Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Repescando Dorival Caymmi


(Foto: Ilana Bar/Divulgação)

O nome da banda Quartabê foi inspirado no humor de fundo de sala de aula de seus integrantes, mas serviu como molde para seus trabalhos, cada um deles uma aula que fazem em relação a um compositor. E como fizeram no primeiro Lição #1, em homenagem ao pernambucano Moacir Santos, quando, depois do lançamento do disco, fizeram um EP a partir do que ficou de fora da primeira obra, agora repetem a recuperação de Lição #2, lançando um EP a partir do que fizeram ao costurar a obra de Dorival Caymmi. O EP Repescagem, que lançam nesta quinta-feira e que mostram em primeira mão no Trabalho Sujo, muda um pouco a estrutura do disco inicial, como explica Maria Beraldo. “No Lição #2 a gente fez uma escolha de estrutura que, em vez fazer arranjos de cada música, a gente resolveu fazer uma grande composição, uma suíte de 40 minutos, uma peça só – tudo ali é Dorival mas também é uma composição nossa, de alguma maneira”, conta a musicista. “E nesse processo a gente teve várias ideias de arranjos que ficaram de lado porque não cabiam no Lição #2 na ideia que a gente queria – e agora essas ideias voltam no Repescagem, à moda Quartabê, com uma visão distante das versões originais e ressignificando essas músicas que pra gente são das coisas mais valiosas e preciosas que a gente tem na música.” Além disso, Beraldo, Chicão, Joana Queiroz e Mariá Portugal recebem duas participações preciosas, ídolos do grupo: “A Mart’nália faz nosso reggae descompassado, nosso balanço diferente”, continua Maria, “e a Ná Ozzetti vem na nossa versão de ‘Maricotinha’, que mistura com a nossa conexão com o Zé Celso. É um disco muito ritualístico pra gente, costurado com a canção ‘Quem Vem Pra Beira do Mar’, que aparece em três sessões.” O grupo lança o disco no próximo dia 28, no Sesc Vila Mariana.

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Os quatro R.E.M. juntos novamente

Há uma movimentação peculiar acontecendo. Se no começo do anos os quatro integrantes do R.E.M. subiram no palco ao mesmo tempo como não faziam há 17 anos, desta vez Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry sentaram-se juntos à mesa para conversar sobre sua carreira e legado em uma entrevista que vai ao ar nesta quinta-feira no programa norte-americano CBS Mornings (veja abaixo), quando foram entrevistados pelo jornalista Anthony Mason a partir da entronização do grupo no Songwriters Hall of Fame, que acontece no mesmo dia. O grupo voltou a se reunir em fevereiro deste ano quando compareceu ao show em Athens (cidade da banda) que o ator Michael Shannon e o guitarrista Jason Narducy (que toca com Bob Mould) estão fazendo em homenagem ao primeiro disco da grupo, Murmur, mas só participaram de algumas canções e nunca os quatro ao mesmo tempo. A banda terminou oficialmente em 2011, mais de dez anos depois da saída do fundador Bill Berry e ver os quatro tão tranquilos e despreocupados falando sobre si mesmos parece um bom sinal de que eles podem tranquilamente voltar aos palcos para fazer mais uns shows. É mais torcida do que realidade, mas vai que…

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Françoise Hardy (1944-2024)

Com um post no Instagram em que dizia “mamãe se foi”, Thomas Dutronc anunciou ao mundo a morte de sua mãe, a grande dama da canção francesa Françoise Hardy, que há 20 anos era vítima de um câncer no sistema linfático, embora a causa de sua morte não tenha sido revelada. Nascida na Paris ocupada pelos nazistas durante um bombardeio, Françoise teve uma infância miserável e só aos 16 anos de idade teve contato com a música, quando aprendeu a tocar violão. Dois anos depois gravaria o primeiro disco, Tous les Garçons et Les Filles, cuja faixa-título foi um dos maiores sucessos da indústria fonográfica de seu país. Com uma música composta por ela mesma – algo raro naquele mercado naquela época – a jovem cantora conectou a juventude francesa com a música pop que começava a dominar o planeta, ao iniciar um movimento que seria conhecido como yé-yé, parente distante do iê-iê-iê da Jovem Guarda brasileira. Jovem musa durante os anos 60, foi cortejada pelos Rolling Stones, por Bob Dylan (que dedicou-lhe um poema na contracapa de seu segundo disco) e David Bowie, era uma das modelos preferidas de Yves Saint Laurent e atuou em filmes de Jean-Luc Godard, Roger Vadim, John Frankenheimer e Claude Lelouch, mas à medida em que tornava-se mais popular, tornava-se mais introspectiva, tanto pessoalmente quanto em termos musicais. Passou a gravar canções de Serge Gainsbourg e Leonard Cohen e ganhou uma aura madura que consagrou sua importância na história da música pop, tornando-se uma espécie de encarnação da canção francesa mais do que qualquer outro intérprete contemporâneo. E não custa reforçar a importância da música brasileira para sua música: depois de ter gravado “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, como “A quoi ça sert”, ela dividiu seu melhor disco, o soberbo, sexy e delicado La Question, de 1971, com a violonista Tuca – foi seu único disco em que ela envolveu-se com a produção musical, uma vez que Tuca compôs quase todas as músicas, que foram arranjadas a partir de sugestões de Hardy, ao contrário de seus outros discos, em que ela apenas gravava a voz após toda a parte musical ter sido feita (além de ter uma versão para uma música de Taiguara (!) – e “A transa” virou “Rêve” em francês). Em seus últimos anos parou de cantar devido ao câncer que enfrentava e tornou-se uma das principais vozes na França a advogar a favor da eutanásia, uma causa que ajudou a tirar do tabu para tornar-se uma pauta política. Sua voz e suas canções ajudam a manter seu nome vivo entre nós. Merci, madam.

Pura magia

Mais uma apresentação de tirar o fôlego conduzida por Juçara Marçal no Centro da Terra. Na segunda noite em que trouxe seu Encarnado em versão acústica este ano para o palco do Sumaré, a maior cantora do Brasil hoje não só fechou esta pequena temporada com uma apresentação ainda mais intensa que a da terça anterior, como encerrou outro ciclo, ainda maior, aberto quando realizou a primeira data de uma temporada interrompida no fatídico março de 2020 da pandemia. Acompanhada dos cúmplices de sempre – Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, todos eles empunhando instrumentos sem eletricidade -, ela transformou mais uma vez seu disco de estreia no véiculo perfeito para a expor a intensidade de sua performance ao vivo, quando transforma sua voz e presença de palco em uma passagem para entidades, cada uma em uma canção. E assim ela foi enfileirando sambas de Siba e Paulinho da Viola, Itamar Assumpção e Gui Amabis, Romulo Froes e Chico Buarque, Tom Zè e Douglas Germano cujas histórias e letras misturam causos do cotidiano com casos de polícia, dramas pessoais com traumas íntimos, rezas e cânticos, sempre amparada pela complexa trama formada pelo entrelaçamento ímpar das cordas de Kiko e Rodrigo e coberta pela lânguida rabeca de Thomas. Uma noite que não apenas tirou o fòlego como livrou o encosto dos traumas dos anos recentes. Pura magia.

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Ecos de outras dimensões

Mais uma segunda-feira atordoante dentro da temporada Curadoria do Medo que a dupla Test está fazendo no Centro da Terra – e se na primeira noite, João e Barata passearam sua avalanche de ruído acompanhada da surra de imagens aleatórias proposta pela VJ Carol Costa, na segunda sessão foi hora de transitar entre a iluminação, por vezes etérea e difusa e por outras frnética e energizante, conduzida por Mau Schramm e pelos ruídos manipulados por Douglas Leal, que começou a noite com gravações da própria banda antes mesmo de ela subir no palco, para depois misturar e remixar outros ruídos emitidos pela dupla enquanto os dois tocavam, funcionando como um eco de outra dimensão. Foi intenso.

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Professor Kendrick Lamar

E na semana passada Kendrick Lamar apareceu como orador-surpresa para a turma dos formandos na Compton College, universidade de uma das vizinhanças mais clássicas da história do rap, Compton, onde ele cresceu e fez fama. “Ainda acredito em Compton”, disse ele no discurso que fez no meio da cerimônia, reforçando seu amor por sua comunidade. A fala de Kendrick começa no minuto 42 do vídeo abaixo e logo em seguida publiquei a tradução de sua fala:  

Vida Fodona #813: Retomada de ritmo

Sem pressa.

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John Lennon: “Você está aqui”

Um dos discos mais turbulentos da carreira solo de John Lennon está ganhando um tratamento de luxo e sendo dissecado de diversas formas para ser relançado em outubro deste ano. Mind Games é o disco que marca a separação de John de sua esposa Yoko Ono num período de 18 meses que ficou conhecido como “O Fim de Semana Perdido” na biografia do ex-beatle, numa referência ao título original do filme Farrapo Humano, de Billy Wilder, sobre alcoolismo. Mas em vez de lamentar o término do relacionamento dos dois, que foi retomado no ano seguinte, a reedição prefere celebrar a história do casal buscando referências desde o primeiro encontro e traz imagens inéditas da exposição You Are Here (“Você está aqui”) que Lennon montou em 1968 literalmente influenciado pela poesia e pela arte de sua nova namorada – imagens que se tornaram um novo clipe para a faixa do mesmo título que encerra o disco. Diz John: “Fiz a exposição ‘You Are Here’ na galeria Robert Fraser, que consistia numa galeria sem nada com uma grande tela circular em que escrevi: ‘você está aqui’. Você tinha que descer as escadas e passar por diferentes latas coletoras de dinheiro para instituições como fundos a favor dos direitos humanos, dos animais e da luta contra o câncer – o lugar estava cheio delas – e no lado esquerdo havia uma parede com essa tela enorme escrito ‘você está aqui’ com um chapéu em que as pessoas poderiam colocar dinheiro – para o artista – e uma jarra cheia de pequenos bottons brancos que vinham com ‘você está aqui’ escrito. Filmamos as pessoas por trás de uma janela escurecida com a equipe da versão inglesa do programa Câmera Escondida e deixamos balões com bilhetes escrito ‘mande uma mensagem quando entender’ para que as pessoas mandassem cartas dizendo de onde elas vinham. ‘Você está aqui’ é mais só uma piada, acho. As pessoas leem e de repente percebem que é uma verdade: ‘é, estou aqui’, pensam, ‘como essas outras pessoas estão aqui. Nós todos estamos aqui juntos’. E é aí que as vibrações começam a ser trocadas. Boas e más, dependendo de quem as envia ou como elas se sentem. Muita gente foi para a Índia para descobrir onde estavam, como Richard Alpert, aquele amigo do Timothy Leary , que foi para a Índia, viu vários gurus, procurando-os por toda a parte e tudo que esses gurus diziam para ele era: ‘lembre-se de estar aqui agora’. É tudo o que os gurus vão te dizer. Lembre-se deste momento agora. Estava conversando com George outro dia e esqueci de perguntar para ele: ‘o que você está procurando? Você está aqui!”. A versão mais parruda da reedição de Mind Games é uma caixa limitada com apenas 1100 cópias, que conta com reproduções numeradas de artes de John e Yoko (além de seus certificados de autenticidade), um EP com um holograma aplicado, nove LPs (entre eles dois do tipo picture), dois livros, quatro pôsteres, dois mapas, dois postais, três bottons, um Caça-Palavras, moedas de I Ching e uma camiseta da causa levantada por John na época, da Nutopia, um selo postal Nutópico e uma réplica da placa da embaixada de Nutopia. O preço, claro, é uma facada: 1650 dólares – e já está em pré-venda.

Assista ao clipe e veja as músicas que vêm na caixa abaixo:  

O rock do século 21 para além da caricatura do século 20

Bem bom o show que o Interpol fez neste sábado no Áudio. Foi o último show que a banda nova-iorquina fez no Brasil nesta vinda, em que passou pelo Rio de Janeiro e fez duas datas em Sâo Paulo, celebrando seus dois primeiros discos, sabidamente a fase clássica da banda. Para não repetir exatamente o show que fizeram na sexta, inverteram a ordem dos discos e começaram com o segundo, Antics, lançado há vinte anos, e essa opção deu uma outra cara à apresentação. Afinal, sua obra-prima é seu disco de estreia, Turn On the Bright Lights, lançado em 2002, e o disco seguinte, apesar de manter o vigor e a energia do anterior, perde nos quesitos tensão e climão, qualidades que tornam o primeiro álbum tão memorável. Assim, a noite começou com um pique mais intenso, mas sem queimar os principais hits, opção que seguiu na segunda metade da noite, quando o grupo, ao contrário do que fez ao tocar seu segundo disco, mexeu na ordem das faixas. No palco, o trio fundador da banda segue firme como ícones do rock do século 21, que mantém alguns dos valores do estilo musical mais popular dos últimos 60 anos, mas sem cair na caricatura roqueira que prende o gênero no passado. O guitarrista Daniel Kessler segue a linhagem da guitarra pós-punk – que ruge mais do que sola – e deixa o ritmo do seu instrumento determinar a intensidade da banda, por vezes mais estridente, outras mais soturno. À frente de todos, Paul Banks encarna a intersecção entre a personlficação do cool e a pose de rockstar, começando o show de jaqueta de couro e óculos escuros e hipnotizando os fãs com seu grave implacável e sua postura ao mesmo tempo distante e quente, trocando pouquíssimas palavras com o público e regendo a multidão apenas com suas cordas vocais. Os outros três músicos – o baixista Brad Truax e o tecladista Brandon Curtis, ambos há mais de uma década na banda, e o baterista Chris Broome, que substituiu Sam Fogarino nesta turnê – não gravaram os discos celebrados na noite, mas estão completamente dentro da vibração do grupo, tornando a dinâmica da banda norte-americana quase inglesa – pouco movimento em cena (à exceção de Kessler, hiperativo), emoções contidas e entrega plena. Entre um disco e outro a banda fez uma pausa, saiu do palco, para retomar o primeiro álbum com a ordem das músicas trocadas – heresia para os fãs mais radicais, mas que fez sentido no decorrer do show. A parte de Turn On the Bright Lights começou com uma música que não está no disco (“Specialist”, lançada no primeiro EP da banda), pulou para a quinta do lado A (“Say Hello to Angels”) e só retomou a ordem original com a terceira faixa (“Obstacle 1”). Daí pra frente o grupo meio que seguiu a versão do primeiro disco (apenas puxando uma faixa do lado B, “Roland”, para depois de “NYC”, do lado A) e deixou claro o motivo de ter alterado o setlist em relação ao disco para deixar o grande hit “PDA” como penúltima música da noite, tocada antes de encerrar mais uma etapa, sair do palco e só aí retornar com a abertura épica do disco, “Untitled”, que neste contexto funcionou como o melhor jeito de encerrar a noite, fazendo o público que cantou todas as músicas o show inteiro, sair sonhando com os versos “Surprise sometime will come around” ecoando na cabeça. Bem bom – só pecou por tirar a música que encerra o disco, “Leif Eriksson”, que tocaram no dia anterior, do repertório da noite.

Assista abaixo:  

Todo o show: Smashing Pumpkins ao vivo em Birmingham, na Inglaterra (junho de 2024)

Os Smashing Pumpkins começaram nesta sexta-feira uma turnê ao lado do Weezer que para muitos é uma espécie de turnê dos sonhos, mas a mensagem subliminar desse novo contexto do grupo é apagar a imagem de pessoa insuportável que o dono da banda Billy Corgan tem cultivado desde o início do século. Isso começou desde antes da pandemia, quando Corgan readmitiu o guitarrista James Iha e o baterista Jimmy Chamberlin de volta à formação, e seguiu desde então, passando pelo lançamento da ópera rock ATUM (na linha musical de discos importantes pra carreira da banda, como Mellon Collie and the Infinite Sadness e Machina: The Machines of God), por uma anunciada turnê pelos EUA com o Green Day, Linda Lindas e Rancid no segundo semestre e essa turnê atual em que dividem a noite com a banda de Rivers Cuomo. E isso inevitavelmente mexe com o repertório do grupo, que começa a incluir mais músicas próprias da década de 90 e, pela primeira vez nesta sexta-feira, uma versão para uma música do U2 – uma versão bem boa para “Zoo Station”, faixa de abertura do clássico eletrônico do grupo irlandês Achtung Baby. Abaixo, além da versão citada, ainda dá pra asistir à íntegra do show: