John Mayall (1933-2024)

Se hoje ouvimos blues com toda essa reverência, não há dúvidas que John Mayall, que nos deixou nesta terça-feira, tem uma forte importância nisso. Mais do que fundador de uma das principais bandas do revival de blues que assolou Londres no início dos anos 60 – o John Mayall’s Bluesbreakers -, o guitarrista inglês era um dos principais entusiastas do resgate do gênero musical norte-americano em seu país, a ponto não apenas de incentivar novos talentos como a descobrir e revelar nomes que hoje pertencem ao panteão da música gravada. Nomes como Eric Clapton, Peter Green, Mick Taylor, Jack Bruce, John McVie, Mick Fleetwood e Aynsley Dunbar foram apenas alguns dos músicos que passaram por sua banda – e que deram origem a outros grupos – com o Cream e o Fleetwood Mac – em que deram continuação ao legado de seu mestre. A importância de sua presença na música inglesa foi crucial para dar corpo à febre pop iniciada pelos Beatles e graças à sua paixão pelo blues, grupos próximos como os Rolling Stones, o Spencer Davis Group e os Animals, conseguiram ampliar ainda mais seu público. Mayall não alcançou o estrelato de seus pupilos mas sua reputação atravessou décadas, tendo trabalhado com artistas tão diferentes – e reverentes à sua autoridade musical – como os jovens Paul Butterfield, Patti Smith, Steve Miller, Chris Rea e os mestres Mavis Staples, Buddy Guye John Lee Hooker. Morreu aos 90 anos, na Califórnia, nos EUA, cercado pela família, que anunciou sua passagem num post no Instagram.

Abdul Kareem “Duke” Fakir (1935-2024)

Morreu o último Four Top. Abdul Kareem “Duke” Fakir, de ascendência etíope e bengalesa, foi ele quem seguiu o chamado do amigo Levi Stubbs, que queria ser cantor, ainda na adolescência, motando a base do grupo, que depois seria completo com Renaldo “Obie” Benson e Lawrence Payton, uma das principais estrelas da constelação que era o elenco da gravadora Motown nos anos 60. Os Four Tops estavam no topo daquele panteão, ao lado das Supremes, dos Temptations e de Marvin Gaye e manteve-se em atividade – e com a mesmíssima formação – até 1997, quando Payton morreu de câncer no fígado. Depois foi a vez de Benson (em 2005) e Stubbs (em 2008), deixando Duke, a bela voz rascante que fazia músicas como “Baby I Need Your Loving”, “Reach Out I’ll Be There”, “Standing in the Shadows of Love” e “I Can’t Help Myself (Sugar Pie Honey Bunch)” atingir o céu da soul music. Morreu do coração, aos 88 anos. Obrigado pela música!

Toumani Diabaté (1965-2024)

Mestre de um instrumento único, o músico Toumani Diabaté nos deixou nesta sexta após uma breve doença. Representante da 71ª geração de griots, casta de músicos do Mali, ele tocava a korá – instrumento que mistura harpa e alaúde – desde os cinco anos de idade e foi autodidata, apesar da criação em uma tradição tão ancestral. Diabaté foi um dos grandes bastiões desta cultura secular ao lado de nomes como Ali Farka Touré (1939-2006, com quem gravou o álbum In the Heart of the Moon, em 2005) e Salif Keïta (que saudou a passagem do amigo em post no Twitter), e era conhecido como “príncipe do korá” pois seu pai, Sidiki Diabaté (1922-1996) era reverenciado como o rei do instrumento. Começou acompanhando a diva Kandia Kouyaté, mas também foi influenciado pela música pop de seu tempo, ao absorver influências de Jimi Hendrix, Jimmy Smith, Miles Davis e Led Zeppelin. Enveredou pelo jazz nos anos 90 quando gravou o celebrado disco Djelika ao lado de Bassekou Kouyaté (ngoni) e Keletigui Diabaté (balafon) e também flertou com o pop contemporâneo, gravando com Damon Albarn (no projeto Mali Music) e Björk (no disco Volta). Também estabeleceu conexões com músicos brasileiros, ao gravar o disco A Curva da Cintura ao lado de Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra.

Clodo Ferreira (1951-2024)

Morreu nesta terça-feira, em Brasília, o cantor e compositor piauiense Clodo Ferreira, mais conhecido como parte do trio de irmãos cantores e compositores Clodo, Climério & Clésio, que tiveram composições gravadas por grandes nomes da música brasileira, como Nara Leão, Milton Nascimento, MPB-4, Ângela Maria, Ney Matogrosso, Zizi Possi, Dominguinhos, Simone, Fagner, Fafá de Belém, Elba Ramalho, Nara Leão e Rodger Rogerio, entre outros. O trio foi içado para a fama pelo cearense Ednardo quando já moravam em Brasília, cidade para onde mudaram nos anos 70. São autores de pérolas como “Revelação”, “Enquanto Engomo a Calça”, “Palha de Arroz”, “Morena”, “Corda de Aço”, “Silêncio Agrário”, “Cebola Cortada”, “Ave Coração”, entre muitas outras. Os três foram homenageados por Nara Leão na única música composta pela intérprete, “Cli-Clé-Clô”. Gravaram seis discos como um trio e depois seguiram em carreiras solo. Clodo, que era professor na UnB, é o segundo dos três a falecer, vítima de um câncer (o primeiro deles foi Clésio, que morreu em 2010). Climério segue em atividade, ainda morando em Brasília.

Shannen Doherty (1971-2024)

Conhecida como a Brenda do seriado Barrados no Baile, que fez sucesso no início dos anos 90, a atriz norte-americana Shannen Doherty morreu neste sábado. Com parcos 53 anos, ela foi vítima de um câncer que lhe acompanha desde 2015. Ao contrário de todo o resto do elenco do seriado, ela ainda conseguiu emplacar um segundo personagem em sua breve carreira, ao viver uma das jovens bruxas da série Charmed. No ano passado, ela anunciou a doença, que incialmente começou como um câncer de mama, havia espalhado para seu corpo, primeiro para os ossos e depois para o cérebro.

Bill Viola (1951-2024)

“A câmera de vídeo deu algo que a caneta, o lápis e o papel ou o pincel e a tela não deram: a habilidade de olhar para o mundo real com o olho aberto e gravar os eventos enquanto eles iam acontecendo – e esse tipo de conexão direta com a vida me libertou demais”, disse o recém-falecido artista norte-americano Bill Viola, pioneiro da vídeo-arte que nos deixou nesta sexta-feira no programa do entrevistador Charlie Rose em 1995. Ele começou a experimentar com o vídeo como uma forma de expressão no final dos anos 70, anos depois de formar-se em artes na faculdade de Syracuse, nos EUA, uma das primeiras a tratar novas mídias como estudo artístico, e trabalhar com performance, música e arte contemporânea. Seu principal feito foi recriar uma experiência de quase morte que teve ainda quando criança na série de vídeos que batizou de The Reflecting Pool, que deu a tônica do resto de sua carreira, sempre misturando registros em vídeo com uma experiência quase espiiritual ou religiosa. Isso vinha de sua educação junto à igreja, o que fez com que obras do Renascimento fossem referências recorrentes em seu trabalho. Morreu depois de complicações devido a um Alzheimer, que começara a desenvolver há pouco tempo.

Nelson Brito (1960-2024)

Fundador de uma das principais bandas de hard rock do Brasil, o baixista Nelson Brito faleceu nesta sexta-feira. Único remanescente da formação original, Nelson carregava a banda paulistana que, apesar de criada nos anos 80, pouco tinha a ver com os grupos de sua geração e tentava seguir a tradição de outros grupos de São Paulo da década anterior, como Casa das Máquinas, Made in Brazil, Patrulha do Espaço, Tutti Frutti, Sindicato e Terreno Baldio, e teve seus primeiros discos lançados pela clássica gravadora independente Baratos Afins. O grupo manteve a mesma formação até a virada do século, quando seu clássico vocalista Catalau deixou a banda. Dez anos depois foi a vez do baterista Paulo Zinner sair do grupo, que só foi encerrar as atividades quando outro de seus fundadores, o guitarrista Helcio Aguirra, faleceu. Brito retomou a banda em 2016 e seguia como motor do grupo, que gravou apenas dois discos desde então, mas seguia fazendo shows. O baixista, no entanto, foi internado às pressas após descobrir que tinha um tumor no intestino no início do mês passado e não resistiu à doença, falecendo nesta sexta-feira, um dia após seu aniversário.

Shelley Duvall (1949-2024)

Uma das maiores atrizes de sua geração, Shelley Duvall nos deixou nesta quinta-feira, depois de anos de reclusão longe da vida artística, v vivendo bem e sem rancores. Apesar de mais conhecida por sua soberba (e polêmica) atuação no filme O Iluminado, de Stanley Kubrick, grande parte de seu trabalho foi feito ao lado do diretor Robert Altman, que sempre a chamou para fazer filmes nos anos 70. Ao lado de Altman atuou em filmes como Quando os Homens São Homens, Renegados até a Última Rajada, Nashville e Três Mulheres, este último lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes por melhor atuação. Também fez Noivo Neurótico, Noiva Nervosa de Woody Allen, Roxanne com Steve Martin e Bandidos do Tempo com Terry Gilliam. Se aproximou do teatro no final do século e seguiu fazendo atuações pontuais em filmes até se aposentar em 2016.

Luiz Chagas (1952-2024)

Arrasado com a notícia da morte do Chagasm que chegou como uma bordoada no fim desta terça-feira, não só pela perda de um caubói do jornalismo cultural, de um dos compositores mais subestimados de sua geração e de um samurai da guitarra elétrica, mas, principalmente, de um amigo, mistura de mestre zen e cúmplice cultural, que, mesmo nos encontrando rapidamente, era uma fonte de causos, anedotas, ensinamentos e lições de vida, muitas vezes tudo ao mesmo tempo, posto como quem conta uma piada ou revela um segredo, olhando por cima dos óculos com um olhar ao mesmo tempo sério e cínico, e em muitas vezes guardando um sorriso pro final, pra quando a ficha caísse do lado de cá. Sim, ele cobriu cultura em plena ditadura militar, foi guitarrista do Itamar Assumpção e parceiro de tantos monstros sagrados do underground de São Paulo, autor de uma das minhas músicas favoritas (a gigantesca “Às Vezes”), pai da Tulipa e do Gustavo, marido da Mônica e compadre de tantos compadres e comadres, mas a lembrança que fica é de uma das pessoas mais gente boa que conheci na vida, um dos raros “meu” ditos por um paulistano (na verdade, goiano, mas não espalha) que não doía nos meus ouvidos, que por vezes engrenava em papos que duravam horas, à mesa de alguma longa reifeição, passeando pelas ruas do centro, pelos arredores da Paulista ou indo de um lado para o outro de metrô. Não importava o assunto, podia ser uma música nova, uma história velha dos Beatles ou uma fofoca envolvendo alguém famoso da época em que era apenas jornalista – um assunto puxava o outro e era sempre um prazer estar em sua presença. Fico feliz de ter conseguido realizar alguns shows com ele – especialmente a temporada que fizemos no Centro da Terra em agosto de 2019, ao redor de seu ainda não lançado Música de Apartamento – e de ter podido ter umas dicas de guitarra quando comecei a levar mais a sério esse papo de tocar um instrumento: “os Beatles são óbvios, ou melhor, simples. Copiam todo mundo, ótimo para aprender”, disse citando nossa paixão comum como luz para a guitarra elétrica. Lamento imensamente ter perdido sua festa junina de aniversário, há exatamente um mês, mas sei que o Belo estará sempre olhando pela gente, lá do alto. Vai em paz, professor!

Assista abaixo à íntegra dos shows que fiz com ele (cinco no Centro da Terra e um no Estúdio Bixiga), três deles ao lado de sua eterna amiga Suzana Salles e à entrevista que fiz com ele durante a pandemia, em que ele conta parte de sua trajetória.  

Laércio de Freitas (1941-2024)

Um dos maiores nomes da música instrumental brasileiro despediu-se de nós nesta sexta-feira. O mestre Laércio de Freitas – o “Tio”, para os mais chegados – pode ter se tornado conhecido do grande público ao interpretar um pianista na novela da Globo Mulheres Apaixonadas, em 2003, mas décadas antes disso já tinha deixado sua marca em nossa música. Nascido em Campinas, estudou no Conservatório Carlos Gomes e enveredou pela música erudita antes de ser apresentado ao chorinho, do qual tornou-se maestro. Seus primeiros trabalhos profissionais foram ao lado de gigantes de nossa música – participou da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e do Sexteto de Radamés Gnatalli, muito por conta de sua excelência às teclas, que o transformaram em músico internacional e gabaritado o suficiente para substituir Luiz Eça no Tamba Trio no final dos anos 60. Entre este período e o começo dos anos 70 esteve em discos-chave daquele novo gênero musical que aos poucos começavam a chamar de MPB: tocou nos discos homônimos de estreia de Clara Nunes e de Elza Soares, no Mustang Cor de Sangue de Marcos Valle, em Carlos Erasmo de Erasmo Carlos, Quem é Quem de João Donato e Contrastes de Jards Macalé, além de ter acompanhado em shows nomes do peso de Maria Bethânia, Emilio Santiago, Ivan Lins, Ângela Maria, Wilson Simonal, Martinho da Vila, entre outros. Apaixonado fervoroso pelo choro, encabeçou uma série de projetos com o gênero a partir dos anos 70, quando começou a gravar seus próprios discos, aproximando o gênero da música erudita e do jazz. Tal ponte o tornou arranjador e parceiro de outro pianista, Arthur Moreira Lima, com quem trabalhou em diferentes discos. Trabalhou com instrumentista, arranjador e diretor musical de projetos que celebravam o choro brasileiro e seus grandes nomes, como Pixinguinha e Jacob do Bandolim e junto a instituições como o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Centro Cultural Banco do Brasil e Sesc Pompéia. Também atuou como regente e arranjador junto à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e Banda Mantiqueira, além de fazer trilhas para cinema e trabalhar em diferentes gravadoras. Segundo sua filha, a cantora e atriz Thalma de Freitas, “morreu dormindo”. Axé!