Quando o Clube do Choro virou o Cavern Club
Escrevi mais uma matéria para o site da CNN Brasil, desta vez sobre o inusitado show que Paul McCartney fez em Brasília pra pouco mais de 400 pessoas nesta terça-feira, no Clube do Choro, após conversar com alguns felizardos que puderam estar lá…. E será que vai ter outro show desses nessa turnê?
Leia abaixo:
Paul McCartney transforma Clube do Choro de Brasília no Cavern Club por uma noite
Beatle começou turnê no Brasil com show-surpresa para pouco mais de 400 pessoas; pistas indicam que este não será o único show deste porte na passagem do artista pelo país
Antes de se tornar uma mania nacional na Inglaterra, no início dos anos 60, os Beatles já eram pequenas celebridades locais na cidade-portuária em que nasceram, Liverpool, e também a principal atração de uma pequena casa de shows chamada Cavern Club. Neste pequeno clube, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr tocaram quase 300 vezes entre fevereiro de 1961 e agosto de 1963 para no máximo 400 pessoas por vez, forjando a liga sonora que os tornou o maior fenômeno musical de todos os tempos e mudaria a história do planeta.
Corta para seis décadas no futuro e quilômetros de distância das ondas do oceano que separava Liverpool do continente que tomariam de assalto a partir de 1964 e um destes sujeitos está num clube de dimensões semelhantes, só que no meio do planalto central da América do Sul. Em vez de tocar músicas alheias que cresceu ouvindo, Paul McCartney tocou por mais de uma hora 22 de suas canções no mitológico Clube do Choro brasiliense, produzindo uma experiência única em sua biografia: repetir um show nas dimensões das primeiras apresentações bem sucedidas de sua principal banda em um palco conhecido por seu vínculo com a música.
A apresentação foi tomada como meme quando surgiu na internet ainda na segunda-feira (27). A ideia de que Paul McCartney, que começaria mais uma passagem pelo Brasil tocando em Brasília, no dia 30 de novembro, faria um show-surpresa no clássico palco brasiliense parecia uma piada que nem o mais orgulhoso candango se atreveria a fazer. O fato é que ainda na manhã de terça-feira (28), alguns compradores dos ingressos para os shows de Paul no Brasil receberam em seus emails um link para comprar online ingressos que custavam entre 200 e 400 reais. A notícia se espalhou por Brasília e fez muita gente ir para a porta do Clube tentar a sorte – e em alguns casos conseguir. Quando o show começou, às 18h, e ainda havia lugares disponíveis, alguns felizardos ganharam a oportunidade de assistir ao ídolo muito de perto.
“Fiquei sabendo na segunda à noite pela imprensa de Brasília e descobri pelo Twitter que algumas pessoas que passaram pelo Clube do Choro entenderam que haveria um sorteio entre os fãs que compraram ingresso para o show de quinta e os e-mails seriam a ser enviados pela manhã de terça”, explica a economista brasiliense Nathália Sobral, de 26 anos, que conseguiu ir ao show. “Às nove em ponto chegou o e-mail para mim e na mesma hora garanti o ingresso. Como estava em São Paulo, o resto do dia foi a correria de conseguir o primeiro voo enquanto minha mãe e meus amigos tinham a missão de buscar a pulseira enquanto eu não chegava.”
O advogado catarinense Angelo Prata de Carvalho, 27 anos, que mora em Brasília há dez anos, teve uma experiência parecida, embora não acreditasse nem na possibilidade do show acontecer. “Às nove da manhã recebi um e-mail dizendo que eu poderia adquirir um ingresso por 200 reais para ver o Paul McCartney no Clube do Choro e comprei imediatamente, menos três minutos depois da chegada do link “, lembra.
O Clube do Choro, fundado em 1977 e tornado patrimônio imaterial do Distrito Federal em 2008, é uma instituição da cultura brasiliense e responsável pela renascença do gênero musical no final do século passado. A realização do show nesse espaço também tem uma ligação profunda com a música da cidade.
Com pouco mais de 400 lugares abertos para o público, o show-surpresa mudou a configuração da casa ao tirar as mesas que normalmente ficam em frente ao palco, aumentando a sensação de um inferninho rock. Outro fator crucial para a energia da noite foi a proibição do uso de celulares. Todo o público recebeu um saco plástico para guardar o aparelho e a orientação que caso alguém desobedecesse à regra, teria de se retirar do local. “Foi uma experiência única nos dias atuais onde o comum é que as pessoas assistam aos shows presencialmente mas pelas telas dos celulares”, conta a jornalista Marcela Rocha, 35 anos, que também esteve na apresentação. “Estavam todos desconectados do virtual e conectados com a experiência, que era única e especial!”
“A proibição dos celulares foi parte relevante da experiência”, completa o jornalista e ilustrador paulista Alexandre Malvestio, 43 anos, que também esteve no show. ”O êxtase todo que essa experiência causou é resultado de um conjunto de fatores, inclusive da proibição dos celulares. No geral, porém, o uso de celulares em shows – e outros lugares – me incomoda mais em função da falta de educação das pessoas do que qualquer outra coisa. Não me parece o caso aqui, onde a proibição do uso do celular tinha como objetivo fazer com que a gente simplesmente aproveitasse mais o show.”
“Não havia qualquer tela lá dentro, o foco de todos os presentes era exclusivamente no show e todos conseguiram assistir super bem”, continua Nathália. “O envolvimento do público foi de um nível que eu nunca tinha visto antes em show algum e no meu caso foi mais intensificado ainda por eu ter acabado de voltar do show da Taylor Swift, que foi o extremo oposto – era até difícil ver o palco com tantos celulares na frente”.
Paul McCartney subiu ao palco do Clube do Choro vestindo uma camiseta vinho com o nome de sua cidade-natal e depois de cumprimentar o público em português, abriu a noite com o clássico “A Hard Day’s Night”. Pelo resto da noite, tocou músicas da carreira solo e dos Beatles como “Get Back”, “Lady Madonna”, “Let It Be”, “Hey Jude”, “Getting Better”, “I’ve Just Seen a Face”, “From Me to You”, “Blackbird”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e “Maybe I’m Amazed”, além de canções menos manjadas de sua banda, como “Got to Get You Into My Life”, “Nineteen Hundred and Eighty-Five”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, “Helter Skelter” e o final do pout-porri que encerra o disco Abbey Road, “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”. A banda que o acompanhou é a mesma com quem vem fazendo seus shows há anos, formada pelos guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray, o baterista Abe Laboriel Jr. e o tecladista Wix Wickens
“Difícil descrever a sensação sem recorrer a clichês ou parecer piegas, mas é realmente viver algo tendo a certeza imediata de se estar vivendo um momento inesquecível e histórico”, lembra Alexandre. “Já tinha lembranças inesquecíveis relacionadas a shows do Paul, mas qualquer uma delas parece irrelevante diante do que eu presenciei nesses 90 minutos. Pelo conjunto todo, fica até difícil escolher uma faixa, mas vê-lo tocar ‘Blackbird’, que nem é das minhas favoritas, sozinho, ao violão, no escuro, naquele lugar minúsculo, pareceu especialmente mágico, porque nada ali parecia de fato à altura de uma lenda.”
“A experiência que tivemos no Clube do Choro é o mais próximo que minha geração consegue chegar do Cavern Club”, brinca Nathália, que adorou ver uma favorita sua, “Golden Slumbers”, em versão intimista. “Hey Jude foi muitíssimo especial.” Ela conta ter visto poucas celebridades no local, como Samuel Rosa, vocalista do grupo Skank, e o rapper Criolo.
Angelo, que conseguiu o setist do show, só percebeu que havia o texto impresso “sp_club” no rodapé da página ao sair do local. “Vi a produção comentando que o Paul gosta muito de fazer esses shows menores e costuma fazer uma vez por ano, e dessa vez queria fazer no Brasil”, conta o advogado. Será que haverá outro show desses na turnê de Paul McCartney pelo Brasil?
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