Ícone do cinema francês e sinônimo de beleza masculina no século 20, Alain Delon foi para o outro lado neste domigo. Recluso há alguns anos, ele foi um dos principais protagonistas de uma geração de artistas europeus que reinventaram o cinema no continente e foi dirigido por mestres como Luchino Visconti, Louis Malle e Michelangelo Antonioni. Protagonista clássicos como O Sol por Testemunha, Rocco e Seus Irmãos e O Leopardo, tornou-se um dos maiores ícones da cultura francesa moderna e sua morte impacta também na forma como vemos – ou esquecemos – seu país no século 21.
Personagem único na história do Brasil, Sílvio Santos, que morreu neste sábado, misturava dois papéis que normalmente andam separados na cultura brasileira: era um homem de negócios, de bastidores e das sombras ao mesmo tempo em que era protagonista, estrela e comunicador. Empresário de si mesmo, transformou-se num produto que era a melhor propaganda de seu negócio e quando chegou ao ápice, durante a ditadura militar, assumiu ser um manipulador de opinião pública que fazia isso descaradamente. Enquanto todos os magnatas da comunicação no mundo escolhem seus testas de ferro para emplacar sua visão de realidade, Sílvio Santos fazia isso ele mesmo, misturando ares de gestor, self-made-man e popstar. Uma figura tão carismática quanto vil, tão amada quanto odiada, igualmente puxa-saco e idolatrado, num retrato deformado – e de alguma forma fiel – à natureza social do brasileiro.
Morreu uma das maiores atrizes de todos os tempos. Gena Rowlands é autora de uma das maiores atuações da história do cinema, quando interpretou a protagonista do clássico Uma Mulher Sob a Influência (1974), dirigida por seu marido à época, o mitológico John Cassavetes, de quem era, além de esposa, sua musa – juntos fizeram 10 filmes, entre eles outro grande momento da carreira da atriz, no final Glória (1980). Atriz de teatro que desbravou o cinema e a TV, ela também ficou conhecida pelo público mais recente a partir do filme Diário de Uma Paixão (2004), dirigida por outro Cassavetes, Nick, seu filho, ao interpretar uma mulher mais velha que sofria de Alzheimer. Ironicamente, o próprio Nick foi quem tornou pública a condição de sua mãe, que há cinco anos sofria deste mesmo mal, e que pode ter abreviado sua vida, embora a causa da morte não tenha sido revelada.
Morreu nesta segunda o grande Márcio Souza, o maior intelectual amazonense, que atuou tanto como autor (escreveu livros que deveriam ser literatura obrigatória para entender o Brasil da segunda metade do século 20, como Mad Maria, Galvez – O Imperador do Acre , A Caligrafia de Deus, Operação Silêncio, O Fim do Terceiro Mundo, Amazônia Indígena e meu favorito A Ordem do Dia, em que ele mistura extraterrestres com a política brasileira, combustão espontânea e poltergeist com a KGB, o SNI e a CIA, antevendo, em forma de diário, a confusão entre realidade e fantasia do jornalismo sensacionalista que hoje pauta a política irracional de direita), dramaturgo (escreveu as peças As Folias do Látex, A Paixão de Ajuricaba e Carnaval Rabelais), cineasta (filmou A Selva) e gestor cultural (foi presidente do Conselho Municipal de Política Cultural em Manaus, presidente da Funarte e diretor da Biblioteca Nacional). Estudou Ciências Sociais na USP e atuou como jornalista, escrevendo contos e críticas para publicações como Senhor, Status, Folha de S. Paulo e A Crítica. Foi professor assistente na Universidade de Berkeley e residente nas universidades de Stanford, Austin e Dartmouth, além de atuar como diretor da Biblioteca Pública do Amazonas, cargo que ocupava até sua morte. Um dos grandes nomes da cultura brasileira, foi escritor popular nos anos 70 e 80, reconhecido internacionalmente, mas infelizmente ofuscado pela passagem do tempo. O resgate de sua obra e de seu legado torna-se mandatório, principalmente à luz de sua morte repentina. Uma perda e tanto.
Demorou mais tempo que devia, mas finalmente esse desgraçado empacotou. Não apenas assinou o AI-5, que transformou a ditadura militar numa carnificina como disse, em 2021, que assinaria de novo. Maldito.
Rubens Antônio da Silva, mais conhecido como Caçulinha, nos deixou no inicio desta semana. O multiinstrumentista tornou-se um nome nacional ao assumir a direção musical e o papel de principal coadjuvante do programa Domingão do Faustão, desde que o apresentador Fausto Silva saiu do Perdidos na Noite da Bandeirantes para a TV Globo — e o levou a tiracolo. Mas quando isso aconteceu, há quase 40 anos, ele já tinha escrito seu nome na história da música brasileira ao colaborar com praticamente todos os grandes nomes deste cânone, de João Gilberto a Luiz Gonzaga, passando por Roberto Carlos, Elis Regina, Gonzaguinha, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Jair Rodrigues, Erasmo Carlos, Wilson Simonal, Dominguinhos, Maria Bethânia e Milton Nascimento, além de ter feito parte da história de nossa TV em programas como Essa Noite se Improvisa, Os Trapalhões, Balão Mágico, Raul Gil, Clube do Bolinha, Almoço com a Estrelas, A Praça é Nossa e o programa do Ratinho. Estava internado há dez dias, recuperando-se de um infarto.
Perdemos um dos maiores artistas populares do Brasil, o xilógrafo pernambucano J. Borges, que também fez fama como cordelista, poeta e pintor. Dono de um estilo que consagra uma tradição secular, ele também levou a literatura de cordel a um patamar impensável no início do século passado, quando começou a exercer a sua arte, tornando a xilogravura nordestina uma referência mundial. Um mestre.
Se hoje ouvimos blues com toda essa reverência, não há dúvidas que John Mayall, que nos deixou nesta terça-feira, tem uma forte importância nisso. Mais do que fundador de uma das principais bandas do revival de blues que assolou Londres no início dos anos 60 – o John Mayall’s Bluesbreakers -, o guitarrista inglês era um dos principais entusiastas do resgate do gênero musical norte-americano em seu país, a ponto não apenas de incentivar novos talentos como a descobrir e revelar nomes que hoje pertencem ao panteão da música gravada. Nomes como Eric Clapton, Peter Green, Mick Taylor, Jack Bruce, John McVie, Mick Fleetwood e Aynsley Dunbar foram apenas alguns dos músicos que passaram por sua banda – e que deram origem a outros grupos – com o Cream e o Fleetwood Mac – em que deram continuação ao legado de seu mestre. A importância de sua presença na música inglesa foi crucial para dar corpo à febre pop iniciada pelos Beatles e graças à sua paixão pelo blues, grupos próximos como os Rolling Stones, o Spencer Davis Group e os Animals, conseguiram ampliar ainda mais seu público. Mayall não alcançou o estrelato de seus pupilos mas sua reputação atravessou décadas, tendo trabalhado com artistas tão diferentes – e reverentes à sua autoridade musical – como os jovens Paul Butterfield, Patti Smith, Steve Miller, Chris Rea e os mestres Mavis Staples, Buddy Guye John Lee Hooker. Morreu aos 90 anos, na Califórnia, nos EUA, cercado pela família, que anunciou sua passagem num post no Instagram.
Morreu o último Four Top. Abdul Kareem “Duke” Fakir, de ascendência etíope e bengalesa, foi ele quem seguiu o chamado do amigo Levi Stubbs, que queria ser cantor, ainda na adolescência, motando a base do grupo, que depois seria completo com Renaldo “Obie” Benson e Lawrence Payton, uma das principais estrelas da constelação que era o elenco da gravadora Motown nos anos 60. Os Four Tops estavam no topo daquele panteão, ao lado das Supremes, dos Temptations e de Marvin Gaye e manteve-se em atividade – e com a mesmíssima formação – até 1997, quando Payton morreu de câncer no fígado. Depois foi a vez de Benson (em 2005) e Stubbs (em 2008), deixando Duke, a bela voz rascante que fazia músicas como “Baby I Need Your Loving”, “Reach Out I’ll Be There”, “Standing in the Shadows of Love” e “I Can’t Help Myself (Sugar Pie Honey Bunch)” atingir o céu da soul music. Morreu do coração, aos 88 anos. Obrigado pela música!
Mestre de um instrumento único, o músico Toumani Diabaté nos deixou nesta sexta após uma breve doença. Representante da 71ª geração de griots, casta de músicos do Mali, ele tocava a korá – instrumento que mistura harpa e alaúde – desde os cinco anos de idade e foi autodidata, apesar da criação em uma tradição tão ancestral. Diabaté foi um dos grandes bastiões desta cultura secular ao lado de nomes como Ali Farka Touré (1939-2006, com quem gravou o álbum In the Heart of the Moon, em 2005) e Salif Keïta (que saudou a passagem do amigo em post no Twitter), e era conhecido como “príncipe do korá” pois seu pai, Sidiki Diabaté (1922-1996) era reverenciado como o rei do instrumento. Começou acompanhando a diva Kandia Kouyaté, mas também foi influenciado pela música pop de seu tempo, ao absorver influências de Jimi Hendrix, Jimmy Smith, Miles Davis e Led Zeppelin. Enveredou pelo jazz nos anos 90 quando gravou o celebrado disco Djelika ao lado de Bassekou Kouyaté (ngoni) e Keletigui Diabaté (balafon) e também flertou com o pop contemporâneo, gravando com Damon Albarn (no projeto Mali Music) e Björk (no disco Volta). Também estabeleceu conexões com músicos brasileiros, ao gravar o disco A Curva da Cintura ao lado de Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra.