Quem encerra o mês de outubro no Centro da Terra é a cantora paulistana Paula Santisteban, que traz seu disco de estreia – batizado apenas com seu nome – para o palco do teatro no Sumaré num formato intimista e inusitado: voz, guitarra e sopros. Ao lado do marido, o guitarrista e diretor musical Eduardo Bologna, ela revisita o álbum, produzido por Carlos Eduardo Miranda, na ordem, recriando a atmosfera ao mesmo tempo aconchegante e grandiosa neste novo formato, a partir das 20h (mais informações aqui). Bati um papo com ela sobre o que esperar da apresentação desta terça-feira, dia 29 de outubro.
O que é Janelas da Cidade?
Janelas da cidade é o nome da primeira música do meu primeiro disco solo. Ela representa muito do conceito de todo o trabalho. A canção é muito visual, fala sobre um final de tarde em tons de azul, laranja e rosa. Essa ideia de tarde quase noite, em que os olhos piscam pra se adaptar por conta da mudança da luz. A cidade é grande de manhã e as janelas são parte da paisagem dura e impessoal, quando fica escuro, as janelas começam a acender e a gente enxerga muitos mundos diferentes por dentro. A cidade fica menor à noite, mais íntima, mais pessoal. Esse show traz essa intimidade, essa cara de uma das caixas da cidade sendo olhadas por uma fresta.
Quem fará parte desta apresentação?
Eu e Eduardo Bologna conversamos e resolvemos mostrar os detalhes do disco, já que ele tem muitas vertentes e histórias musicais dentro dele, é um disco grande com orquestra completa, teclados, guitarra, baixo e batera. Resolvemos olhar só para os sopros. Será um show de guitarra e sopros. Eduardo Bologna (guitarra) Ed Côrtes (saxofone e clarinete), Daniel Allain (saxofone e flauta), Nahor Gomes (trompete) e Paulo Malheiros (trombone). A direção Musical é do Eduardo Bologna e os arranjos de metais e madeiras do Ed Côrtes.
Qual será o repertório deste show?
Depois do lançamento do disco fizemos uma turnê por teatros do Brasil tocando esse disco, esse show faz parte da despedida desse trabalho. Portanto, tocaremos o disco inteiro em sua ordem que conta com composições minhas e do Edu, com Fábio Góes, Tchello Palma e Tim Bernardes. Além dessas farei uma ou duas inéditas de Roberto e Erasmo e Lô Borges. Tenho feito sempre alguma de surpresa fora do repertório, ou uma inédita que compõe o novo disco, ou de acordo com o lugar, o público e momento escolhemos a trilha.
Qual é a diferença entre tocar em um teatro em comparação com casas de shows?
Eu amo tocar em teatros. Basicamente tenho tocado em teatros quase toda minha vida artística. Com o projeto de Educação que tenho com Edu há mais de quinze anos, fazemos uns 40 shows por ano sempre em teatros. Com meu trabalho não foi diferente, acabei fazendo uns dois shows em casas de shows, mas os outros todos foram em teatros. Resolvi escolher no Brasil teatros que têm alma. Toquei em vários incríveis, posso citar alguns, o Theatro Municipal de Sobral no interior do Ceará, no Teatro Polytheama em Jundiaí, no Teatro Paulo Moura em São José do Rio Preto e o incrível Theatro Municipal de São João da Boa Vista. O Centro da Terra faz parte dessa lista, um teatro intimista e descolado com clima a la David Lynch, uma pérola em SP. E é a cara desse formato somente com sopros. Estou muito feliz em levar esses músicos e minha música para esse lugar, um encaixe perfeito.
Neste sábado, Paula Santisteban lança a versão física de seu álbum de estreia no Sesc Belenzinho, a partir das 21h. Um trabalho incrível e sensível que me foi passado pelo mestre Miranda, produtor do disco, que me colocou no mundo mágico e lúdico das canções de Paula e Edu Bologna fazendo a direção artística deste lançamento, um universo tão específico e especial que só tenho a agradecer por fazer parte disso tudo.
Paula Santisteban
Sábado, 9 de março de 2019
Teatro, às 21h
Sesc Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000. São Paulo
(11) 2076-9700
R$ 6 a R$ 20
Paula Santisteban foi um presente que o Miranda deixou para me ajudar a reinventar meu futuro profissional. Último disco produzido por ele, o disco de estreia de Paula me foi passado pelo mestre para que eu ajudasse em seu lançamento, que aconteceu em setembro deste ano. Foi um dos assuntos que conversamos em nosso último telefonema e semanas depois estava à frente dela e de seu marido, guitarrista e diretor musical Edu Bologna, para pensarmos em como poderíamos trabalhar juntos. Paula queria uma consultoria, mas a descrição do trabalho que ela me passou ia muito além de um mero diagnóstico seguido de metas a serem atingidas, exigia um envolvimento criativo, que ela depois batizou de “direção artística”. Não me senti à vontade, uma vez que este também tinha sido o trabalho de Miranda ao produzir o disco e ela me esclareceu: “O Miranda dirigiu o disco, você vai dirigir o lançamento”. Conversamos sobre o conceito por trás do disco, qual tema que poderia permear esta estratégia, como ela conversava com as letras e músicas que eles tinham composto ao mesmo tempo em que apresentava o trabalho para pessoas que teriam interesse em seu trabalho. Durante o segundo semestre deste ano, ela fez a capa do disco com Bob Wolfenson, fechou contrato com a gravadora Warner, lançou o disco no Auditório Ibirapuera além de apresentar-se na Unibes Cultural e no Blue Note do Rio, com participações de nomes como Tiê, Nina Becker e Kassin. Dito assim parece que foi um processo simples, mas foram horas de discussão e longas reuniões, que se misturavam com papos sobre técnicas de gravação, feras do jazz, São Paulo, discos de vinil, entre cafés, bolos sem glúten e sorvetes. Questionamos padrões do mercado, conhecemos bambas de diferentes áreas, lançamentos o disco do jeito que ele merecia ser lançado e agora partimos para um 2019 que reforça as sementes plantadas durante este ano. Tudo sem pressa, bem feito, no seu tempo…
Há este desafio em minha frente. Quis o destino que eu começasse a lidar com shows para entender apresentações ao vivo como espetáculos únicos, obras que funcionam como um fim em si mesmo e cogitasse trabalhar nestes formatos juntos a artistas que, em outros tempos, só abririam seus processos (incluindo corações e mentes) quando tudo estivesse transformado em produto. Aos poucos venho acompanhando estes movimentos criativos dando palpites e sugerindo ideias, ouvindo conceitos ainda crus e ajudando bandas, intérpretes, compositores e músicos a darem passos rumo ao desconhecido. São conversas que começam em almoços e cafés e continuam no estúdio ou em passagens de som, passam por audições individuais e links trocados por wetransfer, longas DRs em áudios de whatsapp e enxurrada de referências para chegar a um único consenso. Funcionar como válvula de escape e câmara de eco para a criação alheia é parte do trabalho de curadoria, mas quando estas trocas são o ponto de partida da história, em vez de apenas reações a ideias já definidas, tudo fica mais fácil – inclusive a experimentação. A direção artística foi uma revelação inusitada de 2018 mas que afiou meu olhar para além do jornalismo na música – mas sem perdê-lo de vista – e me ocorreu quase simultaneamente entre o show Professor Duprat e o lançamento do disco de Paula Santisteban, ambos em setembro deste ano. E os dois são só os primeiros exemplos do que mostrarei mais em 2019.
Autora do último disco produzido pelo meu irmão Miranda, Paula Santisteban se apresenta nesta quarta na Unibes Cultural em Sâo Paulo, com a participação da Tiê (mais informações aqui) e na quinta no Blue Note Rio, com a participação da Nina Becker e do mestre Kassin (mais informações aqui). Os dois shows seguem o calendário de lançamento de seu primeiro álbum, desta vez no formato que Paula compôs o disco, com guitarra (Eduardo Bologna), teclados (Marcos Romera), baixo (Eric Budney) e bateria (Daniel de Paula). Estou tendo o prazer de trabalhar na direção deste lançamento e fui a ponte entre Paula e estas duas grandes cantoras brasileiras deste século. Antes do show de São Paulo, às 19h, eu bato um papo com ela sobre o processo de criação desta bela e delicada coleção de baladas que é seu disco de estreia, no lounge da Unibes Cultural (do lado do Metrô Sumaré), de graça. É só chegar. A Débora da Unibes conversou com Paula numa entrevista que está no site do espaço e abaixo segue o release que escrevi sobre o disco que leva seu nome.
Onde tudo se perdeu? Quando o encanto se quebrou? O que aconteceu com a magia da vida, antes tão presente e tão sentida, hoje soterrada pela banalidade dos números, das medidas, dos fatos, do mal. O pequeno tornou-se insignificante, o diferente, desprezível, o simples, ruim.
A longa e intensa jornada deste início de século parece pegar a todos pelo pescoço para que se perceba a necessidade da valorização do que é corriqueiro, rotineiro, comum. Há um ambiente tóxico criado pelo excesso de adjetivos deste novo agora que exige que tudo se destaque de forma desproporcional. Não sabemos mais o que é genial, o que é incrível, o que é único de fato – tudo é vendido desta forma ao cubo, aumentando nossos anseios e expectativas para um futuro que inevitavelmente nos causará frustrações.
Mas, como já cantava um saudoso bardo do século passado, há uma brecha em tudo e é por ela em que entra a luz. Por mais intensos e sufocantes tenham sido os últimos anos, esta sensação aos poucos cria antídotos naturais em diferentes esferas, produzindo alentos espirituais que podem vir de muitas formas – e a música é uma delas.
Paula Santisteban sabe disso. Dona de uma personalidade musical única no atual cenário musical brasileiro, ela condensa em seu primeiro disco um conjunto de sentimentos e impressões que vai de encontro à massa cultural produzida atualmente. Usando sua voz como estandarte deste manifesto, ela nos conduz à entrada de um lugar quase secreto e dado como perdido: a consciência da beleza do simples.
No conjunto de dez faixas reunidas sob seu nome, ela acalenta o ouvinte com sua voz sabendo exatamente onde o levar. São dez baladas apaixonantes e refinadas, tocadas por uma banda de músicos de primeira, gravadas como há muito não se gravava, com arranjos deslumbrantes tocados por cordas, madeiras e metais. Tudo construindo um pedestal para uma voz que prefere descer deste posto e juntar-se aos músicos como mais um instrumento – mas sem nunca perder sua centralidade.
Como queria o amigo Carlos Eduardo Miranda, um dos principais nomes da indústria fonográfica brasileira dos últimos vinte anos, responsável pela produção do disco – foi o último registro a levar sua assinatura, antes de sua morte prematura aos 56 anos, no início deste ano. Responsável por revelar nomes tão diferentes quanto Raimundos e Otto, Miranda foi crucial para o estabelecimento das carreiras como Skank, O Rappa, Chico Science e Nação Zumbi, além de personalidade-chave para o desenvolvimento de cenas independentes em Porto Alegre (sua cidade-natal), Recife, São Paulo, Brasília e Belém. Redesenhou o mapa do pop brasileiro das últimas décadas e era conhecido pela personalidade carismática, pelo enorme coração, pelo amor pela cultura pop, pelo apreço à esquisitice e pelas histórias deliciosas, sempre contadas às gargalhadas e lágrimas.
Mas Miranda tinha um lado pouco conhecido do grande público. Suas camisas floridas, seus comentários no programa de calouros Ídolos e o fato de ter lançado artistas tão jovens e jocosos como Cansei de Ser Sexy e Virgulóides escondia uma paixão pela refinação, uma verdadeira devoção pelo esmero, pelo capricho, pelo delicado e pela sofisticação. Fã incondicional da sonoridade analógica dos anos 70, ele já havia demonstrado sua excelência neste tipo de produção ao assinar os trabalhos de artistas como Nina Becker, Estela Cassilatti e da banda mineira Transmissor. E sabia que o trabalho com Paula Santisteban seria o ápice desta sua faceta como produtor. Só não sabia que iria ser seu último – e também um legado formidável para encerrar sua discografia e para lançar a carreira desta nova artista.
“O Miranda falava que esse disco seria um disco pra quem gosta de som”, me explica Paula, ao contar todo o processo que culminou com seu primeiro disco, que tomou dois anos de ensaios com sua banda – formada pelo guitarrista Eduardo Bologna, que também é o diretor musical do álbum, pelo tecladista Roberto Pollo, pelo baixista Eric Budney e pelo baterista Daniel de Paula – para escolher repertório e construir um álbum que Miranda queria que tivesse cara de LP, com quarenta e cinco minutos de duração e com uma separação entre o que era lado A e lado B.
Tinham vinte canções e destas escolheram dez. Miranda comentou as letras, ajudou a escolher os músicos e os instrumentos, além do arranjador para este trabalho, o músico Ed Côrtes. “O Miranda dizia que foi muito acertado trazer o Ed, pois ele trouxe uma atmosfera cinematográfica, visual, e até algo das orquestras do pai dele, Edmundo Villani Côrtes, um dos maiores compositores eruditos brasileiros, vivo, que também fazia arranjos para grandes orquestras de televisão e bailes”, continua Paula.
O processo de gravação ecoa a era analógica e quase tudo foi gravado em takes inteiros, sem edição, sem overdubs, sem efeitos ou nada que transformasse o som dos instrumentos originais – nem mesmo o próprio instrumento dobrado. Quase nenhuma compressão, nada que ressaltasse um instrumento em relação ao outro, como se o ouvinte pudesse estar no mesmo ambiente que os músicos. Primeiro gravaram baixo, guitarra e bateria, depois teclados, depois a orquestra e finalmente a voz.
“A maior participação do Miranda foi na construção da voz”, segue explicando Paula. “Ele simplesmente me fez olhar para minha voz verdadeira, sem truques, sem maquiagem. Foi reduzindo tudo o que não fosse a minha voz de verdade. Isso fez com que ela ficasse muito contida: era o que eu não cantava, e não o que eu cantava, que trazia a emoção nas canções. A entrega das palavras e a expressão e não a interpretação. Fui zero intérprete, fui eu!” A excelência chegou à precisão do microfone específico para aquele registro, um Neumann valvulado de 1952.
A mixagem de Maurício Cersosimo ressaltou este aspecto intimista, próprio das canções de Paula, sem perder um aspecto épico e espaçoso, devido aos respiros entre instrumentos feitos nesta fase da gravação. Greg Calbi, dos EUA, masterizou o disco respeitando estas qualidades, colocando a cantora no meio da banda como se fosse ela mesma uma instrumentista.
“Venho de uma família de artistas, não só de instrumentistas, o que me fez trazer para o meu trabalho, algo visual, tátil, além da partitura”, Paula reforça. “Os andamentos são muito lentos, pois essa ideia de desacelerar está no disco. É um disco de baladas que falam da vida, de separações, de momentos de tristeza, de constatações, de calma, de amor calmo, profundo, de maternidade, de vida e morte, de amor de casal. É um disco maduro, adulto, de uma mulher mãe, de uma cantora e compositora que vive a música na sua essência. Um disco muito humano, na essência da palavra, pois usamos muito pouco de tecnologia, somente usamos como suporte para nossas ideias. E também humano, por conta da coletividade e do amor e amizade que trouxemos através dos encontros que o disco proporcionou.”
Neste sentido, o papel de Miranda foi muito além do que se espera de um mero produtor fonográfico. “Ele foi como um guru, um guia de amor o tempo todo, trazendo o caminho certo de tudo”. Inclusive na minha participação no disco. Velho amigo, Miranda me falava o tempo todo sobre o processo do disco de Paula, ressaltando que eu só iria ouvi-lo quando estivesse pronto. No dia em que morreu, conversamos pela parte da manhã e ele reforçou que queria que eu participasse deste processo – e estava conversando com Paula também sobre isso. Após sua morte, nos encontramos e ela pode me mostrar o disco, que havia acabado de ser gravado e começava a ser mixado – a começar pela tocante “As Janelas da Cidade”, o primeiro single do disco. Juntos, começamos a desenhar o lançamento deste último gesto artístico de nosso querido compadre. E a partir daí vieram as fotos de Bob Wolfenson para a capa do álbum, a assinatura com a gravadora Warner, o lançamento do álbum no Auditório Ibirapuera – e assim Paula Santisteban vai deixando sua marca, que também é a marca antevista por seu produtor.
“Acredito que o disco, em sua essência, traz essa cor laranja, azulada de um fim de tarde”, ela conclui. “Essa vontade de caminhar, de olhar paisagens, de desacelerar, de entrar em um lugar dentro, em águas profundas. Música, tocada, cantada, sem glamour. É um disco que abraça e não que afasta.”
Paula Santisteban foi um presente que meu irmão Carlos Eduardo Miranda deixou para todos nós – o último disco com a produção do velhinho encerra seu legado musical com sutileza e candura, concentrando toda a beleza e a simplicidade da música em uma cantora única, que canta o antídoto musical perfeito para os dias tensos e fúteis que atravessamos. E, pessoalmente, é um presente que Miranda me deixou – cuido da direção artística deste lançamento a convite da própria Paula desde o meio do semestre passado por sugestão deste meu amigo, que tanto me falava deste trabalho e tanto apostava neste disco. O presente não foi a própria Paula nem o convívio com seu círculo social e sua arte, mas a própria ideia de acompanhar o lançamento de um disco e pensar em estratégias comerciais (quem faz a foto da capa? Quem lança o disco? Onde será o show? Qual será o repertório? Quem acompanhará o lançamento?) que partissem de questionamentos mais estéticos e reforçassem a delicadeza e precisão do disco. Cada novo contato é uma pequena aula sobre como encarar a música e a arte a partir de sua beleza. O disco, que já está nas plataformas digitais pela Warner Music, com capa feita por Bob Wolfenson, chega ao palco pela primeira vez neste domingo, no Auditório Ibirapuera, a partir das 19h, com uma miniorquestra de nove músicos e um repertório que inclui clássicos da música brasileira e uma versão para uma música de Elliott Smith (mais informações aqui). Estarei lá para acompanhar mais este passo de uma promissora escalada.
Conheci a Paula Santisteban na primeira turma de um dos cursos que ministrava no saudoso Espaço Cult, na Vila Madalena. O Ecossistema da Música era uma série de conversas com diferentes pessoas do meio em que eu fazia a mediação dos bate-papos tentando entender o que estava mudando neste mercado. Tinha a intenção de terminar as aulas com alguns exemplos para mostrar que não existia mais uma forma de ser bem sucedido neste meio e sim várias formas, cabendo ao artista descobrir aquela que melhor dialoga com seus anseios e com o público. Mas quando soube da história do Música em Família, que Paula tocava com o marido Eduardo Bologna, levando música para escolas de todo o país, vendendo discos e reunindo fãs que chegavam na casa das dezenas de milhares, não tive dúvida – pedi para que ela contasse sua história como o exemplo que eu queria dar na conclusão do curso.
Graças ao Música em Família que Paula conseguiu fazer seu primeiro disco solo exatamente do jeito que queria – e para isso chamou meu amigo Carlos Eduardo Miranda para produzi-lo. Ela já o conhecia de outros momentos, mas foi na aula que ele deu sobre produção musical que ela entendeu que ele que deveria ser o produtor de seu disco. Miranda falava que o disco era um “encontro de almas” e reforçava a importância do contato e do calor humano na produção de uma obra de arte. Por várias vezes ele me falou do trabalho que estava conduzindo com Paula, dizendo que “na hora certa”, ele iria me mostrar. E o descrevia com adjetivos minuciosos e precisos que raramente associava aos discos que produzia: maduro, sério, sofisticado, fino, emocionante.
Na última vez em que conversamos, ele me falou que o disco estava finalmente pronto e que chamaria Paula e Edu para uma conversa comigo. Queria que eu o ajudasse a pensar em como lançar não apenas o novo álbum, mas a carreira solo de Paula. Horas depois, soube da notícia de sua morte. Dias depois, a própria Paula me escreve, me chamando para conversar.
Queria dar continuidade ao trabalho que Miranda havia começado – e, como havia falado comigo, também disse que gostaria de me ver atuando ao seu lado para lançar o disco. Numa conversa no meio do semestre passado, ela me mostrou as faixas ainda sem a masterização final de seu disco de estreia. O disco era tudo aquilo que Miranda havia aguçado minha curiosidade. Um disco de baladas, adulto e sensível, pop e popular. Conduzido pelo Edu, seu diretor musical, o álbum entrelaça cordas, metais e madeiras à musicalidade crua e quente de uma banda composta por baixo, guitarra, teclados e bateria, criando um ambiente mágico para a voz de Paula desabrochar, cantando suas próprias composições. O disco parece que encarna a palavra “clássico” mas sem os clichês relacionados ao termo – inspira classe, postura, refinamento, elegância, ao mesmo tempo sem distanciá-la da vida real, do cotidiano. Ao ouvir três músicas sabia que estava diante de algo completamente diferente na música brasileira atual.
Originalmente faria uma consultoria, dando dicas sobre como ela poderia acertar melhor o disco, mas naquela mesma tarde eu soube que não era um trabalho distante. Que inevitavelmente iria me envolver de forma mais intensa naquele trabalho e o quanto aquilo também era uma incumbência e um legado que o próprio Miranda havia me passado. Depois de algumas reuniões, chegamos à conclusão que o trabalho que eu faria a seu lado não era o de uma simples consultoria e sim a direção artística de sua carreira. E quis o destino que este trabalho chegasse ao público exatamente uma semana depois de eu ter assinado o meu primeiro trabalho de direção artística, com o espetáculo Professor Duprat.
De lá pra cá, vivemos uma montanha russa de emoções que é característica deste disco. Desde que começamos a trabalhar juntos, ela fechou o lançamento do disco no Auditório Ibirapuera (no próximo dia 30), assinou contrato com a gravadora Warner, conseguiu que Bob Wolfenson fizesse as fotos da capa de seu disco, o masterizou no Sterling Sound e enquanto teclo estas palavras, ela está finalizando a capa de sua estreia, que tem apenas seu nome e que sairá em duas semanas. Muitas outras novidades estão por vir. Por enquanto, temos apenas uma das principais joias desta obra, o primeiro single do disco, “As Janelas da Cidade”, lançado nesta sexta-feira. É exatamente aquilo que Miranda me contava. Valeu compadre! E obrigado Paula – tem sido uma linda viagem.