Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Neguinho reclama….

…mas se esquece que isso já foi assim. Pessimismo é só vaidade, meu povo!

Me aqueça neste inverno

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Não é porque o frio chegou pra ficar (o sol ainda tá aí, mas perceba, aos poucos, os ecos do inverno) que vamos ceder e ficar em casa. E antes de um fim de semana que tem Virada Cultural e Skol Beats, Gente Bonita invade mais uma vez a festa do broder Lucio Ribeiro que, recém-chegado do Coachella, nos chamou pra fazer a casa cair bonito. Como a festa não é nossa, não tem como dar desconto – se bem que se cadastrando no site do Vegas ( www.vegasclub.com.br ), dá pra entrar na lista. Mas sempre dá pra fazer um agrado, por isso os nomes que se cadastrarem no nosso site estarão concorrendo automaticamente a cinco pares de entradas para a festa de quinta, a primeira de maio! Por isso, prepare pernas e quadris para a groovezeira pop que invade a pista do andar de baixo do clube da Augusta – a noite vai ser quente.

Gente Bonita @ Rockfellas
DJ residente: Lucio Ribeiro
CDJs convidados: Luciano Kalatalo & Alexandre Matias
Quinta-feira, dia 3 de maio
23h59
Local: Vegas Club. Rua: Augusta, 765 Cerqueira César Telefone: (11) 3231-3705
Preço: R$ 15 na hora / ou R$ 10 com nome na lista do Vegas –
www.vegasclub.com.br
Se cadastrando no www.gentebonita.org você concorre a um dos cinco pares de entradas free para o clube nesta data

Ainda pra esquentar…

Inverno Gente Bonita

O frio chegou – já já é hora de esquentá-lo. Guentaê.

The Good, the Bad and the Queen – The Good, the Bad and the Queen

Se “Ghost Town” fosse um disco

Há duas formas de se pensar artistas como David Bowie, Caetano Veloso, Raul Seixas ou os Titãs. Uma diz que são pilhadores de conteúdo alheio e apenas regurgitam idéias forjadas por outras cabeças para venderem-se como visionários e inovadores. A outra diz que, ao negarem-se a obrigação pela originalidade, transferem sua personalidade para estéticas alheias e a autenticidade aparentemente vazia é executada através da função de editor – recombinam e interconectam diferentes pedaços de realidade para criar a sua versão da história. “I am a DJ/ I am what I play”, dizia Bowie; “Eu não tou nem aí/ Eu não tou nem aqui”, urravam os Titãs. Um grande compadre meu, recém-pai, os chama de “picaretas do bem”. Damon Albarn é desses. Sua capacidade de mimetismo musical só é ultrapassada por seu feeling para perceber oportunidades. Sempre foi assim: das franjinhas de “There’s No Other Way” à fundação do britpop clássico em Parklife, até à criação de seu próprio Damon Albarn All-Stars em forma de caricatura (o Gorillaz, claro) e suas incursões à world music. Multifacetado e multidescolado, circula pelo universo pop como um predador charmoso que seduz/coage suas vítimas a entregar suas vísceras musicais em seus projetos particulares, enquanto os janta. De La Soul, Graham Coxon, James Hewlitt, Shawn Ryder, músicos de Mali. O prato do dia é uma iguaria especialmente pessoal. O menu: um papa negro do ritmo (Tony Allen, o baterista de Fela Kuti), o groove lento da conexão Londres-Jamaica do punk original (Paul Simonon, do Clash) e um fiel escudeiro da mesma geração (Simon Tong, do Verve) produzidos pelo produtor mais sensível do momento (quem mais? Dangermouse). Assim, Damon transforma sua canção favorita (a cabulosa “Ghost Town”, dos Specials) em um disco inteiro – e derrete um reggae fantasmagórico na brasa de um rock nada pra cima; melancólico, desconfiado, er, “adulto”. A fumaceira que se ergue é dub pesado, mas há violões dedilhados, barulhinhos, pianos martelados, clima de rádio sendo sintonizado, guitarras ranhetas, vocais graves e canções sombrias e pensativas, que olham de esgueio. E o vocal frágil e seguro de Damon une tudo – não apenas as faixas entre si, como também este álbum dentro de sua discografia. E assim, usando Simonon, Allen e Tong como espelhos, faz-nos vê-lo melhor. Um jovem mestre.

M. Takara – Conta

Terra chamando Takara

Um dos melhores bateristas de sua geração (e é uma geração de bons bateristas), Maurício Takara transita entre o hip hop, o free jazz, o hardcore desconstruído via indie cabeçudo e a eletrônica de laptop – um produto essencialmente paulistano. E, como acontece com a sua própria cidade, aos poucos Takara consegue assumir que suas diferentes facetas podem coexistir. Não é porque é baterista do Instituto, do Hurtmold, do São Paulo Underground, dono de seu próprio show e de uma dupla com o rapper Akin que seus discos solos tenham que soar como apenas parte de sua personalidade. O que era uma afirmação em sua estréia (M. Takara, de 2004) caiu na “síndrome do segundo disco” (Com Chankas & Jon, de 2005) e corria o risco de soar redundante, caso Conta não acenasse mudanças. Elas ainda são sutis, mas já apontam rumo a uma ponte que nem o próprio Takara pensaria em cogitar – e com o pop brasileiro. Embora o disco ainda seja dominado pelo autismo abstrato de seus ídolos Four Tet e Prefuse 73, o novo disco abre a cabeça para a música “normal” – por isso começam a surgir letras (“Eu Não”) e referências de música brasileira (“Meu Mundo Numa Quadra”) – que entregam a faceta hippie de sua geração (títulos como “Rô e Ju” e “Tudo é Muito Bonito Mas Sei Lá” não deixam dúvidas!). Do outro lado da ponte está o Los Hermanos, que já vislumbrou essa conexão antes mesmo que Takara (quando convidaram o Hurtmold para abrir seus shows). É claro que não é o caso de exigir canções, refrões e melodias do trabalho de Maurício. Aos poucos ele se abre para fugir de rótulos como “difícil” e “hermético”. Ainda é pouco – mas já é.

Everyone Stares – The Police Inside-Out – Police

Spinal Tap às Avessas

É a vingança do chato da câmera. Com o dinheiro ganho ainda nos dias de garagem do Police, o baterista Stewart Copeland comprou uma super-8 e passou a filmar tudo que aconteceu com a banda – tudo mesmo – e ano passado compilou em um documentário mais de 50 horas dentro da banda que, no começo dos anos 80, passou de eficiente máquina de hits a grife pop com pretensões de dominação mundial. Assim, assistimos a um plano de atingir o topo das listas dar certo do ponto de vista de um de seus arquitetos. O resultado é primo de The First U.S. Visit, filme sobre a chegada dos Beatles aos EUA em fevereiro de 1964 compilado a partir de registros caseiros. A diferença é que o espanto com o sucesso (puro nos Beatles) parece vir com a sensação de certeza, sempre presente no olhar e no papo dos três integrantes. Para fãs da banda, é ouro em vídeo (há o momento de composição de “Do-Do-Do (Da Da Da)” no estúdio, dezenas de trechos de apresentações ao vivo, cenas da banda em países exóticos – com o Brasil – e Andy Summers com uma estilosa camisa do Corinthians!); para apreciadores de música pop é uma espécie de Spinal Tap às avessas, uma caricatura invertida do estereótipo do rockstar, em que tudo dá certo, mesmo no final. Além da raridade do material, as intervenções narradas pelo diretor Copeland em 2006, contextualizam a história da banda com nostalgia arrependida e cinismo franco raros neste universo de celebridades sorridentes.

Live At The Fillmore East March 6 & 7, 1970 (Neil Young Archives – Performance Series) – Neil Young & Crazy Horse

Duelo de sangue azul

Gotas de sangue. Assim soam as notas trocadas pelas guitarras de Neil Young e de seu fiel escudeiro Danny Whitten neste soberbo registro do lado oculto da música country, a história que Dylan e a Band prefereriram não se envolver. Jovem velho como Bob, Neil se entregou de forma mais dramática à eletricidade e dançou com a música caipira de outro país (ele é nativo canadense) como se esta fosse a própria morte. No primeiro volume dos arquivos do avô do grunge (ironicamente rotulado como “volume 2”) que finalmente vêem a luz das lojas, acompanhamos uma versão ao vivo de uma fase incomparável de sua carreira, o equivalente à turnê de 1965/66 de Bob Dylan. É o momento em que Neil abandona Crosby, Stills e Nash rumo à sua própria carreira solo e encontra na Crazy Horse a melhor montaria para suas canções. E no que sobrou destas duas noites na famosa casa nova-iorquina (mesmo que longas, são apenas seis faixas – o resto perdeu-se com o tempo), vemos não apenas banda e compositor se encaixarem e sentirem-se à vontade musicalmente, mas o embate frontal entre as guitarras de Neil e Danny, que morreria de overdose de heroína dali a dois anos, fato que mexeu profundamente com seu parceiro. Uma cozinha de sonho (Talbot e Molina da Crazy Horse e o Forrest Gump do rock, Jack Nitzsche, no piano elétrico) cria o ambiente perfeito para duelos memoráveis em que o sangue voa como se saísse de bocas esmurradas, agulhas trocadas ou dedos gastos num instrumento de rock, com versões fodonas para épicos como “Down by the River” e “Cowgirl in the Sand”.

Live at the Isle of Wight Festival 1970 – The Who

Usina de som

Enquanto segue a boataria sobre a vinda-não-vinda de Roger e Pete pra essas praias, pinta esse DVDzinho com uma versão ainda mais ampliada do show do grupo num dos muitos “Woodstocks britânicos”. E por mais batido que o adjetivo “clássico” seja, não existe outro que exprima melhor a experiência audiovisual de uma banda ímpar como o Who. A presença elétrica da formação original dá origem a uma entidade sólida, que Pete Townshend se referia como “Maximum R&B”. “Rhythm’n’blues no talo”, um rótulo tão pesado quanto “heavy metal” ou “hard rock”, mas que designava as origens norte-americanas de seus compadres de geração, um conceito sempre presente na criação do mito The Who. Não é à toa que “Shakin’ All Over” é misturada às versões de “Spoonful” feita pelo Cream e “Twist and Shout” feita pelos Beatles (e não às originais de Willie Dixon ou dos Isley Brothers), literalmente citadas – algo tão sintomático quanto os Pixies (outra banda ímpar nascida em outra época de ouro) regravar Jesus & Mary Chain. E não importa se em faixas curtas como “I Can’t Explain”, nas jam sessions de “Summertime Blues” e “Magic Bus” ou na quase-íntegra de “Tommy” – o Who sempre comporta-se como uma usina de som e uma tribo mecânica ao mesmo tempo, que cuspe com força gritos de guerra por todos os instrumentos, intensidade como palavra-chave. O único porém é que as faixas-bônus (“Substitute” e “Naked Eye”) não podem ser assistidas na íntegra do show – que, por si só, é nota 10. Já a edição podia ser melhor…

Na Rolling Stone…

Então, tou colaborando desde março com a revista Rolling Stone. Nenhuma treta com a Bizz, pelo contrário, Ricardo Alexandre é grande compadre e continua aprimorando seu filhote com muito esmero (a nova edição, com o Tarantino na capa, tá muito istaile e é revista pop que dá gosto de ler), mas como tem essa regra na Abril – que quem colabora com a Rolling Stone não colabora com a Bizz – tive que fazer a escolha de Sofia – e como desde antes da primeira edição da filial brazuca da revista norte-americana eu tenho sido xavecado pra colaborar lá, fui nessa. Nenhuma pressão entre as duas redações – e eu mesmo acho que uma não compete com a outra -, pelo contrário, só reclama quem tá de fora. Mas cedi aos encantos e publico agora no Sujo a renca de resenhas que coloquei na revista. E ficamos combinados assim: sempre que a revista nova sair na banca, eu publico aqui o que eu escrevi na edição anterior da revista. Assim, quando a que tem a Marisa Monte for recolhida, vocês lêem a matéria que eu fiz com o Capital Inicial e outra ruma de resenhas. Pra começar essa nova fase, vai o papo que eu tive com o Gregg Gillis, o Girl Talk, que teoricamente viria se apresentar no Brasil no ResFest mas ao que parece anda sendo cotado pro Timfa no fim do ano. O Girl Talk (que eu elegi o terceiro melhor disco do ano passado) acabou de ser escolhido como personalidade de música de 2007 pela revista Wired. É o que eu sempre digo…

Mistura Fina

Você acorda ao som de qualquer pop dos anos 80 no rádio do despertador, vai trabalhar com aquele disco daquela banda de rock velha nos fones, se arruma pra sair enquanto ouve um dos quatro ou cinco hits que o que sobrou da indústria fonográfica tenta bombar pelos veículos que ainda restam, ruma pra noite com música eletrônica estourando nos ouvidos e na festa dança hits do rock alternativo. Houve uma época em que não era de bom tom passear por estilos musicais tão diferentes em tão curto tempo.

Felizmente, isso acabou. Culpe o acervo infinito e gratuito na internet ou a esquizofrenia de nosso dia-a-dia, mas o fato é que ninguém mais escuta só um determinado gênero musical. As tribos se fundem e os xiitas de diferentes vertentes são cada vez menos, eles mesmos como a última tribo. Produto tanto das colisões sonoras propostas na década passada quanto da crescente facilidade em se produzir música composta apenas de samples, este estado multifacetado da paisagem sonora do século vinte e um tem criado aberrações mutantes que vão de fusões de hip hop com desenho animado, indie rock com eletrônica, hardcore com romantismo e heavy metal com nerdismo gótico até remixes, mixtapes e mashups que confrontam artistas de épocas, gêneros e faixas etárias guiados pelo ritmo, mas em alguns casos por puro despeito.

Ninguém, no entanto, vai tão longe quanto Girl Talk. Enquanto DJs e produtores maquiam pedaços de músicas sampleadas para se tornarem irreconhecíveis para os ouvidos do público (e dos donos dos direitos autorais), o disco mais recente deste produtor de Pittsburgh que atende pessoalmente por Gregg Gillis é uma afronta a todos aqueles que acreditam na pureza de estilos musicais e que pode-se macular a biografia de um artista usando sample de outro artista “menor” em sua obra (tão subjetivas, estas comparações…).

O produtor é um dos nomes que estão cotados para tocar na próxima edição do festival de mídia Resfest, que acontece em São Paulo no mês de abril (o outro é o darling dos hypeiros Animal Collective). Ao clicar seu mouse sobre loops pré-estabelecidos de hits que resumem a história da música pop, Gregg, como os modernistas do começo do século vinte, pinta bigodes em diferentes Mona Lisas, mas acha que o grande trunfo desta vez é não limitar a discussão apenas ao circuito da Alta Arte.

“Samplear está definitivamente permitindo às pessoas terem uma chance de colaborar e manipular os mais conhecidos artistas pop de nossa época”, ele explica por email. “É como trazer este mundo aparentemente intocável para um nível mais normal. A principal diferença na comparação é que não acho que a arte moderna do começo do século vinte fosse algo que pudesse ser feito e distribuído para as massas, como o material que eu uso para o meu trabalho é”.

Em Night Ripper (Illegal Art, importado), Gills superpões samples manjadaços, sem a mínima intenção de esconder suas referências. O que se ouve é uma pilha de pedaços de músicas de todas as gôndolas de lojas de discos: músicas conhecidas de bandas de rock dos anos 90, riffs de britpop, vocais de hip hop de todas as eras, bases de mega hits dos anos 70 e 80, sussurros de R&B. Paul McCartney, Beyoncé, Steely Dan e Sonic Youth, todos no groove estabelecido pelos beats sampleados pelo produtor. O disco não é uma mixtape, não é uma coleção de mashup, não são vários remixes – é uma coisa completamente nova, mas ao mesmo tempo pertence a uma tradição antiga.

A obra de Girl Talk é descendente direta de um cânone que começa com os papas da música eletrônica erudita John Cage, Karheinz Stockhausen e Pierre Boulez passa pelo início do hip hop, encontra os terroristas sônicos do Negativland, KLF e John Oswald e produtores pop como Dust Brothers, Bomb Squad e Cut Chemist. Mas ao contrário de seus antepassados, a colagem sonora não é nem um experimento estético nem a base para mensagens que são ditas por cima. Pelo contrário – ela, e nada mais além da colagem, é a única estrela.

O produtor faz questão de enfatizar isso até mesmo ao vivo – e suas apresentações (procura no YouTube) dessacralizam o palco, ao colocar o público ao redor de si mesmo. “Eu toco com um laptop e nele tenho templates com um monte de loops prontos, esses templates são minhas versões cruas do que são minhas ‘canções'”, explica. “E misturo elementos diferentes deste mesmo template em tempo real. Toda hora que a música muda, é minha mão clicando o mouse. E eu gosto de interagir e suar com o público o máximo possível. Então faço as pessoas subirem no palco e ficarem ao redor, bebo a bebida do público e piro junto com ele”.