Outro patamar

, por Alexandre Matias

Depois de anos com disco e show entalados na garganta, Luiza Lian finalmente está lavando a alma. A chegada surpresa de seu quarto álbum 7 Estrelas / Quem Arrancou o Céu?, que ela vem ruminando desde 2019, mostrou que ela subiu de estágio no que diz respeito à sua criação musical, reforçando com o produtor Charles Tixier uma aliança que expandiu infinitamente as possibilidades latentes daquele encontro nos dois discos anteriores, Oyá Tempo e Azul Moderno.

Leia abaixo:

O mesmo aconteceu com o show, só que indo para um outro patamar: se no disco a artista paulistana concentra sua produção em um único parceiro, na versão no palco ela amplia sua turma, não apenas ao popular o palco com duas dançarinas que, por si só, já dobrariam a quantidade de gente em cena em comparação aos shows anteriores, mas pela simbiose cada vez mais afinada do trio visual que já a acompanhava em Azul Moderno (a luz de Amanda Amaral, as projeções de Bianca Turner e o laser de Diogo Terra). Juntos, este time faz a apresentação subir para um outro nível, que equilibra os dois extremos do disco colidindo o excesso de informações com imagens e textos projetados sobre telas de tecido transparente penduradas entre público e artistas com o túnel psicodélico que traz o elemento circular para o centro da palco – tudo sob a égide da mandala minimalista composta por sete espelhos convexos de segurança.

No repertório, em vez de tocar o disco exatamente na ordem e na íntegra – como tem se tornado praxe de uns anos pra cá – Luiza preferiu enfileirar as faixas pessimistas do lado A do disco (deixando apenas “Homenagem” para fora daquele contexto) para depois revisitar as músicas dos discos anteriores, todas rearranjadas para o novo show. No meio da apresentação ela recita um poema próprio que já havia declamado em lives durante a pandemia:

“Não vai dar pra gente se ver, pra gente se ouvir
Queria ter te visto num voo alto, olhando da perspectiva de uma águia o caos, como quem vê o movimento dos barcos e faz a sua imagem particular da paz: sem piratas nem tormentas, só o cais.
Projeto de quem chega e vai.
O meu desejo era partir pra qualquer lugar.
Invisível, estrangeira, forasteira, mestiça. Como se as dores estivessem presas nos espaços
Viajar, deixar pra trás, sair correndo da própria cabeça, desamarrar as cicatrizes
pra me amar de novo e as coisas ao redor consequentemente
Consecutivamente
Insistentemente
Incondicionalmente
Indestrutívelmente
Quero que você se cure sem ferir mais ninguém pra que ninguém mais se curve diante de nenhuma dor”

E aos poucos vai costurando seus velhos hits – muitos deles cantados pelo público – às novas canções, chegando na segunda metade – mais orgânica – do disco, encerrando a noite com a terceira versão da música “Alumiô”, originalmente pensada para estar em 7 Estrelas, mas que funcionou com um aperitivo do novo trabalho em parceria com o grupo Bixiga 70 no longínquo 2019. Tanto ela quanto seu produtor fazem-se mais presentes, Luiza trocando de figurino quase como se trocasse de pele, Charles sentado em seu set híbrido de percussão e produção digital, tocando-o como o baterista que é. A noite só deslizou quando um problema técnico desligou o som que chegava para o público e Luiza soube improvisar, puxando os agradecimentos e créditos para o meio do show, fazendo com o ritmo da noite não se perdesse. Showzaço.

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