Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Em mais uma cobertura que faço pro Toca UOL, assisti satisfeito ao show que o Deep Purple – um dos artistas estrangeiros que mais faz show no Brasil – fez neste domingo no Parque Ibirapuera. Está longe de ser um showzão como a reputação do nome da banda pediria, mas com três integrantes da fase clássica perto dos 80 anos (incluindo um Ian Paice preciso na bateria), conseguem mostrar serviço, mesmo que isso signifique sacrifícios no repertório e nos tons das músicas. E o bis, que emendou seu primeiro hit (a versão do grupo para “Hush”, nos tempos em que ainda era uma banda psicodélica) com o clássico “Black Night”, começou com uma surpreendente versão para um clássico da soul music, a instrumental “Green Onions”, dos mestres Booker T & The MGs.
Bira Presidente, fundador do bloco Cacique de Ramos, que nos deixou na passagem do sábado para o domingo, felizmente pode desfrutar do merecido reconhecimento de sua importância na história da música brasileira, tanto como agente fundamental na transformação e evolução do samba (onde sempre foi reverenciado) como um dos principais artífices da popularização desta mudança, que mexeu na cara da música brasileira dos últimos cinquenta anos. Bastaria seu papel como fundador de um bloco de samba que saiu de sua vizinhança para ganhar o Rio de Janeiro e que até hoje segue firme e frutífero como o principal bloco carnavalesco da cidade que seu nome já teria motivos para figurar em nossa história. Mas se lembrarmos que, além de ter convivido com os pais-fundadores Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Carlos Cachaça e Aniceto do Império, este filho de um sambista do Estácio (a primeira escola de samba) com uma mãe de santo não apenas deu abrigo para músicos que revolucionariam o samba ao transformá-lo em pagode na virada dos anos 70 para os 80 (fundando, por sua vez, com a benção e um empurrãozinho de Beth Carvalho, o grupo Fundo de Quintal, maior fenômeno coletivo da história do samba) como reinventou seu instrumento, o pandeiro, neste novo ambiente musical, misturando qualidades como protagonista, músico, agitador cultural e testemunha viva da história. É um nome que confunde-se com a própria tradição do samba, o samba personificado que seu codinome, cargo vitalício no bloco que fundou, poderia fazer reverência ao seu papel de líder nato. Fico feliz de poder ter dado palco para um encontro histórico do Fundo de Quintal no Centro Cultural São Paulo, quando era curador de música daquele espaço e convidei Leandro Lehart para celebrar o Fundo de Quintal na mítica sala Adoniran Barbosa, palco caríssimo para a história de Leandro (que anos depois seria diretor daquele mesmo CCSP), que nunca havia se apresentado lá. Lehart saudou o grupo com a presença de quase todos seus mestres e o mais feliz deles era o próprio Bira, que havia completado 81 anos no dia anterior àquela apresentação, em março de 2018, e foi ovacionado pelo público que lotou o palco mágico do CCSP, feliz de estar sendo reverenciado por sua importância. Obrigado, Bira!
Aos poucos voltando pro jornalismo industrial, desta vez convocado pelo Toca UOL a escrever sobre o show que Alice Cooper fez neste sábado em São Paulo – e como atesto no final do texto, mais do que pai de toda uma vertente do heavy metal, ele pertence ao cada vez mais seleto grupo de lendas vivas do período clássico.
O rapper favorito do seu rapper favorito mostra seu novo álbum em público neste domingo, quando faz uma audição pública de CARO Vapor II – qual a forma de pagamento? no Baile de Rua da Maria José, que acontece no Larguinho da Maria José, na Bela Vista, e ainda terá discotecagens do DJ Roger, de Lys Ventura e do mestre KL Jay. O evento é gratuito e acontece das 15h até às 21h. E, na paralela, o rapper revelou ao Papel Pop o nome das músicas do disco e as participações especiais (que incluem nomes como Giovani Cidreira, Anelis Assumpção, Terra Preta, Alice Caymmi, MC Drika e Luiza de Andrade. Veja abaixo:
E neste sábado temos mais uma edição da Desaniversário no Bubu, desta vez em parceria com a Feira do Livro, que também começa neste fim de semana. A festa é dividida com a festa de abertura do evento e começa a partir das 19h, mas a Desaniversário de fato começa a partir das 22h, quando assumimos a discotecagem daquele jeito. O Bubu fica na marquise do estádio do Pacaembu e a festa vai até a meia-noite, por isso não deixe pra chegar tarde… Vem dançar com a gente!
Quis o destino que o vigésimo sétimo disco do grupo australiano King Gizzard & the Lizard Wizard saísse na mesma semana da morte de Brian Wilson. O disco recém-lançado de um dos principais nomes da psicodelia desse século é uma homenagem consciente ao salto dado pelo líder dos Beach Boys na música pop dos anos 60 ao mesmo tempo em que culmina o trabalho de uma década e meia de um dos grupos mais prolíficos e criteriosos que se tem notícia. Se o intuito do grupo é sempre lançar um disco completamente diferente do anterior, sempre querendo superar-se em termos de qualidade e ousadia musical (o mesmo abismo que quase levou Brian Wilson para longe da gente), em Phantom Island eles chegam ao seu auge. Segundo disco que gravam com uma orquestra, eles fazem Flight b741, lançado no ano passado, parecer um rascunho se comparado ao trunfo que conseguiram neste novo disco. Contando com um maestro pianista que entrou totalmente na frequência da banda como arma secreta (o britânico Chad Kelly, que mora na Austrália desde 2021), eles levam sua obra a um patamar de excelência que converge tanto as melhores viagens do coletivo Elephant Six (do Olivia Tremor Control, Neutral Milk Hotel e Of Montreal), a precisão perfeccionista do Steely Dan em estúdio (outro fruto direto dos esforços de Brian Wilson), as melodias camerísticas do pop de Burt Bacharach, a fase Disney dos Flaming Lips, os delírios megalomaníacos do Grateful Dead e o transe barroco do Mercury Rev na virada do milênio a uma mesma partitura épica, elevando o conceito de rock clássico a um novo parâmetro. Facilmente o melhor e mais palatável disco da banda, ao mesmo tempo em que fortíssimo candidato a melhor disco do ano, Phantom Island é uma obra-prima psicodélica que ainda não foi vista nessa década. Inacreditável. Pare tudo que estiver fazendo e ouça-o agora, pelo amor de Brian Wilson!
E depois de uma noitaça na Casa Rockambole, que tem horas pra fechar, arrastamos os sobreviventes do Inferninho Trabalho Sujo de sexta prum after na Porta Maldita, que teve um arraiá rock organizado pelas bandas Miragem, Schlop e Nunca Foi Tão Fácil, com direito a bingo, pescaria e rifa (com direito a um pano de prato do Steely Dan). Achei que ia chegar depois dos shows, mas ainda consegui ver a metade do show da Schlop – e por mais que a Bella, líder da banda, estivesse mais preocupada do que normalmente, o show seguiu aquela vibe indie lo-fi foda-se característica da banda, fazendo a noite terminar num astral relax depois do turbilhão de sons que havíamos feito um pouco antes. Bom demais.
#schlop #aportamaldita #trabalhosujo2025shows 115
Foi lindo o Inferninho Trabalho Sujo que fiz com a Porta Maldita nessa sexta-feira na Casa Rockambole. A ideia, que começou como uma oportunidade de fazer um grande evento para o lançamento do disco de estreia da banda Boca de Leoa, evolui para um encontro de três bandas promissoras da nova cena de São Paulo, todas engatilhando momentos distintos de suas carreiras, mas sempre espalhando uma vibe alto astral e dançante durante todos os shows. A noite começou com uma apresentação precisa da Tietê, usina de som que mistura elementos jamaicanos, paulistanos, latinos e outras groovezeiras e que ainda adia o lançamento de seu segundo álbum, gravado desde o ano passado – e que, em tese, sai ainda em 2025. O entrosamento dos músicos é patente e embora não haja uma liderança musical, o grupo gira em torno do pulso determminado pela baterista e vocalista Rubi e pelo carisma e versatilidade da vocalista e saxofonista Dodó. As duas impulsionam o volume de som do resto da banda, que atravessa o público como um trator grooveado em câmera lenta e acaba de anunciar seu primeiro show num Sesc, quando tocam, no próximo dia 11, no Sesc Belenzinho.
Depois foi a vez das estrelas da noite mostrarem que não estão pra brincadeira. É incrível a desenvoltura e a solidez musical mútua da Boca de Leoa, algo que só se constrói com muito show, trabalho que elas vem fazendo sério há uns dois anos. E mesmo felizes por estar lançando seu No Canto da Boca em grande estilo, é possível perceber o quanto elas já evoluíram em relação à banda que gravou o disco no ano passado – e sua química conjunta é tão empolgante quanto a postura individual de cada uma delas: Be Cruz está esmerilhando na bateria, sempre mantendo o pulso firme que conduz o grupo, a baixista Duriu traz peso e leveza aparentemente contraditórias ao seu instrumento, enquanto Nina Goulios nasceu para ser guitar heroine e Duda Martins domine o público com seu carisma inabalável e vocal que ainda está mostrando sua força. Elas ainda contaram com participações especiai, quando tiveram Rubi e Dodó da Tietê tocando percussão e sax em várias músicas, chamaram o flautista Vitor de Biagi e o acordeonista Pedro Zatz para acompanhá-las em outras e até mostraram uma música nova – um rock (!) composto dois dias atrás que fez o público abrir uma improvável roda de pogo. Ao convidar Luíza Villa, da Orfeu Menino, para o bis (que contou com todas as outras participações especiais), usaram seu primeiro hit “Vem Moreno” como uma forma de transformar a Casa Rockambole em uma quadrilha junina. Showzaço que mostra que elas estão só começando.
E a noite fechou com o melhor show da Orfeu Menino até hoje. Além de composições novas e uma única versão para música alheia (“Tudo Joia”, do Orlandivo, que só surgiu porque o público pediu bis), ainda contou com a transformação do tecladista Pedro Abujamra em showman, que saiu de trás do seu instrumento para brincar com a plateia sem deixar o groove cair. A cozinha formada por Tommy Coelho e João Ferrari segue tanto firme quanto dançante, enquanto o guitarrista João Vaz, que entrou para a banda no início do ano, pinga gotas de rock e blues no mapa musical de jazz brasileiro e MPB dançante dos anos 70 do grupo completamente à vontade. À frente de todas, o furacão Luíza Villa, explodindo seu vocal arrebatador, seu corpo performático numa eterna dança e seu carisma inabalável para deixar o público enlouquecido. Todas essas qualidades se juntaram ao humor inerente dos cinco na inédita “Hondureña”, irresistível música caricata latina em que Luíza encarnou uma aeromoça em portunhol conduzindo o público para uma utopia caribenha enquanto tocava um agogô que por vezes soava como um cowbell, outras caía pro groove, que ainda teve Abujamra conduzindo uma “cuenga humana” com o público, colocando-o para dançar numa fila em plena Rockambole, encerrando a noite com o astral lá em cima. Noitaça.
#inferninhotrabalhosujo #tiete #bocadeleoa #orfeumenino #aportamaldita #casarockambole #noitestrabalhosujo #trabalhosujo2025shows 112, 113 e 114
Mais uma vez vamos de Inferninho Trabalho Sujo na Casa Rockambole, desta vez selando a parceria com A Porta Maldita em grande estilo, numa sexta–feira 13 daquelas. No dia 13 de junho apresentamos três bandas reincidentes na festa que estão em pontos-chave de sua carreira, reforçando a ótima fase que atravessa a nova cena paulistana. A noite começa com o show da Orfeu Menino, que segue em ascensão nos palcos de São Paulo, afiando cada vez mais seu repertório autoral, entre o jazz dos anos 70 e o pop dos anos 80. Depois vem o quarteto Boca de Leoa apresentando pela primeira vez ao vivo seu disco de estreia, o irresistível No Canto da Boca. A noite fecha com o show da big band Tietê, prestes a lançar seu primeiro disco, gravado na Inglaterra. Uma noite de muito groove pra não deixar ninguém parado. A Rockambole fica na Rua Belmiro Braga, 119, entre os bairros Vila Madalena e Pinheiros, a festa começa às 20h e os ingressos já estão à venda.
“Uma música tem que mudar pra continuar viva”, escreveu Lykke Li para anunciar seu novo EP, Covers, lançado de surpresa nessa sexta-feira, “estou cantando essas músicas entre gravações, no chuveiro, para me acalmar do pesadelo de 100 horas em scroll, tudo que não posso dizer está na música”. Com apenas três músicas, o disco traz versões deslumbrantes e minimalistas para clássicos do pop como “Stand by Me” (de Ben E. King, regravada por John Lennon) e “Love Hurts” (dos Everly Brothers, regravada por Roy Orbison e pelo Nazareth) e o hino semirreligioso “Into My Arms”, de Nick Cave. “Adeus por enquanto”, despediu-se anunciando um novo disco, “mixar é um buraco de coelho, mas deus queira que o álbum irá sair, mesmo que toda esperança tenha acabado”. Esperamos.