Caderno Z. Foi no Caderno Z que publiquei minha primeira matéria num grande veículo de comunicação no Brasil, ao comemorar o cinquentenário do gênio psicodélico Syd Barrett, que ainda era vivo e seguia recluso. O que quer dizer que o fim da Impressão Digital talvez seja o encerramento do meu segundo ciclo nesta casa, não minha despedida final.)
Comecei a trabalhar no Link em maio de 2007, dois meses após sair da gravadora Trama, onde coordenava a agência de notícias do projeto Trama Universitário, que terminou depois que os contratos com seus patrocinadores chegaram ao fim. Em abril, o antigo editor-assistente do Link, Guilherme Werneck, me chamou para conversar com o então editor Otávio Dias. Guilherme estava saindo para dirigir a redação da revista Trip e sabia que eu havia saído da Trama. Veio me perguntar se eu toparia assumir seu cargo, logo que ele saísse. Gostei da ideia e fui conversar na redação do Limão – já acompanhava o Link de perto por atuar na cobertura de tecnologia desde o início da década passada e sabia que ele já era um caderno fora do padrão dos cadernos de informática de então (a começar pela mudança de nome).
Quando comecei a frequentar a redação do bairro do Limão, o Link era chefiado pelo Otávio e tinha nomes como Bruno Garatoni (hoje na Super Interessante), Maurício Moraes (que foi para a Info), Jocelyn Auricchio, Rodrigo Martins, Gustavo Miller, Cinthia Toledo e Filipe Serrano, estes três últimos, estagiários. Pedro Doria, que depois viria ser o editor-chefe de conteúdos digitais do jornal e hoje ocupa um cargo semelhante n’O Globo, ainda era colunista do caderno ao mesmo tempo em que também era repórter do caderno Aliás e também participava comigo, com o Otávio e com o Fabio “Fabão” Lima, do programa Link Eldorado, que ia ao ar todos os domingos. A arte do caderno, quando entrei, era tocada pela Bia Oliveira, depois pelo Marcelo Begosso, por Gustavo Godoy e, nesta primeira fase, Adriano Araújo.
Era uma outra época. O Orkut ainda era forte, o Facebook não existia fora dos EUA, o iPhone acabara de ser lançado, os consoles eram a grande força dos videogames, a Lei Azeredo pairava sobre nossas cabeças cogitando a obrigatoriedade de se digitar o CPF para acessar à internet, a internet via celular ainda era WAP, Rafinha Bastos e Danilo Gentili eram estrelas do YouTube, Lost misturava internet e TV e o Google começava a se expandir para além da web.
Quando o Ilan Kow, que hoje ocupa o cargo de diretor de produtos e projetos da casa, tornou-se editor-chefe de publicações especiais, ele assumiu a gestão de todos os suplementos do jornal e achou que eu funcionaria melhor como editor do que como editor-assistente do Link. Foi aí, em maio de 2009, que comecei a mudar completamente a forma como o caderno funcionava.
Para começar, finalizei a transferência da seção de tecnologia do portal Estadao.com.br para as mãos da equipe do Link. Não fazia sentido um caderno que cobre tecnologia e internet ter um site atualizado uma vez por semana (sério). Ao procurar alguém para ser meu editor-assistente, Ilan e seu braço direito Luiz Américo Camargo me sugeriram o nome de Heloisa Lupinacci, então editora-assistente do caderno de Turismo da Folha de S. Paulo. Lembro do primeiro almoço que tive com Helô (“só minha mãe me chama de Heloisa!”, disse ao final do encontro) e que ela dizia que não conhecia muito de tecnologia. “Não importa”, frisei, “você tem que entender de jornalismo”, antes de repetir um dos meus mantras – que essa é das poucas profissões em que você é pago para aprender.
Com Helô como copilota, reestruturei a equipe que, por outros motivos, ficara desfalcada. A repórter Juliana Cunha foi fazer um mestrado na Áustria, o repórter Lucas Pretti foi tocar o site do Divirta-se e Rodrigo Martins tornou-se editor de mídias sociais do jornal. Em seus lugares, chamei Tatiana de Mello Dias, que já havia trabalhado comigo na Trama e estava na IstoÉ, o amigo Fred Leal para ser o Personal Nerd e Ana Freitas, que havia acabado de terminar o estágio com a equipe do portal. O Filipe, que já era repórter, tornou-se o editor do novo site do Link e, no ano seguinte, todo mundo ganhou sua coluna.

As diferentes equipes do Link durante a minha gestão
Estas mudanças atingiram a pauta de tal forma que o Link logo tornou-se referência não apenas entre os veículos que cobrem tecnologia, mas no jornalismo brasileiro. Na época a Helô, que hoje é editora-assistente do caderno Paladar, dizia que o Link não era um caderno, era um experimento jornalístico. E todos que passaram por ele – além dos citados, vale mencionar o compadre Camilo Rocha, Rafael Cabral, Fernando Martines, Marcus Vinícius Brasil, Bruno Galo, Murilo Roncolato, Carla Peralva, Ana Carol Papp e Vinícius Félix e, claro, o patolino magrelo Thiago Jardim, o diagramador que deu a cara que o Link tinha enquanto eu era editor do caderno.
Ao fim de 2012, me ausentei da edição por ter de me submeter a uma cirurgia, e, logo que voltei, recebi o convite para dirigir a redação da Galileu. Mas o diretor de redação do Estado, Ricardo Gandour, queria manter meu vínculo no jornal e me propôs continuar com esta coluna, que já havia saído do Caderno 2 e ido para o Link. Filipe Serrano, que tornou-se o editor-assistente após a saída da Helô, assumiu a edição do caderno, cargo que ocupa até hoje.
Nesta nova fase do Link, a Impressão Digital chegou ao fim. Foram 152 colunas ininterruptas. Parece motivo de tristeza, mas é bom que as coisas terminem. Encerro meu segundo ciclo na centenária redação com uma pontinha de saudade e um enorme orgulho. Sei do bom trabalho que fiz e como foi bom conhecer todos que conheci – e são dezenas de pessoas, de velhos amigos que reencontrei a novos conhecidos que tornaram-se chapas, amigos e confidentes. Despeço-me de todos aqui – mas a vida continua e com certeza nos encontraremos por aí.
Quem sabe, num futuro, até mesmo nas páginas deste jornal.
E não se esqueçam: só melhora!
Um abraço e tudo de bom.
Minha coluna de hoje no site da Galileu mistura a ascensão da impressão 3D com um futuro currículo escolar que possa incluir programação – e como isso pode ter um impacto a longo prazo.

Um impacto ainda maior que o da internet
Impressoras 3D e programação no currículo escolar podem mudar ainda mais o mundo
Novamente junto dois assuntos para outro exercício de futurologia. Na semana passada, escrevi sobre como Big Data e ações coletivas poderiam dar o tom desta década. Hoje vou falar de outros dois assuntos que também irão mexer com nosso dia-a-dia – mas não logo: impressoras 3D e programação de dados na sala de aula.
Impressoras 3D ainda são novidade para a grande maioria das pessoas, mas o leitor de Galileu já acompanha este assunto há tempos (uma busca pelo termo em nosso site mostra um belo punhado de matérias sobre o tema – elas já estão imprimindo discos, carros, comida e até protótipos de ossos e órgãos humanos). Elas devem demorar algum tempo para se tornar realidade, mas, como toda nova tecnologia, em pouco tempo ela deve ser barateada a ponto de poder entrar no dia-a-dia das pessoas (embora já existam impressoras caseiras, inclusive que podem ser montadas em casa e já à venda no mercado brasileiro).
A princípio, imprimir em três dimensões parece fantástico: crie um modelo em três dimensões no computador, semelhante às maquetes digitais feitas por arquitetos, o envie para a impressora e ela começará a criar, a partir de camadas finíssimas feitas com diferentes tipos de substância (fibras sintéticas, plástico e até metais), o modelo físico.
Muitos podem se perguntar qual é o sentido de se imprimir um objeto em casa. Há quem diga que pode imprimir brinquedos para os filhos, outros – como o ex-editor da revista Wired, Chris Anderson, que lançou um livro (Makers, Ed. Campus) sobre o tema – acreditam que estamos às vésperas de uma “nova revolução industrial” (que é o subtítulo de seu livro, inclusive), que descentralizaria o conceito de fábrica, um conceito industrial, para transferi-lo para pequenas manufatoras caseiras movidas a impressoras 3D. Pode ser que isso ocorra, mas não nos próximos dez, vinte anos.
Num primeiro momento, impressoras 3D poderiam funcionar como uma forma de repor peças quebradas de aparelhos que ainda não foram descartados. Você perde a tampa que cobre a bateria do seu celular e faz o quê? Compra outra num camelô, anda sem a capinha ou talvez até compre outro celular. Num futuro próximo, talvez o fabricante de seu celular permita que você baixe o modelo 3D desta pecinha direto de seu site, da mesma forma que hoje você baixa o PDF com os manuais do usuário que antes vinham apenas em papel.
Mas isso nos leva a um outro momento que aí talvez nos aproxime da tal nova revolução industrial prevista por Chris Anderson. Quando as próximas gerações de estudantes começarem a aprender programação de dados na escola, veremos exemplos práticos do uso destas impressoras saindo do papel para a realidade. Já não é novidade vermos adolescentes criando softwares, aplicativos e outras soluções digitais pelo simples fato de terem começado a aprender a programar desde cedo, por conta própria. Há um forte movimento para que a programação de dados entre no currículo escolar básico, para que crianças e adolescentes possam desenvolver soluções para seus problemas a partir da criação de programas. Mas isso também não deve acontecer logo, embora não dá para ser pessimista e achar que isso não irá mudar.
Não custa lembrar que o conceito de escola foi criado durante a revolução industrial original para que os pais pudessem deixar seus filhos sozinhos em casa. A escola como a conhecemos hoje é análoga à fábrica: um grande complexo em que centenas de pessoas trabalham com horário fixo, regidas por autoridades solitárias e que não podem sair do script. Até a sirene da hora do recreio na escola é similar à sirene na hora do almoço na fábrica.
Mas do mesmo jeito que a fábrica pode cair em desuso, talvez a escola como a conhecemos hoje também caia. O professor deixa de ser a única fonte de conhecimento e uma autoridade punitiva para os desordeiros para se tornar um gestor de pessoas, levando em consideração as diferenças entre os indivíduos. A entrada do curso de programação na grade escolar certamente acelerará este processo.
E, inevitavelmente, mudará a forma como encaramos as impressoras 3D. Sua função atual está restrita a instituições, à grande escala de dinheiro. Mas em alguns anos isso pode começar a mudar – e quando isso começar a acontecer, pode ficar tranquilo que o impacto que a internet teve sobre a vida de todos será menor que o impacto que veremos no futuro.

Minha coluna da semana no Link foi sobre como cedi ao Netflix e porque a paranóia sobre conteúdo criado de acordo com o gosto do freguês é tão fraca quanto falsa (e, não, não considerem esta coluna como sendo meu texto sobre Arrested Development).

O que acontece quando você faz algo que todo mundo espera
House of Cards ou Arrested Development?
Já escrevi sobre isso aqui: por mais que goste das novidades digitais, estou longe de ser early-adopter, daqueles que saem por aí usando todas as possibilidades de um aparelho ou serviço recém-lançado. Tenho uma curiosidade branda em saber como funciona o que acabou de aparecer e está todo mundo comentando. Mas ficar horas na fila para comprar um telefone? Sonhar em usar uma certa atualização? Não sou desses.
(Lembro quando comecei a trabalhar no Link como editor-assistente em 2007. A chefia na época me deu o argumento definitivo para comprar um celular. O iPhone acabara de ser lançado e os celulares ainda não eram computadores de bolso. Eu não queria ser encontrado e levei anos para me acostumar com um telefone que te acompanha mesmo depois que você sai de casa. Mas me perguntaram: “E se acontecer algo urgente quando o jornal estiver indo para a gráfica?” Um argumento definitivo, cedi.)
A explicação para eu ser um late-adopter vem de um hábito que tem a ver com a profissão de jornalista e virou compulsão: consumir conteúdo. Sou fissurado por notícias, livros, filmes, programas de TV, games, sites e blogs – e por isso me contenho na hora de utilizar novas tecnologias. Também demorei a comprar DVD, fazer compras pela internet e comprar um e-reader.
Todo este enorme nariz de cera para dizer que finalmente aderi ao Netflix. E o motivo de não ter começado antes a pagar a assinatura digital para consumir conteúdo online é porque eu sabia que ia abrir uma porteira difícil de ser fechada. Mas resolvi ver qual era a deles a partir do anúncio de que começariam a exibir produções próprias.
House of Cards, série do diretor David Fincher, foi a escolhida para estrear a nova fase. Foi minha isca. Seu grande atrativo foi ter sido criada a partir de informações que a locadora digital tem dos usuários. Analisando os dados dos programas mais assistidos, chegaram a uma média que dizia que uma série sobre os bastidores da política estrelada por um protagonista sem escrúpulos seria de interesse de seus espectadores.
Comecei a assistir a série e… achei OK. Boas atuações, diálogos rápidos, uma trama que tem tudo para prender a atenção por alguns episódios e… um protagonista que vira-se para a câmera a cada dez minutos para explicar a cena e dizer quais são suas reais intenções. Precisava ser tão didático? Não passei do terceiro episódio, quem sabe um dia a retomo. Talvez não seja público-alvo típico da Netflix. Acontece.
Mas vi artigos e ouvi pessoas comentando que aquilo poderia ser um perigo, que a tendência era que a produção de conteúdo, quando é movida por algoritmos e estatísticas, poderia empacar a criatividade, criar produtos estanques, que não surpreendem e apenas saciam a vontade das pessoas por aquilo que ela já sabe que gosta.
Como se TVs e estúdios de cinema não fizessem pesquisas para saber como o público está reagindo a determinado filme ou série. Como se não existissem grupos de discussão, técnicas de foco de audiência e outros métodos para entender o que o público quer ver.
Bobagem ter esse receio. É inevitável que alguém surja com algo completamente inusitado que atraia as atenções – talvez pelo fato de que a maioria do conteúdo que é produzido hoje tende à banalidade justamente porque todos querem adivinhar o desejo do público.
Quero saber como será a volta de Arrested Development, uma das séries mais engraçadas de todos os tempos, cancelada em 2006 pela baixa audiência, justamente por ser inusitada, nonsense e exagerada – algo que nunca seria aprovado em uma reunião de conselho. Mas a série ganhou público e virou cult depois do cancelamento, a ponto do Netflix ter apostado em sua volta. A próxima temporada será lançada em 26 de maio. E agora? Arrested Development será como o público quer ver ou vão deixar a natureza livre, psicótica e absurda típica do seriado tomar conta novamente?
A ver.
Bati um papo com o filósofo Slavoj Žižek quando ele esteve aqui no mês passado numa conversa que entrou na edição atual da Galileu. O Eugênio me acompanhou fazendo as fotos e os vídeos logo abaixo do texto da entrevista.

Nós somos nossa tecnologia
Polêmico filósofo esloveno fala de nossa relação com as máquinas
Mal sou apresentado ao filósofo Slavoj Žižek no lobby do hotel na Alameda Santos, em São Paulo, em que ele se hospedou quando esteve no Brasil no mês passado, e ele aponta para a lata de refrigerante que está tomando: “Você sabe por que a Coca-Cola lançou a Coca-Cola Zero? Porque a Coca-Cola Light era associada ao público feminino, por ser ‘light’. Ao criar a versão Zero, neutra, conseguiram recuperar o público masculino”. E é nesse ritmo — uma enxurrada de ideias, pontos de vista, metáforas e hipóteses — que o pensador e provocador enfileira referências eruditas e pop, cultas e populares, para retratar o mundo ao seu redor. Sua recente visita ao Brasil aconteceu em decorrência do seminário Marx: A Criação Destruidora, realizado pelo Sesc e pela editora Boitempo (que está lançando Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, do próprio esloveno no país). Aproveitei para conversar com ele sobre um dos assuntos que mais o interessam, que é o papel da filosofia em relação aos desenvolvimentos tecnológicos atuais. Em uma hora de papo ele falou sobre isso, sobre livre sexo, religião, singularidade, gnose e tecnologia — a maior parte dessa entrevista você assiste no vídeo que fizemos para o site GALILEU. Por aqui, ele fala sobre a nossa relação com a tecnologia.
Você acha que podemos ser otimistas em relação ao futuro, devido ao avanço da ciência e da tecnologia no século passado?
A princípio, sim. Mas é bom não esquecermos de que a lacuna entre os mais pobres e os mais ricos é muito maior. Os ricos, verdadeiramente ricos, vivem num mundo bem diferente, mesmo no que diz respeito à ciência. Essas pessoas estão se prevenindo contra possíveis doenças, talvez até modificando seus cérebros para ficarem mais inteligentes. Pode ser que em breve as diferenças de classe se tornem diferenças na espécie. Mas concordo que há o velho pessimismo humanista europeu que prega a catástrofe, diz que a humanidade está em seus últimos dias e que estamos nos tornando máquinas que só se interessam pelo prazer.
Mas esta crítica tem a ver com o deslumbre atual pelo universo digital, que vem tomando conta das pessoas como se fosse um vício.
Não acho que isso seja um problema, pois a natureza humana tem uma habilidade incrível de incorporar e padronizar o que, a princípio, a chocava. Quem escreveu primeiro sobre isso foi Henri Bergson, que, ao se referir à Primeira Guerra Mundial, dizia que, antes da guerra, todos diziam: ‘Estamos vivendo 50 anos de paz na Europa, uma guerra nunca poderá acontecer de novo’. Mas então a guerra explodiu e dentro de uma ou duas semanas de choque, todo mundo a tomou como um fato.
Você não acha que há um tabu em relação à adaptação às novas tecnologias?
Sim, isso pode ser traumático. Por exemplo, pessoas com problemas renais precisam fazer diálises constantemente. Alguns pacientes me disseram que por mais que pensamos que somos autônomos e só precisamos de nossos corpos, eles dependem de uma máquina que está fora do seu corpo. Se o vínculo com a máquina é rompido, é a morte. E numa metáfora patética, será que a nossa linguagem, nosso sistema simbólico, não funciona da mesma forma? É o que diz, por exemplo, o estudioso da cognição cerebral Daniel Dennett, que fala que do mesmo jeito que um animal sem os pelos não é um animal — um coelho depilado é antinatural —, o mesmo vale para o ser humano — não em relação a nossas roupas, mas às nossas máquinas. Elas são partes da nossa identidade. Se você desconectar o ser humano de suas máquinas, você tem um animal mutilado.
Somos a nossa tecnologia.
Com certeza! E as tecnologias modernas só nos tornam mais conscientes disso.
Assim pode ser que a internet, por exemplo, seja uma manifestação física de nosso inconsciente coletivo?
Sim, isto está acontecendo, mas é algo que só faz sentido quando contraposto às nossas mentes individuais. Não compro essa história de “mente coletiva”. Se você matar as pessoas que operam as máquinas, elas não vão ficar felizes trabalhando sozinhas. São apenas máquinas burras funcionando. Máquinas inteligentes só trabalham de forma inteligente em contato com a inteligência humana. Não falo isso como um humanista, mas apenas consciente da subjetividade humana.
Os vídeos com a íntegra da entrevista seguem abaixo:
Um dos assuntos que pintaram quando o show do Sabbath no Brasil foi anunciado dizia respeito à sua localização – quais seriam os palcos que abrigariam a turnê dos pais do heavy metal? É papo pra estádio, mas em ano pré-Copa e estádios pela metade, as opções são bem restritas – não apenas para o Black Sabbath, mas também para outros artistas de médio e grande porte que podem passar por aqui.
A outra questão que surgiu, claro, diz respeito sobre o preço do ingresso. A discussão sobre o mercado de shows no Brasil, com o cancelamento do Sónar e a transferência do Cure do Morumbi para o Anhembi, voltou à pauta no último mês e, inevitavelmente, cai-se no círculo vicioso que, não importa quanto for o ingresso, “tem quem pague”. Até que chega o Skol Sensation desse ano com um ingresso que custa…

R$ 12.500. Doze mil e quinhentos reais. Isso é o equivalente a quantos salários mínimos? “Mas é pra seis pessoas”. Ah tá, fica só dois mil e oitenta e três reais por cabeça. E isso não parte de um evento “diferenciado”, em que o clima importa mais que as atrações estrangeiras. Poderia vir num musical da Broadway adaptado para São Paulo e Rio de Janeiro. Num concerto de música erudita ou num show de dance music qualquer. O “tem quem pague” não existe sem o “tem quem cobre” – e neste caso o Skol Sensation ultrapassou a barreira dos cinco dígitos no preço de um ingresso. Infelizmente, não vai parar por aí.
Há quem urubuze e diga que a bolha dos shows internacionais vai estourar e o país vai sair da escala de muitos artistas, caso os cachês diminuam, por exemplo. Sim, há uma bolha financeira, principalmente no que diz respeito ao preço que se paga pelos artistas e aos preços de ingressos repassados para o público, mas isso não significa que os shows internacionais vão parar de acontecer no Brasil, principalmente às vésperas de Copa do Mundo e Olimpíada.
E essa bolha financeira não tem a ver apenas com shows, claro. Tem a ver com ascensão da nova classe C também, mas também tem a ver com o tal “capital cultural” que eu citei outro dia. Mas o principal é essa elite de araque que se mede por dinheiro, que escaneia qualquer pessoa pelas marcas que ela tem ao seu redor, do relógio no pulso ao carro na garagem. Gente que usa o dinheiro para se diferenciar dos outros. Devíamos fazer como sugeriu o Knife naquele quadrinho que linkei ontem – tratar essas pessoas como portadoras de um problema psicológico, uma compulsão psicótica por acumular dinheiro e precificar tudo.
Isso também não é restrito ao Brasil, é um problema mundial. Que tem mudar.
Na minha coluna no site da Galileu essa semana falo sobre como ações coletivas e processamento de dados podem melhorar o planeta.

Amanda Palmer fala sobre “A arte de pedir” no vídeo ao final deste texto
A era da filantropia digital
Ações coletivas e uso inteligente de dados podem mudar o mundo em pouco tempo
Dois assuntos aos poucos se impõem como os grandes temas desta nova década: a ação coletiva e a utilização inteligente dos dados que temos sobre tudo. E os dois, juntos, podem mudar completamente as coisas em pouquíssimo tempo.
O primeiro parece uma reação natural da era eletrônica ao mercado de massas, criado pela era anterior e ainda vigente, a industrial. Este período histórico, iniciado com a revolução industrial há dois séculos e meio, foi um gatilho tecnológico que permitiu uma série de melhorias na vida cotidiana das pessoas, aos poucos tirou-as dos campos e transformou as cidades em palcos mundiais enquanto conectava, pela primeira vez, todo o planeta. Foi a época que inaugurou o conceito de conforto, consagrou os papéis de patrão e empregado e permitiu a explosão populacional que vimos nos últimos cem anos. A partir do surgimento da linguagem eletrônica, que tem pouco mais de 50 anos, estes conceitos começaram a ser desafiados pois a industrialização acaba tratando todos como números. A idade eletrônica, cuja influência só começou a ser sentida de fato em nossas rotina neste novo século, inverte essa lógica e possibilidade as potencialidades do indivíduo – inclusive como parte de um coletivo. É o que norteia a tal ação coletiva que faz iniciativas como crowdfunding, crowdsourcing e as redes sociais digitais serem tão populares atualmente.
O outro grande tema encontrou um rótulo no início do século quando foi decidido que o volume de dados disponíveis atualmente podem ser tratados pelo nome de Big Data – que, em muitos casos, reúne um número impossível de ser processado em aparelhos ou programas de porte médio, exigindo computadores mais poderosos. Big Data, na verdade, é fruto do excesso de informações gerado por qualquer ato ou movimento, seja pessoal ou de massa. Há desde gente colecionando dados médicos sobre si mesmos para antecipar problemas futuros com mais agilidade há empresas públicas inteiras tendo que abrir seus balancetes para justificar gastos e investimentos, além da obsessão humana em quantificar e mensurar diferentes tipos de atividade. Assim, há um volume de informações disponível que nunca vimos em toda a história – tema recorrente na coluna do redator chefe de GALILEU, Tiago Mali. A questão agora é o que fazer com esses dados. Mas no cenário atual, temos uma abundância de informação que pode nos ajudar a calcular melhor o que podemos – e queremos – fazer.
Há vários pontos em comum entre estes dois conceitos, mas queria chamar atenção de um deles: o fato de que, para funcionar, eles partem do pressuposto que as pessoas abram mão de algo para conseguir o que querem. No caso do crowdfunding, se abre mão de dinheiro, claro, mas no caso do crowdsourcing, das redes sociais e da disponibilização de dados, o que é oferecido não é mensurável. Estou falando de conhecimento, de disposição para ajudar e para trabalhar, de técnica e expertise, além dos próprios dados. Não quero fechar os olhos para áreas delicadas que são afetadas diretamente por essas mudanças, como a noção moderna de privacidade ou a transparência econômica e política. Mas o fato é que estas duas tendências desta segunda década do século 21 – ação coletiva e Big Data – serão ainda mais eficazes se as pessoas se dispuserem a participar.
Caso isso aconteça, podemos estar no início de uma era em que as pessoas possam começar a ajudar umas às outras sem ficar pensando em recompensas financeiras. E não estou falando em caridade (embora esta também seja importante), e sim de uma certa filantropia digital. E para começar a conseguir que isso ocorra também é importante saber o que é que precisa ser feito – e saber que isso pode começar com cada um de nós. Basta saber o que – e como – pedir.
Por isso encerro a coluna de hoje com o TED que a cantora Amanda Palmer apresentou este ano sobre “A arte de pedir”, abaixo:
Para quem não entende textos em inglês, segue abaixo a transcrição da participação de Amanda no TED em português, feita no próprio site do evento, abaixo:

Semana passada Luane virou viral com vídeo boca suja, mas o que ela fala – descontando os palavrões – não é bobagem. Foi disso que falei na minha coluna da edição desta semana do Link.

Parece piada, mas os conselhos de Luane têm fundamento
Apesar dos palavrões vídeo ‘manda a real’
No final do ano passado, a carioca Luane Dias resolveu gravar um vídeo para colocar no YouTube. Não citou nomes porque não queria apontar o dedo para ninguém, mas em pouco mais de três minutos desfilou um rosário de dicas de etiqueta social no Facebook. De fala mole e postura marrenta – uma carioca típica –, Luane, que pelo YouTube se identifica como “californiana2801”, também não poupa palavrões para criticar posturas de conhecidas em redes sociais.
Na semana passada, alguém descobriu o vídeo e ele viralizou. Se popularizou principalmente pelo jeito caricato que Luane dá suas dicas e pela enxurrada de palavrões ditos pela moça. Suas críticas tinham como alvo mulheres que querem passar por bem resolvidas e dizem não lamentar fim de relacionamentos, publicando frases de efeito no Facebook. As dicas de Luane são pérolas que merecem ser destacadas, mesmo relevando os palavrões e descontando o português esculachado:
“Bota que tá solteira, que tá feliz. Caô. Não tá! Sabe que não tá! Termina suave.” “Rasgue as fotos. Chore. Mas não coloque no Facebook.” “Tudo que vai fazer bota no Facebook. Essa porra virou diário agora?” “Como você vai arrumar namorado se todo dia você só quer reclamar?” “Guarde sua vida pessoal pra você.”
O único palavrão citado acima é quase uma vírgula perto das cenas pornográficas e do excesso de baixo calão do vídeo. Mas Luane não quer proibir ninguém de falar nomes feios e nem dar aulas de bons modos. Ela só quer dar um toque para umas meninas que saem publicando a primeira coisa que pensam no Facebook, sem nem pensar na repercussão que aquilo pode ter. “Não fale que tá na onda”, diz ela antes de cuspir outro palavrão e emendar “tá é ridícula”. O vídeo ganha ainda mais graça devido à fala arrastada de Luane, que capricha nos erres e nos esses chiados típicos do sotaque carioca.
Mas ela não está errada, não.
Luane está só verbalizando um sentimento que é próprio da maioria dos usuários da maior rede social do mundo. Você sabe. Basta um amigo ser contrariado para usar o Facebook como muro das lamentações e soltar indiretas como se elas pudessem ser percebidas apenas por quem é seu alvo. É quando paira aquela sensação de vergonha alheia – quando algo é tão constrangedor que envergonha até mesmo os outros. Você põe a mão na cara e abaixa a cabeça, incrédulo – “não é possível que o fulano se exponha dessa forma…”. Como se o Facebook já não fosse palco de outros tantos constrangimentos.
A carioca só pede calma na hora de postar. Ela mesma arrisca dizer que vai sair do Facebook, mas depois fala que não é preciso ser tão radical.
É um dilema da própria internet, não apenas do Facebook. A possibilidade de fazer sucesso a partir de frases polêmicas e opiniões engraçadinhas está ao alcance de qualquer um. E este sucesso é pra lá de relativo – basta que cinco amigos curtam uma frase boba para a pessoa que a publicou comece a se achar influente, transgressora, ousada.
Não, meu amigo, você não é. Na maior parte das vezes, o sentimento que você causa tentando provocar só piora a sua reputação.
Ou, como diz Luane, “se tu ficar de vacilação, alguém vai te cobrar”. Fique na boa!
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Falei há duas semanas nesta Impressão Digital sobre o documentário Quarto 237, que disseca com diferentes lâminas O Iluminado, o clássico do horror dirigido por Stanley Kubrick em 1980. Ramon Vitral, repórter que cobre cinema no caderno Divirta-se, do Estado, veio me avisar que o filme de Rodney Ascher vai ser exibido no festival É Tudo Verdade, que começa na próxima quinta-feira, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Maiores informações sobre as sessões do filme no site do evento.

Na minha coluna no site da Galileu essa semana é sobre o tratamento contra a leucemia que, a partir do HIV, consegue exterminar as células cancerígenas do organismo.
Leucemia com os dias contados
Um estudo publicado na semana passada abre novas perspectivas para o tratamento deste tipo de câncer

A pequena Emily, que se submeteu ao novo tratamento
Tratamentos que retardam o efeito devastador do câncer – ou que em alguns casos chegam a eliminá-lo por vez – aos poucos vêm mudando o peso que a doença tem sobre as pessoas. Até o fim do século passado, o simples diagnóstico da doença era o equivalente a uma sentença de morte. Mas na semana passada tivemos mais uma boa notícia nesta área.
Na quarta da semana passada, dia 20, o doutor Renier J. Brentjens e sua equipe no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, publicaram um estudo sobre um tratamento que vêm testando em pacientes com leucemia linfocítica aguda, uma das mais graves variações da doença, que abre novas perspectivas para os pacientes que sofrem deste mal.
O tratamento apresentado usou o vírus HIV como aliado e já havia sido testado por outras equipes médicas. O caso mais notório foi a revolução no estado de Emily Whitehead, menina norte-americana de 7 anos, que foi diagnosticada aos cinco anos com uma das piores variações da leucemia, que costuma ser avassaladora em adultos, mas que também não poupa crianças. A pequena Emily passou por tratamentos quimioterápicos que quase a mataram no início do ano passado, até que seus pais Tom e Kari resolveram apostar em um procedimento experimental que estava sendo desenvolvido no The Children’s Hospital of Philadelphia.
Como ela, doze pacientes que se submeteram ao novo tratamento tiveram seu quadro piorado em pouco tempo após a aplicação da nova prática, mas foi só a primeira mudança em seu quadro médico. Logo em seguida, todos começaram a se recuperar e a maioria teve suas células cancerígenas eliminadas do organismo. Apenas uma outra criança e quatro adultos não tiveram seus quadros completamente revertidos, enquanto em dois outros adultos (a doença é mais agravante quanto mais velho for o paciente), o tratamento não surtiu efeito. Mas, como Emily, cinco outros pacientes não apresentaram mais sintoma da doença desde que o novo processo foi iniciado, em abril do ano passado.
No tratamento, o vírus HIV foi modificado para reprogramar o sistema imunológico, de forma que este possa detectar células cancerígenas e eliminá-las. Ainda em fase experimental, a nova solução custa 200 mil dólares para os que se dispõe a experimentá-la e ainda não pode ser considerado eficaz. “Nosso objetivo é a cura, mas ainda não podemos dizer esta palavra”, declarou, com cautela, o doutor Carl June ao jornal The New York Times no final do ano passado, quando puderam comemorar o estágio atual da criança, que tornou-se símbolo deste novo tratamento. Jung coordena as pesquisas na Universidade da Pensilvânia e liderou o tratamento no caso do grupo de pacientes em que a criança esteve incluída.
Embora ainda seja um dos principais desafios da medicina moderna, os avanços contra este tipo de doença vêm melhorando consideravelmente – e a publicação do estudo realizada na semana passada pode ser o primeiro passo rumo à cura da leucemia. E, quem sabe, do câncer.