Marcelo Dolabela, por Paulo Beto

, por Alexandre Matias

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Aproveitando o show desta sexta-feira, pedi para o Paulo Beto, o mentor do Anvil Fx e amigo de Marcelo Dolabela, que será homenageado neste show, para que ele escrevesse sobre a importância do escritor e poeta, que morreu no mês passado:

Sou muito ruim de datas, mas foi ou em 2016 ou no início de 2017, que tive a felicidade de encontrar o Marcelo tomando uma cervejinha num bar em plena Avenida Paulista. Ele me viu e me gritou. Estava acompanhado de sua adorável Regina. Conversamos um pouco, mas foi rápido. Ele me disse que ia passar uns dias e trocamos contato pra nos ver mais e bater um pouco de perna em SP.

Acho q ele já sabia que eu tinha incorporado no meu repertório ao vivo uma versão de “Aqui Aqui” do Divergência Socialista. Eu disse que ele precisava conhecer a Bibiana Graeff, vocalista da minha banda, e uma noite acabou rolando. Ele se encantou bastante com ela, até porque ela já era bastante fã de sua poesia. Nesse período dele aqui, me mandou um email com duas poesias que ele havia escrito num tempo ocioso no hotel. Me enviou a seguinte mensagem:

“Paulo Beto

bom dia
quarta-feira, como estava livre, fiquei em casa.
ouvi várias vezes a demo-tape sua e da Biba.
ela está ótima.
de tanto ouvi-la, rabisquei estes dois esboços de letras.
se servirem, usem.

As lágrimas vermelhas de Olga B. (tanka # 2016A)

A cara desta fera é a usura

a peste desta festa infesta

a cura deste vício é a fúria

A besta saiu da floresta

a procura é o que nos resta

A cara desta fera é a usura

a peste desta festa infesta

a cura deste vício é a fúria

A besta saiu da floresta

a cultura é o que nos resta

A cara desta fera é a usura

a peste desta festa infesta

a cura deste vício é a fúria

A besta saiu da floresta

a loucura é o que nos resta

*

Louise Brooks voltou a sorrir

A máquina de tua maquiagem

o sexo: anexo? Convexo?

a brita que te faz tão bonita

na grata

greta

grita

grota

gruta

quem escuta tua imagem?

quem vê tua luta na paisagem?

quem lê tua bruta mensagem?”

Eu fiquei absolutamente chocado com a qualidade e conteúdo do material. E num email seguinte ele me disse:

“são duas, mas podem virar uma letra só.
o mote é o mesmo.
beleza (Louise Brooks) + verdade (Olga Benário) + realidade (Brasil-Hoje).
como disseram os românticos alemães: ‘a beleza é a única verdade / a verdade é a única beleza’.”

Fora esse texto ele me enviou livros e impressos e me incentivou a experimentar música com seus poemas.
Com grande amor à obra desse poeta fascinante, que com sua atitude/poema/punk fez minha cabeça explodir no único show que vi de sua banda em 1988 no DCE da UFJF de Juiz de Fora, e desde então Divergência se tornou pra mim uma influência fundamental.

Em sua carreira, Dolabela publicou mais de 30 livros. Entre eles, o ABZ do Rock Brasileiro, considerado a principal referência enciclopédica do rock nacional até a década de 2000. Ele ainda é o autor de Radicais e Adeus, América, que chegou a virar filme sob direção de Patricia Moran.

Estudioso, colecionador e influenciador de várias gerações da música underground de Belo Horizonte, Marcelo Dolabela fundou, em 1983, o Divergência Socialista, banda pilar da cena alternativa da capital mineira. A partir dela várias outras nasceram, dividindo os mesmos integrantes e ensaiando no mesmo espaço, como o Sexo Explícito, R Mutt, Ida e os Voltas, O grande Ah!, entre outras, e anos mais tarde o Pato Fu e o Tetine. “A gente meio que orbitava em torno do Marcelo. É mestre de muitos outros, de outras gerações”, publicou Ulhoa em uma rede social.

Em sua carreira como roteirista, assinou o texto do curta-metragem Uakti: Oficina Instrumental, do cineasta Rafael Conde, que faturou os prêmios de melhor filme e melhor montagem no Festival de Gramado de 1987. O artista também é responsável pelos roteiros dos filmes Arnaldo Batista: Maldito Popular Brasileiro e Adeus, América, ambos de Patrícia Moran.

Fará muita falta esse grande Mestre agredador e professor da arte inconformista, vanguardista e provocadora.
Seu conhecimento precisa ser perpetuado e difundido, porque durante décadas lá esteve ele acumulando, observando, ensinando e principalmente pensando muito a respeito do rock, do pop, da arte e da poesia.
Que se mantenha acesa a luz e o fogo de Marcelo Dolabela.

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