Na Rolling Stone…

, por Alexandre Matias

Então, tou colaborando desde março com a revista Rolling Stone. Nenhuma treta com a Bizz, pelo contrário, Ricardo Alexandre é grande compadre e continua aprimorando seu filhote com muito esmero (a nova edição, com o Tarantino na capa, tá muito istaile e é revista pop que dá gosto de ler), mas como tem essa regra na Abril – que quem colabora com a Rolling Stone não colabora com a Bizz – tive que fazer a escolha de Sofia – e como desde antes da primeira edição da filial brazuca da revista norte-americana eu tenho sido xavecado pra colaborar lá, fui nessa. Nenhuma pressão entre as duas redações – e eu mesmo acho que uma não compete com a outra -, pelo contrário, só reclama quem tá de fora. Mas cedi aos encantos e publico agora no Sujo a renca de resenhas que coloquei na revista. E ficamos combinados assim: sempre que a revista nova sair na banca, eu publico aqui o que eu escrevi na edição anterior da revista. Assim, quando a que tem a Marisa Monte for recolhida, vocês lêem a matéria que eu fiz com o Capital Inicial e outra ruma de resenhas. Pra começar essa nova fase, vai o papo que eu tive com o Gregg Gillis, o Girl Talk, que teoricamente viria se apresentar no Brasil no ResFest mas ao que parece anda sendo cotado pro Timfa no fim do ano. O Girl Talk (que eu elegi o terceiro melhor disco do ano passado) acabou de ser escolhido como personalidade de música de 2007 pela revista Wired. É o que eu sempre digo…

Mistura Fina

Você acorda ao som de qualquer pop dos anos 80 no rádio do despertador, vai trabalhar com aquele disco daquela banda de rock velha nos fones, se arruma pra sair enquanto ouve um dos quatro ou cinco hits que o que sobrou da indústria fonográfica tenta bombar pelos veículos que ainda restam, ruma pra noite com música eletrônica estourando nos ouvidos e na festa dança hits do rock alternativo. Houve uma época em que não era de bom tom passear por estilos musicais tão diferentes em tão curto tempo.

Felizmente, isso acabou. Culpe o acervo infinito e gratuito na internet ou a esquizofrenia de nosso dia-a-dia, mas o fato é que ninguém mais escuta só um determinado gênero musical. As tribos se fundem e os xiitas de diferentes vertentes são cada vez menos, eles mesmos como a última tribo. Produto tanto das colisões sonoras propostas na década passada quanto da crescente facilidade em se produzir música composta apenas de samples, este estado multifacetado da paisagem sonora do século vinte e um tem criado aberrações mutantes que vão de fusões de hip hop com desenho animado, indie rock com eletrônica, hardcore com romantismo e heavy metal com nerdismo gótico até remixes, mixtapes e mashups que confrontam artistas de épocas, gêneros e faixas etárias guiados pelo ritmo, mas em alguns casos por puro despeito.

Ninguém, no entanto, vai tão longe quanto Girl Talk. Enquanto DJs e produtores maquiam pedaços de músicas sampleadas para se tornarem irreconhecíveis para os ouvidos do público (e dos donos dos direitos autorais), o disco mais recente deste produtor de Pittsburgh que atende pessoalmente por Gregg Gillis é uma afronta a todos aqueles que acreditam na pureza de estilos musicais e que pode-se macular a biografia de um artista usando sample de outro artista “menor” em sua obra (tão subjetivas, estas comparações…).

O produtor é um dos nomes que estão cotados para tocar na próxima edição do festival de mídia Resfest, que acontece em São Paulo no mês de abril (o outro é o darling dos hypeiros Animal Collective). Ao clicar seu mouse sobre loops pré-estabelecidos de hits que resumem a história da música pop, Gregg, como os modernistas do começo do século vinte, pinta bigodes em diferentes Mona Lisas, mas acha que o grande trunfo desta vez é não limitar a discussão apenas ao circuito da Alta Arte.

“Samplear está definitivamente permitindo às pessoas terem uma chance de colaborar e manipular os mais conhecidos artistas pop de nossa época”, ele explica por email. “É como trazer este mundo aparentemente intocável para um nível mais normal. A principal diferença na comparação é que não acho que a arte moderna do começo do século vinte fosse algo que pudesse ser feito e distribuído para as massas, como o material que eu uso para o meu trabalho é”.

Em Night Ripper (Illegal Art, importado), Gills superpões samples manjadaços, sem a mínima intenção de esconder suas referências. O que se ouve é uma pilha de pedaços de músicas de todas as gôndolas de lojas de discos: músicas conhecidas de bandas de rock dos anos 90, riffs de britpop, vocais de hip hop de todas as eras, bases de mega hits dos anos 70 e 80, sussurros de R&B. Paul McCartney, Beyoncé, Steely Dan e Sonic Youth, todos no groove estabelecido pelos beats sampleados pelo produtor. O disco não é uma mixtape, não é uma coleção de mashup, não são vários remixes – é uma coisa completamente nova, mas ao mesmo tempo pertence a uma tradição antiga.

A obra de Girl Talk é descendente direta de um cânone que começa com os papas da música eletrônica erudita John Cage, Karheinz Stockhausen e Pierre Boulez passa pelo início do hip hop, encontra os terroristas sônicos do Negativland, KLF e John Oswald e produtores pop como Dust Brothers, Bomb Squad e Cut Chemist. Mas ao contrário de seus antepassados, a colagem sonora não é nem um experimento estético nem a base para mensagens que são ditas por cima. Pelo contrário – ela, e nada mais além da colagem, é a única estrela.

O produtor faz questão de enfatizar isso até mesmo ao vivo – e suas apresentações (procura no YouTube) dessacralizam o palco, ao colocar o público ao redor de si mesmo. “Eu toco com um laptop e nele tenho templates com um monte de loops prontos, esses templates são minhas versões cruas do que são minhas ‘canções'”, explica. “E misturo elementos diferentes deste mesmo template em tempo real. Toda hora que a música muda, é minha mão clicando o mouse. E eu gosto de interagir e suar com o público o máximo possível. Então faço as pessoas subirem no palco e ficarem ao redor, bebo a bebida do público e piro junto com ele”.