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Presidente Kennedy

No ano 2000 entrevistei o Jello Biafra para a revista Rockpress. Devo ter a edição impressa em algum lugar aqui em casa, mas revirando meus arquivos digitais encontrei a versão em .txt da matéria que fiz, que segue abaixo, na íntegra. Resolvi republicá-la agora porque muito do que Jello fala tem a ver com o que está acontecendo agora…

biafra

PRESIDENTE KENNEDY
Jello Biafra solta o verbo sobre globalização, processos judiciais, Sílvio Santos, alimentos transgênicos, protestos contra o FMI, corrida eleitoral, pornografia, Gordo na MTV, ecologia e a guerra santa da verdade das câmeras de vídeo!

Muito poderia ser dito à abertura de uma entrevista com Jello Biafra. Mas, sério, precisa? Jello fala pelos cotovelos e gosta, age ao telefone com a mesma verborragia cínica que destila nos microfones do planeta, misturando ideologia, economia global, preconceitos e arte num carregamento expresso de palavras cuspidas com firmeza de uma das línguas mais afiadas da história da música pop. Quase uma hora de papo com o cara pelo telefone explica muita coisa. Então tá: domingo de eleição (primeiro turno), cinco horas da tarde (a hora em que as urnas se fechavam – MUITO sintomático) e o telefone do cara na mão, me passado feito senha secreta pra detonar a bomba da terceira guerra mundial. Não era pra tanto. Era apenas mais uma das bombas verbais do presidente Kennedy, bem na minha orelha. Toca o telefone, duas vezes e atende. A secretária eletrônica.

Jello na secretária eletrônica – “O coelho Alba é um muito especial. Porque seu pelo brilha verde fluorescente no escuro. Não por causa da tintura de cabelo punk, mas porque Alba foi manipulado geneticamente para ser deste jeito pelo artista Eduardo Kac. Há muita controvérsia sobre formas de vida transgênicas para motivos frankenstalimentares, mas… artísticos? Descubra o que as pessoas pensam quando Alba será exposto em público no simpósio de Chicago chamado Arte, Ciência e Liberdade de Expressão: O Mundo de Eduardo Kac, que começa dia 17 de setembro, em Chicago”.

Olá Jello, aqui é Alexandre, do Brasil. Falei com a Michelle da Alternative Tentacles e se você estivesse em casa…
Jello Biafra – Alô.

Alô? Jello?
Jello Biafra – Sim.

Tudo bem?
Jello Biafra – OK.

Dá pra fazer a entrevista agora?
Jello Biafra – Claro.

Eu queria então que você começasse falando sobre as manifestações de Seattle contra as grandes organizações que representam a globalização, o FMI, o Banco Mundial, a OMC (Organização Mundial do Comércio)…
Jello Biafra – Você está gravando?

Sim.
Jello Biafra – Volte a fita para ouvi-lo.

Claro. (Voltei a fita, ele ouve a própria voz e consente).
Jello Biafra – OK.

Entre as formas que você poderia ter usado para falar o que queria, você preferiu cantar.
Jello Biafra – Eu cantei e discursei. E é bom frisar que não foram tumultos, que aquilo foi distorcido pela mídia corporativa porque alguns idiotas quebraram umas janelas. Quem tumultuou foi a polícia. Eu acho que é bom ponto para seu público, aprender como a mídia corporativa trabalha. Eles dizem que é um tumulto porque quebraram umas janelas mas não falam das 50 mil pessoas em paz.

Mas você acha que a música é a forma mais poderosa de atingir outras pessoas?
Jello Biafra – É uma delas. Você pode fazer isso falando, pelo rádio, filmando, pelo jornalismo. Todo mundo deveria fazer o que pode.

Mas a música parece agir de forma mais próxima, porque atua de uma forma mais emocional em relação às pessoas. Você concorda?
Jello Biafra – Houve uma discussão sobre como deveríamos fazer o show no final da manifestação, porque havia muitos policiais e tinha gás para todo lado. Estávamos presos dentro de uma casa de shows assistindo a polícia pela TV do lado de fora. Na noite seguinte ainda houveram problemas com a polícia, toque de recolher e o Michael Franti, do Spearhead, disse: “Agora, de todas as formas, as pessoas precisam de música”.

Um aspecto que parece ser positivo da globalização é o fato de você polarizar a discussão entre os que exploram e as diferentes forças intelectuais e ativistas de esquerda.
Jello Biafra – Não é tão simples. As forças da globalização ainda estão no controle. Eles ainda têm o dinheiro, o poder, a mídia e as armas. Mas essa é a mesma situação que a América assistiu quando algumas vozes solitárias começaram a pedir o fim da guerra do Vietnã, quando algumas vozes corajosas na América do Sul exigiram o fim de ditaduras militares arriscando a própria vida. Você tem que começar em algum lugar, mas o ponto é que isso está apenas começando.
Todo mundo tem de se envolver por todo mundo. Por exemplo, eu ouvi falar que há uma resistência no Brasil ao cultivo de alimentos geneticamente adulterados – ou deveria dizer, mutilados. Nos Estados Unidos, quase ninguém sabe que isso existe, que dizer que já está em nossa comida, agora. Ajuda quando as pessoas no Brasil, na Europa e agora na África e Índia resistem à franken-comida. Ajuda o fato das pessoas do Brasil ajudam o resto de nós salvar os Estados Unidos deles mesmos (ri).

Porque o capitalismo se vende como um paraíso, mas na verdade só oferece uma opção. Veja a atual campanha presidencial americana, em que os dois candidatos são praticamente o mesmo.
Jello Biafra – Sim, o mesmo, mas a maioria das pessoas por aqui não votam, que é o que as corporações querem. Eu estou tentando fazer as pessoas votarem porque existe um bom terceiro candidato chamado Ralph Nader, do Partido Verde. Mesmo se ele não ganhar, o que provavelmente não vai acontecer, a vitória não vem logo adiante: se ele ganha 5% dos votos, o dinheiro que o governo dá aos grande partidos durante a campanha virá de forma equivalente para o Partido Verde. Isso quer dizer 12 milhões de dólares americanos, no mínimo. Podem ser importantes para fazer crescer o perfil e a atenção do Partido Verde nos próximos anos.

Mas surte efeito jogar o jogo político com as regras de quem manda?
Jello Biafra – Eu acho que é melhor do que não fazer nada. A ação nas ruas é uma parte disso, mas a outra é tirar estes imbecis dos escritórios deles, que é uma coisa que ainda podemos fazer. A maioria das pessoas não sabe que estes outros candidatos existem, porque sua liberdade foi tirada pela censura da mídia. A notícia é que o Ralph Nader, do Partido Verde, existe. Mas outra razão para participar mesmo sendo pelas regras deles, é o princípio das artes marciais que fala para usarmos a força de alguém contra eles. Talvez não vamos ter um bom presidente, mas se as pessoas se fizerem ouvir, vão ter pessoas melhores nos escritórios governando cidades, escolas, estados… Não é só o presidente. A maior parte do dinheiro que é mandado do governo federal vai à instância local para ser decidido como ele será gasto, se será gasto em casas para os necessitados ou em um outro campo de golfe. Também é muito importante ver quem está mandando nas escolas, pois ao contrário farão as crianças terem aulas sobre a Bíblia.

E em paralelo a este jogo de mídia, há todo um poder no submundo da internet que não gosta de aparecer e faz tudo que tem de fazer longe do olho público. Qual é seu papel político?
Jello Biafra – Há trinta anos a mídia era independente e ajudava a policiar os governantes e as corporações mostrando como estes agiam de forma imbecil. Agora a mídia foi comprada por estas mesmas corporações e tornou-se basicamente numa vitrine de propaganda para as mesmas. O movimento de mídia independente começou a tomar o poder de volta deles à medida que as pessoas estão tendo a informação
real via internet, pela televisão pública ou microrrádios.
Por exemplo, a CNN disse que, em Seattle, a polícia estava agindo comportadamente e não houveram balas de borracha disparadas. E a mídia independente colocou no ar na internet em menos de uma hora, cenas de policiais atirando nos manifestantes com balas de borracha. CNN foi forçada a mudar sua história pois outras pessoas trouxeram suas câmeras também. Eu chamo isso a guerra santa da verdade do câmera de vídeo (camcorder truth jihad), quando mostra-se algo que não deve ser visto.

Mas como esse movimento consegue quebrar o ciclo que o público quer exatamente este ideal de felicidade?
Jello Biafra – Mas nem todas as pessoas, na América e no mundo, estão tão felizes agora. Falam de como a economia está ótima e como os Estados Unidos nunca foram tão ricos, quando apenas uma em cada cinco pessoas está se beneficiando deste boom econômico. Os outros 80% não tem porra nenhuma. São 80% das pessoas se fodendo e sem saber porquê. Eles podem não entender os motivos, mas aos poucos vão sabendo. Por exemplo, em Seattle, não eram apenas radicais, punks e hippies marchando contra a OMC, mas haviam os sindicatos também. Todo mundo desde metalúrgicos a pilotos estavam marchando lado a lado com pessoas que são normalmente tachadas de loucos. Isso é algo importante a ser salientado: os sindicatos não ajudaram a protestar contra a guerra do Vietnã, mas agora estamos do mesmo lado.

E qual vai ser a velocidade deste desenvolvimento político?
Jello Biafra – Ele vai acontecer. Vai ser difícil, mas tem de ser feito. Vai demorar pelo menos o mesmo tempo que demorou para parar a guerra do Vietnã, talvez mais. Porque desta vez o inimigo são as próprias corporações.

O presidente do Brasil também fechou esse acordo de fortalecimento da economia com o FMI…
Jello Biafra – …e ele deve! Caso contrário, eles descobrem uma forma de derruba-lo.

Deste jeito, nossas riquezas estão sendo aos poucos repartidas pelas corporações estrangeiras. Como você acha que o Brasil pode reagir a isso, uma vez que você conhece a história dos países latino-americanos?
Jello Biafra – Eu acho que é importante lutar o máximo que puder para preservar o que resta da Amazônia e suas tribos nativos. E educar o máximo de pessoas que a maior parte das riquezas vão para corporações multinacionais, não apenas americanas, mas européias e japonesas, e não para o Brasil. Há um discurso que diz que devemos explorar a Amazônia para tirar o Brasil da pobreza, mas não é isso que acontece. Os mesmos ricos tiram o dinheiro e tudo mais e todo o resto continua na mesma. Eu tenho a impressão que a maioria dos brasileiros apóiam a exploração das riquezas nativas.

Sim, porque vem embalado como progresso.
Jello Biafra – O importante seria apontar que isso não estava fazendo bem algum ao país. O Brasil parece um país muito nacionalista, então acho que a primeira coisa a fazer é falar o jeito que eles falam.

Além do fato que o inglês tornou-se uma espécie de uma segunda língua por aqui.
Jello Biafra – Muitas bandas daí cantam em inglês (ri).

Não apenas o Brasil, mas o terceiro mundo como um todo acaba parecendo um mutante entre a cultura americana e a cultura local.
Jello Biafra – Não apenas por causa da TV americana, mas a música também deve ser culpada.

Mas esta mesma música que aliena as pessoas, voltando ao início da entrevista, pode faze-la entende-las?
Jello Biafra – Sim. Você já disse isso, a música pode agir num nível emocional ou espiritual. Eu posso ouvir Ratos de Porão em português e ainda sentir a música, a energia, a emoção. Não são todos americanos que suportam isso, eles não conseguem ouvir outra música que não seja cantada em inglês.

Qual a imagem que o Brasil tem nos Estados Unidos?
Jello Biafra – Uma das piores partes sobre o fato das corporações controlarem a mídia é que a forma que eles censura alguns assuntos importantes existem pra valer. Então as únicas vezes que você ouve falar no Brasil é quando há um acidente de avião ou o time de futebol ganha. Os americanos não tem a menor idéia sobre o Brasil. Sabem que é na América do Sul, que tem muita floresta, que as cidades são muito poluídas… Os que sabem mais um pouco sabem que existe uma enorme desigualdade entre o mais rico e o mais pobre. Mas além disso, ninguém mais sabe mais nada. Eu acho que eu sei mais um pouco porque eu falo com brasileiros com mais freqüência, mas a maioria dos americanos, não, claro (ri).

Você esteve no Brasil em 92. Qual foi a sua impressão quando viu as coisas que já haviam lido sobre?
Jello Biafra – É difícil dizer porque eu não fui à floresta ou qualquer coisa do tipo… Eu só fui ao Rio e a São Paulo. Claro que as favelas eram muito chocantes, mas não surpreendentes. Um amigo brasileiro me levou a uma favela no Rio e ficamos lá à noite para ver uma banda que havia por lá. Há uma atmosfera de felicidade estranhamente diluída na superfície: as pessoas conversando com amigos e vizinhos e bebendo nas ruas… Mas consigo me lembrar de mais coisas além dos velhos discos brasileiros legais que eu encontrei lá. Primeiro foi descobrir que o que os americanos queriam forçar no tal encontro de cúpula (a Eco-92) que as corporações americanas poderiam entrar na Amazônia, pegar o gene de um animal e uma planta e dizer que era delas, vendo por um preço alto para alguém, sem pagar nada para as pessoas que mora lá. Outra coisa que eu me lembro, até comentei isso outro dia, que eu vi que haviam sacos plásticos nos mercados do Brasil do mesmo jeito que nos Estados Unidos. E disseram: “isso mostra como estamos evoluindo no mundo”, o que é justamente o contrário (ri).

E é exatamente assim que vivemos: achando que cada pequena nova coisa é algo que nos eleva e não o contrário.
Jello Biafra – Será mágico como um programa de TV americano. Mas por um outro lado, parece que em vez do Brasil ficar cada vez mais parecido com os Estados Unidos são os Estados Unidos que vão ficar mais parecidos com o Brasil. Um dos economistas do Ronald Reagan dizia que usava o “modelo brasileiro” para o futuro dos Estados Unidos: o rico fica bem mais rico, o pobre fica bem mais pobre e você aciona o poder militar e a polícia para ter certeza que ninguém reclame. Eu lembrei de outra coisa que eu vi no Brasil, era um programa de TV que só mostrava closes em gente morta, toda noite: gente que levou tiro, atropelados… E agora você vê o mesmo tipo de programa nos Estados Unidos.

Prepare-se então para a próxima onda, com mulheres esfregando a bunda na câmera…
Jello Biafra – Isso não me surpreende, não mesmo… Isso já tem aqui. Até os programas de debate, como Jerry Springer, em vez de pegar gente discutindo assuntos tem gente se pegando na porrada. Aí você muda para a Janie Jones e a grande pergunta do dia é “minha filha peituda está mostrando muita carne na escola?”, desfilando adolescentes com peitões na TV… É só sexo e violência, TV é isso. O que aconteceu com um apresentador em São Paulo que tinha um programa de jogos, que parecia um crocodilo e tinha um microfonezão saindo de dentro do peito?

(Rio)
Jello Biafra – Você deve saber de quem estou falando…

Sim, do apresentador Sílvio Santos…
Jello Biafra – Ele foi candidato a prefeito…

A presidente. Eles está na TV agora mesmo, enquanto conversamos. Hoje, inclusive é eleição para prefeito no Brasil.
Jello Biafra – Ele está concorrendo de novo?

Não, ele não chegou a concorrer. Ele só ameaçou fazer, para atrapalhar a disputa. Como o Ted Turner fez…
Jello Biafra – …Não lembro se ele fez isso, mas sei que ele sabe que tem mais poder onde ele está (ri).

Mas qual era a do programa, que você ia falar?
Jello Biafra – O mais louco era que na noite em que eu assisti, o grande prêmio era uma arma (ri)! O show acabava, começava a chover papel do teto, os créditos subiam e ele e a mulher que ganhou o prêmio estavam atirando com suas armas felizes e satisfeitos. Não chega a ser tão estranhos quanto os programas de TV no Japão, mas… Mesmo dando um prêmio como uma arma num programa de TV e ao mesmo tempo tem um show com fotos de cadáveres… Isso é uma forma de dessensibilizar as pessoas em relação à violência. Tentar provar para as pessoas que aquilo é normal. E isso está acontecendo nos Estados Unidos também… Embora não haja nenhuma revista como a Rudolf nos Estados Unidos (ri). Muito menos vendida em bancas de rua onde crianças podem ler…

…e comprar.
Jello Biafra – É estranho. Se o país é muito religioso, fervorosamente católico; o outro lado é tão fervoroso também. Tem uma loja de souvenirs no Corcovado que vende filmes pornô (ri)!

Mudando um pouco de assunto, eu queria que você falasse da briga judicial entre a Alternative Tentacles e os ex-Dead Kennedys.
Jello Biafra – Foi a coisa mais escrota que já aconteceu em toda minha vida. Gastei um bom tempo tentando lembrar as pessoas da nossa música e o que ela significava elas, quando tudo o que eu queria era que eu não tivesse conhecido esses imbecis. Eu não vou deixar eles colocarem “Holidays in Cambodja” numa propaganda da Levi’s. Então eles vieram atrás de mim com um grande advogado corporativo que também representa o Journey, o Boston, os Doobie Brothers e o Santana, e eles estão me processando por não ser corporativo, tentar destruir a Alternative Tentacles e roubar a música. Eles ainda mentiram ao dizer que escreveram todas as minhas músicas. Dizendo que eu estava roubando dinheiro deles quando na verdade eu havia os pago. Para o choque de todos, incluindo deles mesmos, o júri acreditou nisso. E agora, mesmo estando num puta rombo financeiro, eu tenho que juntar grana para apelar na justiça. Nesse meio tempo, eles estão tentando vendendo o catálogo dos Dead Kennedys o quanto antes sem se preocupar com nada. Por isso se você ver qualquer disco da Alternative Tentacles por outra gravadora NÃO COMPRE. Eles ainda usaram dinheiro que roubaram de mim para pagar o advogado deles. Eles não ligam para o que a banda significou, só querem dinheiro.

Quando você vai apelar?
Jello Biafra – Ainda não. Estou me preparando. Toda essa coisa influencia meus sentimentos a respeito do Napster, do download de músicas… Se eles conseguirem tirar minha música de mim, então o Napster será meu melhor amigo.

E o que você acha do Napster hoje?
Jello Biafra – O Napster deve ser destruído em breve pelas grandes gravadoras. Mas logo uma nova tecnologia que será mais difícil de destruir irá substituí-lo. Isso faz parte da bela e a fera que é a internet: não importa que tipo de garras que ponham no caminho e fechem as coisas; sempre haverá um moleque chateado de qualquer idade que irá encontrar um jeito de foder com aquilo (ri)!

Aproveitando a deixa, o que você acha sobre a questão dos direitos autorais. O formato tem que ser mudado?
Jello Biafra – Provavelmente. Agora mesmo estou lutando pelos direitos das minhas próprias músicas (ri). Querem roubar para coloca-la em comerciais e filmes de merda. Mas por outro lado, eu não sei o que vai acontecer. Eu não estou tão preocupado com o Napster ou com essa tecnologia, porque já acabou. Não vai fazer tão mal quanto alguém gravar um filme da televisão ou xerocar parte de um livro para um jornal da escola. Muitas pessoas que usam Napster não o fazem para roubar música, mas para ouvir antes de comprar. Você baixa uma música e se gostar, vai procurar o disco. Demora muito tempo para baixar um CD inteiro no Napster. Tanto tempo que o usuário prefere pegar o CD.

E ao mesmo tempo, conseguem baixar músicas de bandas independentes.
Jello Biafra – Eu espero que as pessoas apóiem a música independente. Porque o Napster pode começar a machucar pequenos músicos, que não têm muita grana e dependem da venda do Napster. Mas até aí eu sou pró-Napster. Eu tenho que ir (espreguiça-se).

Legal, Jello. Ótima entrevista.
Jello Biafra – Você também gostaria de saber que tem um disco novo meu, que é só falado, que vai sair agora em novembro, que chama-se Become the Media. E um novo EP do Lard chamado Seventies Rock Must Die.

Become the Media (torne-se a mídia) é um conselho?
Jello Biafra – É um grito de guerra. Torne-se a mídia ao tornar-se parte da guerra santa da verdade da câmera de vídeo. Pegue os policiais que bateram em Rodney King e os caras atirando balas de borracha – esta é a guerra santa da verdade. Apoie zines, rádio, música, a cultura independente… E, claro, apoie a cultura independente ao não dar dinheiro para grandes lojas em cadeia – sejam lojas, restaurantes… Tornar-se a mídia significa ser didático com as pessoas de casa, na família, na escola… Quando ouvir bobagens como “vou votar em Gore porque o Bush é pior ainda”. Conte a elas… a verdade.

Planos para vir ao Brasil?
Jello Biafra – Não por enquanto. Eu gostaria voltar, mas não parece que eu possa ir agora. Eu estou no meio de uma batalha legal…

Quando a revista sair, eu faço o possível para ela chegar em suas mãos.
Jello Biafra – Acabamos de lançar um disco novo do Ratos de Porão, o Crucificados pelo Sistema, que é uma regravação do primeiro álbum. Tá muito mais insano agora. O primeiro é muito bom, mas eu fiquei surpreso com esse novo…

Você sabia que o Gordo trabalha na MTV Brasil?
Jello Biafra – É engraçado, porque ele nega. Mas eu prefiro ter o Gordo na MTV que a Britney Spears. Ele é um exemplo bem mais positivo para jovens em todo mundo do que o mais novo clone pop americano.

Tá bom Jello. Valeu.
Jello Biafra – OK. Tchau.

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Fui à palestra de Manuel Castells na terça passada enquanto acontecia o quebra-pau entre manifestantes e polícia na Avenida Paulista e o assunto abordado pelo sociólogo espanhol tinha tudo a ver com a reivindicação que se repete hoje – tanto que é o meu assunto na minha coluna no site da Galileu.

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O ponto em comum entre a praça Taksim e avenida Paulista
O sociólogo espanhol Manuel Castells falou nesta terça-feira em São Paulo sobre esta nova modalidade de manifestação social – que começa na internet e vai para as ruas

Ao mesmo tempo em que o sociólogo espanhol Manuel Castells falava em mais uma palestra do evento Fronteiras do Pensamento, que aconteceu no Teatro Geo na terça-feira desta semana, em São Paulo, a tensão entre manifestantes contra o aumento da passagem de ônibus e a polícia militar chegava às vias de fato a poucos quilômetros dali, na Avenida Paulista. Não estava alheio ao que acontecia na cidade, ao citar o protesto paulistano como uma das inúmeras manifestações de uma indignação que, nos últimos cinco anos, tem começado em um novo espaço social, a internet, para depois chegar às ruas, em massa.

O sociólogo é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança, que é o tema de seu novo livro, chamado Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, que deve sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. O livro também foi a base para sua conferência, em que começou explicando que qualquer manifestação política começa em nossas mentes para depois materializar-se na prática. “A forma como pensamos, determina a forma como atuamos. Portanto, o que realmente condiona o comportamento da sociedade é o que ocorre em nossas mentes”, explicou. Falou sobre o papel da coerção do estado para manter o poder (“uma tradição que começa em Maquiavel e que foi formalizada melhor por Max Weber”, disse) e como apenas o monopólio da violência – válido ou não – torna este mesmo estado débil. “Pois ao mesmo tempo há outra tradição, que inclui Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita e explícita de influenciar nossa maneira de pensar”, explicou, antes de cravar que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que torturar os corpos”.

Com esta introdução ele explicou que a atuação do poder – de qualquer natureza, político, econômico, militar, tecnológico, etc. – não acontece sozinha, e sim com a participação da sociedade civil. “Nossas mentes vivem imersas em um ambiente de comunicação, onde construímos nossa forma de pensar e, portanto, de fazer o que fazemos”, considerou, lembrando que, com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto, mais decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto quanto indivíduos como sociedade.

Eis o centro de sua palestra: o impacto que estas novas tecnologias imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação – ou à “arena da comunicação”, frisando que não mais podemos separar o público dos grupos que antes controlavam este debate – e, finalmente, aos poderes políticos constituídos. “O poder político é construído no espaço da comunicação”, frisou, “este é o espaço em que se joga o poder”. Exemplificou o impacto da internet na sociedade moderna, primeiro em números, citando que há quase o mesmo número de linhas de telefones celulares ativas no mundo que de pessoas (“Sem nos esquecer que bebês – ainda – não usam celulares”, brincou), e como a evolução do digital e das tecnologias móveis aceleram um processo que está mudando a cara da política. “A humanidade está conectada”, atestou, “e isso aconteceu num espaço duas décadas, sobretudo nos últimos dez anos.”

Lamentou a crise do jornalismo, agente que funcionaria como mediador entre os poderes e as pessoas, mas que tem perdido o contato com o público por não saber dialogar com a nova realidade digital e estar obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser conseguidos e que agora dispersam-se pois os espectadores e leitores não são mais “vegetativos” – como explicitou no caso do público da TV – e que consomem muito mais informação que antes, por canais diferentes. “O uso da internet se aprofundou pois novos espaços sociais de interação foram ocupados, cada vez mais personalizados”, continuou, listando redes sociais e enfatizando que o até o e-mail já perdeu seu espaço. “Há mais de 500 milhões de blogs atualizados diariamente, a maioria na China, e as redes sociais, hoje onipresentes, existem há menos de dez anos”, além de salientar que a internet se tornou um espaço multicultural, em que o inglês, por exemplo, perdeu a dominância: “Menos de 29% da internet é escrita em inglês”, reforçou.

Este novo cenário resulta na crise total do negócio tradicional da comunicação, disse Castells. “Ninguém ainda encontrou a resposta para a questão da perda do monopólio nas transmissões das mensagens. Todos os grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em profunda crise empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não entendem. É um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é ativa, os outros meios eram passivos”, refletiu.

Castells também falou sobre como enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação afetou a política, que hoje busca um rosto para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Disse que isso acontece pois há uma crise de representação de poder que encontra eco nos novos espaços sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre seu papel nestes novos tempos.

O novo cenário é composto não apenas de veículos de comunicação de massa e ambientes digitais que permitem discussões entre as pessoas, mas de uma nova forma de comunicação, que chama de “autocomunicação de massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode alcançar, potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes e se chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na emissão das mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação de redes sociais específicas. Assim, a capacidade de encontrar informação é ilimitada, se você tem critérios de busca – que não são tecnológicos e sim metais ou intelectuais.”

E a partir daí começou a conclusão de sua conferência, explicando que movimentos como o que propôs a criação coletiva da constituição da Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a Primavera Árabe e o grupo Anonymous são parte de um mesmo movimento, coletivo e global, que não é político e sim social. “São estes movimentos, sociais e não políticos, que realmente mudam a história, pois realizam uma transformação cultural, que está na base de qualquer transformação de poder”, salientou.

Disse que estes movimentos começam na internet mas não são essencialmente digitais. “Eles só tornam-se visíveis e passam a existir de fato quando tomam as ruas”, explicou, reforçando que estes movimentos acontecem há apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que repudiam a violência e que embora não tenham objetivo definido, encontrem coincidências e semelhanças ao indignar-se. “São movimentos emocionais e que se unem pela recuperação de uma dignidade que se perdeu. Às vezes eles começam pequenos e parecem que se mobilizam por pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma gota a mais em uma indignação que existe em todos os setores sociais, que as pessoas não aguentam mais”, realçando que isso pode ser a construção de um shopping para turistas na praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos nas passagens de ônibus em São Paulo. “Centenas de milhões de pessoas já participaram destes movimentos”, continua, “e são movimentos que podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa que os permitiu existir”.

E conclui: “A palavra ‘dignidade’ aparece em todos os países, em todos estes movimentos, em diferentes países e culturas. Eles não têm uma reivindicação concreta, mas querem o reconhecimento da própria dignidade, pois as pessoas não se vêem reconhecidas como pessoas ou cidadãos”. Castells reforçou que as semelhanças entre movimentos que partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel no século 21 – e compara o que está acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que diz respeito às mulheres, sem se referir a um autor, ideologia ou movimento feminista específico. “Foi um movimento coletivo, em que todas as mulheres do mundo decidiram abandonar o papel de sujeitada para assumirem o papel de sujeitas da história”, reforçou, lembrando os avanços da ascensão do papel da mulher na sociedade na última metade de século, principalmente em comparação a milênios de história. E, segundo ele, isso está acontecendo de novo, nesta nova forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do que políticas.

Foto: Divulgação / Fronteiras do Pensamento

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Para o segundo filme dos Smurfs, não custa frisar.

Achei boinha. É quase inofensiva, pode funcionar na pista e não tem a música-tema dos Smurfs no meio (como temi ao descobrir que o nome da faixa era “Ooh La La”). Parece sobra do Circus. Dica do Anderson.

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Na minha coluna do site da Galileu falei sobre a passagem de Karen Armstrong pelo palco do Fronteiras do Pensamento.

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Karen Armstrong e a religião além da igreja
A escritora inglesa deu uma aula sobre compaixão sem mencionar dogmas

Inspiradora a segunda apresentação da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento, que aconteceu nesta quarta-feira, 8 de maio, em São Paulo. A noite era da escritora inglesa Karen Armstrong, uma das principais historiadoras da religião em atividade .Ela foi freira e viveu em um convento por sete anos, quando abandonou a igreja para estudá-la, passando a escrever livros sobre judaísmo, cristianismo e budismo. Ela também criou a entidade Charter for Compassion, que ganhou o prêmio TED em 2008, e falou sobre a importância da religião hoje em dia. E como é bom ouvir falar em religião sem cair em dogmas ou debates sobre a existência ou não de deus.

Karen, agnóstica, preferiu deixar essas controvérsias em segundo plano para falar do papel da religião em nossas vidas. E criticou aqueles que acham que religião é apenas seguir uma série de ensinamentos sem refletir sobre os mesmos, louvando o judaísmo por sempre exigir uma nova interpretação a cada nova leitura da palavra sagrada. “O conceito de mito não é estático”, disse, explicando que os mitos devem ser tomados como portas de entrada para a vivência da religião. “Estamos vivendo a época em que mais se tomam as escrituras sagradas literalmente” e reforçou que seguir uma religião sem vivê-la é o mesmo que aprender a dirigir ou a nadar na teoria, sem entrar num carro ou numa piscina. “Você não pode achar que basta ler o manual de instruções do carro e ter noções de como o trânsito funciona para se considerar um motorista. A religião pressupõe a prática.”

Ressaltou os pontos em comum entre as grande religiões para concluir que todas criam, basicamente, acessórios específicos para a mesma verdade, que é a Regra de Ouro: “Não faça aos outros o que não quer que façam com você”, repetiu diversas vezes, ressaltando que a palavra-chave neste caso é a compaixão. “E não é ter pena do outro, é colocar-se no lugar dele”, ressaltou, antes de citar um trecho da Ilíada, de Homero, em que o Aquiles e o pai de Hector – que havia sido morto pelo primeiro – se encontram e choram, juntos, a morte dos queridos que perderam na guerra. “Compaixão é reconhecer que o outro sente dor”, disse, citando que, durante a renascença da Grécia Antiga, 5 séculos antes de Cristo, aconteceu a criação do gênero tragédia, em que peças eram encenadas para que os espectadores pudessem chorar juntos – reconhecendo-se nos personagens e compartilhando o sentimento comum. “Naquela época, havia o líder do coro, que virava para a plateia e diziam: ‘Agora vocês podem chorar’”, liberando o público grego para o êxtase coletivo em forma de choro.

Falou bastante da etimologia das palavras ligadas à crença e como todas elas convergem para o aspecto da compaixão e do compromisso. E também frisou o quão importante é desprender-se do ego para atingir o estado máximo da fé, que transcende as religiões a ponto destas reconhecerem o ponto comum entre si mesmas. Disse que vivemos numa cultura em que a primeira pessoa é muito importante, por isso o maior desafio de qualquer religião é fazer as pessoas aprenderem a parar de pensar em si próprias para sentir o outro.

Terminou a palestra comentando sobre seu novo livro, que falará sobre violência e religião, explicando que não era a religião que era mais violenta no passado, mas que ela permeava todo aspecto da vida das pessoas, inclusive políticos e militares. E celebrou a religião como uma forma de arte, explicando que a iluminação religiosa é semelhante à artística – e que, por muito tempo, era a própria religião quem dava arte e cultura – de outra forma restritas a elites – para a população em geral.

Uma aula de história que provou que religião, fé e compaixão são temas que fazem sentido inclusive fora da igreja.

Foto: Divulgação / Fronteiras do Pensamento

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É a terceira vez que Stephen Malkmus vem para São Paulo. Suas duas vindas anteriores foram inevitavelmente marcadas pelo trabalho com o Pavement. Natural: na primeira vez, em 2002, dava início a uma carreira solo com músicas que haviam sido compostas para o Pavement, gravadas com uma banda – os Jicks – que só não passou a existir desde aquele disco porque a gravadora Matador preferiu lança-lo com o nome do cantor e compositor; e a segunda, em 2010, quando tocou no festival Planeta Terra com o próprio Pavement, no ano em que a banda resolveu voltar a existir.

Não foi nesta terceira vez que Malkmus veio livre do nome de seu velho conjunto, mas, por outro lado, veio com uma carreira solo na bagagem que já equipara-se, ao menos em idade, ao trabalho com sua outra banda dos anos 90 – são cinco discos com o Pavement e outros cinco com os Jicks, banda que formou ao lado da baixista Joanna Bolme e do guitarrista e tecladista Mike Clark desde o primeiro disco creditado apenas a ele.

Em pleno 2013 e aos 47 anos de idade, submeteu-se uma turnê à moda antiga, fazendo sete shows em duas semanas, percorrendo diferentes estados do Brasil, em vez de só passar por uma ou duas cidades, como nas outras duas vezes. Podia pagar de diva indie e pedir os melhores hotéis e cachês altos, mas preferiu vestir os trajes do operário-padrão do indie rock para passar pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Maringá, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre e Floripa. Quase 15 anos depois da produtora mineira Motor Music fazer turnês desse tipo com artistas como Seaweed, Man or Astroman? e Superchunk (ah, os anos 90…), um dos principais representantes da primeira divisão deste universo (“bring on the major leagues…”) repete um percurso semelhante. Não irei me espantar se, nos próximos anos, outros grandes nomes do rock alternativo americano e inglês dos anos 90 se submeterem a maratonas do tipo (imagina uma turnê dessas feitas pelo Yo La Tengo, pelo Lee Ranaldo ou pelo Lou Barlow…).

É uma atitude bem mais louvável do que as centenas de bandas (Pavement inclusive) que voltam à ativa apenas para revisitar uma série de canções que fizeram sucesso no passado e lançar um disco fraco com músicas novas (não o Pavement) que é só um souvenir-desculpa da turnê feita apenas para faturar um troco em cima do passado. Nos dois shows de São Paulo este ano, Malkmus fez duas concessões ao antigo grupo, uma em cada show: no primeiro tocou “Speak, See, Remember” do último disco da banda, Terror Twilight; e no segundo tocou “in The Mouth a Desert”, um dos hits que pôs o Pavement no radar norte-americano e, posteriormente, do mundo. No resto das duas noites e em todos os shows da semana passada, dedicou-se apenas à carreira que consolidou nos últimos dez anos.

“Vocês vieram ao show cool, amanhã não vai ser tão cool”, brincou Malkmus logo no início do primeiro show. O show de segunda-feira, no entanto, foi o segundo show do artista marcado na cidade, logo depois que o primeiro, que aconteceria no dia seguinte, teve seus ingressos ingressos. E como boa parte dos fãs já havia garantido ingresso para a noite de terça (que ainda por cima era véspera de feriado) e o preço da noite extra era o dobro da primeira noite, o primeiro show de Malkmus no Beco 203 foi praticamente um sarau para pouco menos de uma centena de felizardos. A ausência de público tornou a dinâmica do show mais intimista e relaxada, enquanto Malkmus conversava constantemente com as pessoas da platéia (alguns bebadaços), quase todas grudadas no palco. Na noite seguinte, tomada por uma pequena multidão umas seis vezes maior, o clima foi mais intenso e elétrico e os diálogos com o público eram dirigidos a todos ao mesmo tempo, com algumas brincadeiras individuais, como contraponto.

Duas noites distintas que tiveram apenas sete músicas em comum, sendo seis do último disco do grupo, Mirror Traffic, e uma “Vanessa from Queens”, do segundo disco, Pig Lib. As músicas restantes, no entanto, não foram divididas de acordo com o clima da noite – “Jo-Jo’s Jacket”, que abriu a primeira noite, poderia tranquilamente estar no meio das faixas curtas e rápidas que abriram a segunda noite – “Tune Grief”, “Senator”, “Planetary Motion”, “Cold Son” e “Tigers” – enquanto “Real Emotional Trash”, da noite de terça, funcionaria magicamente no show para poucos de segunda. Era apenas a mesma banda em duas condições diferentes – um show vazio e um show lotado. E que banda!

Pois é inegável que, mesmo com a presença magnética e assinando todas as composições, Malkmus não está sozinho no holofote – e os Jicks são, de fato, uma banda. É claro como ele se apoia musicalmente na escada armada por Mike Clark e como Joanna Bolme funciona contraponto à guitarra do líder do Pavement, todos seguindo o pulso preciso de Jake Morris, o quarto baterista da banda (que já teve nomes como Joen Moen dos Decemberist, Joel Plummer do Modest Mouse e Janet Weiss, ex-Quasi e Sleater Kinney, nesta posição). O entrosamento dos quatro é natural e fácil de ser notado, deixando Malkmus à vontade inclusive para se exibir como músico. É impressionante perceber o quanto ele evoluiu como guitarristas nos anos, mesmo tocando sem palheta e sem dar tanta ênfase aos solos nos discos – o contrário do que faz ao vivo.

Ao ouvir o público brasileiro cantando músicas que nem eram as faixas de trabalhos de discos anteriores dos Jicks, não é difícil imaginar que Malkmus esteja conseguindo distanciar-se do Pavement a ponto de sua carreira solo se tornar equivalente à de sua primeira banda. Suas composições não têm mais o ar juvenil da outra banda porque ele não tem mais vinte e poucos anos – o que deixa suas músicas menos sarcásticas, mau humoradas ou temperamentais, mas elas não perdem o brilho. Pelo contrário, realçam novas qualidades de seu autor, como um lado mais cronista que protagonista, com ênfase a uma guitarra que ecoa o rock dos anos 70, mas sem o tom épico e reverente. Ao final do segundo show, cansado mais visivelmente satisfeito, Malkmus avisou que nos revê no ano que vem, possivelmente para o lançamento do disco que mostrou nas inéditas “Houston Ladies”, “Flower Children” (no primeiro show) e “Scategories” (no segundo). E nesta vez possivelmente virá livre do estigma de sua banda anterior.

Filme parte dos dois shows, veja abaixo:

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Na minha coluna desta semana no site da Galileu, explico como a web – cujo primeiro site foi publicado há vinte anos – conseguiu popularizar a internet.

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Vinte anos de uma lógica aberta
O primeiro site da web e o porquê da internet ter levado décadas para se popularizar

Sabemos que a internet foi criada há quase meio século, mas, ao mesmo tempo, nosso passado recente nos lembra que nosso uso da rede começou a acontecer há bem menos tempo que isso. Afinal, até quem foi criança nos anos 90 lembra-se de quando usou a rede pela primeira vez. Aqueles que nasceram de 1995 pra cá – e têm hoje, em 2013, menos de 18 anos de idade – podem ter crescido em ambientes que já dispunham de acesso à internet. Mas se você é maior de idade é bem provável que você lembre do primeiro contato que teve com hábitos que hoje fazem parte de nossa rotina.

Depois de ligar o computador – que, naquele tempo, ainda trazia a ancestral versão 3.1 do Windows, que exibia as tais “janelas” que batizavam o sistema operacional em sua área de trabalho -, era preciso conectar-se à internet através de um modem de conexão discada (aquele barulhinho específico provoca reações nostálgicas – não necessariamente boas – em que o utilizou). Um ícone que unia dois computadores surgia num canto da tela para mostrar que a conexão havia sido feita. Era a hora de, usando um browser de interface gráfica, utilizar a tal rede. E ela nos era apresentada na forma de páginas de texto com poucos recursos visuais e uma novidade que não demorou para ser aprendida: palavras sublinhadas indicavam que elas podiam ser clicadas com o mouse e, a partir deste clique, poderíamos visitar outra página com tantas outras palavras sublinhadas. Mais tarde nos disseram que este conceito chamava-se hipertexto – uma palavra-mágica que, ao ser invocada (com um clique), nos transportava para outros ambientes. Esse teletransporte virtual só era possível graças ao conceito de hyperlink que, rotineiramente, teve seu nome encurtado simplesmente para “link”.

Havia outras formas de se conectar à internet antes desta invenção, mas elas eram burocráticas e pouco inspiradoras. A rotina de clicar no ícone do modem, esperar o computador conectar-se à rede, abrir o programa de navegação e perder-se ao sair clicando nos links que surgiam está tão impregnada em nosso inconsciente que nem sequer percebemos que fazemos isso diariamente. A tecnologia melhorou esse tempo: hoje você não precisa avisar ao computador que quer conectar-se à rede, ele já está online ao ser ligado – e a rede é de uma velocidade incomparável (mesmo quando falamos do 3G brasileiro). Às vezes não é preciso nem abrir o browser para sair clicando em links – o sistema operacional já trabalha em rede, atualizando-se sozinho. A própria expressão “entrar na internet” parece não fazer mais sentido – afinal, estamos online o tempo todo, conscientes ou não. Checar um email ou se informar sobre alguma coisa específica já não levam os minutos que levavam antes de 1995. Fazemos isso em segundos atualmente. E por mais que nossos hábitos possam ter evoluído em relação àquele tempo, eles ainda são essencialmente os mesmos. Algumas siglas nos ajudam a identificar a semelhança.

Grande parte dos sites que frequentamos nessas duas últimas décadas começavam com o http e terminavam com html. O “h” que inicia as duas siglas é o mesmo do citado hipertexto. O primeiro é o protocolo de transferência de hipertextos, o segundo é a linguagem de marcação de hipertexto. Juntos, eles permitiam que o texto clicável, o tijolo que tornou a construção da web como a conhecemos hoje, pudesse existir.

Este sistema de organização de arquivos começou a ser desenvolvido por um cientista da computação do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), principal instituição científica europeia (palco da criação da maior ferramenta humana, o LHC). Tim Berners-Lee se incomodava com o fato de não haver padronização nem mesmo entre as apresentações de seus colegas de instituto e, principalmente, entre os cientistas do mundo, o que tornava o diálogo entre pesquisas e portanto seu desenvolvimento mais lento e desencontrado. Pensando nisso, desenvolveu a lógica do hiptertexto ainda nos anos 80, criando uma base de dados chamada ENQUIRE, que reunia o trabalho de outros cientistas. Este podia ser atualizado pelo próprio autor e permitia que fossem feitas referências literais – via hipertexto – ao trabalho de outros colegas.

Essa lógica foi depurada durante aquela década e, em março de 1989, Tim escreveu uma proposta para uma database ainda mais abrangente. Seu chefe sugeriu que ele usasse um computador NeXT recém-adquirido como servidor – que até hoje é exibido como troféu no próprio CERN, na exposição permanente Microcosm, ainda com o aviso escrito com canetinha vermelha em que se lê “Esta máquina é um servidor: NÃO A DESLIGUE!”. Depois de pensar em nomes que faziam graça com o seu próprio prenome (The Information Mesh e The Information Mine eram acrônimos de “Tim”), Berners-Lee batizou sua nova invenção definitivamente de World Wide Web (“teia de alcance mundial”) – e sugeriu que seus endereços viesse com a sigla www para determinar os novos domínios digitais.

No dia 30 de abril de 1993 – portanto, há 20 anos nesta semana – ele criou o primeiro site dentro de seu novo sistema de organização de informação, site ressuscitado pelo próprio CERN em lembrança à data. Poucos meses depois me lembro de ter consultado os computadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp para, através da recém lançada web (eu mal sabia), entender o que era o trabalho de um tal Subcomandante Marcos que, do interior do México, usava a rede para espalhar sua causa para o resto do mundo – minha primeira vez online. Em menos de um ano depois, escreveria minha primeira matéria sobre a popularização da internet, uma invenção que, na última década do século passado, completava três décadas de existência. Em dois anos, a rede havia se popularizado mais rapidamente do que nas suas primeiras três décadas.

Pois antes sua existência era tratada como uma espécie de pacto velado entre iniciados: a rede interconectava milhares de pessoas em diferentes países, mas não havia se tornado popular, mesmo que o computador pessoal já tivesse se embrenhado nas diferentes áreas do conhecimento humano. Foi preciso que uma invenção de um cientista inglês obcecado por organização de informação abrisse o clubinho secreto global para que todo mundo participasse – e que, assim, popularizasse a rede.

Esse foi o segredo do sucesso da web. Em uma apresentação mostrada em 1991, ele explicava que “estamos muito interessados em que a web se espalhe por outras áreas e para termos servidores para outros dados. Colaboradores são bem-vindos”. A navegação intuitiva e a visualização menos burocrática também ajudaram a popularização da web, mas foi esta frase final, escrita dois anos antes da execução do primeiro site, que tornou a rede tão popular em tão pouco tempo. Se fosse criada em uma empresa, talvez esta lógica não fosse tão amigável e possivelmente seria necessário alguns diplomas ou certificações para se trabalhar naquele novo projeto. Ao abrir a novidade para o mundo, o CERN tornou-se pai de uma ferramenta humana talvez ainda mais ambiciosa que o grande colisor de hádrons, o LHC. Uma que conecta toda a humanidade de forma a acelerar radicalmente a evolução de diferentes níveis de conhecimento, graças ao simples contato instantâneo.

Ainda estamos engatinhando neste novo universo digital, mas não tenha dúvidas que se não fosse o apelo a uma natureza colaborativa e o ímpeto generoso de Tim Berners-Lee ao tornar a web aberta – tecla que ele segue batendo, como disse nas vezes que veio ao Brasil -, não estaríamos conversando diariamente com o resto do mundo em uma tela de computador. Não é por acaso que confundimos web com internet – foi a primeira que tornou a segunda popular e permitiu que todos passássemos a usá-la. Hoje percebemos que os limites da internet vão para muito além da web, conforme navegamos em aplicativos em nossos smartphones que não utilizam a interface desenvolvida por Tim Berners-Lee (embora sua lógica, a dos links, permaneça ali) ou descobrimos desdobramentos diferentes desta rede seja em redes de torrents, ecossistemas criados por empresas de games e redes sociais, variações do dito armazenamento digital “na nuvem” ou na infame deep web. E esses limites continuarão se expandindo se, como quis o cientista inglês, a lógica da rede seguir aberta e sem controle, como é há vinte anos.

E você, que hoje pode assistir à TV do mundo inteiro, informa-se em redes sociais e ouve a música que quiser ouvir com uma mísera busca, lembra-se da primeira vez que utilizou a web? Não esqueça de agradecer a Tim Berners-Lee.

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E os números que faltavam para o quebra-cabeças do Boards of Canada foram aparecer num comercial do Cartoon Network! Saca só:

Em seguida, o próprio Jason DeMarco, executivo do canal, confirmou a transmissão em um tweet:

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Assim, a lista final de números ficou sendo:

699742 / 628315 / 717228 / 936557 / 813386 / 519225

Assim que este número foi revelado, os canais digitais da banda passaram a redirecionar para o site Cosecha Transmissiones, que exibia uma tela de login emulando DOS:

Cosecha-transmisiones

A senha era a sequência de números de uma vez só, que revelava o vídeo abaixo, que mostrava o nome do disco e a data de lançamento do próximo disco da dupla.

Tomorrow’s Harvest será lançado no dia 10 de junho, sua capa segue abaixo, junto com a ordem de músicas e já está em pré-venda.

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“Gemini”
“Reach For The Dead”
“White Cyclosa”
“Jacquard Causeway”
“Telepath”
“Cold Earth”
“Transmisiones Ferox”
“Sick Times”
“Collapse”
“Palace Posy”
“Split Your Infinities”
“Uritual”
“Nothing Is Real”
“Sundown”
“New Seeds”
“Come To Dust”
“Semena Mertvykh”

Muitos podem reclamar de tanto barulho por nada; eu discordo. Com alguns ruídos inseridos em pontos específicos do imaginário de onde está seu ouvinte (uma loja de discos em Nova York, outra em Londres, um programa de rádio na BBC e outro na NPR, uma mensagem escondida num fórum online e um comercial num canal de desenhos animados), o Boards of Canada conseguiu voltar para a pauta do dia num ano cheio de grandes voltas (do Neutral Milk Hotel ao Black Sabbath, passando pelo Daft Punk), chamando atenção numa época em que é bem difícil chamar atenção. Com um mínimo de esforço, contatos e a reverência dos fãs.

E mesmo sem saber se o novo disco é digno de tanta espera, ele já se tornou referência cultural, a ponto do disco que originou tudo estar sendo leiloado online e os lances ao redor do disco já terem ultrapassado a casa dos milhares de dólares

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Por bem menos (parcos 20 dólares) compra-se no mesmo eBay uma camiseta que registra esse momento:

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Na edição deste mês da revista Galileu, falamos sobre uma mudança no método de desenvolver novas tecnologias – concursos que oferecem milhões de dólares para que cientistas desenvolvam novas invenções. Esse formato vem se tornando cada vez mais comum nos últimos 20 anos e inclui desafios extremos como desenvolver um diagnosticador portátil, enviar um robô para a Lua e controlá-lo daqui da Terra, craquear a genética da longevidade até provocações mais mundanas, como desenvolver gelatina sem ingredientes que tenham origem animal. O Dossiê da edição é sobre estupidez (e porque burrice não é o antônimo de inteligência) (com direito à entrevista que o Tiago fez com o doutor em filosofia André Spicer, que fala sobre como as empresas nos emburrecem), a bicileta de Phillppe Stark, abstinência de internet, a contracultura da alimentação, um outdoor que transforma ar em água potável, um papo com Adriano Fromier Piazzi, da Aleph, sobre publicar ficção científica no Brasil (que também indica cinco clássicos do gênero), um mapa da população flutuante da região de São Paulo, uma conversa com o autor do livro Você Não é Tão Esperto Quanto Pensa, David McRaney, um físico polonês que está aplicando a lógica open source a equipamentos de agricultura e geração de energia, a visita que Juliana Cunha fez à Coréia do Norte, o país mais offline do mundo, um aplicativo brasileiro de recomendações, a rotina de uma favela na Índia, como é ser treinador de cão-guia, a história das epidemias e seu futuro próximo, moral e maniqueísmo nos videogames e Steven Pinker escreve sobre como estamos vivendo a era mais pacífica da humanidade. Abaixo, a carta ao leitor que escrevo no início da revista.

Um futuro melhor

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OLHANDO PARA FRENTE: A Fundação X Prize, de Peter H. Diamandis, é uma das instituições que apostam no otimismo prático para este novo século

Pouco antes de assumir a direção da redação da GALILEU terminei de ler Abundance: The Future Is Better Than You Think (Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Pensa, Free Press, ainda não publicado no Brasil). O livro de 2012 foi coescrito pelos norte-americanos Peter H. Diamandis e Steven Kotler e defende a teoria que estamos às vésperas de uma era de fartura e que a vida neste novo século deverá ser ainda melhor.

Para enfatizar, eles enumeram índices que mostram como melhoramos nos últimos cem anos: das condições de higiene ao número de doenças que afligem nossa rotina, os dois escrevem que “usando qualquer métrica disponível, a qualidade de vida evoluiu muito mais do que no resto de toda a história”. Listam a queda da mortalidade infantil (90%) e do número de mães que morrem no parto (99%) e o aumento da longevidade (100%) nos últimos cem anos, entre outros números, para justificar a tese.

Diamandis especificamente vai além de simplesmente detectar estas melhorias. Ele é um dos principais responsáveis pelo investimento em ciência e tecnologia do futuro, seja como fundador da Universidade da Singularidade ou da Fundação X Prize, uma das instituições que abordamos na matéria de capa desta edição, em que o repórter Tiago Cordeiro elenca concursos internacionais que premiam ideias que podem melhorar o futuro. E você não precisa ser cientista para participar destas premiações.

O otimismo de Diamandis conversa com o do psicólogo canadense Steven Pinker, que lança seu novo livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza no Brasil e assina o Novas Ideias desta edição, explicando por que acha que estamos vivendo na época mais pacífica da história.

Tal otimismo faz parte de nossa rotina de GALILEU, e não são poucos os exemplos que listamos de pessoas e instituições que preferem pensar em como melhorar o planeta do que simplesmente lamentar — siga folheando a revista e descubra. Não fechamos os olhos, no entanto, àquilo que nos incomoda, como o relato que a repórter Juliana Cunha fez ao visitar a Coreia do Norte ou o Dossiê desta edição, que enfatiza que inteligência e estupidez não são necessariamente antagônicas. O mundo está melhorando e queremos fazer parte desta mudança. Vamos lá!

matias-por-luis-douradoAlexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br

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Na minha coluna desta semana no site da Galileu, falei sobre a palestra de Mario Vargas Llosa que assisti na semana passada e da de Neil Gaiman que vi no site do Ramon – e como uma acabou respondendo à outra.

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Mario Vargas Llosa x Neil Gaiman
Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente?

Na quarta-feira da da semana passada, dia 17 de abril, aconteceu no teatro Geo, em São Paulo, o evento de abertura da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento. O evento traz para São Paulo há três anos – e para Porto Alegre, onde nasceu, há seis – acadêmicos e intelectuais de diferentes áreas do conhecimento para discutir questões que, de acordo com seu curador Fernando Schüller, são assuntos que precisam ser trazidos para a pauta deste século. Neste ano, o tema geral da série de palestras é o “cosmopolitismo” – ou como o próprio Schüller explicou em entrevista à GALILEU, como os temas que antes eram restritos às cidades hoje se refletem em todo o mundo. E para começar este ciclo de conferências, o primeiro convidado foi o escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Vargas Llosa, apresentado pelo curador do evento, é um dos principais intelectuais latino-americanos e resumi-lo a escritor é mais uma comodidade que um rótulo. Com ampla atuação pelas artes e ciências humanas como um todo, ele é autor de livros consagrado de livros como A Cidade e os Cachorros (1963), Conversa na Catedral (1969) e A Guerra do Fim do Mundo (1981), mas não restringe seus livros ao romance, tendo escrito peças e ensaios, além de ter passado por palcos – como ator – e palanques – como político (chegou ao segundo turno da eleição presidencial de seu país em 1990, quando perdeu para Alberto Fujimori). Tal bagagem o chancela também como provocador da cultura. E sua participação no Fronteiras deste ano teve como ponto de partida o recém-lançado A Civilização do Espetáculo, que terá edição brasileira lançada no segundo semestre pela editora Alfaguara.

Vargas Llosa começou sua conferência tentando definir o que é cultura e como tal termo foi banalizado, sendo associado à qualquer coisa: “a cultura do reggae, a cultura heterossexual”, frisando que, “quando tudo pode ser cultura, nada é cultura”. E lembrou o momento em que a ideia central de seu novo livro lhe atingiu, em uma visita à Bienal de Arte em Veneza. Ao perceber que não gostava da maioria das obras que via, caiu-lhe a ficha: “Não queria ter nenhuma daquelas obras em casa”, lamentou, “aquilo que via parecia mais a Disneylândia ou um circo, e não arte”.

Localizou o início desta decadência quando Marcel Duchamp expôs seu célebre mictório num museu, dizendo que “ali foram abertas as portas à loucura”, concentrando seus ataques na figura do artista britânico Damien Hirst, que chamou de palhaço: “O pintor mais caro de nosso tempo não sabe pintar”, esbravejou para delírio da plateia, que ria a cada alfinetada dada nos pós-modernos.

Contudo a palestra não foi apenas a apresentação de ideias mal humoradas em relação à cultura atual. Lembrou de quando conheceu Paris no início dos anos 60 e se percebeu não apenas artista, mas também como um artista latino-americano, quando aos poucos conheceu e reconheceu, no Velho Continente, o valor de seus pares. Lembrou do próprio fascínio infantil ao descobrir a leitura aos cinco anos de idade, dizendo que foi “a coisa mais importante de minha vida”. E frisou o papel edificante da cultura na história da humanidade quando, por exemplo, o sexo deixou de ser visto como mero ato físico para a reprodução dando início ao amor romântico e ao erotismo. Mas estava dedicado a demolir a chamada “cultura do espetáculo atual”, em que a arte “vira um mero passatempo”, alertando que, numa cultura sem referenciais, o homem poderia voltar para a idade da pedra.

Interessante notar a ausência da palavra internet em mais uma hora de discussão sobre a cultura atual. Vargas Llosa no máximo citou o fato das notícias correrem mais rápido que antigamente e o imediatismo dos acontecimentos, mas tratando a teia digital que aos poucos torna-se o sistema nervoso da civilização deste século como um simples meio de comunicação, uma espécie de telefone-jornal-total. Apenas ironizou o fato de que todo mundo pode produzir arte atualmente como se todos os que se descobriram artistas graças à internet (sem precisar ir à Paris para isso) fossem apenas aspirantes amadores a uma elite que aos poucos deixa de existir. Zombou da espetacularização da cultura numa palestra que era, ela mesma, um espetáculo – e que encerraria com distribuição de autógrafos do próprio autor.

Discordo radicalmente de Vargas Llosa em relação a vários aspectos, mas quem sou eu para confrontá-lo? Prefiro usar como contraponto a recente palestra que o também escritor britânico Neil Gaiman, que começou como quadrinhista e hoje frequenta listas de best-sellers inclusive no Brasil, deu três dias antes, no dia 14 deste mês, durante a Digital Minds Conference, dentro da London Book Fair que acontece anualmente em seu país, que vi no blog do jornalista Ramon Vitral, especializado em cinema e quadrinhos.

Gaiman pegou como gancho os ataques que as gravadoras faziam, ainda nos anos 70, à novíssima possibilidade de gravações caseiras, ao exigir que os músicos que se submetiam à licença para trabalhar profissionalmente na Inglaterra levassem adesivos em que se lia “hometaping is killing music” (“gravações caseiras estão matando a música”). O aviso fazia referência ao fato de que, graças à fita cassete, qualquer um poderia gravar um disco comprado sem que necessariamente houvesse pago por ele. Ele faz a conexão entre a paranoia daquele tempo com outra mais recente, em que um discurso semelhante é associado a quem baixa música – ou outro tipo de conteúdo digitalizável – via internet sem pagar a seus autores.

E puxa o assunto para sua área, os livros. Citando uma conversa que teve com o falecido Douglas Adams, autor da célebre série O Guia do Mochileiro das Galáxias, sobre livros digitais antes mesmo do conceito de e-book como o conhecemos existir. Gaiman lembra que o personagem central na saga de Adams não era o inglês Arthur Dent, o alienígena Ford Prefect, a terráquea Trillian ou o robô Marvin, o andróide paranoico, e sim o próprio livro que batiza a saga, uma enciclopédia que pode ser atualizada a qualquer minuto – e que é carregada em um livro do tamanho de um tablet atual. Adams antecipou a Wikipedia e dizia que provavelmente este formato substituiria o livro impresso, mesmo sem saber qual a tecnologia que o alimentaria. E disse a Neil que “da mesma forma que os tubarões sobreviveram ao tempo dos dinossauros”, poderia ser que o livro sobrevivesse à nova era eletrônica desde que, como aconteceu com os tubarões, não aparecesse nada melhor que os próprios tubarões.

E passou a citar uma série de exemplos de experimentos literários que vem conduzindo que não poderiam ser imaginados – ou sequer realizados – anos antes. Como a possibilidade de escrever dois livros – um com capa de madeira e todo rebuscado, o outro digital com pistas espalhadas em HDs por uma cidade – que se complementam, projeto que está envolvido agora. Ou como a brincadeira que realizou com um calendário, ao pedir que seus fãs, via Twitter, lhe fizessem perguntas sobre os meses do ano. Escolheu os doze melhores tweets e transformou cada um deles num conto, permitindo depois que outros tantos leitores fizessem o que quisessem com o material que ele produziu – inclusive em áudio, pois gravou os próprios contos com sua voz e disponibilizou as gravações online. E, orgulhoso, lembrou ver milhares e milhares de pessoas produzindo arte a partir de uma ideia sua que, anos antes, seria impossível de ser realizada.

Citou casos de projetos de crowdfunding que deram certo porque foram citados por ele, ganhando um público que nunca iriam atingir por conta própria, mas sem esquecer outros tantos projetos que, mesmo com seu aval, não saíram do zero. Lembrou de quando ressuscitou uma graphic novel parada no tempo – a série Signal to Noise, escrita com o artista Dave McKean e originalmente publicada nas páginas da revista The Face nos anos 90 – para um pacote de conteúdo digital em que seus compradores pagavam o que quisessem, o que lhe garantiu 78 mil dólares. “Foi incrivelmente educativo”, disse, “e as pessoas perguntam: ‘Isso quer dizer que para que eu consiga dezenas de milhares de dólares basta que eu peça para que eles paguem o que quiserem?’. E eu respondo: ‘Não’. Isso não quer dizer que nem mesmo eu posso conseguir esse valor numa outra oportunidade. É como um dente-de-leão: as sementes voam e só algumas delas encontram algum lugar onde podem crescer”.

E terminou sua fala com um conselho que vale para todos: “A verdade é que, não o importa o que fizermos, é provável que estará certo. Vamos abraçar o velho da mesma forma que abraçamos o novo. Pois estamos na fronteira. E não há regras aqui. Podemos violar leis que ainda nem foram imaginadas, podemos entrar em portas que dizem ‘saída’, escalar janelas. O modelo para amanhã – que é um modelo que venho usando com enorme entusiasmo desde que comecei a blogar em 2001 e talvez o mesmo que uso desde que acessei a internet via Compuserve em 1988 – é tentar de tudo. Cometa erros. Surpreenda a você mesmo. Tente outra coisa. Fracasse. Fracasse melhor. Seja bem sucedido em formas que não foram imaginadas há um ano ou há uma semana. É hora de sermos dentes-de-leão, soltarmos mil sementes para que percamos 999 delas. E se uma centena – ou mesmo uma dúzia – delas sobreviverem, crescerem e formarem um novo mundo, acho que isso é mais sábio que esperar que 1983 volte mais uma vez.”

Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente? Desculpe Vargas Lllosa, mas eu fico com a opinião de Neil Gaiman. Abaixo, a íntegra da palestra do inglês. Trechos da palestra com o escritor peruano deverão aparecer no site do Fronteiras do Pensamento.

Fotos: Vargas Llosa (Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian) / Neil Gaiman (reprodução).

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Sim, são os Foo Fighters celebrando a chegada do Rush ao Rock’n’Roll Hall of Fame na quinta-feira passada, fazendo cosplay do trio canadense e tocando nada menos que “Overture”, do icônico 2112:

A homenagem não ficou só em música. Dave Grohl empolgou-se e preparou um discurso daqueles para celebrar a importância da banda, explicando que a banda preferiu seguir fiel aos seus princípios mesmo que eles parecessem cafonas e datados. Ao destacar as qualidades nerds e cheias de autoimportância de cada um dos três músicos que são a única formação clássica do grupo (caso raríssimo na história do rock), Grohl também reforça a devoção dos fãs da banda, algo que, compara, só chega aos pés do Grateful Dead, chegando ao centro de sua argumentação disposto a listar, um a um, todos os títulos de discos da banda como clássicos imbatíveis que só os fãs de Rush sabem reconhecer.

Logo em seguida foi a vez do próprio trio foi agradecer a reverência, para, depois das falas de Geddy Lee e Neil Peart (que, além de reconhecer a honraria, saudaram o humor e a paciência dos companheiros de banda), terminar com um discurso peculiar do guitarrista Alex Lifeson, que caracteriza o quanto o Rush está fora dos padrões da história do rock. Talvez tenha a ver com o fato de eles serem canadenses…

E, pouco depois, fazer o que sabem fazer melhor:

Não dá para desmerecê-los. Por mais que o trio pareça caricato e brega para quem o vê de fora, é inevitável reconhecer o Rush como uma das forças mais emblemáticas da história da música pop. Dave Grohl comparou a seriedade da devoção de sua horda de fãs com as dos deadheads, o culto itinerante que persegue o Grateful Dead para onde ele for, mas que esse fanatismo tem parentesco com outro tipo de religião cultural, igualmente caricata e brega: o nerd clássico. Não esse nerd cool e digital de hoje em dia, que curte música eletrônica, se veste com roupas de grife e circula por agências de publicidade e casas noturnas. Mas aquele nerd anos 70, mais feio e desajustado que um personagem do Crumb e completamente obcecado com algum assunto invariavelmente chato e meticuloso: montar computadores, plastimodelismo, radioamadorismo, RPG, histórias em quadrinhos, ficção científica ou cards de beisebol. E Rush. Enquanto Led Zeppelin e Pink Floyd faziam o som que a geração pós-hippie descobria seu próprio hedonismo, o Rush convidava fãs a um universo particular, alheio ao resto do mundo, cerebral, em que ficção científica, música erudita, filosofia e sagas épicas serviam como fio condutor para riffs inesquecíveis, refrões memoráveis, solos arrebatadores (inclusive de bateria, claro).

Tive minha fase Rush na adolescência e ouvi até furar discos como Moving Pictures, Fly by Night, Exit… Stage Left, Hemispheres, Permanent Waves e 2112. Sei cantarolar riffs, solos e letras inteiras graças a horas ouvindo os três canadenses tocarem muito alto na sala de estar da casa dos meus pais ou nas caixas de som de um carro de algum amigo, seja parado em alguma paisagem pastoril brasiliense ou à toda sem rumo pelas avenidas intermináveis da minha cidade. Mas nunca havia os visto ao vivo. Afinal, houve um tempo em que “o show do Rush no Brasil” era o equivalente a “o show do Radiohead no Brasil”, uma utopia inalcançável, um grande amanhã.

Calhou dos três anunciarem finalmente sua vinda na época em que eu vivia minha fase frila, três anos sem patrão que me fizeram entender a amplitude do conceito de jornalismo e sua natureza artística (mas isso é outra conversa). Ao saber da confirmação da vinda do Rush ao Brasil, acionei o compadre catarinense Emerson “Tomate” Gasperin, que ainda morava em São Paulo, para celebrar nossa devoção adolescente do passado em forma de ganha-pão e vendemos para uma pequena editora que nem me lembro o nome (só do logotipo, uma silhueta de um caubói – !?!?!) um especial sobre a banda. Chamei outro chapa que também era afeito ao trio – o alagoano Fernando Coelho, ele sim fã de carteirinha -, e juntos escrevemos uma revista inteira dedicada ao Rush, suas diferentes fases, discografia comentada, dados sobre os instrumentos usados e até uma história em quadrinhos dedicada aos fãs do grupo (escrita e desenhada por outro broder, Zé Dassilva). A revista nos valeu a grana do frila e ingressos para o show – uma forma que nós encontramos para cumprimentar uma seriedade adolescente que encontrou no culto ao grupo uma forma de ser exercida. O único resquício digital dessa revista que encontrei foi esta imagem abaixo, no cache do Google de uma página do Mercado Livre que já não existe… Com certeza a tenho em algum lugar aqui em casa, quando encontrar conto a história completa.

revista-especial-rush

Mas ela é só um exemplo do tipo de determinação que é compatível àquela motivada pelas canções do grupo. Como escreve Neil Peart num dos clássicos do grupo, para a voz esganiçada de Geddy Lee cantar:

“You can choose a ready guide in some celestial voice.
If you choose not to decide, you still have made a choice.
You can choose from phantom fears and kindness that can kill;
I will choose a path that’s clear-
I will choose Free Will”

Nerdismo pesado.