Raul Seixas nasceu 80 anos atrás
Mais uma vez fui chamado pelo Toca UOL para escrever sobre música e desta vez o assunto foi a importância de um dos maiores nomes de nossa cultura, que completaria 80 anos se estivesse vivo neste sábado. Raul Seixas é mais do que a personificação do rock brasileiro e sua obra transcende discos e canções.
Raul Seixas, 80: mais do que causos, principal obra do cantor é ele mesmo
O legado de Raul Seixas vai para muito além do rock – e também da música brasileira. Sua contribuição para a cultura nacional transcende a trajetória irregular, os álbuns da fase clássica, as idiossincrasias e polêmicas, a parceria com Paulo Coelho e os hits imortais que o transformaram em um dos principais nomes do rock brasileiro – rivalizando apenas com Rita Lee no topo deste cânone. Mas estes elementos são apenas ingredientes para sua principal obra: ele mesmo.
O personagem Raul Seixas – vivido intensamente pelo baiano Raul Santos Seixas, nascidos há 80 anos no dia 28 de junho de 1945 – é parente de outros contemporâneos, como John Lennon, Mick Jagger, Jim Morrison e a própria Rita Lee, personas públicas criadas por artistas nascidos nos anos 40 que se transformaram em celebridades que moldaram o comportamento da primeira geração de adolescentes autoconscientes deste momento em suas vidas.
Mas ao contrário da maioria de seus contemporâneos, o interesse original de Raul não era a música, embora tivesse fundado o primeiro fã clube de Elvis Presley de Salvador, uma gangue de amigos que se fantasiava de jaquetas de couro e topetes esculpidos com gumex e saía pela noite da capital baiana em busca de confusão. Ele queria contar histórias e tinha como um de seus principais ídolos o escritor conterrâneo Jorge Amado. Mas a música – na figura de Jerry Adriani – fez seu chamado e Raul foi para o Rio de Janeiro, quando começou a trabalhar primeiro nos bastidores do mercado de música.
Conheceu alguns dos nomes da Jovem Guarda e começou a compor letras para nomes como Renato e Seus Blue Caps, Ed Wilson e o próprio Jerry Adriani, que lhe conseguiu o emprego na CBS.
Passou a produzir outros artistas, como Diana, Edy Star e Tony & Frankie, o que lhe abriu caminho para compor, ao lado de Leno, da dupla Leno e Lílian, o disco conceitual “Vida e Obra de Johnny McCartney”, o primeiro disco brasileiro gravado em oito canais, com participações de artistas como Trio Ternura, A Bolha, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Marcos Valle e o próprio Raul, chamado então de Raulzito Seixas. Mas por abordar temas como reforma agrária, tortura, drogas e repressão, o disco de 1971 foi censurado pela ditadura militar da época.
A censura também bateu de frente com outro disco, quando resolveu lançar-se como artista com o ousado disco coletivo “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10”, que assinava ao lado de Sérgio Sampaio, Edy Star e Míriam Batucada. Inspirado no “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, o álbum conceitual também teve problemas com a ditadura militar e foi recolhido após dois meses de seu lançamento.
Estas experiências ajudaram Raul a entender o que poderia funcionar ou não no cenário brasileiro dos anos 70 e quando lançou seus primeiros discos solo, usou esse conhecimento para surfar no inconsciente coletivo nacional, tornando-se sinônimo de roqueiro brasileiro – pecha que o acompanha até hoje.
Mas com os primeiros discos lançados pela gravadora Philips – especialmente “Krig-Ha Bandolo! “(1973), “Gita” (1974), “Novo Aeon” (1975) e “Há 10 Mil Anos Atrás” (1976) -, ele não apenas tornou-se um novo fenômeno do rock brasileiro, um sucesso musical como também tornou-se o contador de histórias que queria ser quando era mais novo, alternando rocks grudentos de fácil apelo popular a épicos quilométricos e existencialistas, com referências esotéricas e ocultistas.
Tais referências acabaram por fazê-lo viver demais o personagem que havia criado, entregando-se a experimentos comportamentais que acabaram por sacrificar sua própria carreira. Mesmo nos anos 80, quando já não estava em sua melhor fase, reuniu mais de 100 mil pessoas em um show na praia em Santos e emplacou alguns hits, inclusive “Carimbador Maluco”, num programa infantil da Rede Globo.
Problemas com álcool e drogas e a fama de criar polêmica, acabaram por isolá-lo no mercado da música, tornando-o persona non grata, mesmo que tenha, no último ano de vida, feito dezenas de shows em parceria com o novo amigo Marcelo Nova, do grupo baiano Camisa de Vênus, com quem lançou seu último disco, em 1989, dois dias antes de morrer, com apenas 44 anos.
Mas seu legado já tinha sido deixado e a fama de criar confusão para chamar atenção para o próprio trabalho misturou-se com boa parte da produção do rock brasileiro, tornando Raul praticamente a personificação deste gênero – algo que qualquer influenciador digital usa atualmente sem nem imaginar que foi influenciado por ele. E seu rosário de sucessos não é apenas invejável para qualquer compositor – músicas densas e longas alternadas com outras que vão direto ao assunto, como pede a urgência do rock -, como também é uma compilação de sucessos que poucos artistas brasileiros podem equiparar-se.
Bom ver que, passadas oito décadas de seu nascimento e outras seis depois de começar a trabalhar com música, a importância de Raul segue firme, inspirando séries de TV, exposições, peças e, claro, o trabalho de novos artistas. Mesmo que tenha passado maus bocados em vida, sua riqueza espalha-se pela cultura brasileiro como o encanto que ele soprou sobre o país, ao assumir-se como um mago da música pop.
Tags: frila pro uol, raul seixas, uol