“Se o prosseguimento se dar de fato, colaborar com composições seria uma consequência natural”, me contou Gilberto Gil em entrevista que foi publicada nesta sexta-feira noo UOL sobre o show que o mestre fez com o grupo BaianaSystem neste domingo, que chama de “forma evidente de resistência”. “A grande surpresa do encontro, pra mim, pelo menos, quando eu vi o jeito que os meninos faziam as reprogramações das minhas músicas pro estilo deles, dava uma sensação mais de reencontro do que de primeiro encontro, um reencontro com novos discípulos” – leia a íntegra desta conversa lá no UOL.
O encontro de Gilberto Gil e BaianaSystem em Salvador foi histórico – escrevi sobre esta noite em mais uma colaboração para o UOL.
Ainda abalado pela notícia da morte de João Gilberto, fui chamado pelo UOL para escrever sobre a importância do mestre no momento de sua partida – leia lá a minha análise.
Alma d’O Rappa e um dos principais ativistas de nossa música neste século despediu-se deste plano – escrevi sobre sua importância a pedido do UOL.
É triste a partida de Marcelo Yuka neste momento da história do Brasil. Embora sempre associado ao grupo O Rappa e ao incidente que o deixou preso a uma cadeira de rodas pelo resto da vida, o compositor e baterista, que morreu nesta sexta-feira (18), reconstruiu sua vida para além deste trecho de sua biografia. Foram sete anos com a banda e 18 depois de sua saída. E uma de suas maiores frustrações era ver a ascensão do fascismo à rotina de nosso país, normalizando a violência e tirando o ódio do armário dos brasileiros.
Ele é um dos personagens-chave na música pop do fim do século passado que ajudou o legado cultural brasileiro do período ir além das monoculturas industrializadas da axé music, do sertanejo e do pagode, puxando temas importantes para serem discutidos em canções que poderiam ser simples hits vazios. Sua presença no grupo O Rappa, que ajudou a fundar no início dos anos 90, era mais importante do que seu papel como músico ou compositor, cargo que dividia com seus companheiros de banda.
Yuka era um ativista da arte e sabia da importância da política nos pequenos atos do dia a dia. Pertencia a uma geração disposta a contar a história das ruas em canções que vão para os rádios, como a Nação Zumbi de Chico Science e os Racionais MC’s de Mano Brown. Juntos, os três delimitaram um território musical no imaginário musical brasileiro que via o levante cultural de uma nova periferia como o começo de um rascunho de um novo país.
“Da Lama ao Caos” (a estreia da Nação Zumbi em 1994), “Sobrevivendo no Inferno” (o disco-manifesto que os Racionais lançaram em 1997) e “Lado B Lado A” (o disco d’O Rappa de 1999 dirigido por Yuka) criaram, através da música, uma nova consciência de classe e uniram diferentes focos do público ouvinte brasileiro que não se identificava com o romantismo escapista do pop que tomava conta das rádios da época.
“Lado B Lado A” é um dos grandes discos de nossa música e a responsabilidade é toda de Yuka, que colocou em prática o que sabia em teoria: a música poderia ter um impacto na vida das pessoas para além da simples diversão. Nos discos anteriores (o homônimo álbum de estreia, de 1994, e “Rappa Mundi”, de 1996), o baterista já se destacava como o principal compositor da banda, assinando letras que sintetizavam sua consciência social, como “Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro”, “Fogo Cruzado”, “Brixton, Bronx ou Baixada”, “Catequeses do Medo”, “Pescador de Ilusões”, “A Feira”, “O Homem Bomba” e a versão da letra de “Hey Joe”, imortalizada por Jimi Hendrix.
Sem as canções de Yuka, O Rappa, que foi montado às pressas para acompanhar o cantor jamaicano Pato Banton em uma turnê em 1993, talvez nem existisse –ou se existisse seria menos relevante que outros grupos de reggae no Brasil, como Cidade Negra ou Tribo de Jah.
Com Yuka, O Rappa era um colosso. Em seu terceiro disco, Yuka ia além e afundava ainda mais o dedo na ferida brasileira, em canções imortais como “Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, “Cristo e Oxalá”, “Me Deixa”, “Tribunal de Rua” e “O Que Sobrou do Céu”, transformando O Rappa em uma potência musical de fortes matizes políticas, como alguns dos artistas que inspiraram o baterista, como Bob Marley, Public Enemy e The Clash.
Mas foi drasticamente interrompido quando, no dia 9 de novembro do ano 2000, ao tentar parar um assalto que testemunhara no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, Yuka foi vítima de uma chuva de 15 tiros disparados contra seu carro. Um deles atingiu uma de suas vértebras, deixando-o paraplégico. Mas nem as balas foram o suficiente para pará-lo e o músico seguiu com a banda, mesmo sem poder tocar mais bateria.
Lembro de uma noite memorável no Recife, no primeiro dia do festival Abril Pro Rock de 2001, num dos últimos shows com o músico – já cadeirante – na banda, quando dividiram o palco com a Nação Zumbi e o grupo anglo-indiano Asian Dub Foundation e a tensão política atingia o mesmo clímax que a potência musical dos três grupos reunidos. Yuka deixou O Rappa naquele mesmo 2001, insatisfeito com o rumo que seus ex-companheiros queriam dar para a banda. Ele lamentava que o grupo, que encerrou suas atividades em 2017, mantinha-se como “a maior banda cover de si mesmo do Brasil”, sobrevivendo de um repertório que o baterista havia composto duas décadas antes.
A partir de então, ele passou a se dedicar a seu projeto solo, que logo virou um grupo. Resumido na sigla F.Ur.T.O. (Frente Urbana de Trabalhos Organizados), ele seguia a fusão de rap, rock, reggae e punk d’O Rappa acrescentando funk, dub e música eletrônica à mistura, ao lado do guitarrista carioca Maurício Pacheco (ex-Mulheres Q Dizem Sim e Stereo Maracanã) e dos pernambucanos Alexandre Garnizé (do grupo de rap Faces do Subúrbio) e Jamilson da Silva (da banda de DJ Dolores Orchestra Santa Massa). Seu único disco, “Sangueaudiência”, foi lançado em 2005.
O F.Ur.T.O. também o engajou definitivamente em causas sociais e ele era uma voz constante na periferia, sempre lutando pelo desarmamento e pelo diálogo junto aos mais desassistidos pelo estado. Sua luta política foi para a prática: além de filiado ao PSOL, Yuka também foi candidato a vice-prefeito na chapa liderada por Marcelo Freixo, em 2012. Antes disso, foi assunto do documentário “Marcelo Yuka no Caminho das Setas”, dirigido por Daniela Broitman, em 2011, quando tentou, sem sucesso, encontrar-se com os assaltantes que lhe fizeram vítima, e depois lançou sua versão para os fatos na biografia “Não Se Preocupe Comigo”, assinada ao lado do jornalista Bruno Levinson, em 2014.
Em 2017, Yuka lançou seu primeiro disco solo, “Canções para Depois do Ódio”, que contava com participações das cantoras Céu e Cibelle e lidava com o tema da depressão, que o atacou após o incidente de 2001. Sempre engajado, detectou o início da onda reacionária no Brasil quando o público vibrava ao ver os bandidos mortos no filme Tropa de Elite, de 2007, e numa entrevista na TV com um ator global que se gabava de não ler nem nunca ter feito teatro. “Ele só teve coragem (de falar isso) porque existe um pensamento burro no ar que o respalda”, disse em uma entrevista de 2014.
Por isso mesmo é triste saber que ele partiu deste plano sabendo que a lógica oposta à que sempre trabalhou chegou ao poder justamente por orgulhar-se de sua abjeção. Fica, no entanto, seu legado.
Sem conseguir ficar de pé, Phil Collins faz um ótimo show no estádio do Palmeiras neste sábado em São Paulo – que, de quebra, teve um Pretenders afiadíssimo. Escrevi sobre as apresentações lá pro UOL.
Morta nesta segunda-feira, a vocalista do Cranberries fazia pop simples, sem rótulos – escrevi sobre ela pro UOL.
O UOL reuniu seus colaboradores para escolher as melhores produções do ano – e estes são os meus cinco escolhidos:
1) Twin Peaks: O Retorno
A terceira temporada da série que moldou a atual era de ouro da televisão faz o caminho inverso e ergue-se como um ousado e ambicioso filme de 18 horas, que certamente já mudou os rumos da produção audiovisual deste século. Se foi vaiado em Cannes há vinte e cinco anos ao lançar seu então incompreendido Os Últimos Dias de Laura Palmer (um de seus filmes mais aterradores e consistentes, além de peça-chave na versão 2017 de sua obra-prima), David Lynch dá o troco ao estrear uma produção de emissora de TV com distribuição via Netflix no mesmo festival francês, numa obra que critica inclusive os efeitos colaterais da nostalgia e dos remakes na produção cultural atual. E como não amar o agente Cooper?
2) Corra!
Um filme de terror em que o monstro não é sobrenatural e que coloca o racismo como uma psicose social tão assustadora quanto a dos piores serial killers, Corra! tem camadas e camadas de entendimento e percepção e consegue fundir diferentes gêneros cinematográficos para criar uma obra que é ao mesmo tempo leve e divertida quanto pesada e perturbadora.
3) No Intenso Agora
João Moreira Salles continua dissecando a própria biografia para expor os contrastes e contradições de nossos tempos, desta vez com foco em como o ano de 1968 aconteceu em diferentes partes do mundo. Não é tão brilhante quanto seu Santiago, lançado há dez anos e talvez sua obra-prima, mas fala tanto sobre as expectativas e frustrações dos anos 60 quanto o momento político e social que vivemos hoje.
4) Em Ritmo de Fuga
Edgar Wright esmera-se ao derrubar barreiras entre gêneros cinematográficos, fundindo comédia, filme de ação, musical, policial e romance em seu melhor filme, provando que já se apropriou do bastão cinematográfico inglês que um dia foi de Danny Boyle. E o novato Ansel Elgort prova que é mais do que um ator juvenil em ascensão.
5) Blade Runner 2049
Denis Villeneuve conseguiu fazer o impossível três vezes: materializou a tão aguardada continuação do épico de Ridley Scott, tornou-a palatável e ao mesmo tempo tão complexa quanto a produção original e ampliou a estética de cores frias e ambientes fechados para tomadas amplas a céu aberto com cores quentes. Não é, no entanto, nem de longe a melhor ficção científica do século (título que ainda é de Filhos do Amanhã, de Alfonso Cuarón, de 2006) nem seu melhor filme (A Chegada, do ano passado, é muito mais ousado e mais intenso), embora mantenha o legado do Blade Runner original intacto.
A relação completa com todos os filmes do ano escolhidos pelo UOL está aqui.
Na minha cobertura do Rock in Rio para o UOL, escrevi sobre como a ausência de Lady Gaga tirou o gosto da primeira noite do festival em 2017
Não esqueci de falar do quadragésimo aniversário do primeiro filme da saga Guerra nas Estrelas, que aconteceu no final do mês passado – é que eu dei uma entrevista para o Nexo numa matéria especial feita pelo Camilo e escrevi um texto sobre os filmes que os fãs fizeram inspirados na série dentro do especial que o UOL fez sobre o aniversário do marco zero da franquia.
Mas só enquanto estou de férias, já volto.