Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Mais uma vez no Roda Viva

Agora já pode contar: fui um dos entrevistadores do próximo Roda Viva, clássico programa de entrevistas da TV Cultura, que irá ao ar na segunda-feira de carnaval quando recebe o atual dono desta data em São Paulo. O programa com o compadre Thiago França será exibido no mesmo dia em que ele sai com sua tradicional Espetacular Charanga do França, parando Santa Cecília com doses pesadas de boas vibrações, e o papo não podia ser outro além de carnaval, mas é claro que isso também é motivo para falar de política, cidadania, arte e cultura, tanto no contexto da folia, quanto em uma escala mais ampla – ainda mais em ano de eleição. Na banca, ao meu lado, estavam Alberto Pereira Jr., Mariana Zylberkan, Leonardo Rodrigues Dahi e Pérola Mathias e o programa foi mediado pela Vera Magalhães, a quem agradeço o convite. É a segunda vez que participo do programa, a outra foi há mais de 15 anos, quando o entrevistado foi o profesor e crítico cultural norte-americano Steven Johnson.

Da maior importância

Começamos muito bem a temporada 2024 no Centro da Terra nesta segunda-feira, quando recebemos o MC fluminense Dadá Joãozinho para mostrar a próxima fase de seu trabalho, que está sendo construída no palco. Depois da boa recepção de seu disco de estreia, Tds Bem Global, o produtor rearranjou canções deste primeiro trabalho no espetáculo Global Inabitual, em que, sozinho, desconstruiu suas faixas, deixando seu canto livre para experimentar novas paisagens sonoras. Com o auxílio luxuoso da luz de Mau Schramm, Dadá saudou parceiros como Bebé, Alceu e Joca, além de reverenciar Maria Beraldo numa versão particular para sua “Da Menor Importância”. Foi bonito.

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A primeira apresentação de Joni Mitchell no Grammy

Teve Dua Lipa, Billie Eilish, Lana Del Rey, Taylor Swift, Jay-Z chochando geral porque Beyoncé não ganhou de novo, Miley Cyrus, U2 e Billy Joel, mas o Grammy deste ano teve um sol e todos orbitaram ao redor da primeira apresentação de Joni Mitchell na premiação. Ela recebeu o prêmio de melhor disco folk do ano pelo disco ao vivo que lançou ano passado, Joni Mitchell at Newport, que registrava a aparição surpresa da mestra no clássico festival, quando foi acompanhada da amiga e musicisita Brandi Carlile, que a apresentou como “a matriarca da imaginação, uma verdadeira mulher da renascença, minha e sua heroína. Carlile também esteve presente na apresentação ao vivo que Joni fez, acompanhada de outras artistas como Lucius, Blake Mills, Jacob Collier e Allison Russell, quando cantou uma versão deslumbrante para seu clássico “Both Sides Now”.

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Dadá Joãzinho: Global Inabitual

A primeira apresentação de 2024 no Centro da Terra é o produtor e MC de Niterói, Dadá Joãozinho, que, com seu disco de estreia – lançado pelo selo norte-americano Innovative Leisure – Tds Bem Global, conseguiu estar entre as revelações nacionais do ano passado. Nesta primeira apresentação no teatro, ele expande o conceito do disco e começa a mostrar os próximos passos de seu trabalho, fundindo música instrumental, jazz, beats quebrados e vocais rimados em Global Inabitual. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão sendo vendidos neste link.

Aston “Family Man” Barrett (1946-2024)

Morreu o maior baixista da história do reggae – o que não é pouca coisa, uma vez que o instrumento é praticamente a âncora do gênero. Aston Barrett já teria seu lugar na história só pelo fato de ter tocado nas primeiras formações montadas pelo papa do dub, Lee “Scratch” Perry, quando ele começou a experimentar em seu estúdio na virada dos anos 60 para os anos 70. Mas a partir de 1974, quando foi convocado por Bob Marley para assumir o instrumento em sua banda, os Wailers, ele passa a dirigir musicalmente a banda do velho Bob, gravando em todos seus discos até sua morte, em 1981. É o integrante mais constante da banda de Marley ao lado de seu irmão, o baterista Carlton (que também tocou com Lee Perry). Além de Marley, também gravou discos clássicos de Bunny Wailer e Peter Tosh, ex-integrantes da banda de Bob que ganharam sua própria magnitude, além de ter sido mentor do segundo maior baixista da história do reggae, Sly Dunbar, da dupla Sly & Robbie. O apelido – homem de família – vinha da extensa prole que havia feito desde a adolescência, contabilizando mais de quarenta filhos. Um deles, justamente o Junior, primogênito, foi quem anunciou, via Instagram, que o pai havia morrido após “uma longa batalha médica”, sem especificar qual seria a causa da morte. Vai em paz, mestre!

Uma viagem pesada com os Boogarins

Show dos Boogarins é sempre um acontecimento transcendental – a liga desenvolvida entre os quatro filhos do Centro Oeste transforma qualquer momento de entrosamento musical dos quatro em um delírio particular que pode ser esticado por horas se eles quiserem. Às vésperas da primeira turnê pelos EUA desde o período pandêmico, o grupo passou pelo Sesc Vila Mariana neste fim de semana celebrando os dez anos do aniversário de seu disco de estreia, Plantas Que Curam, que finalmente ressurgiu em vinil após anos fora de catálogo, e assistir a Dinho, Benke, Rapha e Ynaiã passeando por um repertório que já tem uma década não só reforça a importância do grupo na história da psicodelia brasileira como mostra que sua evolução é coesa, intensa e ampla, fluindo quase organicamente. A apresentação deste domingo contou com a íntegra do disco de 2013 – em ordem diferente -, trazendo ainda faixas que não entraram na edição original e que ressurgem nesta nova versão (como “Resolvi Ir”, que, como faziam há dez anos, fazia o show começar já engatado, “Olhos”, “A Sua Frente” e “Refazendo”), “Foi Mal” e uma faixa inédita, do próximo disco (“Cais dos Olhos” – é isso, Benke?). Por uma hora e meia de transe, o quarteto do cerrado nos submeteu a uma hipnose sonora auxiliada pelo time-família titular para além do palco (Renatão e Alejandra no som, Chrisley como roadie, Rolinos nas imagens e Igor na luz) que expandia minutos por horas psíquicas. O final da primeira parte do show, em que “Infinu”, “Fim”, “Doce” e “Eu Vou” se fundiram em uma só, foi só um dos vários exemplos que eles colocaram em prática a natureza psicodélica de seu som. Uma viagem pesada.

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Assista abaixo:  

E o Jorge Drexler cantando Tim Bernardes?

Entre um show em Montevidéu e Santiago, o uruguaio Jorge Drexler arrumou um tempinho para regravar “BB”, do Tim Bernardes, em português e postar em seu Instagram para convidar o público espanhol ver os shows solo que Tim está fazendo na Península Ibérica. Ficou bonito:  

O disco country de Lana Del Rey

Durante a festa organizada pela revista Billboard antes do Grammy neste domingo, Lana Del Rey confirmou algo que já vinha atiçando: seu disco country está vindo aí. “Se não dá pra perceber pelos vencedores dos prêmios e pelos nossos artistas, o negócio da música está indo para o country”, ela disse durante a festa, como relata a própria Billboard. “Isso está acontecendo! E é por isso que Jack (Antonoff, seu produtor) me seguia para (o estúdio) Muscle Shoals, em Nashville, nos últimos quatro anos – para escrever nosso disco, que está vindo em setembro e chama-se Lasso”. Ela já flertou com o gênero musical algumas vezes, gravando os clássicos “Take Me Home, Country Roads” (de John Denver) e “Stand By Your Man” (de Tammy Wynette), além de ter feito apresentações ao vivo ao lado das estrelas country Nikki Lane e Sierra Ferrell cantando uma música que nunca lançou, chamada “Prettiest Girl In Country Music” – ou seja, ela sabe o que está fazendo… Vamos ver.

Coração certeiro

Fui mais uma vez reencontrar o mestre Jards Macalé, desta vez no Sesc Bom Retiro, onde ele está mostra, durante o fim de semana, seu ótimo Coração Bifurcado, que produziu no ano passado ao lado de Rômulo Froes, Rodrigo Campos, Guilherme Held, Pedro Dantas e Thomas Harres, que no palco surge com uma superbanda formada apenas por mulheres: a gigantesca Maíra Freitas, a guitar heroine Navalha Carrera (que toca na banda da Letrux), Lelena Anhaia (eterna parceira de Anelis Assumpção), a espoleta Victoria dos Santos, Aline Gonçalves e Flavia Belchior. Mas Jards também quis seu momento solo e com seu instrumento passou por três do disco mais recente (“Mistérios do Nosso Amor”, cantada no disco por Bethania, “Grãos de Açúcar” e “Simples Assim”, acompanhada pela voz e pelo piano de Maíra) e pela maravilhosa instrumental “Um Abraço do João”, em que saúda o mestre João Gilberto com um causo incluído em todos seus shows depois da pandemia. Com a banda completa, que além de repassar quase todo o repertório do disco do ano passado, ainda desbravou seus clássicos “Mal Secreto” (emendada, como vem fazendo, com “Corcovado”), “Hotel das Estrelas”, “Soluços” e “Meu Amor, Meu Cansaço”, esta última mais recente mas que já chegou a esse status – foi quando ele apresentou as musicistas que o acompanhavam uma a uma. Foi demais.

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Wayne Kramer (1948-2024)

Outro que nos deixa neste início de fevereiro é o mestre Wayne Kramer, fundador do MC5 e um dos progenitores do punk rock. Com sua banda seminal, abriu um talho na cabeça do rock dos anos 80 ao colocar Detroit no mapa do rock norte-americano ao lado dos conterrâneos Stooges e Alice Cooper. Com o MC5, colocou o rock de garagem dos anos 60 numa britadeira elétrica e junto com o compadre Fred “Sonic” Smith (que anos mais tarde tornaria-se marido de Patti Smith) transformou a guitarra elétrica em um instrumento ao mesmo tempo barulhento e agressivo, como nenhum outro músico daquele período havia feito. E o rugido de suas guitarras ecoavam os gritos politizados incitados pelo empresário do grupo, o ativista John Sinclair. E por mais que o impacto musical de sua influência não tenha sido registrado com eficácia (à exceção do primeiro disco da banda, o imortal Kick Out the Jams, gravado ao vivo), sua influência atravessou os anos 70, mesmo que neste período tenha se afastado da música por conta das drogas e se envolvidos com pequenos delitos que o levaram à cadeia. Ao sair do xilindró, em 1979, mudou-se para Nova York e tocou com um sem número de bandas punk iniciantes, já na segunda leva do punk nova-iorquino. Sua carreira foi ressuscitada de fato nos anos 90, quando o líder do Bad Religion, Brett Gurewitz, o assinou em sua gravadora Epitaph. Aos poucos foi sendo reconhecidos por gerações ainda mais novas até que, no começo deste século, reativou o MC5 com uma série de colaborações ilustres, tocando inclusive no Brasil (com Mark Arm, do Mudhoney, nos vocais). Além da carreira musical também tinha um trabalho social sério voltado à reabilitação tanto de usuários de drogas quanto de ex-presidiários. Sua passagem foi anunciada nessa sexta-feira em suas mídias sociais, mas não há notícias sobre a causa da morte.