Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Herói do underground brasileiro, Leonardo Panço foi um dos ombros que carregou a cena independente carioca nas costas durante os anos 90 e tanto o hardcore nacional quanto o mercado indie, que hoje consegue pagar as contas e tem produtoras, festivais, assessorias de imprensa, convenções e estúdios, é devedor de seu suor. Mas, operário da causa, Panço nunca descansa e vem lentamente fazendo uma transição da música – onde começou tocando no Soutieen Xiita e no Jason, além de tocar a gravadora Tamborete – para a literatura. Já foram três livros escritos e lançados na raça (Jason 2011 – Uma Odisséia pela Europa, Caras Dessa Idade Já não Lêem Manuais e Esporro) e agora ele dá seu salto artístico mais ousado, com o disco-livro Superfícies.
O projeto começou como um álbum de fotografias de viagens, em que ele fugia dos pontos turísticos para se ater a detalhes de tetos, paredes e pisos. A coleção de texturas deu origem ao nome Superfícies, gatilho de uma coleção de contos que acabaram dando origem a canções. Como os heróis do underground norte-americano antes dele – Patti Smith, Henry Rollins, Lydia Lunch -, Panço dá continuidade à lenta transição da música para as letras e inaugura uma nova fase de sua carreira. Ele está em turnê pelo interior de São Paulo divulgando o disco ao vivo e nessa terça apresenta-se no Hotel Bar, quando Rodrigo Carneiro, dos Mickey Junkies, lerá trechos do livro acompanhado de uma banda com Panço na formação (mais informações aqui). Conversei com ele sobre essa sua nova fase.
O que veio primeiro – as fotos, o livro ou o disco?
As músicas a maior parte já existia, mas estava guardada em arquivos em fitinhas fora de rotação, no computador ou na cabeça – as mais recentes -, mas ainda não sabia como fazer pra gravar porque é muito diferente de tudo que já fiz. As fotos, os textos e o conceito foram surgindo tudo ao mesmo tempo durante uma viagem de férias do trabalho que é quando minha cabeça fica realmente livre pra a criação. Meus quatro livros foram todos feitos em períodos sem emprego. E aí foi tudo se amarrando, uma cerveja, mil horas livres pra pensar que as fotos tinham essa unidade de serem superfícies, que as músicas e tudo junto formariam um projeto arrogantezinho.
É a sua primeira incursão em ficção? Conta a sua relação com o texto ficcional, já que sua obra escrita era basicamente não ficção.
Olha, o Caras dessa idade de 2008 já tinha ficção lá. E esse novo não é só de ficção. É que as pessoas não têm como saber o que é e o que não é, tá meio escondido, meio metafórico. E você pega uma coisinha e viaja em cima, faz virar uma coisona. Nem tudo é real, mas muito é real.
Contando este, quantos livros você já lançou? Você consegue comparar os processos de produção e venda de livros e discos independentes no Brasil? Quais pontos em comum e quais são as diferenças?
Olha, vou falar do meu processo pessoal. Os livros são mais pessoais e solitários, diferente de uma banda, em que tudo é coletivo, tudo decidido pelos quatro, etc. Mas hoje em dia acho tudo muito similar porque os livros eu escrevo e depois sempre decido coisas com o Flock. Ele manda mais no visual, mas eu fico ali por perto. Meus dois discos foram um pouco assim. Solitários até os 30 do segundo tempo. Daí chamei os universitários e eles entraram. Acho que é um pouco isso.
O livro tem uma vida maior que o disco como mídia física?
Os meus acho que sim, é o que parece. Não sei se é ilusão.
Como seu livro impresso de relaciona com os meios digitais? Ele tem uma versão ebook? Continua na internet de alguma forma?
Cara, não tem. Eu e Flock até começamos a ver uma versão pdf, como lançar o Caras Dessa Idade, mas não foi pra frente. Coisas da tecnologia me complicam um pouco. Eu precisaria de parcerias pra isso ver a luz do dia.
Você milita nas trincheiras do independente desde quando isso era tido como romântico e comercialmente inviável, mas o prolífico e sustentável cenário atual é fruto direto de lutas como a sua. Você se sente como um dos pais deste cenário atual? E o que ainda pode ser melhorado?
Fiz algo errado no caminho porque pra mim segue sendo romântico e comercialmente inviável ahaha. Há mais de uma década que tenho emprego fixo e não vivo dos lançamentos. Os três primeiros livros se pagaram, um foi bancando o outro. Algumas pessoas já falaram de mim como inspiração, mas realmente não me sinto muito assim não. Eu tive o Redson como inspiração, pode ser que alguém me tenha assim, mas provavelmente já me superou e foi pra cima. Sou ruim demais de fazer dinheiro. Uma coisa que me faz falta são bons livros sobre o underground. Tem muita coisa chata e mal escrita. Se vierem melhores livros, pode ser que mais gente leia. Sei que você pergunta de estrutura, mas o que me falta é isso: bom material.
Quem você considera grandes heróis do independente brasileiro que não têm o reconhecimento devido?
Tá difícil essa entrevista, tô tendo que pensar direto. Pra mim tem muita gente com talento e que poderia viver de música, mas não é assim que funciona, né. E pra mim esse seria o reconhecimento devido. Heróis? Vou responder as outras perguntas e já volto. Voltei e não lembrei de nenhum herói não reconhecido. Os heróis erram demais. Acho que o Fabio do Garage tenha morrido numa situação muito ruim pra tudo que ele fez.
Fala sobre a turnê do livro / disco: por onde você passa e como fazer um show de um livro?
Começou em Cuiabá e agora tem Volta Redonda, dois dias em SP, Piracicaba, Limeira, Campinas, Americana, Sorocaba e São Bernardo do Campo. Fiz tour em 2008 e 2011 também dos livros. A inspiração veio dos gringos, né. Não sabia se alguém fazia, sabia de Henry Rollins, Patti Smith, Jello Biafra, Mykel Board. Eles fazem mais lendo os livros, fazendo spoken word. Adoraria, mas não sou o frontman, sou o guitarrista ali do lado. Então pensamos em maneiras de burlar a timidez. Em cada uma delas foi de um jeito. Essas duas semanas vou tocar com o Derrota de Americana algumas faixas e o Lucas do About A Soul vai ler partes do livro, inclusive eles fizeram dois vídeos lindos pra mostrar o processo. E em algumas faixas eles vão tocar sem mim mesmo. Em dois dos shows – Limeira e SP – vamos fazer 3 guitarras, improvisando e ele lendo, além do Carneiro do Mickey Junkies, em SP, lendo.
Quais são os próximos projetos?
Ideias não faltam, são muitas. Tenho um disco novo pra gravar, mas se eu fizer como quero vai demorar. Óbvio. Tem um livro da tour dos Replicantes na Europa escrito em 2006. Queria muito lançar esse ano, nos 10 anos da viagem. Tenho três ideias pra clipes do Superfícies e por aí vai. Mas um pouco depende dessas duas semanas agora em SP. Se der lucro…
Postei lá no meu blog do UOL um vídeo em que o saudoso Prince homenageia David Bowie cantando uma de suas músicas-símbolo apenas ao piano – além de homenagens de Paul McCartney e Beck ao homem-púrpura.
Depois do disco masculino, Flecha, apresentado na quinta passada aqui no Trabalho Sujo, é a vez de mostrar o disco feminimo que Iara Rennó lança ainda este mês: Arco foi gravado com a banda Elas, composta por Mariá Portugal na bateria, Maria Beraldo Bastos no clarone e Iara na guitarra. A faixa escolhida para apresentar esse disco é “Mama Me”, que conta com Maurício Fleury, do Bixiga 70, nos sintetizadores e inicialmente era um poema em seu livro Língua Brasa Carne Flor, como Iara explica a seguir:
“Antes de ser música foi poema, do livro Língua Brasa Carne Flor. E antes de mais nada, ‘Mama-Me’ é uma ode. À liberdade com o próprio corpo. Feminino. Cis, trans e pós-gênero. Aos polêmicos mamilos. À liberdade sexual. Ao sexo em si. Um manifesto mamaísta. Porque mama é lindx. E mamar, desde que se nasce, é vida. ‘Mama-me’ está na pelvis, vermelho primeiro chácara que se chacoalha. Energia vital, instinto primordial, descendo até o chão. O escuro, o receptivo. Terra. Em oposição-complementar à ‘Querer Cantar‘, sua irmã do azul turquesa do quinto chácara: a voz no espaço, o ar, e o percurso da flecha.”
Eis sua letra:
Sonha que me despe
E a festa acontece
Sem roupa nem confete
Só carne
Com a carne se veste
Se isso lhe apetece
Rasga essa fantasia
Sacia essa sede
Até dissolver-se em mim
Me veste me desfila
Me fia me confia
Seu coração em chamas
Me chama
Me acende e ascende em mim
Mama-me me mama ê ô ô ô
Mama-me me mama ê ô ô ô
Morde meu cangote
Galopa o meu galope
Lê minha partitura
Com sua parte dura
Perfuma perfura
Penetra meus poros
Enquanto eu evaporo
Na noite mais escura
Tudo indica que Alden Ehrenreich é o nome escolhido para viver o melhor mercenário de uma galáxia muito distante – falei mais sobre isso no meu blog no UOL.
O novo disco do Radiohead chama-se A Moon Shaped Pool e já está disponível para donwload – desta vez pago através do site da banda. O grupo lançou o disco em quatro versões diferentes: além da versão digital, ainda há a versão em CD, a em vinil e uma versão de acabamento luxuoso inspirada nos discos de cera de 78 rotações armazenados na biblioteca francesa La Fabrique, com dois 12 polegadas com a íntegra do novo disco, dois CDs, um com o disco e outro com duas músicas extras, encarte com 32 páginas e um pedaço de fita incluindo um trecho de uma gravação original do grupo desde o disco Kid A.
Como o disco anterior, The King of Limbs, A Moon Shaped Pool traz algumas músicas já conhecidas do público de shows e gravações pirata, como “Identikit” e “True Love Waits” e suas faixas estão organizadas em ordem alfabética, assim o disco começa com “Burn the Witch” e segue com “Daydreaming“, as duas músicas reveladas na semana passada. A ordem das faixas vem a seguir.
“Burn the Witch”
“Daydreaming”
“Decks Dark”
“Desert Island Disk”
“Ful stop”
“Glass Eyes”
“Identikit”
“The Numbers”
“Present Tense”
“Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief”
“True Love Waits”
À primeira audição é um disco melancólico e pouco eletrônico, ao contrário de seu disco mais recente, com as cordas características da carreira solo de Jonny Greenwood tomando conta de parte do álbum, repleto de baladas e canções mais introspectivas. Mas em se tratando de Radiohead, a primeira audição é só a primeira camada. Um disco triste e bonito, mas… E esse título? E essa capa? E por que lançá-lo assim? No dia das mães? O que dizem as letras?
Vamos lá…
A gravadora paulistana Balaclava Records continua expandindo seu pequeno império indie e depois de lançar artistas norte-americanos em seu catálogo, resolve invadir o território europeu. E começa por Portugal, de onde trouxe o disco Villa Soledad do grupo Sensible Soccers, uma grata e instigante surpresa instrumental. Baixo, guitarra, teclados e computador compõem a base instrumental do grupo da região do Porto, que mistura elementos de pós-punk pós-rock a doses cavalares de música eletrônica, seja da contemplação ambient aos ciclos repetitivos do trance. Conversei com a banda por email sobre sua formação, apresentações ao vivo e a aproximação com o Brasil.
Conte um pouco sobre a história da banda. Qual o background de cada um de vocês para fazer este tipo de som?
Já tínhamos algum trabalho em várias vertentes da música – rádio, DJ, outras bandas, projectos a solo… – quando nos juntamos em 2009/2010, primeiro como um duo, depois como um trio e por fim como um quarteto. Lançámos alguns EPs, demos vários concertos que acabaram por ser míticos e que ajudaram a criar uma espécie de culto à volta da banda. Em 2014 saiu o nosso primeiro disco, 8, que foi muito bem recebido pela imprensa e público em geral e nos catapultou para outro patamar e nos levou a sítios como o palco principal do Festival Paredes de Coura ou o Boom Festival. Já este ano ficamos reduzidos a trio novamente e lançámos o nosso segundo disco, o Villa Soledade, que tem sido igualmente bem recebido e que nos vai levar a festivais como o Primavera Sound do Porto, o Neo Pop ou o Rock in Rio Lisboa.
Como são as apresentações ao vivo? Vocês variam formatos?
Em estúdio somos mais cuidados e calmos e ao vivo mais desbragados. Somos quatro em palco com sintetizadores, drum pads, guitarra, baixo e programações. As músicas ganham outra dimensão ao vivo e está quase sempre presente uma ideia – bem vaga – de viagem ao longo do concerto.
O grupo Sensible Soccers apresentando-se na versão lusitana do Boiler Room:
O público português acompanha o que acontece na música brasileira, mas o contrário não ocorre. Por que acha que os brasileiros não acompanham a música portuguesa?
É verdade que a música brasileira penetra o mercado português e o contrário não se verifica. Sempre houve espaço cá para receber desde a Roberta Miranda ao Caetano, da Ivete Sangalo, ao Vinicius, dos Mutantes ao Chitãozinho e Xóróró. O mercado brasileiro é maior e mais dominante e o povo português sempre muito aberto, atento e permeável ao que vem de fora. Talvez os brasileiros estejam mais interessados em saber o que se passa nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Que nomes vocês indicariam para quem quer entender a música portuguesa atual?
Não somos as pessoas mais indicadas para sugerir novos nomes da música portuguesa… Podíamos indicar algumas bandas de amigos nossos ou uns nomes mais genéricos para o pessoal aí ficar com um apanhado do que se faz mas estaríamos provavelmente a dar uma imagem errada do que por cá se faz por isso não vamos arriscar.
Como vocês se encaixam nessa cena? Fazem parte de algum recorte específico da música portuguesa atual ou são um caso isolado?
Desde o nosso inicio que nos mantivemos independentes e a traçar o nosso próprio caminho. Somos um caso isolado, mas não os únicos a olhar o céu.
Por que o nome da banda é em inglês? De onde vem o nome?
O nome vem do jogo de computador de futebol dos anos 90. Foi escolhido por brincadeira antes sequer de termos músicas feitas e ficou até agora… Não estamos intimamente ligados ao jogo mas na altura em que foi escolhido o nome, o Emanuel Botelho, que entretanto saiu da banda, jogava muitas vezes e gostávamos muito do visual dos jogadores de futebol ingleses e alemães dos anos 70 e 80 e isso inclinou-nos para a escolha do nome.
E como aconteceu o contato com a Balaclava? Vocês já conheciam algo sobre a cena independente brasileira?
O contacto com a Balaclava partiu da nossa agência, a Azul de Tróia. Não conhecíamos muito da cena independente brasileira e continuamos a não conhecer. Vamos tocar com os Boogarins no Rock In Rio Lisboa e talvez eles nos dêem umas dicas.
Conhecem o Brasil? Há planos de tocar por aqui?
Gostamos muito da ideia que temos do Brasil mas não passa disso. Temos que visitar para gostarmos a sério. Esperamos tocar aí o mais breve possível.
Às vésperas do dia das mães, Emicida lança o clipe da faixa que abre seu segundo disco. Batizada apenas como “Mãe”, ela narra a história de dona Jacira vista pelos olhos de seu filho como se ele estivesse num sonho.
E o clipe tem uma atmosfera tão parecida com o clipe novo do Radiohead que o inconsciente coletivo parece sublinhar o fato de que estamos nos sentindo perdidos num sonho. Será que é isso mesmo?
Agora é oficial: além de uma segunda música (depois de “Burn the Witch“), o Radiohead lança mais um clipe de seu novo disco (“Daydreaming”, dirigido por ninguém menos que Paul Thomas Anderson) e anunciou o lançamento de seu novo disco para este domingo, batizando o dia de RHDay nos links de promoção, repare: http://smarturl.it/RHday. O vídeo começa com Thom Yorke passeando por aí até que seu caminho começa a mudar lentamente e as ruas e corredores viram montanhas.
O vídeo termina no escuro, com Thom deitado próximo a uma fogueira enquanto algumas frases são ditas de trás pra frente (já já alguém descobre o que está sendo dito), o que parece ter relação tanto com o blecaute digital que se autoimpuseram no início da semana (de volta à idade das cavernas?) quanto com o fogo do single anterior.
Aí tem.
Dez anos depois, Criolo volta a Ainda Há Tempo e revisita músicas do início de sua carreira com novas produções. O Ainda Há Tempo original foi lançado em 2006 quando o rapper ainda assinava como Criolo Doido e mantém a atualidade em vários temas e letras. Além do principal cúmplice Daniel Ganjaman (que assina, ao lado de Marcelo Cabral, a nova produção da faixa-título), ainda tem Sala 70 produzindo “Chuva Ácida”, Tropkillaz produzindo “Vasilhame”, Nave produzindo “É o Teste”, entre outros. Dá pra ouvir o disco inteiro abaixo e fazer o download do álbum no site do rapper.
Conversei com o Paulo Werneck sobre seu terceiro ano consecutivo como curador da Flip logo após a coletiva de anúncio da programação desse ano (que terá Irvine Welsh, Karl Ove Knausgård e Kate Tempest, entre outros) e ele fez um balanço do rumo de suas escolhas, para aproximar a festa literária de Paraty a discussões mais contemporâneas. Esta é a primeira de uma série de matérias sobre a Flip que estarei fazendo para as redes sociais do Itaú, patrocinador do evento.
Uma Flip voltada para o século 21
Moderna, feminina e com espaço aberto ao debate, a Festa Literária de Paraty se transforma em sua 14ª edição
Com a celebração da obra da poetisa carioca Ana Cristina César, homenageada da Festa Literária de Paraty (Flip) deste ano, a terceira curadoria consecutiva feita por Paulo Werneck consagra um olhar atual sobre a produção literária brasileira.
Esta fuga para o século 21 começou com a escolha de um artista contemporâneo (Millôr Fernandes, em 2014, o primeiro homenageado a ter participado de uma Flip), de um novo olhar sobre a obra de um autor clássico (Mario de Andrade, no ano passado, quando sua homossexualidade foi trazida à pauta) e agora a consagração de uma mulher (a segunda homenageada na história da Flip, a primeira foi Clarice Lispector, em 2005), que navega pelas águas da poesia.
O anúncio da programação deste ano aconteceu nesta terça, três de maio, no Museu do Futebol, em São Paulo, e a escolha de uma mulher como homenageada também contribuiu para o peso feminino no evento — dos 39 convidados, 17 são mulheres.
“Tem esse movimento desde o Millôr, de fato”, concorda Werneck, em entrevista exclusiva logo após a coletiva de apresentação. “Mas, realmente, depois de explorar os grandes autores do século 20, a Flip se volta para um tipo de autor menos pertencente ao panteão literário. A Ana Cristina César sem dúvida era consagrada, mas talvez ela não estivesse neste panteão. E isso é muito interessante pois consegue colocar em questão o valor da obra de um escritor. É interessante vê-la lado a lado com um Drummond, com um Manuel Bandeira e ver o que significa isso, quais são as diferenças, quais são as semelhanças”.
Entre as mulheres convidadas da 14ª edição da festa, que acontece em Paraty, no Rio de Janeiro, entre os dias 29 de junho e 3 de julho, estão nomes de diferentes abordagens e estaturas. Há desde a vencedora do Nobel de Literatura do ano passado, a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch à neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, passando pela inglesa pop Kate Tempest, a historiadora britânica Helen Macdonald, a cronista peruana Gabriela Wierner e a ensaísta brasileira Heloísa Buarque de Hollanda. A curadoria também provoca questões atuais ao trazer temas como jornalismo, ciência, sexo, urbanidade e o cérebro humano.
“Você pegou um ponto importante”, continua o curador, “de fato está trazemos mais para esse momento atual e trazendo novas sensibilidades literárias. A gente não tem compromisso com uma cena cultural do passado. E quando você vai homenagear o Graciliano Ramos você tá falando dos anos 1930, quando eram poucas representantes mulheres, como a Raquel de Queiroz, a Cecília Meirelles. O desafio é fazer essas homenagens e trazer para um contexto contemporâneo”.
Além das mulheres, os homens que marcam presença no evento também são de renome, como o escocês Irvine Welsh (autor do livro pop Trainspotting, que deu origem ao filme), o norueguês Karl Ove Knausgård (da série Minha Luta), o brasilianista Kenneth Maxwell, o jornalista Caco Barcellos e o artista plástico Guto Lacaz, que, como grande parte dos nomes da edição deste ano, também trazem as discussões do evento para este século.
A programação completa pode ser vista no site da Flip, que está de cara nova. Acesse: www.flip.org.br