Retrospectiva OEsquema 2012: Django Unchained

, por Alexandre Matias

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A segunda década da filmografia de Quentin Tarantino não repetiu a atuação esplendorosa da primeira. Foi quando ele resolveu sair dos anos 70 de Scorsese, da blaxploitation e de Peckinpah para dedicar-se a filmes de gênero, em épicos de mentira como Kill Bill, À Prova de Morte ou Bastardos Inglórios. Por melhores que sejam estes filmes, eles não deixam escapar uma sensação de que tudo ali é de mentirinha, inclusive as altas aspirações cinematográficas. O excesso de referências pop tira o ar de filme japonês que deveria atravessar os dois volumes de Kill Bill, Deathproof celebra o filme de quinta categoria e Bastardos Inglórios é mais divertido porque você sabe quem é o Brad Pitt fora do cinema de Tarantino. Tudo que antes aspirava ao primeiro escalão em seu cinema nos anos 90 (a cena da tortura ou o Pietá de Cães de Aluguel, a edição rápida de Pulp Fiction, a abertura de Jackie Brown) cai para a paródia, a caricatura, a desfaçatez. Não que Django Unchained não tenha seus momentos de puro humor idiota ou escolha o lado para quem torce, mas sua fotografia classuda, seus personagens densos e, principalmente, sua longa saga de vingança mostram que o velho Quentin entrou em uma nova fase. Se Bastardos Inglórios partia do grande cinema (segunda guerra mundial, Sergio Leone) para transformar tudo – literalmente – numa sessão da tarde, Django faz o caminho inverso e mexe nas entranhas do faroeste mais vagabundo para içá-lo ao patamar de John Huston. Longas tomadas em ritmo lento dão o tom de todo o filme, bem como o sangue de desenho animado que explode a cada vilão alvejado e a dor agressiva imposta a seus protagonistas negros. A quantidade de “niggas” – uma palavra que, para o público norte-americano, pesa muito mais que o “preto” dito em português – dita pelas quase três horas de Django é suficiente para constranger qualquer aspirante a bom moço, mas assisti ao filme em uma sessão no dia da estréia, coalhada de negros nova-iorquinos num cinema no Village, e todos riam alto – inclusive do maldito personagem de Samuel L. Jackson, talvez em sua melhor atuação. E ao cutucar um tema complicado (a escravidão) com toques de ultraviolência (perceba a referência à Laranja Mecânica na cena em que toca “Für Elise”), Tarantino finalmente deixa de ser um enfant terrible para colocar em si mesmo a coroa do primeiro escalão. Isso sem abandonar suas marcas registradas, como o copy+paste cinematográfico, uma trilha sonora tão presente quanto um novo personagem e diálogos extensos, cheios de referência, humor adolescente e o prazer em representar graficamente a dor. Antes de assisti-lo, os melhores filmes do ano (Drive, Cosmópolis e Holy Motors) tinham o carro como personagem central – todos ultrapassados pelo galope firme de um espécime exemplar dessa raça chamada cinema. Não foi à toa que a sessão terminou com aplausos.

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