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A vitória dos taxistas de São Paulo contra o Uber na semana passada é apenas passageira, como escrevi no artigo que o pessoal do Aliás me pediu para sua edição de domingo, que reproduzo abaixo:

Ponto dentro da curva

Os taxistas que comemoraram a proibição do aplicativo Uber em São Paulo na semana passada podem ir tirando seu cavalinho da chuva. Queimem os fogos de artifício enquanto é tempo, pois mesmo que o próprio Uber venha ser proibido no mundo inteiro (algo pouco provável), ele aponta para o futuro inevitável. A era eletrônica começou a engatinhar nos anos 50 e desde seus primeiros passos nos anos 80 pelo menos a cada cinco anos nos apresenta a uma novidade faceira que parece ser transitória, mas se embrenha cada vez mais em nossos dias.

Faça as contas: videogame, computador pessoal, web, sites, banda larga, redes sociais, smartphone, internet móvel, aplicativos, tablet. Cada uma dessas novas invenções impulsionou ainda mais a próxima sem necessariamente anular as anteriores. O dispositivo móvel de acesso à internet que carregamos no bolso (e por pura conveniência linguística ainda chamamos de “telefone”) talvez seja o primeiro a começar a anular alguns dos anteriores, mas ainda vai demorar um tempo para que desktops e laptops desapareçam da paisagem como máquinas de escrever, videocassetes, mapas de papel e listas telefônicas já desapareceram.

Lembra do tempo em que você tinha que chegar em casa na hora em que o telejornal começasse senão você o perdia? Ou da época em que você esperava ansiosamente que determinada música tocasse no rádio pra que você conseguisse gravá-la? E quando você tinha que comprar um disco de plástico prateado com 12 canções quando queria ouvir apenas uma? Pois é, felizmente esse tempo acabou.

Muita gente ainda vê a era digital como uma fase passageira, um modismo histérico ou uma bobagem de adolescente. Mas essas mesmas pessoas conversam com a família inteira pelo WhatsApp (pais, primos, filhos, netos, tios, avós), matam a saudade de amigos distantes pelo Skype, brigam sobre política com reaças e comunas e postam fotos dos próprios filhos no Facebook e tiram foto e fazem vídeos que nunca cogitariam fazer na época do filme.

Ainda falamos em “entrar na internet” por resquício de comunicação. Estamos online o tempo todo, mesmo quando não estamos olhando pra um de nossos monitores (o “espelho negro” como tão bem definiu o autor inglês Charlie Brooker na série da BBC que leva essa nova era a extremos bem pessimistas). Duas das maiores empresas do mundo – Google e Facebook – não existiam há vinte anos. As profissões da vez em 2015 não existiam em 2005, algumas delas nem em 2010.

Quem nasceu no século 21 não faz essa distinção, que é o futuro inevitável. Você alguma vez pensa em acionar a rede elétrica da sua casa quando precisa iluminar um cômodo? Quando dispara o mecanismo de evacuação de seus dejetos orgânicos? Quando se conecta à rede hídrica para ter acesso à água? Não, você simplesmente acende a luz, dá descarga ou abre a torneira (que, em 2015, às vezes não “liga” a água). A geração nascida depois da internet sabe que está na internet, ponto. Não escreve um e-mail, não manda mensagem, não envia um “torpedo” (ugh) ou um “zap-zap” (argh). Simplesmente fala, escreve, chama.

Todos estamos em contatos com todos e a tendência é piorar. Nem George Orwell imaginaria um pesadelo tão paranoico que as pessoas levariam seus próprios rastreadores no bolso e voluntariamente contariam tudo sobre suas vidas para todos. Nem Aldous Huxley cogitaria a quantidade de desdobramento de futilidades e preocupações múltiplas que habitam cada recanto da internet. Mas esta é apenas a visão de copo vazio da história.

O outro lado desinventa a cidade. A Revolução Industrial foi crucial para atingirmos um novo patamar de progresso, mas para isso abrimos mão de nossas individualidades para nos encaixar nas engrenagens do sistema. Para o mundo funcionar, era preciso assumir um papel predefinido e segui-lo à risca – da escolha do emprego à criação dos filhos, do sistema educacional ao mercado financeiro, do núcleo familiar à política internacional.

Isso retirou a humanidade do campo e trouxe a civilização para uma nova realidade, a urbana. Em dois séculos saímos da fazenda e superlotamos as cidades, que estão em seu limite, de diversos pontos de vista.

O século 20 foi o século das multidões (nunca houve tanta gente no planeta), mas também o do modernismo, que expandiu e colocou pra fora a mudança de comportamento que estava presa na caixa de Pandora aberta por Freud. E aos poucos as multidões foram percebendo-se formadas por indivíduos, cada um deles era uma pessoa diferente da outra. Precisamos aprender essa tolerância, mesmo que na marra.

A era digital crava o final da revolução industrial justamente ao começar desatar o grande nó que é a metrópole, engrenagens urbanas criadas para abrigar multidões a partir de uma série de parâmetros preestabelecidos (séculos atrás) que estão sendo implodidos um a um.

Faz sentido esperar debaixo de uma marquise, na chuva, que um táxi passe, quando no quarteirão de trás há um taxista literalmente dormindo no ponto porque não sabe onde o passageiro está? Por que eu tenho que comprar um volume de papel se eu quero ler apenas um artigo? Não posso hospedar um desconhecido quando não estiver usando meu apartamento? Por que preciso esperar uma semana para assistir ao próximo episódio?

As respostas podem divergir, mas apontam para o mesmo lado: o futuro. Acostume-se.

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Não sei se é só uma questão de ponto de vista ou se o tempo e a experiência aproximaram ainda mais os cinco integrantes do Letuce como banda. A constatação não vem só do fato do casal central do grupo – e, para muitos, a essência da banda -, a vocalista Letícia Novaes e o multiinstrumentista Lucas Vasconcellos terem se divorciado e optado pela continuação deste trabalho, mas principalmente pelo corpo do disco Estilhaça, um álbum tão envolvente e mágico quanto outra obra-prima carioca deste ano, o disco de estreia de Ava Rocha. Mas ao contrário do disco que deu o tom do primeiro semestre, este novo – que pode dar o tom deste segundo – não gira ao redor de uma musa principal, como era o próprio casal no disco anterior, Manja Perene, de 2009. Estilhaça é um disco de banda e, uma surpresa improvável, um disco de banda de rock. Um senhor disco de rock – e um dos melhores discos do ano. O disco vai ser lançado nesta terça, dia 1°, em São Paulo, na Serralheria.

O instrumental que acompanha as viagens em forma de canções de Lucas e Letícia deixa de ser apenas cúmplice e se embrenha nas composições com riffs, solos, linhas de ritmo e peso como nunca havia acontecido ao menos nos discos da banda. “Somos amigos fora da banda, Arthur (Braganti), o tecladista, é um dos meus melhores amigos, escrevemos juntos peças, temos outro projeto, Thomas (Harres, baterista) foi aluno do Lucas quando era criança, Fabinho (Fabio Lima, baixo) e Lucas eram do Binário – uma banda maravilhosa dos anos 2000 do Rio, que dali saíram vários músicos fodas”, me explica Letícia. “E Lucas e eu éramos casados, ou seja: é uma banda com muita intimidade. A gente briga, discute, põe os demônios pra fora, mas também rimos muito, gargalhamos, falamos bobagens pra dedéu e ainda temos muito tesão em tocar um com o outro. É incrível nossa química no palco, nós cinco.”

Estilhaça abre soltando raios de sol na ecumênica e expansiva “Quero Trabalhar com Vidro”, que começa o disco numa explosão de psicodelia hippie que vai sendo arrefecida à medida em que o álbum caminha. Dali ele nos leva por uma montanha russa de emoções em que a unidade da banda soa mais coesa, igualmente bruta e refinada, passando por vales iluminados (a funky “Todos os Lugares do Mundo”, suntuosa “Lugar para Dois”, um Raul Seixas crowlleyiano “Love is Magick”, a deliciosa “Animadinha” e a nua e delicada “Mergulhei de Máscara”) e regiões sombrias (o lúgubre reggae “Muita Cara”, o pântano de Screamin’ Jay Hawkins em “Aristoleles Laugh”, o dedo na cara de “Arca de Noé” e o ponto final “Todos Querem Amar”, desesperada e esperançosa ao mesmo tempo). Letícia não é mais a estrela à frente e sim uma band leader de banda de rock clássico, como se o Letuce pudesse existir nos anos 70.

“É porque pararam de dizer o duo Letuce, a dupla”, ela ri”. Claro que na real, a gente sempre foi a cabeça da banda, a gente que fazia as músicas, arranjos, letra, tudo, mas aos poucos fomos abrindo espaço para os meninos que já nos acompanhavam e tal. A gente é da escola rock, não tem como negar, talvez pela vida ter rasgado um pouco, naturalmente as canções vieram mais rasgadas também.”

Ela detalha mais o processo humano que culminou em Estilhaça: “Esse disco foi uma saga, ele já estava sendo formulado desde 2013, aí Lucas e eu nos separamos e inevitavelmente fomos fazer outras coisas, ter outras pirações, mas sempre com a ideia de retomar. Daí fomos pra Portugal, fizemos mais músicas e a vontade foi aumentando, até que apenas em fevereiro de 2015, conseguimos tempo em comum para gravar. E foi lindo, importante demais. O Manja (Perene) foi mais calculado, talvez, o Estilhaça tem três músicas de improviso, tem uma – a última – que até a voz é a voz guia, eu improvisando. E os meninos, idem.”

A coesão instrumental dos cinco foi um processo natural: “Eu amo ter banda, amo coletivo, amo a troca. Pra gente, a gente sempre foi uma banda, mas entendo que só agora talvez as pessoas estejam atentas a isso, normal. Lucas lançou dois discos solos, e cada vez mais se confirma como um grande produtor, além de excelente músico. Eu adentrei mais ainda o universo da literatura, que sempre me permeou. A audácia em cantar só surgiu porque eu sempre escrevi muito e um dia inventei melodias para os meus escritos. Lancei um livro, Zaralha, e escrevo uma vez por mês para o Segundo Caderno, do Globo. Talvez um dia faça um disco solo, mas por enquanto tô animada em lançar o Estilhaça.”

Mas ela realça o casal da frente como ponto de partida da banda: “As músicas eram sempre feitas por Lucas e eu, eu chegava com o espermatozóide e Lucas fecundava, sempre foi assim. Aí no Manja Perene, já entraram músicas de outras pessoas, como do Thomas Harres, nosso batera, Fabio Lima, nosso baixista e até uma canção do André Dahmer, ‘Ninguém muda Ninguém’. Esse disco ainda tem claro muito da minha poesia, minhas letras, minhas melodias, mas a participação de todos foi bem maior. E uma alegria!”

Comento que achei o disco catártico e Letícia concorda. “Sim, chega uma hora na vida que você vai se comprometendo com o não comprometimento”, gargalha e pergunta se faz sentido. “Tomara. Eu gravei meu primeiro disco muito nova, uma audácia, tadinha. Mas agora, com 33, eu poderia até estar mais sisuda e séria, mas não. Continuo compenetrada no tesão e no amor em cantar. Me profissionalizei mais, claro, ok. Mas na hora de gravar ou do show, é pura entrega. Lembrei de um poema da Ana Cristina César até:

‘Mocidade independente
Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem medir as conseqüências. Por que recusamos ser proféticas? E que dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra cima: é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma graça atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por você, e furiosa: é agora, nesta contramão.'”

E tento provocar uma relação entre essa catarse emocional e o clima de tensão que paira sobre o Brasil hoje. “Que curioso, não tinha pensado nisso, mas agora acho que sim”, divaga. “Na última música do disco, que foi feita totalmente de improviso, eu falo sobre estar no ônibus de madrugada, uns indo e outros voltando, mas que todos querem amar. E o quanto isso dá vergonha, até peço pra alguém me assaltar, coisa e tal. Sinto uma vergonha das pessoas quererem assumir que amam. Óbvio que não generalizo e também há cada mais gente fora do armário, do amor e das drogas, gente escancarando de vez. Mas também vejo uma galera denunciando foto de amiga com peito de fora no instagram, sabe? Que vergonha. Coisa de louco. E no fundo é amor, na real é amor. Ficou confusa minha resposta, sei, perdão. Mas queria que as pessoas chutassem mais o balde. Eu chutei nesse disco. ‘Muita cara’, é uma música que chutei muitos baldes.”

Peço pra ela comentar a atual cena carioca, que vem sendo renovada nos últimos anos, e ela concorda. “Acabei de ouvir uma banda Biltre, que Arthur me indicou, curti, me fez rir. Gosto de rir ouvindo música, acho raro e bom. O próprio Arthur toca no Séculos Apaixonados, que também é demais, adoro o Guerrinha. O Rio é solar mas tem uma tristeza, né? A tristeza dos solares, é outro tipo, mas rola. Eu sou um pouco assim até. Fico feliz com toda a movimentação, não consigo acompanhar tudo, mas volta e meia algum amigo me faz um filtro e me aponta uma ou outra voz, ou eu mesma percebo um movimento. Mas de lugar pra tocar, o Rio é trash. Ou é algo gigante ou é um buraco, falta casa de médio porte.”

Estilhaça pode ser baixado de graça no site da OneRPM.

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Fui convidado pela editora Intrínseca para entrevistar o norte-americano Stephen Witt sobre seu primeiro livro, o ótimo Como a Música Ficou Grátis, que mostra como a internet mudou a indústria do disco e ainda vai influenciar bastante nosso comportamento.

Uma mudança sem volta
Stephen Witt, autor de Como a música ficou grátis, explica como o digital mudará ainda mais nossa relação com a cultura

Um alemão e dois norte-americanos funcionam como os principais personagens do primeiro livro do jornalista Stephen Witt, Como a música ficou grátis: O fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da pirataria. A obra acompanha a trajetória de três sujeitos completamente diferentes: o cientista Karlheinz Brandenburg, o operário Dell Glover e o executivo Doug Morris.

O primeiro passa mais de uma década debruçado na possibilidade de reduzir o tamanho de ondas sonoras para o formato digital, sofrendo cobranças e derrotas ao tentar transformar o MP3, um formato de áudio desenvolvido por um instituto de pesquisas governamental, em algo que possa ser explorado comercialmente. O segundo trabalha em uma fábrica de CDs da PolyGram, no estado norte-americano da Carolina do Norte, empacotando produtos que serão lançados semanas depois de passar por suas mãos. O terceiro começa a ascender profissionalmente quando entende que os álbuns mais vendidos não são necessariamente os melhores, e se torna um dos maiores executivos que a indústria fonográfica já viu.

São três biografias que se misturam à medida em que a web e a banda larga se popularizam, no final do século passado, e, como anuncia a contracapa do livro, quando uma geração inteira passa a cometer o mesmo crime: baixar músicas de graça da internet. As mudanças transformam Brandenburg em um visionário e Morris em um pária dos negócios. Mas talvez a história mais intrigante narrada por Witt seja a de Glover, a quem se refere como “paciente zero da pirataria” — o primeiro sujeito a fazer os álbuns aparecerem on-line antes mesmo de chegarem às lojas, matando o CD e dando início à revolução digital.

Como a música ficou grátis é um raio X de uma era crucial não apenas na transformação (ainda em curso) da indústria fonográfica, mas também para entendermos outras mudanças (e polêmicas) causadas pela vida digital em áreas que não têm nada a ver com música — como o aplicativo Uber em contraponto à profissão de taxista, o serviço Netflix comparado à televisão tradicional ou o programa de troca de mensagens instantâneas WhatsApp como alternativa às operadoras de telefonia. Ao focar nos três personagens escolhidos, Witt vai além da invenção do Napster ou do processo contra os hackers do The Pirate Bay para mostrar que essas transformações, na verdade, podem acontecer no coração da própria indústria. Conversei com o autor pelo telefone.

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Karlheinz Brandenburg

No seu livro você conta a história de três figuras incríveis que não conhecíamos tão profundamente até a publicação. Qual delas você considera a mais importante?
Witt – A história de Dell Glover, que durante sete anos trabalhou em uma fábrica de CDs e vazou dois mil discos na internet, é incrível. Como ele trabalhava na linha de produção e tinha acesso a CDs às vezes meses antes do lançamento, ele acabou se tornando o ponto de origem de literalmente centenas de milhões de arquivos de MP3 que enchiam iPods por todo o planeta. Se os leitores têm alguns MP3 em seus computadores que eles não sabem de onde vêm, é provável que tenham saído dos vazamentos que Dell realizou no início da década passada. Ele é um cara fascinante, uma das melhores pessoas que eu conheço — e ninguém sabia de sua história.

Dell não estava sozinho nessa rede.
Witt – Sim, como digo no livro, era uma conspiração: havia caras no Japão que conseguiam CDs que eram lançados lá semanas antes do resto do mundo. Havia jornalistas britânicos que recebiam CDs antes do lançamento para escrever resenhas e acabavam vazando esse conteúdo on-line. Apresentadores de rádio, DJs. Havia caras na Itália que lidavam com a parte promocional na Europa… Era literalmente global.
E isso não acontecia só na música, mas também em outras áreas. Havia caras que entravam nos cinemas com filmadoras ou que conseguiam as cópias dos filmes destinadas aos jurados do Oscar. Tinha os que craqueavam DVDs e videogames e gente que trabalhava em emissoras de TV a cabo, que disponibilizavam, programas de TV on-line gratuitamente. Esse movimento se autodenominava The Scene (A Cena) e dispunha de pessoas espalhadas por todo o mundo, lidando com todo tipo de mídia.

É interessante notar como a internet nunca foi vista como uma ameaça pela indústria dos CDs.
Witt – A indústria andava bem preocupada com o gravador de compact discs porque sempre se preocupou com pirataria. Mas eles estavam tão focados nos gravadores que deixaram o MP3 passar. Se você for ler sobre quais eram os riscos que esses negócios temiam no final dos anos 90, vai ver que eles constantemente estavam preocupados com o gravador de CDs e nem sequer mencionavam o MP3. É porque isso já havia acontecido antes, nos anos 80, com o lançamento dos gravadores de fitas cassete com duplo deck, que permitiam às pessoas fazer quantas cópias quisessem. Aquilo afetou os lucros como eles achavam que o gravador de CDs fosse afetar.

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Dell Glover

Essa falta de percepção mudou completamente o mercado a ponto de tornar as grandes gravadoras obsoletas — pelo menos como as conhecíamos. Mas elas ainda são uma parte importante do mercado, diferentemente do que ouvíamos falar há dez anos, que a internet mataria a música…
Witt – Hoje em dia é muito mais fácil você trabalhar com música sem ter que se envolver com uma grande gravadora. Mas o lado ruim é que tem cada vez mais gente se lançando, são dezenas de milhares de álbuns novos todos os anos e eu nem sei por onde começar. O que a gravadora fazia, historicamente, era ter alguém que cuidava da direção artística, o cara de A&R (artistas e repertório), que funcionava como um filtro. Era um sistema muito corrupto, sei que não era o melhor cenário, mas era assim que eles faziam.
Agora é muito mais difícil conseguir se fazer ouvir no meio de tanto ruído, mesmo que seu trabalho seja incrível. Além disso, as gravadoras contam com marketing, publicidade, distribuição, desenvolvimento de carreira… Coisas que os artistas ainda querem. Consigo pensar em pouquíssimos artistas que realmente dispensam esse tipo de trabalho.

A internet acabou sendo uma desculpa perfeita para um modelo de negócios que vivia uma bolha financeira que inevitavelmente estouraria…
Witt – Olha só o que acontecia: por um bom tempo, eles vendiam álbuns ou compact discs com uma margem de lucro enorme. Nos Estados Unidos, um CD que era vendido por cerca de 14 ou 15 dólares custava 1 ou 2 dólares para ser produzido. E muitas dessas empresas eram movidas por artistas de um hit só, que tocavam muitas vezes no rádio. Dessa forma, as pessoas gastavam 14 ou 15 dólares em um disco que tinha uma ou duas músicas que elas realmente queriam ouvir. E as outras faixas nem eram ouvidas.
A mudança para o digital significou o fim dessa lógica. Se um artista só tinha um hit, você não precisava comprar o disco inteiro, e foi isso que matou o negócio. Na era do streaming, as pessoas pagam exatamente pelo que ouvem, e nada mais. Do ponto de vista do ouvinte é ótimo, é um bom negócio. Do ponto de vista da indústria é péssimo, porque todas aquelas músicas ruins que estavam sendo vendidas quase como lucro não serão tocadas nem farão dinheiro. Não há mais como disfarça-la.

A tecnologia também permitiu que mais gente conseguisse gravar com um padrão de qualidade antes restrito a poucos agentes da indústria fonográfica.
Witt – Sim. Se você olhar para sites como Soundcloud ou Mixcloud, a maioria dos artistas que estão hospedados ali é de amadores. Gente que ama música e que coloca suas faixas ali. Claro que alguns estão tentando fazer carreira como DJ, mas a maioria está lá apenas pela diversão. E como você disse, antigamente era preciso um estúdio grande e caro para conseguir boas gravações, mas agora é possível recriar toda essa tecnologia num laptop. Você baixa, sei lá, uma versão pirata do programa Live Ableton e dispõe da mesma tecnologia de ponta que um produtor classe A. É muito mais fácil, é realmente a democratização da cultura.

E o que você acha que aconteceu com a produção musical após essa mudança?
Witt – Acho que duas coisas estão acontecendo. Em termos de produção nós estamos em um estágio revolucionário. Há pessoas que estão fazendo coisas com áudio que não eram possíveis anteriormente e há muita gente experimentando, o que acho ótimo, é muito inventivo do ponto de vista sônico. O lado humano, por outro lado, se tornou completamente comercial, ninguém mais corre riscos artísticos, como os que Bob Dylan ou, do ponto de vista de vocês, brasileiros, Caetano Veloso, costumava correr. Não há mais ninguém assim atualmente. Talvez você tenha um Kanye West, mas ele não está correndo os mesmos riscos. Por isso a mensagem se tornou totalmente comercial e muito uniforme, a ponto de ser entediante. Então, ao mesmo tempo, estamos numa época sonicamente brilhante, e do ponto de vista lírico, bem rala.

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Doug Morris

Falamos hoje muito sobre a “revolução” da internet, mas toda a história da indústria fonográfica é composta por tecnologias que foram tão revolucionárias em seu tempo quanto a internet é hoje — pelo menos em relação à música.
Witt – Você está coberto de razão. Imagine ouvir o som gravado pela primeira vez — foi ainda mais revolucionário. Isso só aconteceu no começo do século XX. Minha geração já passou por quatro mudanças de formato: vinil para CD, CD para MP3 e agora MP3 para streaming. Cada uma dessas mudanças mexe não só na forma como as pessoas consomem a música, mas também na forma como a produzem.
Eu concordo que atualmente, principalmente agora, passados 15, 20 anos desde que começamos a usar a internet, as pessoas comecem a ter (não sei se é um movimento reacionário) uma espécie de ressaca. Houve essa abordagem “revolucionária”, que as pessoas compraram quando ouviram dizer que a rede mudaria suas vidas — o que realmente aconteceu. Agora tem muita gente se perguntando se valeu à pena. As pessoas estão começando a se sentir oprimidas pela internet e a música é uma das áreas em que vemos isso acontecendo.
Mas acho que é parte da história da tecnologia da gravação de áudio. Ela só tem cem anos e já passou por mudanças radicais. Acredito que os formatos estejam evoluindo para outra coisa, bem diferente de um suporte de armazenamento físico que você vai lá e compra. Não seriam nem algo que você possa possuir. É como se fossem uma utilidade, algo que você paga pela utilização, mais ou menos como a energia elétrica.

Leia um trecho de Como a música ficou grátis: O fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da pirataria.

Anelis de mansinho

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Logo após o segundo dia do festival Radioca, que cobri no início deste mês, em Salvador, encontrei Anelis Assumpção nos bastidores e ela estava super animada com a pequena turnê pelo nordeste: o show na capital baiana tinha sido o terceiro depois de passar por Aracaju e Feira de Santana. “É curioso e muito satisfatório chegar com o show em lugares tão distantes e sentir que o som já havia batido sem a presença física”, me explica por email, quando lembro que ela comentava que boa parte do público sabia as músicas, “concluo o encontro com a performance e um ciclo se completa.”

“Se não fosse a internet”, continua, “não sei, em Feira de Santana, Aracaju ou Crato, as pessoas poderiam cantar minhas músicas, criar expectativas sobre um show ou mesmo abrir a possibilidade dessa circulação. Vinte anos atrás, o eixo Rio-SP era o que existia de ‘trampolim’ para qualquer artista, sobretudo o independente. Precisava ter força nessa ponte para poder repercutir Brasil afora. Hoje estamos livres disso. As demandas são outras.”

O trabalho com a atual banda – os incríveis Amigos Imaginários, formados pelos Bixiga 70 Maurício Fleury e Cris Scabello, nos teclados e guitarra, Lelena AnhaIa na guitarra, Bruno Buarque na bateria, Mau Pregnolatto no baixo e o Edy Trombone, no trombone e percussão – está cada vez mais azeitado e ela está cada vez mais à vontade entre esse amálgama de black music que misura o soul, o samba, o reggae e o funk numa medida perfeita.

Ela apresentou-se no 75 Rotações que o Radiola Urbana fez no fim de semana passado, recriando o disco Legalize It, do Peter Tosh, na íntegra, e comemora o resultado. “Foi um show lindo e emocionante. O álbum em si tem uma carga emotiva natural”, explica. “Fazer esse tipo de projeto não é fácil, mas vejo como um estudo precioso. Exercitar a língua, a interpretação. Sair de si e mergulhar em outrém. E que outrém!”

Ela agora apresenta-se na Serralheria, nessa sexta-feira, e promete alguma coisa de Peter Tosh (“Devemos fazer uma ou duas do Legalize It que ta fresquinho na memória”), mas não está pensando em novo trabalho, mas em amarrar ainda mais o trabalho atual. “Segue o baile!”, comemora.

As fotos que ilustram essa página são do show da sexta passada e foram tiradas por Daniel Wuo Piovezani. Tem outras lá no Flickr dele. E os vídeos eu fiz no festival na Bahia.

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Estive essa semana com o jovem Leandro lá no Museu Afro Brasil e conversamos sobre o disco que ele lança essa semana, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa em matéria para a Ilustrada:

Emicida combate o racismo com novo álbum ‘pra cima

Antes de definir a data de lançamento de seu “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”, que chega na sexta (7) a todas as plataformas de streaming digital e às lojas de disco no final do mês, o rapper Emicida fez uma escalada de monólogos contundentes em shows no Circo Voador, no Rio, e na Virada Cultural, em São Paulo.

Já apontava para um disco tão tenso, agressivo e radical quanto estes dias de 2015.

O clipe da inédita “Boa Esperança” reforçava esse rumo ao apresentar um cenário de guerra civil começando de dentro das casas, quando empregados de uma mansão pegam seus patrões como reféns depois de serem humilhados durante o trabalho.

O nome da música foi tirado de um dos irônicos nomes dos navios negreiros que traziam africanos para a América. Para dirigir o clipe, o rapper chamou João Wainer (do filme “Junho” e repórter especial da Folha) e Kátia Lund (de “Cidade de Deus”). Tudo indicava que o novo álbum viesse com sangue nos olhos.

O disco foi gravado e composto em sua primeira visita à África, quando passou por Angola e Cabo Verde, em março. “O ‘Boa Esperança’ é a expectativa mais óbvia sobre mim”, diz Emicida em entrevista no Museu Afro Brasil, em SP.

“Mas por que eu não posso cantar ‘Passarinhos’?”, pergunta sobre a bucólica canção composta no ukulele e dividida com Vanessa da Mata. “Em que momento minha poesia está distante de uma coisa positiva?”

“Sobre Quadris”¦” está longe de ser um disco pesado. Há mais momentos leves e contemplativos, como “Mufete”, “Baiana” (gravada com Caetano Veloso), a vinheta “Sodade”, a balada “Madagascar” e a já citada “Passarinhos”, e outros essencialmente positivos, como “Salve Black (Estilo Livre)”, “8”, “Mandume” e “Chapa” e até familiares, como “Mãe”.

Pra cima
Embora quase todas as músicas falem de racismo, preconceito e diferenças, Emicida não quis deixar o clima pesar de propósito. “Sabe por que é um disco pra cima? Porque quando os pretos estão reclamando, na miséria, dormindo na calçada, todo mundo acha que tá tudo no lugar certo. Mas quando eu tô à pampa, tô legal”¦”, pausa para enfatizar a quebra de expectativa.

“James Brown foi foda quando cantou ‘I Feel Good’. O mundo tá pegando fogo, os pretos tão morrendo, e ele levantou no meio daquela porra e falou: ‘Tô legal, pode continuar. Vocês não vão me derrubar’. Soa como arrogância, mas não é nariz empinado, é cabeça pra cima. O disco fala dessa pluralidade de mil coisas que os pretos são, que podem ser, mas são limitados a ser sempre a mesma coisa.”

E continua explicando por que resolveu abordar a questão: “Acho muito bacana essa ânsia do Brasil que agora quer desmascarar tudo e combater o que tá errado. Ok, então pra mim o problema mais sério do Brasil é o racismo, que ninguém fala. Tá aqui a minha contribuição, vamos desmascarar isso também”.

Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa
Artista: Emicida
Gravadora: Laboratório Fantasma
Quanto: R$ 19,90

MC Pink Floyd

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Segundo o produtor Bob Ezrin, quase que o Pink Floyd flertou com o rap em seu disco de 1987, A Momentary Lapse of Reason. Escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

Viva Ava

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Dona de um dos melhores discos desse ano, Ava Rocha volta ao palco da Serralheira nesta terça e quarta, repetindo um dos grandes momentos da música brasileira em 2015 quando ela deixou embasbacada uma plateia que reunia músicos, artistas e cabeças da atual cena paulistana. Acompanhada de uma banda afiadíssima (o sambista noise Marcos Campello, o guitarrista experimental Eduardo Manso, o baixista harmonizador Felipe Zenícola e a bateria precisa de Thomas Harres), Ava domina o palco sem o menor compromisso, dona de uma presença tão expansiva e intensa quanto a personalidade exposta no disco que leva seu nome completo, Ava Patrya Yndia Yracema.

“No palco eu procuro não reproduzir o disco mas aproveitar alguns elementos que compõem a poética sonora, isso tem sido transcriado pelos músicos que estão tocando comigo ao vivo”, me explica a cantora. “Esse é o show que eu tenho feito por agora, de lançamento do disco, experimentando o repertório do disco e o do show que contempla varias outras músicas e experimentações. Também tem um viés performático, então o palco é um espaço onde eu estou experimentando e desenvolvendo também um pensamento cênico.” Além das músicas do disco, ela ainda cantou músicas anteriores como “Oloruzui” e “Canção de Protesto”, o poema musicado “Spring” e versões para clássicos brasileiros como “Iracema” de Adoniran Barbosa e “Canoa Canoa” de Milton Nascimento, todas registradas nos vídeos que fiz, abaixo:

Pergunto a ela sobre como anda esta nova cena carioca que viu nascer seu novo disco e ela disse que é “uma zona cheia de muros, mas há vontade para derrubá-los e serão”, disse com a convicção de quem mistura experimentalismo free com canções que tocariam numa rádio AM do meio do século passado. “Nenhum ambiente cultural pode fluir pleno numa cidade que vive tantas injustiças, dentro desse sitema corroído”, continua, “há, no entanto, muito desejo e um fortalecimento do ambiente por conta da rede das pessoas que integram esse ambiente: artistas, músicos, compositores, produtores, gestores, críticos, público etc. Enfim há muita explosão criativa, muita experimentação, muita coisa linda acontecendo mas tem essa dificuldade, o espaço social totalmente deteriorado. O ambiente é por tanto de resistência e ardor.” O Rio tem características específicas, mas ela também está falando sobre o resto do Brasil.

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Escrevi sobre a confirmação da participação do grupo de paranoicos amigos de Fox Mulder que preveram o 11 de setembro na nova versão de Arquivo X lá no meu blog do UOL. Spoiler: eles não morreram!

homemformiga

Bem bom o filme do Homem Formiga, não acharam? Leve e quase família, é o extremo oposto do tom do seriado do Demolidor, o que amplia ainda mais o escopo de emoções da Marvel – que está às vésperas de sua fase 3, como lembraram as duas cenas escondidas no final do filme, que eu comentei lá no meu blog no UOL.

miked-adrock

Um boato trouxe à tona a possibilidade dos Beastie Boys voltarem à ativa, negado pelos remanescentes Mike D e Ad-Rock, que não descartam planos futuros juntos, mas sem esse nome – escrevi sobre isso lá no meu blog do UOL.