Ainda mais extremo

O fim de semana começou pesado com mais uma sessão do encontro entre Test e Deaf Kids mais uma vez no Sesc Avenida Paulista. Em noite ainda mais cheia que a anterior, as duas duplas mais uma vez engalfinharam no alinhamento ruidoso que as une no disco Sem Esperanças, jogando tanto para o lado do Test (com a velocidade de tirar o fôlego do baterista Barata e o peso da voz e da guitarra de João Kombi) quanto do Deaf Kids (em que a guitarra e a voz de Douglas Leal se misturam com efeitos sonoros e synths, enquanto Sarine expande o ritmo com doses precisas de percussão, por vezes acompanhado do próprio Douglas no atabaque). Mas os melhores momentos são quando as bandas se fundem numa coisa só, tanto seus bateristas embalando viagens de pura percussão, quanto os guitarristas erguendo uma parede intransponível de som. É nítido que eles estão abrindo a fórceps uma fronteira nova, entre o ruído de vanguarda, um rock industrial ainda mais elétrico com doses improváveis de percussão e o peso vultoso do metal que serviu como berço para os dois grupos – e ver isso acontecendo ao vivo ainda abre novas dimensões, imperceptíveis em disco. Extremo.

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Um vácuo de descrenças

Inacreditável o encontro entre Test e Deaf Kids que aconteceu nesta quinta no Sesc Av. Paulista. Duas das principais forças do ruído extremo paulista há tempos jogam essa dobradinha, mas desde o ano passado se aproximaram ainda mais e, além de shows e turnês em conjunto, começaram a compor juntos um álbum que finalmente foi lançado esse mês – e que por enquanto está disponível apenas no Bandcamp. E por mais que Sem Esperanças seja um salto considerável na discografia dos dois grupos (além de um dos melhores discos brasileiros do ano), o encontro ao vivo dos dois abre outras dimensões de barulho e mostra que tentar rotulá-los como grindcore, thrash, noise ou vanguarda é limitar as fronteiras do ruído que eles apenas escancaram. Ao lançar o disco num Sesc, o grupo ainda pode trabalhar com condições de temperatura e pressão ideais e além de um equipamento de som e de luz de primeira, puderam contar com dois ases controlando as respectivas mesas – o implacável Berna reprocessando o som enquanto Mau Schramm improvisava camadas de cores a cada célula de som proposta pelos grupos. No palco, João Kombi do Test dividia a regência da avalanche de som com com Douglas Leal, usando sua guitarra e voz como quem doma uma tempestade invisível, enquanto o comparsa dos Deaf Kids trazia seus efeitos eletrônicos, vocais remixados e guitarra demolidora. No centro do palco, de frente um para o outro, os dois bateristas Sarine (do DK) e Barata (do Test) desviavam aquela nuvem de som para debaixo da terra, como se abrissem placas tectônicas marteladas à velocidade da luz. Ver o impacto sonoro niilista causado por aqueles quatro indivíduos no palco era como se assistíssemos a abertura de um portal interdimensional que nos levava a um vácuo de descrenças em que o som parece ser a única forma de contato com a própria existência, sempre a partir de seus extremos. Um atordoo de sentidos propício ao dia histórico que foi essa quinta-feira. “E amanhã é Bolsonaro na cadeia, caralho!”, desabafou Douglas no final de mais de uma hora de som. E nessa sexta-feira tem mais.

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Choque de som

Em sua passagem por São Paulo nesta sexta-feira, o duo ítalo-brasileiro Hate Moss atordoou o público que foi assisti-lo com sua fusão agressiva e envolvente de dance music eletrônica com rock industrial. Formado pelo baterista italiano nascido no Brasil Ian Carvalho, que conheceu sua parceira de banda Tina, que toca sintetizadores e eletrônicos, quando os dois trabalhavam com produção cultural, a dupla forjou a sonoridade que hoje exploram ao mesmo tempo em que se desprenderam de raízes territoriais, vivendo uma vida nômade que os leva a shows pela Europa, América do Sul e Oriente Médio. Esta série de shows que trouxeram para o Brasil antecipa o novo álbum que será lançado no ano que vem e tem como base o EP Mercimek Days, uma live que fizeram em Istambul, na Turquia, que foi lançada como disco no meio de 2025, quando também estão experimentando novas canções, como o funk brasileiro que fizeram com letra em português e tocaram no bis de sua apresentação.

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Quando a Cavala encontrou o Crocodilo

O encontro de Maria Beraldo e Arrigo Barnabé no palco que aconteceu neste sábado, no Sesc Avenida Paulista, é uma grande ideia, para começar, conceitual. Parte do encontro Travessia, idealizado por Caroline Zitto e dirigido pelo Curumin, a apresentação foi a segunda noite do evento, no dia seguinte à da dupla Di Melo e Jadsa e no dia anterior à junção de Yma e Maurício Pereira. O alinhamento cósmico Arrigo e Beraldo não é novidade, só ganha outros contornos em 2025, quando a compositora catarinense já tem sua carreira solo consolidada (com o ótimo segundo disco Colinho, lançado em 2024) e não mais como integrante da banda do mestre Crocodilo. Sem acompanhamentos, os dois se confrontaram com vozes e instrumentos – Arrigo sentado ao piano elétrico, Beraldo alternando-se entre ficar sentada ou de pé para tocar clarinete ou guitarra. Os dois começaram com um envolvente número instrumental (ele ao piano, ela no clarinete) e foram para a chuvosa (num sábado igualmente chuvoso) “Cidade Oculta” de Arrigo emendada com uma versão deslumbrante para “Ninfomaníaca” do disco mais recente de Maria, que Arrigo aproveitou para recitar a tradução que Augusto de Campos fez para o Canto I do Inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Ele deixou o palco e ela seguiu só na guitarra, quando puxou sua “Da Menor Importância”, de seu primeiro disco, Cavala, emendou um solo de clarinete (enquanto fazia sua guitarra rugir com os pés) que transformou-se em uma versão cacofônica de “Rainha” para chegar à melodia plena da fatalista “Baleia”. Arrigo voltou ao palco quando sozinho ao piano visitou Itamar Assumpção (“Noite Torta”), Carlos Drummond de Andrade (ao recitar de pé “Relógio do Rosário”) e um número instrumental, antes de trazer de volta sua pupila e entraram juntos na parte final do show. Esta veio com a mistura de “Diversões Eletrônicas” com “I Can’t Stand My Father Anymore”, que foi sensacional, e descambou a dupla final do show, quando visitaram as clássicas “Sabor de Veneno” e “Clara Crocodilo” para a encerrar a apresentação lá no alto e num lugar familiar aos dois, numa boa amostra do que foi essa noite mágica.

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O novo trio de Jon Spencer é uma avalanche

Alguém anotou a placa do caminhão? O show que a nova banda de Jon Spencer fez nesta quinta-feira no Sesc Avenida Paulista não foi apenas uma aula de rock’n’roll, com o guitarrista que marcou a história do rock alternativo nos anos 90 à frente do trio Blues Explosion puxando referências que iam do country ao gospel, do punk ao blues, do doo-wop ao noise, enfileirando seus curtos blues elétricos em altíssima velocidade como amostras de capítulos importantes da história do rock protagonizados por figuras que não chegaram ao estrelato nem flertaram com o showbusiness, vivendo à margem da indústria da música como instrumentistas de estrada. Influenciado pela urgência de estar próximo ao público da cena punk americana dos anos 80, Jon Spencer se joga a cada microcanção, seja cuspindo palavras de ordem, rugindo grunhidos que esfacelam palavras ou disparando riffs como alvos a serem metralhados pelos dois músicos que o acompanham, o intenso e psicótico Macky “Spider” Bowman na bateria e a arma secreta da noite, a impressionante baixista Kendall Wind, ambos da banda Bobby Lees. “Os conheci há oito ou nove anos, quando sua antiga banda abriu para o Boss Hogg. Eles eram muito jovens naquela época, adolescentes, e Kendall e Mackie tocam juntos desde os 12 anos e eles me chamaram para produzir um disco deles – quando fiquei especialmente impressionado com Kendall e sua musicalidade e seu entusiasmo e abertura para tentar coisas novas”, ele me contou em entrevista por telefone antes do show. “Anos depois produzi um disco da dupla Jesse Dayton e Samanta Fish e eles me chamaram para fazer uma turnê, e minha banda na época, os Hitmakers, meio que havia parado em 2022. Foi quando lembrei de Kendall e que os Bobby Lees estavam em um hiato, meio que tinham terminado. Chamei Kendall e topou, além de ter sugerido Mackie para a bateria e eu só queria uma seção rítmica, sair como um trio, pra tocar músicas da minha carreira, do Blues Explosion, do Boss Hog, do Pussy Galore, dos Hitmakers e algumas versões.” A química invejável do trio traduz-se numa avalanche de rock em que o baixo de Kendall parece conduzir tudo a partir de riffs e solos, com muitas notas agudas, enquanto o baterista demole seu kit e Jon rege a multidão com gritos guturais, chamados da selva e urros vindo das vísceras, enquanto usa sua guitarra como batuta para mudar completamente de uma música para a outra, enquanto se joga no palco numa performance que nos faz esquecer que ele tem mais de 60 anos de idade, chegando inclusive a atacar a minha câmera, numa mise-en-scene que já tinha feito no show de quarta, com o celular de alguém da plateia. O grupo segue tocando nessa sexta em Jundiaí e ainda tem uma data em Buenos Aires e outra em Santiago, onde gravarão algumas músicas que compuseram com essa formação. “Kendall e Mackey são mais novos que meu filho e são ótimos músicos e cheios de energia, e não apenas física, mas positiva”, continuou na entrevista. “Eles estão muito interessados ​​em trabalhar, são muito abertos à experimentação e a tentar coisas novas. E trabalham muito duro e funcionamos bem como uma banda. Somos capazes de nos comunicar. Estou muito feliz em trabalhar com eles.” Dá para notar.

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Agora vai: Jon Spencer em São Paulo!

Marcelo Costa manda avisar que já sabe das datas do Jon Spencer na América do Sul em abril, quando ele passa por Buenos Aires (dia 1°, no Niceto Club), São Paulo (dias 2 e 3, no Sesc Avenida Paulista), Jundiaí (dia 4, no Sesc Jundiaí) e em Santiago (dia 6, no Blondie). Em breve novidades sobre as datas das vendas de ingressos por aqui. Os ingressos começam a ser vendidos online a partir do dia 25 de março, neste link.

Estreia de tirar o fôlego

Soberba a apresentação de estreia que Nina Maia fez de seu recém-lançado disco Inteira no Sesc Avenida Paulista, quando trouxe uma versão de gala do formato que vem mostrando desde o início do ano: além de seu teclado teve um piano de cauda, além da viola de Thales Hashiguti, contou com a voz e o violoncelo da amiga e parceira Francisca Barreto e aproveitou ter a cozinha do grupo Os Fonsecas – Valentim Frateschi no baixo e Thalin na bateria – para trazer uma das canções deste último para o palco. Ela foi mostrando o disco lentamente, primeiro sozinha em primeiro plano acompanhada apenas de efeitos sonoros, depois tocando o teclado no centro do palco enquanto os outros músicos faziam suas entradas, deixando suas canções, que soam clássicas e modernas ao mesmo tempo, com um peso físico que no disco é filtrado por timbres eletrônicos. Com vídeos em P&B em alto contraste no telão pilotado por Danilo Sansão e com as luzes finas tocadas pela dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez), o show teve seu ponto alto quando Nina emendou sua épica “Salto de Fé” com “Todo Tempo do Mundo” do disco Maria Esmeralda, quando o baterusta autor da canção original soltou sua voz na frente do palco para cantar uma versão inacreditável do hit. Uma estreia de tirar o fôlego.

Assista abaixo:  

Fechando o livro

Encerramos o curso Bibliografia da Música Brasileira nessa quinta-feira, quando repassamos os principais temas abordados nas sete aulas anteriores e apontando quais são os 30 livros mais importantes para entender o estado da música brasileira no século 21 a partir da evolução de publicações dedicadas ao tema. Ficamos tão satisfeitos com o resultado e a participação da turma que eu e Pérola pedimos pra tirar uma fotos com todos, que nos acompanharam nestes dois meses. Obrigado a todos!

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Livros no Brasil

Na penúltima aula do curso Bibliografia da Música Brasileira que eu e Pérola estamos ministrando no Sesc Avenida Paulista, resolvemos falar sobre o porquê da imensa maioria de livros sobre o tema terem sido publicado nos últimos 25 anos e achamos inevitável falar sobre a história do livro e do mercado editorial no Brasil como um todo antes de falarmos sobre a produção sobre música brasileira do século 21. Voltamos aos tempos da chegada da coroa portuguesa ao Brasil, no início do século 19, como marco inicial deste mercado no país, algo que aconteceu muito depois do início de outros mercados latino-americanos (como o mexicano e o argentino) que datam do início da colonização da América, no século 16. Falamos sobre a criação das políticas públicas em relação ao livro desde o início do século 20 até o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pela criação do Ministério da Cultura e pela expansão do mercado editorial e das grandes cadeias de livros na virada do século até chegar ao momento atual, em que tanto a introdução da internet e das tecnologias digitais neste mercado quanto a explosão da produção acadêmica nos primeiros governos Lula ajudaram a impulsionar o universo em que habitamos hoje, com editoras de nicho explorando temas como artistas e movimentos musicais que nunca foram esmiuçados no século 20, editoras de médio porte lançando coleções dedicadas à música e grandes editoras embarcando em projetos biográficos estimulados pelos próprios artistas. Na próxima aula encerramos o curso destacando as obras que consideramos primordiais para entender a música no Brasil.

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Livros eletrônicos

Na sexta aula do curso Bibliografia da Música Brasileira, que eu e Pérola estamos dando no Sesc Avenida Paulista, finalmente entramos no século 21 mostrando como a internet ampliou o número de focos e pólos de nossa música ao mesmo tempo em que novas cenas surgiam a partir das novas tecnologias digitais que entravam nas rotinas tanto dos artistas quanto do público. Voltamos um pouco no tempo para falar sobre mangue beat e música brega (citando autores como José Teles, Lorena Calábria, Paulo César de Araújo e Ronaldo Lemos) e como estas duas cenas estavam apontando para as transformações que viriam após a chegada da internet. Com o novo século, puxamos uma tese do livro O Som e o Sentido de José Miguel Wisnik e encaixamos com a do livro Música de Montagem de Sérgio Molina para falar sobre a mudança do formato canção e como a nova cena musical brasileira vem sendo retratada em livros cada vez mais raros.

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