Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Um parto. Maldito Ben. Ajira. E essa canoa? Ele! E bum – ou seria “boum”? Mas só 1/3 final do episódio valeu – o resto foi encheção de lingüiça. Mas, porra, esse 1/3 final…
E boa noite.
Nota: 7,5.
Nessa entrevista, a Kate fala de duas coisas sobre as quais eu e o Ronaldo conversamos: uma, que o elemento ficção científica é só metade do apelo de Lost e a outra, ela alude à possibilidade de Sawyer tornar-se o pé da estátua de quatro dedos… Hmm…
Não é o livro das modelos e sim o episódio de Lost de hoje, que dá pra assistir por aqui.
Voltaê antes da meia-noite que eu descolo o link pra ver Lost ao vivo. E enquanto a hora não chega, tem esse textinho aqui da Popular Mechanics sobre o artefato apresentado no episódio passado.
E esse remix do Cansei de Ser Sexy pra um dos hits do Chromeo, vocês ouviram? Cheia de blips e mais sintética que o original, ela mexe pouco na estrutura da música e mais no arranjo robótico – o suficiente pra dar uma cara nova pra faixa. Curti.
E a nova da Lykke Li, hein… Triste e linda ao mesmo tempo. Já falei: essa sueca vai longe…
Lembram do Volume 3 do Tim Maia Racional, que apareceu do nada no ano passado? Mais um disco não-disco ressurge do baú da história graças à tal “pirataria” com aspas – e esse deixa o terceiro Tim Maia Racional minúsculo, de tão desimportante. Estou falando do disco Registros na Casa de Chico Pereira em 1958, que traz nada menos do que gravações de João Gilberto antes de ele ter gravado o compacto de Chega de Saudade – e talvez antes mesmo de participar do disco Canção do Amor Demais, considerado marco zero da bossa nova por reunir João, Tom Jobim e letras de Vinícius juntos pela primeira vez em disco. Registros foi pinçado pelo excelente Toque Musical que só por disponibilizar essa jóia já merecia ter um patrocinador que bancasse as pesquisas do autor do saite.
Esses registros – porque nunca foram um disco, como a capinha da fita magnética na capa entrega – não são apenas uma raridade. Eles trazem uma mistura de raio X na obra que inaugurou a música brasileira moderna (os três primeiros discos de João) com bastidores do nascimento da carreira do principal músico do século 20 – é algo como se encontrassem uma fita com o Lennon num camarim do Cavern Club tocando, ao violão, “Strawberry Fields Forever”.
Mas ao contrário do complexo de épico típico inglês, os rascunhos de um dos principais legados brasileiros ao planeta são músicas tocadas com zero pompa e com aquele calor informal que logo seria esfregado na cara do mundo como uma qualidade essencialmente brasileira. Não é um show, é um sarau na casa de um amigo – Chico Pereira era fotógrafo das capas dos discos da Elenco e além das canções em si – você pode o ouvi-lo comentando entre as faixas, às vezes acompanhando-o batucando em algum lugar. O clima é quase sempre informal: ouve-se um cachorro ao fundo de umas músicas, outras são atravessadas por risos e som de copos batendo na mesa. O som, mal gravado mas nítido o suficiente para ouvir o violão mágico como se estivesse a poucos centímetros de distância também não prejudica a voz, criando uma espécie de granulação ou sépia sonora que dão às músicas o aspecto que elas têm, o de peças de museu, itens escavados entre as ruínas da história.
Quem passou a dica do disco foi o Ronaldo, que ainda transcreveu o trecho em que Ruy Castro comenta a estas gravações em Chega de Saudade.
Uma das pessoas que João conhecera com Roberto Menescal e Carlinhos Lyra fora o fotógrafo da Odeon, Chico Pereira. Pela quantidade de hobbies a que Chico dispensava total dediacação – som, jazz, aviação, pesca submarina -, era difícil imaginar como lhe sobrava tempo para fazer um único clique como fotógrafo. Mesmo assim, Pereira conseguia dar conta das fotos de todas as capas da Odeon. Menescal era seu companheiro de pesca e os dois eram também irmãos em Dave Brubeck. Quando João Gilberto cantou pela primeira vez em seu apartamento, na rua Fernando Mendes, levado por Menescal, Chico experimentou a mesma sensação que tivera ao conhecer o fundo do mar. Com a vantagem de que a voz e o violão de João Gilberto podiam ser capturados. Não perdeu tempo: assestou um microfone, alimentou seu gravador Grundig com um rolo virgem e deixou-o rodar. Foi a primeira das muitas fitas que gravaria com João Gilberto em sua casa.
Antes mesmo que o 78 de “Chega de Saudade” invadisse as rádios – antes mesmo de ter saído o disco, fitas domésticas de rolo, contendo a voz e o violão de João Gilberto já circulavam pela Zona Sul. Circulavam é força de expressão. Poucos possuíam gravadores naqueles tempos pré-cassete, o que limitava a audiência de uma fita aos amigos do dono do gravador. Uma dessas fitas tinha sido gravada pelo fotógrafo Chico Pereira, felizmente um homem cheio de amigos; outra, pelo cantor Luís Cláudio. Em quase todas João Gilberto cantava “Bim Bom”, “Hô-ba-la-lá”, “Aos pés da cruz”, “Chega de Saudade” e coisas que nunca gravaria em disco, como “Louco”, de Henrique de Almeida e Wilson Batista, e “Barquinho de Papel”, de Carlinhos Lyra.
Não é brincadeira: é a fita demo de João Gilberto!
Separei uma versão mais jazz (com backing vocals sugeridos) para “O Pato”, “Louco” de Wilson Batista, uma “Doralice” cantada entre risos, “Nos Braços de Isabel” (em que é possível ouvir Chico corrigindo as letras para João) e “Chão de Estrelas” (música-símbolo daquilo que a bossa nova não queria ser), ambas de Silvio Caldas, e duas das sete “Conversations”, faixas em que Chico conversa com João – em uma, ele diz que depois apaga as gravações (hehe) e na outra, eles conversam sobre o maior violonista da atualidade. Justo com quem…
O disco você baixa aqui.
João Gilberto – “Chão de Estrelas“
João Gilberto – “Conversando sobre ‘Chão de Estrelas‘”
João Gilberto – “Nos Braços de Isabel“
João Gilberto – “Doralice (Reprise)“
João Gilberto – “Louco“
João Gilberto – “Conversando sobre o maior violonista da atualidade“
João Gilberto – “O Pato“
O quarteto paraibano Burro Morto pode ser encarado como mais uma das bandas a engrossar o coro da cena instrumental que cada dia se torna mais forte à medida em que a primeira década do século termina. Mas há pouco pós-rock e noise na equação do grupo, aproximando-o muito mais de um cânone que, apesar de não ser propriamente nordestino, tem raízes fortes naquela região. É uma geração cuja criatividade foi desperta e liberada pela Nação Zumbi ainda com Chico Science e que encontra ecos no Instituto, no Cidadão Instigado, no dub de Lucas Santtana ou na psicodelia do Guizado. O som é um híbrido de gêneros setentões afeitos á jam session, como o funk, o jazz-funk e o jazz-rock, mas temperado com psicodelia africana, timbres elétricos, dub e efeitos hipnóticos. Em quatro músicas, eles mostram que não estão pra brincadeira.
Mais Of Montreal ao vivo, dessa vez tocando ELO.
Eis o outro texto que eu falei:
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A tecnologia está presente em nós. Hoje, precisamos de diversas máquinas para os afazeres diários – carros, computadores, telefones, rádios, aparelhos de TV, geladeiras, máquinas de lavar, forno microondas, energia elétrica, motores a explosão, telecomunicação, energia nuclear. O século 20 mudou drasticamente a cara do planeta Terra, ao consolidar a raça humana como seus novos dinossauros – reis soberanos sobre todas as outras espécies, ditador arbitrário do destino de qualquer outra fauna ou flora. E a força que fez com que o homem – um ser pequeno, menor que um cavalo – se tornasse capaz de tudo isso não é natural.
Inventadas pelo ser humano, as máquinas facilitavam qualquer atividade que se pudesse inventar, das triviais às complexas. E mudaram completamente nossa noção de universo. Hoje, podemos falar em estar do outro lado do planeta em menos de um dia. Em saber o que está acontecendo em diversas partes do mundo agora. Você pode conversar com gente de toda a parte do mundo agora. Esquentar comida em segundos e congelá-la em minutos. Tomar banho quente quando quiser. Até ouvir música. Pense um mundo sem energia elétrica (apenas uma das invenções) e imagine o quanto estamos integrados às máquinas.
Eu disse integrados. Nós somos as máquinas. Ao mesmo tempo em que elas invadiram nosso mundo, nos robotizaram. Hoje tudo é calculado, programado, otimizado. Com a máquina veio a indústria e com esta, as jornadas de trabalho. Se temos horário rígido de trabalho e uma forma semelhante de se relacionar com nossa sociedade. Somos arquivados em apartamentos e casas sem conhecermos uns aos outros. Somos mais íntimos de nossa TV, do vídeo, do carro do que de um irmão, do vizinho. Conhecemos mais celebridades internacionais que personalidades locais.
Somos homens-máquina. Vivemos num mundo dominado por elas e para elas. Perdemos emprego para as máquinas, o que mostra que, aos olhos da sociedade atual, somos tão importantes como peças, como máquinas. Ou, mais aterrorizante ainda, elas são tão importantes como nós. Partindo deste conceito, dois alemães de Düsseldorf criaram todo o seu conceito musical. Ralf Hütter e Florian Schneider faziam parte da cena musical alemã do final dos anos 60, quando o rock foi assimilado por grupos como Can, Amon Düül, Ash Ra Tempel, Tangerine Dream e Guru Guru. Mais tarde rotulados de krautrock, esta geração de músicos vinha de uma formação clássica e observava o rock como uma forma de transgredir valores eruditos. Assim, obcecados por americanos tão diferentes quanto James Brown, Velvet Underground e Ornette Coleman, estes alemães foram os primeiros a querer fazer vanguarda com o rock daquele lado do Atlântico, enquanto os ingleses se “cabeçavam” com psicodelia, metal e progressivo.
No meio daquela cena estava o quinteto Organisation, que contava com Ralf e Florian no elenco. Psicodélico até a medula, o grupo venerava Syd Barrett, embora não soubesse que rumo ir. Aliás, até sabiam, só que vislumbravam a democracia numa banda e a desordem era a ordem vigente. Do Organisation, o único traço que ficaria na carreira da dupla, que logo sairia para desenvolver seu projeto definitivo, era a necessidade de transgredir as regras do rock. Com seu novo grupo, o Kraftwerk (cujo nome quer dizer “usina de força” em alemão, os dois passavam a adicionar a música eletrônica e a tentar organizar, de forma sintética, o caos do rock. Por rock, é bom esclarecer que, como vimos antes, aqueles alemães entendiam rock, soul, pop, trash, bubblegum, o que fosse. A influência da música pop no Kraftwerk do começo é crucial para entendermos como eles chegaram à raiz de seu som. A banda ainda contava com mais dois integrantes no começo da carreira – o guitarrista Michael Rother e o baterista Klaus Dinger – que deixariam a banda depois de dois discos para formar o também lendário Neu!.
Como Kraftwerk, Ralf e Florian gravaram dois discos, batizados simplesmente de Kraftwerk 1 e Kraftwerk 2 (com um cone de trânsito verde e vermelho nas capas, respectivamente), no começo dos anos 70. Com a saída de Rother e Dinger, os dois gravam um terceiro disco, mas assinando como Ralf und Florian. Estes três discos são cruciais para o entendimento do groove hipnótico que a banda desenvolveu a partir de sons artificiais. Os três discos também assistem a construção do estúdio da banda, o mítico KlingKlang, e sua nobre coleção de aparatos e engenhocas de manipulação artificial de ondas sonoras.
Mas a grande virada na carreira da banda aconteceria em 1974, quando gravavam o lendário Autobahn. Ao lado de mais dois novos músicos – os percussionistas Klaus Roeder e Wolfgang Flür -, eles se reinventavam como banda. A principal mudança foi simplesmente abandonar o rock de vez e se entregar às maravilhas da música eletrônica. Outra mudança radical foi de visual. Se antes Hütter parecia um bicho-grilo e Schneider um dos caras do Monty Python (John Cleese, certamente), o novo visual do grupo cortava seus cabelos curtinhos, colocava-os em ternos simétricos, com a barba bem feita e um olhar distante, vazio. Assinado por Emil Schult, que passaria a se dedicar a todo imaginário visual da banda, das capas de disco aos shows, além de escrever letras, dando-lhe o título de “quinto Kraftwerk”.
Mas a mudança principal era musical. Sem o rock, a banda perdia suas raízes terrenas e soava inteiramente artificial – mas com a mesma pegada da música pop. Sintetizando-a em laboratório, o Kraftwerk trabalhava com teclados Moog e Farfisa, vocoders, osciladores de som, LFOs, baterias eletrônicas e seqüenciadores caseiros (construídos pela banda), sintetizadores e ruídos diversos (vocais, entre eles), criando uma música mântrica e envolvente, binária e melódica, sintética e, incrivelmente, dançante. Comprovando seu potencial pop, uma versão reduzida da faixa título (um épico hipnótico de 22 minutos, uma sinfonia louvando “o carro como um instrumento musical”, segundo Hütter), freqüentou as paradas americanas.
Mas o Werk não estava interessado em paradas e, em seus próximos discos, Radioactivity (de 75) e Trans-Europe Express (de 77), fariam pelas ondas de rádio e pelo sistema ferroviário europeu o que Autobahn fez com os carros e as auto-estradas. E, no decorrer destes três discos, o grupo apura melhor o som criado no disco de 74. Preciso e robótico, o quarteto cria bases circulares que funcionam como ritmo, usando a repetição arbitrária como groove. Sua importância na história da música pop pode começar a ser medida por este período: todo movimento new-romantic inglês (Duran Duran, Human League), o technopop (Depeche Mode), o industrial (Nine Inch Nails), parte da new wave (Fall, B-52’s, Devo), a fase Berlim de Iggy Pop e David Bowie (e robotização de Brian Eno), a disco music (Giorgio Moroder, Donna Summer), o pop robô de Gary Numan, o electropop do New Order, os electrofunks Planet Rock (Afrika Bambaataa) e Trouble Funk Express (Trouble Funk) e o techno de Detroit (Mantronix, Cybotron). Todos eles devem os olhos da cara aos três primeiros e didáticos discos do Kraftwerk.
Com Man-Machine, de 79, eles resumiam sua obra ao comparar o ser humano com as máquinas que descreveram nos primeiros discos. Trans-Euro Express já trazia traços desta filosofia (em Showroom Dummies e Hall of Mirrors), mas é com Man-Machine que o Kraftwerk finalmente fala sobre a raça humana. E vê uma raça robótica, servindo máquinas que foram criadas para servi-las. Mas o grupo alemão não pregava a submissão às máquinas ou uma insurreição contra elas. Contemplava um mundo em que homens e máquinas funcionassem de forma complementar, harmoniosamente, como um circuito integrado. O Kraftwerk é o som desta utopia, um universo em que a trilha sonora é o som tocado por máquinas “que nos tocam”, como eles mesmo afirmam. O conceito do Homem-Máquina, apresentado de forma dramática em The Robots (cujo refrão, no original alemão, quer dizer “Nós é que somos os robôs!”) e em todo Man-Machine. Nas entrevistas, declaram que são uma máquina completa, um circuito integrado entre ser humano e máquina.
Computer World é só a continuação deste conceito. Fala da máquina que rege nossos tempos, o computador, que pode ser simples como uma calculadora de bolso, que nos reduz a números e senhas. Também corrói-nos com paranóia ao cogitar que os computadores seriam uma forma de controlar as pessoas (“Negócios, números, dinheiro, gente/ Crime, viagens, comunicação, entretenimento”). O disco saiu em 81 e marcou o primeiro grande hiato na carreira do grupo.
Durante cinco anos, o quarteto ficou imerso em boatos, enquanto desenvolviam a obra definitiva, o um disco cujo conceito seria a música pop, chamado de Techno Pop. Em meio à expectativa surgiu o boato que Hütter havia morrido ou estaria em coma profundo após cair de bicicleta. Não era coincidência o fato do primeiro fruto das sessões de Techno Pop a ver a luz do dia foi o ciclístico Tour de France, de 84, que venera a famosa competição em que se dá uma volta inteira na França de bicicleta. Composto magistralmente sobre percussões formadas pelo barulho da respiração humana, Tour de France mostrava que a banda ainda tinha gás para dar novas Autobahns, o disco foi um sucesso entre os incipientes (para o mercado) breakdancers e só existe em CD em cópias piratas.
Electric Café frustrou as expectativas em 86. Techno Pop havia entrado em crise e o conceito de Electric Café (a tecnologia sendo responsável pela integração das comunidades e idiomas) é um suproduto do que o disco originalmente seria. Mas em meio ao mar de sintetizadores robóticos criado pelos anos 80, o Kraftwerk cantando Boing-Boom-Tschak era tão importante quanto Little Richard berrando Wah-Bap-Loo-Bap-Wap-Bang-Boom no meio dos anos 60. Então o grupo fechou as portas e se submeteu a outra tarefa: atualizar o estúdio KlingKlang para a tecnologia digital.
O fruto deste update aconteceu em 91, com The Mix. Nele, o grupo reabilitava uma série de clássicos para as pistas dos anos 90. Em nossa década, a importância do Kraftwerk é incontestável. Além dos movimentos citados anteriormente, o grupo alemão é peça-chave na construção de sons tão distante quanto Stereolab (que brinca com grooves brancos da fase pré-Autobahn e com as engrenagens sonoras dos primeiros discos) e Spiritualized (cujo líder, Jason Pierce, é fanático pelo drone constante das músicas do Werk desde os tempos do Spacemen 3), toda a cena techno, ambient, big beat e house, parte da cultura hip hop, metade da turma do pós-rock, e ecos distantes em gente como Sonic Youth, Beastie Boys e DJ Shadow. Sem aparecer para o público desde então, o grupo voltou à estrada em 95, num lendário concerto no festival Tribal Gathering. De lá até hoje, se extendem numa turnê longa e pausada, que passou pelo Brasil no ano passado, num show histórico (pois esta será a última turnê da banda) que só veio confirmar que, como disse um amigo meu, vivemos num mundo em que o Kraftwerk sonhou há trinta anos!.