Os Garotas Suecas estão em ponto de bala. Uma banda que é uma família e um grupo de amigos ao mesmo tempo e que sobrevive às tretas e à rotina deste tipo de convívio por quase 20 anos consegue manter uma conexão espiritual entre seus integrantes que inevitavelmente transparece no som. Mais do que nas canções e composições, os quatro têm uma dinâmica de palco que só um relacionamento desta categoria poderia prover e isso ficou muito evidente ao trabalhar com o grupo no show de lançamento de seu disco mais recente: 1 2 3 4 foi composto e gravado antes, durante e depois da pandemia e funcionou como tábua de salvação para a saúde mental dos quatro integrantes, que transformaram sua execução em um exercício contínuo. Tanto que quando começamos a definir como seria esse show de lançamento o que menos preocupava era a entrega da banda, todos estavam confiantes de seu poder e coesão musical que isso era o menor dos detalhes. O que fizemos juntos no show que eles apresentaram no Sesc Vila Mariana nesta quinta foi justamente ter uma noção de perspectiva histórica – tanto na biografia do grupo (que teve diversas fases visitadas pelo repertório, embora a ênfase fosse o disco recém-lançado) quanto no contexto maior da música produzida em São Paulo, o que os fez emendar “Saudosa Maloca”, de Adoniran Barbosa, com sua “Gentrificação” (mostrando que o drama das duas canções, mesmo décadas de distância uma da outra, é o mesmo) e pinçar um clássico de Tatá Aeroplano (“Tudo Parado na City”), que inclusive estava presente sem saber que ouviria uma versão de uma música sua e que transformou-se numa música do Garotas justamente por sua fluência como conjunto. O número quatro que paira sobre o disco – é o quarto de uma banda de quatro integrantes – espalhava-se em outros aspectos, como a ênfase no fato que é uma banda com quatro vocalistas (cantando, inclusive, números vocais em que abriam notas em coral) ou a capa do disco (originalmente uma tela de Thiago Haidar) dividida em quatro colunas atrás dos quatro. Um show que mostrou que, mesmo quase vinte anos em atividade, os Garotas Suecas ainda têm muito o que mostrar.
(Foto: Fausto Chermont/Divulgação)
Nesta quinta-feira o grupo Garotas Suecas finalmente mostra seu recém-lançado quarto álbum, 1 2 3 4, ao vivo no palco do auditório do Sesc Vila Mariana. Acompanho o grupo desde antes de eles terem lançado seu primeiro disco – e lá vão quase vinte anos vendo a banda abrir caminhos pelo underground brasileiro ao mesmo tempo em que faziam pontes no exterior. Mas desde que venho trabalhando como curador me tornei mais próximo dos integrantes da banda, fizemos shows e uma temporada no Centro da Terra juntos ao mesmo tempo em que pude acompanhar diferentes estágios do processo criativo do grupo, especificamente o disco que compuseram durante a pandemia. E conversando sobre os rumos do disco, começamos a trabalhar juntos – e além de ter assinado o release do disco novo da banda também fui convidado para dirigir o novo show do grupo, que estreia nesta quinta. Foi um jeito de conhecer melhor Tomaz, Nico, Irina e Perdido, que mostram esse disco que reflete os anos de trevas que atravessamos recentemente. A apresentação começa às 20h e chegando em cima da hora sempre dá pra conseguir uns ingressos.
Na próxima quinta-feira, dia 24, o grupo Garotas Suecas mostra seu recém-lançado disco 1 2 3 4 pela primeira vez ao vivo, no Auditório do Sesc Vila Mariana, num show em que o quarteto paulistano, uma instituição do rock independente da cidade, às vésperas de completar duas décadas em atividade, me convidou para fazer a direção. Assim, pensamos juntos em como mostrar um disco que ao mesmo tempo é um retrato da época trevosa que estamos finalmente saindo, e também tem uma importância crucial nestes quase vinte anos de banda. Os ingressos para o show já estão à venda (neste link) e a banda ainda traz algumas surpresas, que estão preparando nos ensaios. Enquanto isso, vão arredondando cada vez mais o disco novo só os quatro, como filmei nessa versão para “Todo Dia É Dia de Mudança”.
O jovem maestro Bruno Bruni pode mais uma vez concretizar uma de suas obsessões no palco, quando apresenta as trilhas sonoras de games clássicos da Nintendo, Super Mario 64 e Mario Kart 64, enviesando-as para o jazz em formato big band. Para isso, chamou Vicente Pizzutiello (bateria), Nino Nascimento (baixo), Thomaz Souza (sax soprano), Anderson Quevedo (sax alto) e Tiago Souza (sax tenor), Pedro Luce (percussão e MPC) e das vocalistas Marina Marchi e Flavia K. para reger, com ele mesmo tocando teclados, seus arranjos para as clássicas composições de Koji Kondo e Kenta Nagata, compositores importantes para sua formação, no último domingo das férias escolares no Sesc Vila Mariana, quando o grupo apresentou-se para grupos de famílias na praça central da unidade. Foi muito astral.
Consagrando o lançamento do disco ao vivo Relicário, registro da inauguração do Sesc Vila Mariana quando João Gilberto começou os trabalhos do hoje clássico equipamento cultural há vinte e cinco anos, a apresentação Rei Sem Coroa reuniu súditos de todas as gerações da música brasileira para reverenciar nosso maior artista e pude assistir à sua terceira e última apresentação neste primeiro dia de maio. Um quinteto formado por Joyce Moreno, Alaíde Costa, Dori Caymmi, Renato Braz e Vanessa Moreno saudou o repertório clássico do pai nosso da música brasileira moderna com as condições perfeitas de temperatura e pressão – o público imóvel e em silêncio deixando lágrimas rolarem no escuro enquanto músicos e intérpretes revezaram-se no palco em formações mínimas, sempre lustrando o formato que João escolheu para sua música – somente voz e violão. Entre as canções, várias histórias e lembranças, com Alaíde lembrando do tempo em que tudo era chamado de “bossa nova” pois o nome do gênero ainda era associado a um modismo passageiro, Joyce citando testemunhas que viram João sapatear – e bem! – e Dori fazendo a conexão de seu pai Dorival com nosso mestre.
A novata do grupo Vanessa Moreno abriu a noite com três orações obrigatórias deste rosário – “Corcovado”, “Samba de Uma Nota Só” e “O Pato” -, deixando sua doce voz solar equilibrando solenidade e carinho. Renato Braz pegou o violão na canção seguinte, a imortal “Bahia com H”, dividindo os vocais com Vanessa, que percutia a batida nostálgica em seu próprio corpo. Braz seguiu com “Pra Que Discutir Com Madame?” tocando apenas com um tamborim e prosseguiu com a faixa que batiza o espetáculo, “Rei Sem Coroa”, pérola de Herivelto Martins que finalmente ganhou registro oficial de João Gilberto com o lançamento de Relicário, emendando-a com “Eu Vim da Bahia”, de um dos principais pupilos dele, Gilberto Gil. Depois Braz recebeu Alaíde Costa, uma imortal da canção, que começou sua participação dividindo “Caminhos Cruzados” (de Tom Jobim e Newton Mendonça), para depois seguir ao lado de Joyce Moreno, que trocou de lugar com Renato, para dois duetos fabulosos: “Nova Ilusão” e “Retrato em Branco e Preto” (de Chico Buarque e Tom Jobim).
Depois Joyce seguiu sozinha e deslumbrante como sempre com “Desafinado” e “Águas de Março”, convidando Dori Caymmi para dividir uma mistura impecável de “Esse Seu Olhar” com “Só em Teus Braços” seguida de “Aos Pés da Cruz”. Dori teve seu momento solo cantando “Rosa Morena” de seu pai (quando improvisou a letra para avisar ao assistente de palco que a correia de seu violão havia escapulido) e “Bolinha de Papel”, até que Renato e Vanessa voltaram para cantar “Doralice” (também de Dorival). O final trouxe três faixas fora do roteiro: “Saudades da Bahia”, com os cinco no palco, “Dindi” (apenas Dori e Alaíde, numa versão maravilhosa, que abriu o bis) e “Chega de Saudade”, que encerrou a uma noite de reverência ao maior nome de nossa cultura que, como Joyce lembrou, ousou imaginar um Brasil moderno: “João pra mim ainda hoje é um Brasil possível, um sonho de Brasil, um Brasil que deveria ter sido e que algum dia será”.
Chico César e Geraldo Azevedo bolaram a turnê Violivoz no início de 2020, planejando atravessar o Brasil apenas com seus instrumentos naquele fatídico ano em que todos nossos planos foram mudados na marra. Passados os anos mais críticos do início da década, os dois colocaram a parceria na estrada, que havia continuado mesmo à distância (quando, inclusive, compuseram canções “onlinemente”, como brincou o pernambucano), em outubro de 2021 e desde então vêm cruzando o país misturando canções de suas próprias carreiras solo em obras conjuntas, em que os violões e as vozes dos dois casam-se como se os dois sempre tivessem criado em dupla. Os dois encerraram sua minitemporada no Sesc Vila Mariana neste domingo e abriram o show já gastando seus maiores hits sem pensar duas vezes (Geraldo puxa sua “Táxi Lunar” e Chico vai de “Mama África”). Atravessaram as mais de duas horas de autocelebração, induzindo o público a uma celebração ritualística em forma de roda de violão – ou de serenata, como quando brincaram contando inúmeros causos durante a noite. Os dois estão numa ótima fase: Geraldo com quase oitenta anos e a mesma presença e voz de sempre, Chico chegando nos 60 com o eterno ar de pré-adolescente; os dois tocando violões afiadíssimos. Revisitaram inclusive o épico álbum Cantoria, que Geraldo gravou ao lado de Elomar, Vital Farias e Xangai em 1984, cunhando o pilar da música épica nordestina que funciona como um dos principais alicerces do espetáculo. Mas nada se compara ao ápice da apresentação, quando os dois instrumentistas bradam seus violões na hipnótica trança sertaneja que é esticada durante a introdução de “Bicho de Sete Cabeças”, colocando a música em um lugar central e imponente desta genealogia musical, num dos momentos instrumentais mais intensos dos palcos desta década. Esse show é uma joia – não o perca de vista.
Anna Vis lançou sua carreira fonográfica no dia em que fez o primeiro show desta nova fase, lançando seu disco de estreia, Como Um Bicho Vê, no palco do Sesc Vila Mariana exatamente no mesmo dia em que este viu a luz do dia. E, como o próprio disco, o show foi direto e convicto, com sua autora assumindo a força deste primeiro trabalho acompanhada da mesma dupla que a ajudou a transformar suas canções em fonograma – Marcelo Cabral e Maurício Takara -, que abriram seus respectivos baixo e bateria para que ela mostrasse suas composições desimpedidamente. Além da dupla, que também produziu o disco, ela ainda contou com a presença do diretor artístico deste trabalho, Romulo Fróes, que em vez de cantar a música que participa no final do álbum (a tensa “Moribundo”), preferiu cantar “Calada”, que leva a carrega o verso que batiza o disco – Anna retribuiu a participação puxando “Numa Cara Só”, de um dos discos que Romulo lançou ano passado, Aquele Nenhum. Mas o show era dela e mesmo com essas presenças ilustres, não baixou a cabeça e apresentou-se com a mesma firmeza do disco. Quase sem trocar palavras com o público, ainda intercalou as faixas com o longo poema “Sem Vacilação”, que, como no disco, espalhou pelo repertório – a diferença é que se, no disco,os pedaços do texto foram amparados pela colagem eletrônica do produtor carioca Mbé, no show Takara e Cabral improvisaram bases acústicas para que ela recitasse o texto, criando uma conversa dinâmica e ao mesmo tempo austera com suas canções incisivas e sensíveis.
Muita satisfação anunciar abertas as inscrições de um curso que venho acalentando com minha comadre designer capricorniana Maria Cau Levy sobre capas de discos, que acontece gratuitamente neste mês no Sesc Vila Mariana. Em A Arte da Capa do Disco, eu e ela apresentamos duas aulas complementares nos dias 24 e 26 a partir das 18h em que falamos da importância desta imagem que lança personalidades, apresenta transformações e consolida reputações, seja de artistas, produtores, gravadoras, fotógrafos e designers. Hoje elas podem ser apenas uma pequena imagem no aplicativo de música dentro do seu telefone celular, mas as capas de disco são ícones visuais da contemporaneidade tão presentes quanto cenas de filmes, cartões postais, logotipos de marcas e rostos emblemáticos. O curso “A Arte da Capa do Disco” conta a história de como elas se tornaram onipresentes desde a metade do século passado e como continuam importantes quase um século depois das transformações que mudaram a forma como elas são vistas e como o conteúdo que elas transportam passou a ser ouvido. Contamos essa história tanto do ponto de vista global quanto brasileiro e as inscrições podem ser feitas neste link.
Sesc Vila Mariana @ São Paulo
4 de novembro de 2022
Essa sexta-feira foi especial. Dia 4 de novembro de 2022 não foi apenas a primeira sexta-feira em anos que pudemos suspirar aliviados, mas também a data que o Mestre Ambrósio escolheu para retomar as atividades. Não é exagero dizer que é uma das voltas à atividade mais importantes da música brasileira recente. Mais do que um dos principais faróis do movimento que fez com que Recife voltasse ao mapa do mainstream brasileiro, o grupo pernambucano também é um dos principais responsáveis pela revalorização da cultura popular do país – aquela que não vende discos nem toca nas rádios, nem gera plays ou likes pela internet.
É uma cultura, como o próprio Siba explicou durante o primeiro show da volta, que aconteceu no Sesc Vila Mariana, que mantém-se viva a despeito de ter sobrevivido apenas com as sobras da riqueza que entregou ao país. Uma cultura que mistura linguagens, símbolos e etnias que normalmente são associadas ao oposto do conceito de progresso (esse “progresso” destruidor que normalizou uma figura tão abjeta quanto o futuro-ex-presidente), mas que, em sua essência, são a maior vanguarda cultural já produzida por aqui. Para além do mangue beat, o Mestre Ambrósio fez renascer o orgulho ao redor destas manifestações tão rica e vê-los de volta ao palco, vinte anos depois da separação que aconteceu no início do século, mantendo a mesma formação e energia que sempre mantiveram foi de encher os olhos.
Siba, Maurício Bade, Helder Vasconcelos, Sergio Cassinado, Eder O Rocha e Mazinho Lima estavam melhores do que nunca e estão retomando uma carreira que certamente correrá o Brasil num momento em que o país tanto precisa disso. O show foi emocionante em muitas camadas e, apesar dos ingressos já terem se esgotado, vale dar uma passada um pouco antes do show começar por lá, sempre tem algum ingresso que sobra… Não irá se arrepender – isso é história sendo feita.
Nesta terça-feira, dia 7 de dezembro, faço a mediação de mais um bate-papo com artistas sobre como transformar um disco em show. Depois de conversar com a Céu sobre seu Apká! e com Luiza Lian sobre seu Azul Moderno, agora é a vez de bater um papo com o BaianaSystem sobre como eles transformaram seu ótimo O Futuro Não Demora em Sulamericano Show, o show mais recente que fizeram. O papo acontece no canal do YouTube do Centro de Música do Sesc e vou conversar com o vocalista Russo Passapusso, o guitarrista Roberto Barreto, Filipe Cartaxo, responsável pela concepção visual do grupo e a iluminadora Ligia Chaim. O papo acontece a partir das 20h neste link.